domingo, 26 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2010:

Malta,
Foi um dos dias mais tumultuosos da viagem. É melhor suspendermos a narrativa em Missirá, tenho muitas responsabilidades com a viagem que vou fazer a Mato de Cão e Chicri. Em Mato de Cão vou recolher imagens do que resta do destacamento. E Chicri, asseguro-vos, continua a ser um dos lugares mais belos do mundo.
Tudo isso será contado amanhã, tenho responsabilidades com quem calcorreou estas paragens ou ali viveu.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (7)

Beja Santos

O primeiro dia no Cuor

1. Ainda não são sete da manhã, o Tangomau põe-se de sentinela a olhar o sereno, parece algodão em rama muito fino, uma evaporação por cima de Bambadinca e das bolanhas da Ponta Nova e Finete. Antes que cheguem Calilo e Iaguba, convém pôr alguma ordem nos apontamentos dos primeiros dias de viagem. Gente de todas as idades, muitas vezes anunciando-se com cantilenas, descem do Bairro Joli para a fonte de Ponta Nova, para baixo vão lampeiros e coleantes, para cima não dissimulam o peso da água em contentores por vezes desmesurados. O Tangomau interroga-se se deve voltar ao HM 241, quando regressar a Bissau, o que viu na noite da chegada e durante as andanças entre Bissalanca e Bandim justificam, sopesados os argumentos, que não, há um limite para observar as ruinas, os escombros ou até aquele cego desdém ao património colonial. Escreve no caderninho: não voltar, não voltar também ao Mercado Central, recusar uma visita a Bafatá. Pelo contrário, tudo fazer para percorrer a estrada entre Amedalai e Moricanhe. E mais anotou: só para abraçar estes queridos amigos, valeu a pena, o Madjo Baldé, o Djiné, o Zé Finete, o Sadjo, o Mamadu; o ter encontrado Dungo Queta, o guarda-costas do Jorge Cabral, que prometeu entregar a lista dos soldados. Na véspera, o homem grande, Fodé Dahaba, foi categórico: “Amanhã vamos para o Cuor, primeiro vamos a Madina de Gambiel, depois Cancumba e depois Missirá. Ficas a saber que Missirá te prepara uma recepção. No regresso vamos a Mato de Cão e Chicri. Mas se ficarem coisas para ver, não te preocupes, voltamos lá”. O Tangomau replicou, quase indignado, que havia muito mais coisas para ver: Então Finete? Então Malandim? Então Gambaná? Então Canturé? E Gã Gémeos? E as novas tabancas de Sansão e Maná? O homem grande encolheu os ombros, por esta é que ele não estava à espera.

Abudu (Abudurramane Serifo Soncó) em casa do Tangomau, durante uma sessão de preparativos para a viagem. O dia vai-lhe ser dedicado. Ele vai para Lisboa em 1996, na esperança de amealhar uns tostões para educar os filhos. Abandonou a profissão de professor e atirou-se à construção civil em Portugal. Tudo foi bem até aos enfartes do miocárdio. Que ele fique a saber que o carro de combate que leva Fodé, Mamadu Djau, Sadjo Seidi, Madjo Baldé e o Tangomau, entre outros, se encaminha para o interior do Cuor recordando as suas saudades da terra natal. Dentro em breve o Tangomau vai beijar Mama Mané, a sua mãe octogenária, que fugiu espavorida de Missirá, depois do ataque de 19 de Março de 1969.


2. Chegam os meus acompanhantes, nova grande surpresa: Dauda Seidi, que foi soldado milícia em Missirá, e que vive agora em Cambessé, perto do Xitole, vem abraçar-me, vai seguir connosco para o Cuor. Seguimos para as compras, o Tangomau foi estupidamente aldrabado no talhante, deram-lhe carne de vaca podre. No dia seguinte ele irá perorar e imprecar em frente do farsante: “Rachid, que o Profeta à porta do paraíso te obrigue a comer durante um ano a carne que me vendeste!”. A viagem segue o seguinte itinerário: contornando Bantajã, segue-se para a bolanha de Finete; na estrada de Bissau, vira-se à direita, como se fôssemos para Canturé, vira-se então à esquerda e caminha-se já com os grilos estridentes na velha estrada de Gambaná, como se fôssemos para Cancumba. Nova guinada à esquerda, o Tangomau está desorientado e por duas razões: o carro de combate de Fodé vai praticamente com as rodas da esquerda no ar, se ele não morrer de acidente, é fatal como o destino que nunca mais morrerá de acidente; e o que se chama Gambiel vai dar origem a muita discussão, toda esta peregrinação sinuosa anda à volta do rio de Biassa, segue para Sancorlã, o que eles chamam Gambiel é pura fantasia, entrámos nas florestas de algumas das madeiras mais exóticas do mundo, é uma atmosfera de grande aridez, é uma paisagem familiar, fazia parte dos 16 itinerários que o Tangomau traçara para chegar a Mato de Cão. Este era um dos calvários da época seca, sofria-se bastante à ida ou à volta, quando se apanhava a fornalha do sol. O Tangomau gritou até que todos se calassem mesmo os habitantes da localidade: isto não é Madina de Gambiel, é Madina de Biassa!

É aqui que o Geba separa Bambadinca do Cuor. O Tangomau ainda insistiu em cambar para a bolanha de Finete, fazê-la a pé como nos bons velhos tempos de viatura avariada em que toda a gente carregava a comida e as munições à cabeça. Só que o trilho se transformou numa estreita linha de passagem, para quem tem a coluna num oito não é viagem recomendável. Entendeu-se, pois, que se devia aproveitar o alcatrão até perto de Canturé e depois aproveitar as velhas estradas. Começava a peregrinação da rota nostálgica, o Cuor de Finete, o Cuor de Canturé, o Geba em Mato de Cão, o regresso à Jerusalém Celeste, Missirá


3. Primeira discussão do dia com o homem grande Fodé Dahaba. Se ele quer sessão de cumprimentos em Canturé e evento social em Finete, depois só há tempo para ir a Missirá e Cancumba. Ele interpela porque é que se vai a Cancumba, é facto que há lá uma tabanca, mas qual é a importância de Cancumba? Sem perder as estribeiras, o Tangomau recordou-lhe que era dali que vinha a água, sem aquela fonte era como viver num lugar ermo do Sahara, era igualmente dali que vinha o fogo das flagelações, por ali passávamos em patrulhas de nomadização ou num dos percursos de acesso a Mato de Cão. Dada a explicação, desfeitos alguns equívocos, seguiu-se para Madina de Biassa. O que jamais se esquecerá é o encontro com outro soldado milícia, Mamadu Mané. Houve grandes alegrias, o reconhecimento não foi difícil, o Mamadu mantém o ar acriançado. A fotografia era inescapável, guarda estilhaços na região frontal e no pescoço. Não é deficiente das Forças Armadas, não tem direito a tratamentos. O Tangomau tinha a garganta seca: é injustiça demais que este combatente viva com a saúde abalada e nós a ignorá-lo. Ei-lo aqui, para nossa vergonha.

Madina de Biassa é uma das povoações novas do Cuor. Aqui chegou a haver três quartéis durante a guerra: Finete, Missirá e Mato de Cão; o PAIGC acantonava-se em Cabuca, Madina Belel e Banir – eram estas as forças em presença, como soe dizer-se. Com a independência, brotaram Malandim, Mato de Cão, Saliquinhé, Chicri, Gãbaná, Maná, Sansão e Madina de Gambiel. Mas o Tangomau tem de voltar à Guiné pois desconfia que há ainda muito mais vida para pesquisar dentro do Cuor.


4. De Madina de Bissa a peregrinação rumou para Camcumba. A paisagem mudou. Houve um projecto italiano e a fonte está disciplinada. A nova tabanca custou a vida de muitas palmeiras, Cancumba não era assim. O Tangomau não parava de meditar sobre aqueles dois quilómetros que separavam Cancumba de Missirá, os bidões a rolarem pela estrada quando as viaturas estavam avariadas. A tabanca é harmoniosa, fez-se uma breve paragem para saudar os habitantes, ala morena que se faz tarde, agora vamos a correr para Missirá.

Recorre-se a um lugar-comum para dizer que o que se viu há 40 anos foi mudado pela natureza ou pela mão do homem. As recordações de há 40 anos desorientam o visitante. Onde ele se sentiu melhor é naquela estrada que outrora ligava Bissau a Bafatá. É uma laterite muito especial, cheia de terreno pedregoso, faz parte do Cuor árido, mais árido do que aquilo só Cabuca, Madina e Belel. E no entanto o Tangomau extasiou-se com aquela natureza selvagem, a zanguizarra dos grilos em Novembro, as borboletas multicolores, os pássaros, até os macacos. Talvez a delirar, o Tangomau entendeu tudo como uma recepção triunfal, 40 anos depois.


5. Para não entrar imediatamente em pranto, o Tangomau, logo à chegada a Missirá pediu para ir ver o túmulo do irmão, o régulo Bacari Soncó, um irmão profundamente amado e admirado. Aqui se ajoelhou, rodeado dos Soncó, dos Indjai, dos Mané. Deus sabe o que ele deve à dedicação deste homem integro e valoroso. Depois, antes que o homem grande Fodé Dahaba subisse ao púlpito e fizesse novo discurso, vagabundeou pela velha Missirá, a inexistente, onde ele viveu 17 meses a fio.

Os mandingas são sepultados de muitas maneiras. Gosto muito deste cemitério coberto, Bacari tem terra em cima e aguarda a companhia de outros familiares. Deus misericordioso tenha compaixão deste homem bom, meu dedicado companheiro de armas.

Na deambulação, o Tangomau confirmou aquilo que toda a gente sabe: com o velho se faz o novo, basta olhar para aquelas chapas. Aqui, começaram a escorrer algumas lágrimas tímidas, aqui situava-se o seu abrigo, mais à frente a casa do padre, Lânsane Soncó e mais à frente o balneário, um pouco à esquerda, fora desta imagem, um espaço a que se chamava o refeitório que tinha ao lado o armazém de víveres. Mudam-se os tempos, mudam-se as finalidades.


Aqui está o comité de recepção: de pé, a partir da esquerda, Inderissa Soncó, Sana Mané, Ansumane Indjai, Cali Soncó, Braima Mané. De joelhos, à esquerda, Lamine Mané e Iusso Soncó. O Tangomau estava a jogar em casa, estas eram as crianças do seu tempo, uns usaram Mauser, outros sofreram os efeitos das flagelações e dos ataques, outros ajudaram na cozinha ou dela beneficiaram. Lamine lembrava-se do Natal de 1968, recebera prendas. Foi um momento extraordinário, evitámos falar nos nossos queridos mortos, não houve amargor pelas muitas privações porque continuam a passar. A seguir, Fodé Dahaba tomou conta da banda, os Dahaba aqui também pontificam. Aliás, o Fodé tem família em toda a parte. Depois houve discursos, foram entregues petições, o Tangomau comoveu-se quando apareceu Mama Mané, a mãe de Abudu. O passado tornou-se presente, havia que explicar àquela octogenária que o filho não deve viajar, aquelas paragens não são boas para quem já teve dois enfartes do miocárdio.


Mama Mané panejada como se estivesse em cerimónia. Só perguntava pelo filho, irrompemos num choro miudinho, uma mulher grande recompõe-se rapidamente, Mama Mané vem da linhagem real, os reis não devem chorar em público.

Aqui se interrompe a viagem, leitor e narrador têm direito a uma pausa. A viagem é quase interminável, vamos prosseguir amanhã, mesmo que se esteja a meio do dia. E, meu Deus, daqui ainda se vai partir para dois lugares santos: Mato de Cão e Chicri.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________
 
Nota do editor:
 
Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7462: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (6): Bambadinca, recordações da casa dos mortos

Guiné 63/74 - P7503: Blogoterapia (169): Para quando um Soldado Deconhecido das últimas guerras de África? (José Belo)

1. Mensagem de José Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 17 de Dezembro de 2010:

Caros Camaradas e Amigos. 
Nas Festas que se aproximam, junto aos nossos familiares e amigos num calor de profundos sentimentos feito, há sempre algum doloroso minuto em que, involuntariamente, o nosso pensamento voa em recordações de camaradas que, como nós partiram, mas... não voltaram.

Ao olhar a fotografia tirada por Mário Beja Santos (publicada no blogue) da sepultura de um Soldado de Portugal, veio à memória o poema: "O menino de sua Mãe".

Jovem de vinte anos, usado e abusado em guerras não suas, decididas pelos que, com criminosa soberba subestimaram os maremotos da História.

Quem seria este jovem? Mas, e principalmente... QUEM PODERIA TER VINDO A SER? Para nós, os que sobrevivendo voltámos... a família, os amigos, o futuro....a vida! 

Este jovem camarada, nem morto teve possibilidade(económica?!) de voltar. Esquecido num miserável canto de tabanca perdida  é uma ferida aberta que nos deverá fazer parar e meditar.

A tão repetida frase "Do Minho a Timor" que tanto nos enche de orgulhos vários, marca uma rota semeada em todo o seu tão longo percurso por campas de soldados e marinheiros de Portugal... algures... esquecidas? 

A participação Nacional na primeira Guerra Mundial não foi aceite por todos os grupos políticos de então. As divisões foram longas e profundas. Mas um Soldado desconhecido caído na Flandres, e outro em África, estão hoje sepultados no Mosteiro da Batalha.

Quando haverá coragem política, (ou não será antes PATRIOTISMO sem mais adjectivos), para, no mesmo Mosteiro, lado a lado com os Camaradas de então, dar sepultura a um Soldado Desconhecido das últimas guerras de África?

Controversial para alguns vivos? Mas não será antes honrar os mortos do que se trata? 

Um abraço amigo.
J.Belo
Kíruna/Dez.2010.


O Menino de Sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe

Fernando Pessoa
__________

Notas do Editor:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7465: (Ex)citações (121): A política dos povos é algo demasiadamente importante para ser entregue a militares (José Belo)
Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7362: Blogoterapia (168): Por que somos Camarigos, isto é, camaradas + amigos (Joaquim Mexia Alves)

sábado, 25 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7502: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (19): José Barros Rocha, de Penafiel, ex- Alf Mil, CART 2419 (Mansoa, 1979/70)

Região de Tombali > Guileje > 1969 CART 2410, Os Dráculas (Junho de 1969; Março de 1970) > Alf Mil José Barros Rocha, reformado da actividade bancário, natural de Penafiel, se não erro... [,foto à esquerda].

1. Notícias de um camarada José Barros Rocha (não confundir com o com popular José Rocha, ex-Alf  Mil da CCS/ BBCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, amigo do António Pimentel, nosso amigo também, membro da Tabanca de Matosinhos, mas que ainda não se inscreveu na Tabanca Grande: estranha contradição, quem pertence à Tabanca Pequena deveria passar automaticamente a pertencer à Tabanca Grande, mas não: as regras são diferentes, a filosofia organizativa também é um bocado diferente...).  

Estamos a falar de um camarigo do Norte, um homem que na Guiné esteve no sul, e eu eu conheci por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje... membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007. Foi ele quem nos alertou para batalha de Sangonhá. (LH)


De: José Rocha

Data: 24 de Dezembro de 2010 14:12

«Então, Luís:
Que raio de de maleita essa - ciática - te havia de apoquentar e numa altura destas!!!....
Só quero desejar-te as mais rápidas melhoras e que consigas uma noite de Consoada o mais tranquila possível na companhia dos que de ti estão e são mais próximos.

As tuas melhoras!
Feliz NATAL!

Aquele abraço "camarigo"!
José Rocha


P.S. - Os votos de melhoras são extensivos a todos os "camarigos" que neste momento se encontrem menos bem.

___________________

Nota de L.G.:


ÚItimo poste da série > 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7499: Agostinho Gaspar, de Leiria ( 3ª CCAÇ / BCCAÇ 4162, Mansoa, 1972/74)

Guiné 63/74 - P7501: Notas de leitura (180): Poemas, de Vasco Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2010:

Malta,

A Guiné-Bissau possui um conjunto de poetas que merecem a nossa atenção. É o caso de Amílcar Cabral, Vasco Cabral, Hélder Proença, Agnelo Regalla, José Carlos Schwarz (**), entre outros.

Existe, aliás, uma antologia “Antologia Poética da Guiné-Bissau” (Editorial Inquérito, 1990) que a seu tempo se fará referência e que tem um convidativo prefácio do escritor Manuel Ferreira.
Hoje faz-se exclusivamente menção ao trabalho poético de Vasco Cabral, um poeta declaradamente marcado pela cultura portuguesa.

Um abraço do
Mário


A luta é a minha primavera

Beja Santos

Vasco Cabral (Farim/1926, Bissau/2005) fez a sua formação profissional e ideológica em Portugal. Em 1944, aderiu às organizações africanas que em Portugal militavam em prol da afirmação do homem africano, nos balbucios dos movimentos de libertação; em 1948, passou a trabalhar em estreita colaboração com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Mário de Andrade; conhece os cárceres entre 1951 e 1959; a partir de 1962, passou a ocupar cargos importantes no PAIGC (foi membro do Comité Central, do Secretariado-Geral e do Conselho Superior de Luta e entre 1981 e 1993 foi secretário permanente do Partido) tendo ocupado várias vezes cargos ministeriais.

Em 1981, publicou em Portugal a sua obra poética com o título “A Luta é a minha Primavera”. Foi presidente da UNAE – União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. A edição que aqui se refere é de 1999, edição trilingue (português, francês e romeno) da responsabilidade da União Latina (organização que congrega os povos de língua românica e que se destina à promoção da ideia de uma comunidade cultural latina). As ilustrações são de Sá Nogueira, indiscutivelmente um dos maiores artistas plásticos portugueses do último quartel do século XX.

Vasco Cabral foi um poeta que cultivou, na linha da sua formação cultural, o militantismo neo-realista, mesmo numa linha de liberdade estrófica e melódica. À semelhança de um Carlos Oliveira, de um Manuel da Fonseca ou de um José Gomes Ferreira, vemo-lo a poetar sobre as crianças abandonadas, os pedintes, os artistas de circo, os temas da saudade e da fraternidade são recorrentes, bem como as trovas afectivas. O seu leque de preocupações líricas abarca as histórias de encantar, as recordações de infância, os encontros de namorados, a determinação do combatente, a luta pela melhoria das condições dos oprimidos, a resistência na prisão, o hino à esperança e, com uma importância determinante, a exaltação pela independência e a determinação contra o colonialismo. Vejamos alguns desses poemas:

A luta é a minha primavera

a luta
é a minha
primavera

sinfonia de vida
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes

o cantar das pedras
e das rochas
o suor das estrelas!

a linha harmoniosa dum cisne!


O último adeus de um combatente

Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangraram de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade.
Sim! Foi por isso que eu parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!


A Luta

A luta é a minha Primavera
Sinfonia de vida:
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes
o cantar das pedras e das rochas
o suor das estrelas!
a linha harmoniosa de um cisne!


O passado e o presente

Qua foi o teu destino, meu povo!
Ó terra dolorosa da miséria!
Senti na minha carne a tua carne retalhada.
Correu da minha boca o teu sangue derramado. Vivi a tua morte.
lenta e trágica e os teus heróis de gritos silenciosos
perdidos nos passos do medo.
Sofri nas entranhas os punhais da traição
e o chicote
e o imposto
e a palmatoada.

Mas eu sabia que isso ia acabar
eu sabia que um destino novo é o que a vontade quer
e cavalguei o meu sonho na espada de esperança
e como D. Quixote bati-me com moinhos e loucuras.
Mas não foi em vão.
Hoje, qual é o teu destino, meu povo?
Das raízes das dores nasceu a madrugada
e a chuva da certeza já floriu o capim novo.
Agora, meu povo, o teu destino é este:
criar Humanidade!


PS - Este livro passa a pertencer à biblioteca do blogue, tal como os outros aqui recenseados, estando disponíveis para consulta e leitura no gabinete de trabalho do nosso editor Luís Graça, em Lisboa, à falta da futura sede da nossa Tabanca Grande... Contacto: + 315 21 721 21 93.
__________

Notas do Editor

(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2010 Guiné 63/74 - P7470: Notas de leitura (179): A Luta Pelo Poder na Guiné-Bissau, de Álvaro Nóbrega (Mário Beja Santos)

(**) José Carlos Schwarz (1949-1977), além de poeta, grande músico, compositor e intérprete, não tem qualquer relação de parentesco, apesar do seu apelido,  como o nosso Carlos Schwarz, mais conhecido por Pepito. Morto em acidente de automóvel, em Cuba, aos 27 anos, é hoje um mito da história da cultura guineense.

Podem ouvir-se aqui algumas das músicas deste artista maior da Guiné musical,  na interpretaçao do grupo Cobiana DJazz, que de ele foi um dos fundadores, juntamente com outro grande artista, ainda vivo Aliu Barri, hoje agricultor em Buba. (Obrigatório ler esta entrevista, de 2007, com Aliu Barri, para de se perceber o doloroso parto da verdadeira e autêntica música da Guiné-Bissau, e das enormes dificuldades de se ser música naquela terra).

Ver também um poste sobre as origens (alemães) do "jovem rebelde" Zé Carlos Schwarz e o nascimento de um dos  primeiros grandes de música crioula, na Guiné-Bissua, o Cobiana Djazz.: Lamparam III > 11 de  Dezembro de 2006 > José Carlos Schwarz, elementos escolhidos (da autoria presumível de Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote", com uma nota notável do editor, o nosso amigo Leopoldo Amado).

Guiné 63/74 - P7500: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (18): Agostinho Gaspar, de Leiria ( 3ª CCAÇ / BCCAÇ 4162, Mansoa, 1972/74)





1. Mensagem de, ontem, do nosso camarigo Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria, e membro da Tabanca Grande e da Tabanca do Centro; na foto em cima, é o primeiro à esquerda, em Mansoa,Natal de 1973... (Presumo que os restantes camaradas sejam todos rapaziada da ferrugem, (termo do nosso calão de caserna aqui usado sem qualquer desprimor para os nossos especialistas mecânicos auto-rodas que fizeram milagres com as notas latas velhas como, por exemplo, as GMC; tenho muito respeito por eles...). (LG)


Foto: © Agostinho Gaspar (2010). Todos os direitos reservados.

Data: 24 de Dezembro de 2010 15:24

Assunto: Boas Festas

Caramigos e tertulianos,

Desejo-vos um Feliz Natal e Boas Festas.

Agostinho Gaspar
______________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 25 de Dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7499: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (17): Um gesto de grande nobreza: O António Paiva visitou, ontem, no Hospital de Santa Maria, o Rui Ferreira

1. Bonita e singela mensagem do  António Paiva que muito me sensibilizou:


Data: 24 de Dezembro de 2010 21:36
Assunto: Doença

 Caro Luís Graça;


Desejo-te um Feliz Natal, assim como para toda a família.


Já estive com o Rui [, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa]... Quero mandar mensagem para saír no blogue, se possível amanhã.



Ele está bem, estavam lá a mulher e as duas filhas.


Diz-me se posso mandar para ti, ainda não jantei, conforme tu resposta farei depois de jantar.Tirei fotografia, mas estou mesmo na sucata, muito tremida.

Um abraço
António Paiva
ex-Soldado Condutor no HM 241  [, foto à esquerda]
Bissau, 1968/70


2. Comentário de L.G.:


Foi um gesto de grande nobreza, da  tua parte, o passares pelo hospital para visitares um camarada que nos pregou um valente susto, mas que nem sequer é, tanto quanto sei, uma pessoa das tuas relações íntimas... Manda a foto, quando puderes. Força para ti, que bem precisas, neste dia em que mais sentimos a solidão... Daqui da Madalena, V.N. Gaia, vai um xicoração para ti. Almoçaremos na minha escola um dia destes. Que o ano de 2011 traga mais serenidade e esperança à tua vida. L.G.


___________________


Nota de L.G.:


Último poste da série > 25 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7498: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (16): Um receita energética para os entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados tabanqueiros... (Vitor Junqueiro)

Guiné 63/74 - P7498: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (16): Um receita energética para os entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados tabanqueiros... (Vítor Junqueira)

1. Do nosso querido camarigo Vitor Junqueira (*), médico, com data de ontem, comentando os infortúnios que têm atingido as nossas tropas, ou melhor, alguns de nós, e exortando-nos a encher o peito de ar e (a)levantar o moral

Olá,  rapaziada do meu tempo;

Hoje não é dia para cultivar pessimismos. Todos de pé, já. Os coxos estão dispensados! Tenham presente que a mente comanda o corpo e,  como tal,  não deis confiança à doença e ... tende cuidado com os médicos que, na nossa idade, parecem obcecados em livrar-nos dos últimos pecaditos. 


A todos, em particular aos entrevados, by-passados, disrítmicos ou algo incapacitados desejo rápida recuperação.



Bom Natal e excelente Ano Novo.
Abraço forte e carregado de amizade do,
Vitor Junqueira

E tu, Vitinho Tavares? Desde que foste à recauchutagem mais ninguém te agarra! Então agora que tens os ossos todos numerados até estavas capaz de te alistares novamente no teu saudoso BCP 12. Estou certo? Tenho a certeza que sim, pois eu ainda lá voltava!

Paulinho Santiago: tem juízo,  rapaz! Nesta quadra, cuidado com os doces e as carnes, jovens (querias!). Boas caminhadas para o próximo ano e caso metas o papel, cá te espero para uma de longo curso. Ab

Carlitos (Vinhal), então como é que é, meu? Andas meio foxtrot por causa de porras do Blog? Nada o justifica, meu querido amigo. Deixa-os pousar qu' a gente vai-se a eles. Por acaso até ando com vontade de fazer uma prosa em que os editores são parte interessada, só estou à espera de vontade.



Arriba, camarada e se eu puder dar uma mãozinha nalguma coisa, é só dizer. Ab e bom Natal
VJ

 ___________


Nota de L.G.:

Último poste desta série > 25 de Dezembro de 2010 > 2010 Guiné 63/74 - P7497: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (15): Que o Natal seja sempre que um camarigo quiser ! (Editores)


(*) Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).


Autor do blogue  "Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.

Guiné 63/74 - P7497: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (15): Que o Natal seja sempre que um camarigo quiser ! (Editores)


© Miguel Pessoa (2010)




1. Camaradas, amigos, camarigos: Eu, que não gosto de me armar em valente, embora seja uma alma sensível, mas também não tenho a lágrima fácil, fiquei comovido até às lágrimas, com as muitas dezenas e dezenas de mensagens que tenho recebido a desejar as nossas melhoras,  colectivas e individuais... Verdadeiras mensagens da melhor camarigagem de que nós, às vezes, somos capazes.


Na quadra a que eu chamo de grande stresse natalício, em que praticamente é proibido abrir o computador, houve gente que conseguiu arranjar um bocadinho de tempo, roubado à família e aos amigos mais íntimos, para emprestar o seu ombro amigo àqueles de nós que, na Tabanca Grande, estavam a precisar de uma palavrinha de atenção, consolo, esperança, ânimo... Enfim, aquilo a que nós chamamos a nossa blogoterapia...

Na ausência, em "estúdio",  do Vinhal (que "vive e sofre" com o que o aqui se passa, 24 horas por dia!!!), o Mural do Pai Natal da Tabanca Grande está uma m..., uma confusão dos diabos... Eu nunca poderei pôr isto tudo em ordem,  arrumadinho como só ele pode e sabe fazer... e tem feitio todos os anos... Mesmo assim, não quero deixar de postar, por estes dias,  no nosso mural, algumas das palavras bonitas e sobretudo sentidas que nos têm escrito, tanto velhinhos como piriquitos... 

Não tenho mais notícias do Rui Ferreira cujo estado de saúde espero esteja a evoluir favoravelmente, e que era o tabanqueiro que mais nos preocupava este Natal... Mas o Paulo Santiago e o Carlos Santos, os nossos dois bons gigantes (mais o Victor Barata, também seu amigo e vizinho), estão atentos... O António Paiva, espero bem,  deve ter encontrado um porto de abrigo neste Natal. O Carlos, por sua vez,  já lhe senti um pouco mais de ânimo num mail particular que me mandou a chamar-me madraceiro, ontem às 10h da manhã, e que eu tomo a liberdade de reproduzir aqui...

Luís: Estás então em Gaia a passar o Natal? Na cama? Não tens vergonha? As melhoras, rápidas e definitivas.... Acerca dos teus sábios provérbios, mando esta máxima, à troca, que recebi hoje do Carlos Cordeiro: "As coisas são como são em virtude de serem assim mesmo"... É muito profunda, não achas?

Vou fechar o estabelecimento e vou ver a minha velhota. Até logo. Deixa-te de malandrar e levanta-te para comeres as batatas. Um abraço para ti e um beijinho à Alice. Dá cumprimentos nossos à tua família de Gaia. Boas Festas. Carlos






© Miguel Pessoa (2010)




2. Eu, próprio, consegui ontem ao fim da tarde escrever as quadras natalícias de que estou incumbido todos os os anos... É o meu pequeno, modestíssimo, contributo para que a noite da Consoada da Madalena seja, todos os anos, um momento bonito de amor e amizade entre sete famílias que, putos incluídos, este ano juntou duas mesas com vinte e tal pessoas, incluindo dois "tabanqueiros" da nossa Tabanca Grande, eu e o João Graça mais o seu violino... 


Tirando a ciática, espero que o vosso Natal tenha sido tão ou mais lindo que o meu... Agora vou-me levantar por que é preciso comer a "roupa velha"...  Em meu nome, e do resto da equipa que faz este blogue o melhor que pode e sabe  (Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro, Virgínio Briote e... Miguel Pessoa!), a continuação das boas festas de Natal... o tal Natal que é sempre quando um camarigo quiser. 


As quadras, de sete sílbas, foram o que que se pôde arranjar este ano... São dedicadas aos morcões dos meus cunhados Gusto e Nitas, que eu considero há muito como meus irmãos de verdade (são, além disso, os donos da "clínica da Madalena", onde eu estou em convalescença por estes dias...):

No Natal da Madalena,
Foi-se a musa de sabática,
Tenham pena, muita pena,
Está o poeta c’o a ciática

Está o poeta c’o a ciática,
Mas temos o cavaquinho,
Revolve-se a problemática,
E chama-se o Joãozinho.

E chama-se o Joãozinho,
Tiago, Pedro, Tia Nita,
E logo num instantinho,
Forma-se um grupo catita.

Forma-se um grupo catita,
Do jazz à gente fadista,
E até a Joana imita
A bela Júlia florista.

A bela Júlia florista
Via caras, mas não c’roas,
Pois é, ó economista,
Lá sem  guita não há… broas,

Lá sem guita não há… broas,
Mas ó da casa, ó patrão,
Tantas coisas e tão boas,
Vão p’ró rol da gratidão.

Vão p’ró rol da gratidão,
Vão p’ró deve e p’ró haver,
Calam fundo no coração,
Dão sentido ao viver.

Dão sentido ao viver
Destas nossas sete famílias,
Uma história p’ra escrever,
Tão bonita, sem quezílias.

Tão bonita, sem quezílias,
Palavras não são despesa,
Marias e até Emílias
Ficam bem à nossa mesa.

Ficam bem à nossa mesa,
Os nossos anfitriões,
Amizade e gentileza,
Disso são os campeões.

Disso são uns campeões
Um exemplo de beleza,
Muito pouco comilões,
Ficam bem em qualquer mesa.

Ficam bem em qualquer mesa,
Com linho, seda ou papel,
É sempre a mesma nobreza,
Jingle bell, jingle bell.

Jingle bell, jingle bell,
Que o jantar nem estava mau,
Muitos doces com papel,
Nem faltou o bacalhau.
 
Nem faltou o bacalhau,
Que já foi mais fiel amigo,
Anda com cara de pau,
Estando agora em perigo.

Estando agora em perigo,
Nas mãos dos noruegueses,
Quiçá até inimigo,
À mesa dos portugueses,

À mesa dos portugueses,
Pai Natal da Madalena,
Tens crianças, teus fregueses,
Trazes prendas e uma rena.

Trazes prendas e uma rena
Meu querido Pai Natal,
Cá na nossa Madalena,
Não faltou o essencial.


Luís Graça, 24/12/2010


_____________________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 24 de Dezembro de 2010 > 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7496: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (14): Ruizinho, os heróis não morrem; Paulo, quem quer ser lobo, veste-lhe a pele; Carlos, portugueses e camarigos, muitos, alguns loucos; Miguel, 'tá lindo o nosso Poilão; camaradas, amigos, camarigos, saúde e paz na terra e... na blogosfera (Luís Graça)



O poilão da Tabanca Grande devidamente enfeitado e iluminado pelo nosso strelado artista gráfico, o camarigo © Miguel Pessoa (2010) (cada vez mais cobiçado pela concorrência...)




1. Temos sabido do Rui Ferreiro (mais conhecido no círculo de amigos como o Ruizinho), através do Paulo Santiago, em correspondência com o Carlos Vinhal (que neste momento e até ao fim do ano está de "baixa bloguistica", por sua vontade e meu consentimento):


(i) 14 de Dezembro de 2010:


(...) Há momentos, para me esclarecer num comentário, tive de telefonar ao Carlos Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 2701. Deu-me uma má notícia.

O Rui Alexandrino Ferreira( Ruizinho) está desde esta manhã internado na UCI do Hospital de Viseu com problemas cardíacos. Inspira cuidados.Terá de ser transferido para os HUC,onde forçosamente terá de ser operado. Já andava mal há uns dias. (...)



(ii) 14 de Dezembro de 2010: 


(...) Cheguei há pouco de Coimbra onde fui à apresentação do livro do Cor Calheiros. Acabei de falar com o Carlos Santos que esteve hoje à tarde na UCI do Hospital de Viseu. O Rui está muito debilitado, [ à doença crónica degenerativa que já tinha ] agora junta-se a angina de peito, precisa de ser intervencionado nos HUC. O problema é, com a debilidade que apresenta, essa intervenção cirúrgica poderá ser feita? Penso, o Carlos Santos também, que o Rui gostará de saber que os camaradas fazem força pela sua recuperação. Fica ao vosso critério a divulgação ou não do estado de saúde do Rui. (...)

(iii) 23 de Dezembro de 2010:

(...) O Rui foi transferido na 2ª feira do Hospital de Viseu para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa (com Coimbra ali tão perto...) para ser operado na 3ª feira. O seu estado devia ser grave, os médicos não esperaram e operaram-no durante a madrugada de 2ª para 3ª. O pós-operatório parece estar a correr bem...hoje telefonou ao Carlos Santos.

Aproveito para te desejar um Bom Natal, extensivo à tua família. Não deixes que as "guerras" do blogue te enviem para a psiquiatria. Dá descanso aos neurónios... Grande
abraço.



(v)  No dia 23 de Dezembro de 2010 20:01, Carlos Esteves Vinhal escreveu ao Paulo:

Caro Paulo. Obrigado pelas notícias que vou canalizar para o Luís. Acho que seria oportuno a publicação de um poste agora que temos mais certezas. Muito obrigado pelas tuas palavras em relação a mim.



Recebe um abraço e a retribuição dos teus votos. Tudo de bom para ti e para os teus. Carlos


(v) Eu, Luís Graça, senti-me na obrigação de escrever a ambos (com conhecimento a toda a Tabanca Grande), o seguinte... É um texto de humor e de amor bloguísticos (por favor não o levam a sério, os seus destinatórios são apenas o Paulo e o Carlos):


Paulo (com conhecimento ao Carlos Vinhal): 

Que raio de Natal, o deste ano! O nosso Ruizinho, 67 anos,  no hospital, a inspirar-nos cuidados e um aperto de angústia no coração; o meu querido Carlos Vinhal abatido por causa das "e-merdas" do blogue; eu, deitado, de cama, desde sábado, com uma ciática, a deixar-me operacional só a 20%; o Virgínio, há muito de sabática por causas das arritmias do coração; o Eduardo a tapar os buracos das albufeiras; o Zé Martins a pôr velas aos santinhos nossos padroeiros e a desejar as nossas melhorar; o strelado do Miguel a enfeitar de luzinhas o poilão da nossa Tabanca Grande para tentar a alegrar o ambiente; as nossas queridas caras metades na freima de ter tudo pronto, logo á noite, na ceia da Consoada: as prendinhas, o azevinho, a toalha de linho, as pencas, as batatas, o bacalhau, o azeite, o vinho...

Espero ao menos  que tu, Paulo, meu  bravo comandante do Pel Caç Nat 53 e camarada de armas de Bambadinca ao Saltinho,   nos anime e nos dê, de Águeda,  uma  ajudinha a vigiar este batalhão de náufragos do império... incluindo todos aqueles camaradas, amigos e camarigos que, sem um queixume, uns com "by-pass", outros sem "ombro amigo", vão passar esta Noite também tristes, doentes, combalidos, cacimbados, lixados, f..., ou até sós... (E se calhar são muitos mais do que aqueles que a gente imagina...Para eles vai o meu, o nosso,  pensamento solidário)... 

Paulo, faz chegar ao Rui, aos seus amigos (em especial ao Carlos Santos) e família, à equipa de saúde de Santa Maria que o está a tratar (e seguramente salvar), o desejo das suas rápidas e possíveis melhoras, e faz-lhe(s) sentir o melhor que há em nós, a malta desta Tabanca Grande, que é já uma peqena grande família, o melhor justamente de nós, que é a camarigagem, a compaixão, a força na adversidade... 

Vou tentar fazer uma notícia a desejar as melhoras do Rui... 

Na cama (estou na Madalena, V.N. Gaia, onde cheguei ontem à noite de Lisboa, com mulher e filhos) sou capaz de trabalhar com o portátil, nos intervalos da "pedrada" da medicação... Vou estar de férias no Porto (ou de atestado médico, se a coisa piorar... até ao fim do ano). 

Um santo Natal para ti, família, amigos... Dá um abração ao grandalhão do Victor Tavares, teu vizinho e herói de tantas batalhas do BCP 12, que também há tempos passou as passas do Algarve por causa da coluna...

Paulo, tu que és um coração de ternura barrada com mel, por baixo desse tronco de touro ou de lobo do reiguebi, mereces um especial xicoração, da minha parte, por tudo o que tens feito por todos nós, e em especial pelo Rui... Sei que és sempre o primeiro quando alguém está doente ou em baixo, aqui ou na Guiné-Bissau.... Eu tenho um especial carinho e admiração por ti, tu sabes... 


Um Alfa Bravo também para o "tabanqueiro" do teu João... Desculpa-me se hoje estou mais lamechas... mas  um gajo também é uma merda neuroquímica,  70% de sangue, suor e lágrimas: não é preciso um tiro de Kalash para nos matar, basta uma injecção letal, ou às vezes até a simples altercação do povo ...Luís...

PS1 - E já que a ocasião é propícia, mete na tua árvore de Natal estes sábios provérbios populares sobre doentes, doentinhos e pobrezinhos... E se não tiveres insónias nesta noite de Consoada, pensa em nós, Paulo, pensa no Rui,  e distribui alguns destes aforismos  aos teus amigos (que eu sei que são muitos) e aos teus inimigos (que eu sei que sei poucos, "pero locos").

"Quando pobre come frango, um dos dois está doente".
"Mais vale uma perna sã do que duas muletas"
"Médico novo e puta velha, todos gostam de experimentar" 
"Até aos 40 bem eu passo, dos 40 em diante 'ai a minha perna, ai o meu braço' ";
"Não adianta fugir com o cu à seringa"
"Em Lisboa nem sangria nem má nem purga boa"
"O hóspede e o peixe aos três dias fedem"
"De São Martinho ao Natal, o médico e o boticário enchem o bornal";
"Uma facada tem cura, mas a má palavra sempre dura"
"Quem de puta faz cabedal vai acabar na cadeia ou no hospital"
"É preciso cuidar dos pobres, antes que eles cuidem de nós"

PS2 - Para  o meu querido amigo Carlos, editor, que está sofrer, que eu sei (por que tenho um dedo que adivinha), com  "burn-out", esgotado (e eu sinto-me também culpado por isso)... mando-lhe estes "regalitos" para a sua árvore de Natal (a dele e da pobre Dina, que já há muito devia ser promovida a tabanqueira de honra, já que nunca falhou nenhum dos nossos cinco encontros e atura-nos, por tabela, muitos dos nossos pesadelos não climatizados)... 

Carlos, que o teu coração se alegre (ou que pelo menos consigas sorrir) ao ler estes conselhos que uso debaixo do travesseiro da minha cama, quando sofro de insónias ou dos males da alma:

"Portugueses pocos, pero locos" (considerar-me-ei sempre português, mesmo que seja o último, e mesmo que louco...)
"Cristo curou cegos e aleijados mas não malucos" (cuidado com o conceito...)
"Foge do louco e do alvoroço do povo" (há loucos e malucos...)
"Deus manda ser bom, mas não manda ser parvo" (acho que sou bom e quase sempre parvo, o que em latim quer dizer pequeno)
"Mais se ganha no paço às barretadas do que no campo às lançadas" (, que irónico, é a gente vê todos os dias na santa terra...)
"Quem a um castiga, a cem fustiga" (à vezes funciona)
"O dente morde na língua mas mesmo assim vivem juntos" (uma grande verdade)...
"Quem em caça, política, guerra e amores se meter,  "
não sairá quando quiser" (foi nosso caso, ainda não saímos, a maldita da guerra)
"O hóspede e o peixe aos três dias fedem" (... ponham-nos no frigorífico!)
"Os homens conhecem-se pelas palavras e os bois pelos cornos" (...por usamos palavras como camarigo e camarigagem...)
"Se um burro te zurrar, não lhe zurres" (... devíamos ir mais vezes ao jardim zoológico para percemos que afinal o Homo Sapiens Sapiens não passa de uma espécie animal, classificada pelos zoólogos na Ordem dos Primatas, com mais outras 200 espécies que elem, Homo Sapiens Sapiens, já conseguiu destruir...).


Madalena, Vila Nova de Gaia, 24 de Dezembro de 2010, 16h
________