Camaradas,
Depois de longa ausência, eis-me a dar provas de vida... Remeto um texto alusivo a uma "conversa" que tive recentemente com 120 alunos de uma Escola de Alcobaça.
Felizmente que os velhotes ex-combatentes já vão sendo convidados pelas direcções de algumas escolas. Aconteceu comigo e não desperdicei a oportunidade de transmitir à gente jovem algo da história recente de Portugal, que teve a ver alguns dos familiares mais velhos... No que me diz respeito foi uma experiência gratificante que gostaria de partilhar com a "Tabanca Grande".
GENTE JOVEM E A MEMÓRIA DA GUERRA DOS SEUS AVÓS…
O Prof. Luís Tavares apresentou-me. «O José Eduardo esteve na Guerra Colonial, já escreveu um “Diário” e um livro sobre os seus tempos da Guiné e aceitou o convite da nossa Escola para falar sobre o assunto," dentro do programa de actividades do “Acontece D. Pedro I”. Vai, em jeito de conversa, falar uns minutos e depois responderá às vossas perguntas. Ponham os vossos telemóveis em silêncio e… vamos ouvir».
O auditório estava cheio. Olhei para o relógio. Eram 10h05. Comecei a falar para 120 alunos dos 9ºs. A, B, C, D e E, com idades compreendidas entre os 14 e 18.
Ensaiei um “quadrado” entre os jovens que se sentavam na parte central do auditório. Houve risota e alguma confusão mas aceitaram bem a minha proposta.
Disse-lhes que mais tarde iriam perceber o porquê daquela “cena”. Tinha decidido centrar a minha “palestra” em dois temas e em dois tempos baseados na minha experiência de dois anos de Guiné. Os temas escolhidos: o “baptismo de fogo” e a recuperação de populações. Os dois tempos: o da guerra e o da paz. Mostrei-lhes a capa do meu livro de memórias.
“Golpes de mão’s.”- Uma mão suja de sangue – do tempo da guerra – e uma mão suja de terra - do tempo da paz -. Evocando o trabalho na terra, o regresso das populações e as sementeiras da paz.
Seguiu-se a projecção de um “power point” com especial incidência na primeira operação militar –a do “baptismo de fogo” – que incluiu a “cena” do “quadrado” para perceberam como nos deslocávamos no mato e como poderíamos ripostar ao fogo do inimigo... sem nos matarmos uns aos outros.
E depois o tempo de perguntas e respostas. As habituais deste escalão etário. O medo, a morte, as armas, que língua falávamos com as gentes da Guiné, o correio, as madrinhas de guerra, a saudade, os meninos, o que aconteceu depois da guerra…
Mesmo a acabar a pergunta inesperada:
- Se pudesse voltar atrás iria de novo para a guerra?
Com a sua carga de ingenuidade a pergunta surpreendeu-me. Foi feita por uma jovem de 16 anos.
Para ganhar tempo fui-lhe dizendo que era uma pergunta pouco habitual. Que nunca me tinha sido colocada.
Estava de pé no palco do auditório frente a uma plateia que esgotava os 120 lugares. Repeti diversas vezes a questão em voz alta e, olhando para a miúda aproximei-me dela, apetecendo dizer-lhe:
- Que raio de pergunta?
Mas não o fiz.
Ia arrumando as ideias e finalmente respondi-lhe:
- Não se pode voltar atrás no tempo mas... se me tivesse sido possível, não teria ido. Mas se não tivesse ido, não estaria aqui a partilhar estas memórias. Nem teria conhecido os meus irmãos da “CCaç.675”…
E pela cabeça iam-me passando imagens e nomes. Em catadupas. Como rajadas de metralhadora. Da “675” revia o Capitão Tomé Pinto, o Tavares, o Santos, o médico, o Moreira, o Mesquita, o Cravino, o Figueiredo, o” Rato”, o “Campo de Ourique” ,o “Caldas”, o “Almeirim”… E da “Tabanca Grande”, o Luís Graça, o Vasco da Gama, o Mexia Alves, o José Belo, o Miguel Pessoa e a Giselda, o Jorge Cabral, o Carlos Vinhal, o M.R., o J.D. e tantos outros.
- Portanto…, jovem, a resposta à tua pergunta é que… à distância no tempo tenho mais coisas boas do que más. Tendo em atenção um rápido balanço das memórias que me passaram pela cabeça, vou-te responder que sim. Valeu a pena ter ido à guerra… porque tive a sorte de voltar. Mas sou um homem de paz. E o que mais me marcou foi o que de bom fizemos depois do regresso das populações. Que nesses tempos longínquos teriam tido mais… do que têm hoje.
Olhei para o relógio. Marcava 11.25. Fiquei espantado. Como o tempo tinha passado depressa!
Ia jurar que tinha começado a falar há 10 minutos! Alguns miúdos vieram ao palco despedir-se de mim. Antes a “malta” tinha aplaudido. Foram simpáticos. Teriam saído dali a saber alguma coisa da”guerra colonial”, como tinha dito o Prof. Luís Tavares, ou da “guerra do ultramar”, como tinha dito o velhote da barba branca!?
Alguma coisa lhes deve ter ficado. Digo eu. Que sou um optimista e acredito nos jovens. Assim também eles encontram na vida laços, inquebráveis, solidários, mesmo que nascidos de vivências e fadários. Porque esses nos unem… p’ra toda a vida.
Um grande abraço abraço de Alcobaça,
JERO
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7446: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (11): Os Pequenos Nadas da vida