terça-feira, 5 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8513: Massacre do Chão Manjaco: Guiné, 20 de Abril de 1970 - Estrada do Pelundo a Jolmete - A morte dos Majores Pereira da Silva, Passos Ramos, Magalhães Osório e Alferes Joaquim Mosca (Albino Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2011:

Carlos Vinhal,
Estive a preparar este trabalho sobre o massacre dos três Majores ocorrido no dia de 20 de Abril de 1970, no entanto se acharem que não vale apena ser editado, porque já se falou muito disto, eu não levarei a mal.

Entendo que está aqui bem esclarecido esse massacre, pela CCAÇ 2686/BCAÇ 2884 que estava no Pelundo, a mesma que rendeu a CCaç 2367 do meu Batalhão, tal como a CCaç 2585 que rendeu a CCaç 2366 em Jolmete, no Dia 17 de Maio de 1969, também do meu Batalhão, e da qual eu participei na Escolta para a rendição 15 dias depois.

Recentemente, mais propriamente na última semana de Abril, estiveram no local do massacre elementos da CCAÇ 2366 (Periquito Atrevido) e CCAÇ 2368 (Feras) do meu Batalhão.

Na foto recente e junto de habitantes da zona, está o Dr. Moutinho dos Santos que era Alferes da 2366 em Jolmete, mais tarde transferido para outra Companhia com o posto de Capitão.

Sem mais assunto de momento deixo um abraço a toda a Tabanca Grande.
Albino Silva




Nota do Editor: Nesta foto, o Alferes identificado como Joaquim Mosca, é na realidade o Alf Mil Fernando Giesteira Gonçalves. (ver Poste 4653)














Imagens retiradas de "Os Anos da Guerra Colonial"
As devidas vénias a Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes

(Clicar nas imagens para ampliar e permitir a sua leitura)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8495: Os nossos médicos (32): Fotos do Serviço de Saúde do BCAÇ 2845 (Albino Silva)

Vd. postes de:

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)
e
3 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2325: Massacre do Chão Manjaco: Todos iguais na morte, mas nos relatórios uns mais iguais do que outros (João Tunes)

Guiné 63/74 - P8512: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (16): 17 de Dezembro de 2009, em Bissau com os Super Camarimba, grupo de música afro-madinga de Tabatô / Bafatá








Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > Fotos tiradas ao fim da tarde (17h30/18h30) > O João Graça (violino) e os Super Camarimba


Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação das notas do diário de viagem à Guiné, do João Graça, acompanhadas de um selecção de algumas das centenas fotos que ele fez, nas duas semanas que lá passou (*)...


17/12/2009, 4ª feira, 13º dia, Bissau

13.1. Centro de artes de Bissau. Bom artesanato.

13.2. Saída à noite com Pai dos Portugueses [, Patrício Ribeiro].  Que tinha conhecido em Bafatá!

13.3. Toquei violino no bar. Toques com viola [... ilegível]. Com membro dos Super Camarimba, baixista. (**)


[As notas do diário de viagem do João Graça acabam aqui. Há outras notas, pessoais e clínicas, que não interessam aos leitores do nosso blogue, nem eu estou autorizado a reproduzi-las. No dia seguinte, 5ª feira, 18, o João ainda foi, com o Pepito, a um festival cultural no chão felupe, em São Domingos, antes de regressar a Bissau e apanhar o avião para Lisboa, no dia 19, 6ª feira. Temos, no entanto, mais fotos para publicar...].


[ Revisão / fixação de texto / selecção, edição e legendagem de fotos: L.G
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Notas do editor


(**) Em meados de 2009, a composição do grupo (que tem também actuado em Portugal) era a seguinte:

Guitarra e voz – Mamadu e Fili;
Kora – Djalimacan;
Cabaça – Idrissa;
Dundum – Demba;
Balafon – Mutaro e Fili
Coro – Fatu e Djali.

Guiné 63/74 - P8511: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (13): Dizendo adeus ao Cristo Rei na Arnaldo Schultz em Bissau


1. Mensagem do nosso camarada António Paiva, (ex-Soldado Condutor Auto no HM 241, Bissau, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2011:

Caro Carlos,
Esperando que tudo esteja bem contigo, aí te mando uma História, faz dela o que bem entenderes.


António Paiva


Histórias de um Condutor do HM 241 (13)

Cristo Rei na Arnaldo Schultz… e eu a dizer adeus.

Casa dos Médicos em Bissau

Foto © Mário Bravo (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Quanto fui colocado no lugar que me estava destinado, já com mais de um mês de Hospital por ser lá que se encontrava o camarada que eu ia render, entregaram-me um Rolls Royce,  descapotável, novinho em folha (pois tinha sido todo reparado e pintado de novo), era mais claro que os outros ME-66-11, potente, rápido e bem desenvolvido, com acelerador de chumbo, nunca recusando um bom desafio.

Como sabem de Histórias anteriores, aos sábados e domingos eu era uma ave livre, mas,  se num destes dias me encontrasse dentro do Hospital, poderia de um momento para o outro, em caso de emergência, ter de levantar voo em qualquer direcção.

Num desses dias, mandaram-me ir buscar o Dr. Saavedra [Machado] , à casa onde ele se encontrava, situa na Arnaldo Schultz, apesar de haver outra na Guerra Junqueiro.

Pois bem, não fui de modas nem perdi tempo. Meti-me no meu Espada e ala que se faz tarde… prego a fundo, que ele gostava.

Quando cheguei à rotunda Teixeira Pinto, a besta tinha ficado com o freio nos dentes e dificultou-me a manobra. Com alguma destreza lá consegui que ela fizesse a curva sobre as duas patas direitas e com as esquerdas no ar. Quando consegui ficar direito na Avenida, e continuando a acelerar, logo lhe disse:
- Cabrão de merda ou tomas juízo ou levas nos cornos… agora vais dar, f... da p....

Como sabem, indo nesse sentido, lá mais à frente, curvava à direita e começava a descer, a Casa dos Médicos era 20 ou 30 metros mais à frente.

Não tinha abrandado, quando entro na curva, já o Dr. Saavedra Machado estava à porta. Passei por ele que abriu os braços (como Cristo Rei) dizendo-me:
- Então?

Com a mão direita disse-lhe adeus. A partir daquele momento, tinha duas hipóteses: Virar à direita… Praça do Império;  ou seguir em frente, a descer ainda mais… Estrada de Santa Luzia.

Não e não, não queria, vi o descampado enorme à esquerda e virei para lá. A besta parou numa poça com água… coitada, tinha sede!

Engatei marcha atrás, subi a avenida e parei para que entrasse o grande companheiro que eu tinha de levar até ao Hospital. Como devem imaginar, houve perguntas e respostas, mas em conversa animada e marcha moderada, lá chegámos ao destino… usando o travão de mão.

Terminada a missão, tive de levar o malfadado jeep, que tantos nomes teve, para a oficina, por ter um buraco na tripa, ou seja, um buraco no tubo do circuito do óleo do sistema de travões (dáí eu ter ficado sem o de pé).

Devia ser giro se a PM me visse fazer a curva de Teixeira Pinto.

Um abraço
António Paiva
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8482: Os nossos médicos (28): Diamantino Lopes, cirurgião do HM241, praxista coimbrão, com grande sentido de humor (António Paiva / J. Pardete Ferreira)

Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6445: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (12): Um PM devidamente fardado apesar das circunstâncias (António Paiva)

Guiné 63/74 - P8510: Os nossos médicos (34): Os açorianos Bruges e Saavedra, e Botelho de Melo (Carlos Cordeiro / J. Pardete Ferreira)

1. Informações retiradas de comentários a postes da série Os Nossos Médicos:

(i) J. Pardete Ferreira [, foto à esquerda]:

O outro Saavedra , não confundir com o Dr. Machado Saavedra, aquele que eu cito, é o Dr. António Paim da Câmara de Bruges e Saavedra, açoriano, que foi substituir o Dr. Manuel Diaz Gonçalves (Medalha de Prata de Serviços Distintos, com Palma) na chefia da equipa Cirúrgica! (*)


(ii) Carlos Cordeiro[, foto à direita]:

Dois médicos açorianos: o Dr. Bruges e Saavedra, terceirense (fixou residência na Amadora, tendo fundado a Clínica Santo António) e o Dr. J.L. Botelho de Melo (já referenciado no blogue por Beja Santos), micaelense, com consultório no Largo da Matriz, em Ponta Delgada. Foi ele que, por volta de 1960, me receitou os primeiros óculos. (**)


Em nota posterior (CC): O Dr. JL Botelho de Melo tem actualmente 83 anos e faz anos a 9 de Outubro. Terá nascido em 1927. Continua no activo, com consultório aberto no Largo da Matriz, Ponta Delgada. O seu BMW 2002, com mais de 30 anos, também continua no activo, pois só sai para o passeio dominical (o Dr. Botelho de Melo reside muito próximo do consultório). De facto, continua com um grande cabedal. É uma personalidade muito conhecida e querida no meio micaelense e, por assim dizer, continua adepto da boa gastronomia.


(iii) J. Pardete Ferreira [, foto à esquerda]:

Afinal já encontro quem [, o Carlos Cordeiro,] fale o mesmo "manjaco" que eu!

Com efeito o Dr. Bruges e Saavedra (***) ensinou-me muitas coisas, incluindo histórias açorianas com muita piada. Verificando que o Dr. Diaz Gonçalves tinha feito quase tudo no Hospital Militar e substituiu o Dr. Garcia, por alcunha o Tim Tim, ele, de forma inteligente, virou-se, de forma muito útil, para o Hospital Civil.
Tinha uma dívida grande às costas, pois, quando foi mobilizado, iniciara a construção da Clínica de Santo António, na Reboleira. Mas tudo se resolveu e, com o Dr Sanfins e a Enf Elvira, iniciaram a obra que foi crescendo.

É pena que, depois do acidente de automóvel que sofreu, esteja com alguns problemas de saúde. Estou certo que te juntas a mim para lhe desejar boas melhoras.

O Dr. Botelho de Melo, Oftalmologista como tu dizes, parece que foi um dos médicos mais idosos a ser mobilizado (53 anos). Acho que só o Cardiologista, Dr. Ruy de Brito, o igualou. Era um ponto do caraças: ia assistir à saída do Liceu e nunca abandonava a sua Mariazinha!
Quando estiveres com ele, pergunta-lhe pois não sou eu o delator. Com aquele seu quase constante piscar de olhos, a anedota estava sempre pronta. (****)

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Notas do editor:

 (**) Vd. poste de 30 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8491: Os nossos médicos (31): HM241: Pessoal médico do meu tempo por especialidades (J. Pardete Ferreira).

(*) Vd. poste de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8481: Os nossos médicos (27): Com o Dr. Carlos Ferreira Ribeiro,fui um dos que operou o Cap Cubano Peralta; e com o Dr. João Carlos Azevedo Franco, fui um dos últimos a ver o corpo do malogrado Major Pereira da Silva (J. Pardete Ferreira) .

(***) António Bruges e Saavedra foi agraciado em 2006 pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo com a medalha de mérito profissional (vd. notícia aqui):

(i) Nasceu em Angra do Heroísmo, freguesia da Sé, no dia 26 de Outubro de 1930;

(ii)  Licenciou-se em Medicina, na Universidade Clássica de Lisboa;

(iii) Tirou posteriormente a especialidade de cirurgião;

(iv) Desde que se formou, montou consultório na Amadora, onde há quase 35 anos fundou a Clínica de Santo António;

(v)  Foi agraciado com a medalha de honra e mérito, de ouro, da cidade da Amadora, nos anos 90, e a medalha de ouro da Ordem dos Médicos, em 2005.

(vi) De acordo com a proposta da Câmara Municipal de Angra de Heroísmo, para a atribuição da medalha de mérito profissional, o Dr. Bruges e Saavedra (a) tornou-se um  personalidade “muito destacada, pelo seu profissionalismo, competência, dedicação aos seus doentes e singular humanismo, ao ponto de isentar do pagamento de consultas ou outros actos clínicos os doentes mais carenciados”; (b) além disso, tem acolhido nos seus serviços clínico-hospitalares “largas centenas, senão de milhares, de açorianos e terceirenses, dedicando uma especial atenção, muito particularmente, aos seus conterrâneos angrenses”.

(Fonte: A União, 04/05/2006, citada pelo portal A Via Oceânica)

(****) Último poste da série > 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8501: Os nossos médicos (33): O meu grupo de combate: um forcado, um fanateca... (J. Pardete Ferreira)

Guiné 63/74 - P8509: Em busca de ... (167): Guião do Comando de Agrupamento nº 2957 (Bafatá, 1968/70), cujo paradeiro se ignora (António Azevedo Rodrigues)


Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá, 1968/70) > Guião. O Comando de Agrupamento 2957 esteve  em Bafatá, Zona lestem  no período de Novembro de 1968 a Setembro de 1970. Os seus elementos metropolitanos sáiram  do ex- RAL 1 e embarcaram  no T/T Uíge, em 9 de Novembro de 1968. O comandante do Cmd Agrup 2957 era o então Cor Hélio Felgas, mais tarde substituído pelo Cor Neves Cardoso.


1. Mensagem de António Azevedo Rodrigues (que está connosco desde Junho de 2008):

Data: 15 de Junho de 2011 20:02

Assunto: À Procura do Guião do Cmd Agrup 2957 (Bafatá-Guiné)


Olá, camarigos, o meu obrigado, pelas felicitações do meu 64º aniversário... Agora entrando no assunto principal que me traz hoje cá, é o seguinte: depois de andar por todo o lado na procura incessante do meus camaradas do Cmd Agrup 2957 de que o Fernando Gouveia também fez parte, bem como mais 50 elementos; depois de, posso dizer,  3-4 anos de intenso trabalho, pois ninguém tinha moradas de ninguém nem nunca em 41anos nuinguém contatou ninguém; depois, enfim, de eu meter anúncio na RTP e jornais; depois de tudo isso, o que primeiro me aparece é o Belmiro, de Penafiel.

Mas é só um primeiro contato e nada sabe, vou então para o Ministério da Defesa, para o Exército,  e nada. Com o que aprendi neste blogue, que muito me ajudou, e depois duma primeira tentativa,  lá consegui chegar aos primeiros [camaradas], e depois aos muitos e agora a todos. Isto é, todos menos um, pois de todo o pessoal do Agrupamento resta-me esperar para encontrar o último a tempo de ainda ir ao convívio total dos ainda resistentes e que se realiza [, ou melhor, já se realizou...], no próximo fim de semana, em Lisboa (Búfalo Grill).

Como disse,  falta encontrar um, sim um, é o que falta de pessoas. Então pelo meio fui procurando saber como encontrar o Guião/Estandarte, que foi a nossa Bandeira de apresentaçao, e pelas fotos anteriormente ja publicadas em que eu julgo ser o único a ter tirado uma foto com o mesmo na Guiné, eis que à procura do mesmo já lá vai mais de um ano, de procura em procura, de mail em mail, de telefone em telefone, sempre na eperança de que um dia há-de aparecer o tal Guiã/estandarte.

Quando estava à espera de saber do último cabo, do último a responder à chamada,  então voltei a pegar no telefone e chatear na procura,  de quartel em quartel, a tentar saber onde pára o guião.

Agora sim, o tal mail tão esperado chega com a pior noticia: mais um amigo que caiu para sempre, mais um desaparecido, como pode ser observado, mesmo sem Certidão de Óbito;  eis que chega a sentença de  que me abstenho de fazer mais considerações. Agradeço que publiquem o oficio enviado por mail com as palavras aí reproduzidas...

Em suma, não existe rasto do guião, simplesmente "desconhece-se o paradeiro do Guião do cmd agup 2957"... Foi abatido.  não se sabe como. É menos um comando deste agrupamento que não se sabe se caiu de morto,  fulminado por qualquer ataque cardíaco... 

Termino lamentando o desaparecimento de mais um elemento deste Cmd Agrup 2957... Paz à sua alama, que repouse na sua eterna morada, desconhecida. Lamentamos o sucedido e eu, pessoalmente,  apresento condulâncias à familia desgostosa do Cmd Agrup 2957...

António Azevedo Rodrigues
Contactos:
Telefones: 252 938 133 - 915 225 337 - 926 641 776 - 934 432 545

E-mail: rodrigues60@gmail.com






Fotos: © António Azevedo Rodrigues (2011). Todos os direitos reservados

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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de Junho de 2011> Guiné 63/74 - P8470: Em Busca de... (166): Precisa-se de depoimentos para fazer a História da Pensão Central da Dona Berta (Hélder Sousa / José Ceitil)

Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2011:

Queridos amigos,
Salvo melhor opinião, nunca se tinha ido tão longe na biografia política de Amílcar Cabral. Biografia política e pessoal, no que política e pessoa se interligam pela formação, pela personalidade e no caso vertente pelo génio da actuação, os seus sucessos clamorosos e desastres rotundos.

O Doutor Julião Soares Sousa já recebeu a aclamação pela Universidade de Coimbra, é justo que os estudiosos que agora passam a ter ao alcance este estudo monumental o apreciem pela seriedade e rigor com que conduziu a sua investigação, do princípio ao fim. Será seguramente um livro controverso, alimentará polémicas na medida em que faz cair mitos, retira da sombra combatentes incómodos e não dissimula o pano de fundo do complô contra Cabral e a direcção política predominantemente cabo-verdiana.

Um abraço do
Mário


"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"

Amílcar Cabral, uma biografia política, um grande acontecimento cultural

Beja Santos

“Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano”, por Julião Soares Sousa, Nova Vega, 2011, é indiscutivelmente uma obra incontornável para os estudiosos da guerra da Guiné, da luta de libertação e da personalidade de grande estatura que foi a do dirigente máximo do PAIGC. Tem por base a tese de doutoramento na Universidade de Coimbra de Julião de Soares Sousa, o primeiro doutor guineense desta universidade.

Tratando-se de uma investigação aturadíssima que comporta perspectivas e revelações novas e controversas sobre a biografia política e dados pessoais de Amílcar Cabral, só vemos vantagem em encetar por uma apresentação deste estudo de grande fôlego, dando-lhe sequência com mais detalhadas notas de recensão.

O historiador rebate algumas ideias preconcebidas (algumas de sabor puramente hagiográfico e mitológico) defendidas pela grande maioria dos estudiosos da obra de Amílcar Cabral nomeadamente no que dizia respeito à influência do pai na sua formação intelectual (de acordo com o autor foi a mãe, Iva Pinhel Évora, a sua grande referência e pedra angular de princípios), expõe com clareza a evolução das atitudes anticolonialistas na Guiné e no quadro metropolitano onde Amílcar Cabral consolidou o seu ideário para a libertação do homem africano. A escolha de um curso de agronomia foi uma descoberta vocacional e será graças ao recenseamento agrícola na Guiné que ele irá conhecer o território palmo a palmo.

O jovem Cabral que enveredou pela actividade literária em S. Vicente é um produto típico de um cabo-verdiano envolvido num conceito de portugalidade e de africanidade. Só em Lisboa é que emerge para a socialização política, anda perto do MUD/juvenil e do PCP, cedo irá marcar distâncias quanto à natureza da emancipação africana mas marcando a diferença do que é verdadeiramente prioritário era a independência das colónias. Será em Lisboa que se irá relacionar com personalidades com quem irá criar amizade e companheirismo político, caso de Mário de Andrade, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e Viriato da Cruz.

Perto do final da década de 50, Cabral é um homem de ideias amadurecidas, lança-se no MAC – Movimento Anticolonialista e a partir de 1959 entrega-se de alma e coração à organização do PAI/PAIGC, em estreita colaboração com o motor da mobilização dentro da colónia, Rafael Barbosa. Instalado em Conacri, lança as bases da guerrilha e da aproximação internacional. Cedo é confrontado com o cepticismo e até a profunda contestação das suas teses sobre a unidade da Guiné e Cabo Verde.

Julião Soares Sousa esmiúça os diferentes termos da equação em torno das concepções da unidade africana que fizeram o seu tempo nos anos 50 e 60, embora tenham praticamente todas falido. Documenta o início da luta armada e a rápida implantação do PAIGC no Sul, a partir de 1962, seguindo-se uma região do Leste e depois o Morés. O historiador dá como provado que Cabral antevira um estado socialista na Guiné, sob a liderança de um partido único de vanguarda, com múltiplos mecanismos de poder descentralizado e com instância militar profundamente controlada pelos comissários políticos, tudo fruto das deliberações adoptadas no Congresso de Cassacá (1964).

Com a profunda militarização, os portugueses e os guerrilheiros do PAIGC foram confrontados com uma nova realidade: a conquista das populações, o seu controlo e fixação. O ideário de Spínola, nesta vertente, será uma permanente dor de cabeça para Cabral. O historiador procede a um exame exaustivo dos conflitos internos, deixa bem claro que a tensão entre cabo-verdianos e guineenses foi uma constante, mesmo antes da luta armada e até ao assassinato do líder, em 20 de Janeiro de 1973.

No início da década de 70, Amílcar Cabral é um dos mais proeminentes líderes africanos, distingue-se pela ousadia como reflectiu sobre o pensamento socialista, a unidade africana, a capacidade de antecipação face ao contendor. Em 1972 está em andamento um conjunto de operações destinadas a desequilibrar em definitivo o impasse da guerra colonial: a URSS promete fornecer material bélico tecnologicamente superior e preparar pilotos guineenses para um novo quadro ofensivo; com base num recenseamento interno, o PAIGC prepara-se para anunciar a sua independência unilateral, manobra para a qual se sabe que a potência colonial não possui capacidades de contra-argumentação.

É neste quadro complexo de preparativos que Cabral descura a frente interna. Como Julião Soares Sousa ilustra ao longo de centenas de páginas, o líder é o coração e o nervo do PAIGC: é o único ideólogo, é o único político que o pode representar na cena internacional, todas as teses, todos os documentos sobre a luta armada e a denúncia do colonialismo lhe saem do punho. Como se verá na análise do complô, é indesmentível que foram militantes guineenses que liquidaram Cabral. Mais, Portugal, com a morte de Cabral perdia a última possibilidade de um entendimento para uma transição menos dolorosa como aquela que teve lugar em Outubro de 1974. A sua morte foi um contratempo para a independência, mas esta tinha ganho raízes suficientemente fortes. E a luta armada, de 1973 para 1974, é o que toda a gente sabe que foi.

Amílcar Cabral tem sido objecto de biografias, estudos e memórias de indiscutível interesse. Este será porventura o seu retrato mais completo: o estudante assimilado, o socialista heterodoxo, o pensador arrojado, o líder que viveu perigosamente, enfrentando a belicosidade das suas teses, como a paradoxal unidade Guiné-Cabo Verde. Um líder político que consorciou o projecto da independência fundando-a numa luta armada que ele desenhou e manobrou. O líder que amava profundamente a sua mãe a quem dedicou um poema na sua página do Livro de Curso, em 1949:

Para ti mãe Iva,
Eu deixo uma parcela
Do meu livro de curso…
Pr’a ti, que foste a estrela
Da minha infância agreste.
A tua alma viva
E o teu Amor profundo,
Aceita este tributo,
Que tudo quanto eu for,
Será do teu Amor,
- Tua carne, Mãe, teu fruto!
Sem ti, não sou ninguém.
Só sou - porque és Mãe.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8496: Notas de leitura (252): Picadas e Caminhos da Vida na Guiné, de Fernando de Sousa Henriques (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8507: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (6): Ai que me doi tanto!... ou o drama dos especialistas de minas e armadilhas - II Parte

 

1. Conclusão do quinto episódio da série "A Minha Guerra a Petróleo" de António José Pereira da Costa* (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviado em mensagem do dia 2 de Julho de 2011.



A Minha Guerra a Petróleo (6)

Ai que me dói tanto!...
(Parte II)

Entretanto, o Coronel Durão “descobriu” as nossas mulheres e, tendo falhado a proposta de que Mansabá passasse a ser considerada suficientemente segura para poder ser habitada por mulheres brancas, a Isabel regressou a Lisboa. Estávamos em meados de Março e eu terminaria a comissão em princípios de Junho.

Julgava eu…

 Uma coluna auto de saída à Porta D´Armas do Quartel de Mansabá

Num dia que não fixei, voltámos às minas. Começámos na primeira e fomos sucessivamente apanhando todas. Recolocámos algumas que os macacos-cães tinham desenterrado, na sua ânsia de procura de coisas que tivessem sido dos homens que tinham vivido em Mamboncó. Por isso lhe chamávamos a Aldeia dos Macacos. Quando chegámos e as vi desenterradas, pensei que a afinal o In passava ali e mudara – talvez à pressa – a posição de algumas minas o que nos poderia baralhar as contas. Contudo, verificámos que os macacos tinham desenterrado algumas, divertiram-se com elas e abandonaram-nas. Curiosamente, faltariam umas duas ou três, mas não encontrámos sinais de que tivessem feito explodir alguma. Nunca entendi por que “sexto sentido” tinham abandonado um objecto tão atraente e que tanto cheiraria a humano. Provavelmente, concluíram de imediato que não serviriam para comer e abandonaram-nas.

Enfim, começámos a nossa tarefa. Fomos detectando cada mina, que voltávamos a enterrar. O croqui que eu fizera funcionou e as distâncias e ângulos estavam bem marcados. E chegámos à mina (ou par) n.º 101…

Os três de pé junto de cada vértice de um triângulo explosivo. O Paiva pede que paremos para ir beber água. Já fazia calor, embora estivéssemos num sítio onde havia altos mangueiros, outrora dispersos entre as moranças da tabanca. Fiquei parado e vi um soldado da CArt – um bazookeiro – que estava instalado atrás de uma dobra de terreno, a cerca de dois metros. De súbito, um estrondo. No meu espírito foi uma confusão. Primeiro esperei pelos tiros de arma ligeira que se seguiriam, se fosse uma emboscada. Não vieram. Depois pensei: “Distraiu-se e apertou o gatilho. Aquele gajo é cá uma “Amélia”…

Com os olhos fechados ainda conclui que fora uma mina. Mas qual? Abri os olhos. Tive a sensação de que os abri lentamente, mas não foi assim, decerto. De cima, caíam folhas secas e poeira. Depois…

Zona e tabanca de Mamboncó, felizmente de novo repovoada. É perfeitamente visível, à esquerda da estrada Mansoa / Mansabá, o célebre carreiro do Morés.
Imagem Google, legenda de CV

Depois foi o pior. O Paiva sentado no chão apoiando as mãos atrás das costas, uma das pernas inteira, mas a outra… apoiada pela tíbia meia-cortada e a pingar um fio de sangue. Ao lado a bota de cabedal com o pé dentro e a frase:

- Ai que me dói tanto!

Uma frase dita a meia voz. Nada de gritos. Nada de revolta. Seria espanto?

O Ramos perguntou, como quem chora:

- Oh Paiva para que foste beber água?

A partir daqui não tenho pormenores. Perdi-os. Lembro-me que pedi a vinda das viaturas. O Ramos e eu armámo-nos e equipámo-nos e depois recordo-me de ter substituído o condutor da primeira viatura. Foi uma corrida com o pessoal ferozmente agarrado à viatura, até Mansoa. A Berliet respondeu bem e chegámos sem novidades. Não me recordo onde deixámos o Paiva. Só me lembro de ter sido interpelado pelo Comandante do Batalhão que perguntou o que sucedera. Contei rapidamente e o seu comentário: “O gajo é burro!” fez-me desvairar. Entre outras coisas perguntei-lhe se ele sabia o que era uma mina e se já tinha visto explodir alguma. Nunca mais lhe perdoei e quando o voltei a encontrar depois da guerra, no Quartel-General em Coimbra, não lhe falei nem mesmo naquilo a que o regulamento me obrigava.

Sei hoje que a sua atitude era filha do “não saber”. Uma vez, fez uma coluna com o pessoal de Cutia até Mansabá armado de caçadeira que disparava alegremente contra tudo o que mexia. A seu lado, no Jeep, a inefável Maria do Socorro – a Mary Help – para quem a conhecia bem.

Coitada, também teve um fim trágico, mas isso são contas de outro rosário.

De outra vez, chegou ao local onde a “coluna das quartas-feiras” fora emboscada, tinha eu acabado de desmontar uma granada RG – 42 e pedi-lhe que estivesse quieto, pois as valetas podiam estar armadilhadas e ele respondeu-me que não havia problemas, porque as detectava olhando.

O Coronel Durão aproximou-se e perguntou-me o que tinha eu na cara. Nem me apercebi de que era terra projectada pela explosão. Contei-lhe a história. Disse-me que ignorasse o comentário do Comandante. Fiquei por ali…

Regressámos a Mansabá. Não sabia o que fazer. Resolvi pôr o assunto por escrito, embora não soubesse quais as consequências. A minha comissão estava a chegar ao fim e o número de especialistas que conheciam o campo era, agora, mínimo e poderia vir a ser apenas um, com a minha saída. Recebi ordem do Batalhão (BCaç 4612) para parar com a verificação do campo e começar a levantar as minas a partir da que explodira. E assim começámos, até que o CAOP 2 “descobriu”. Efectivamente, eu lançara no SITREP os sucessivos lançamentos de minas e agora lançava as remoções que íamos fazendo. É interpretando este desacerto que hoje me surge a ideia de que algo estava a correr descoordenadamente. Imaginemos que eu não sabia de minas e armadilhas. O campo estaria entregue a dois furriéis e agora apenas a um. Era claro que o número de especialistas era insuficiente para a tarefa. Além disso uma entidade mandou lançar e a outra de grau inferior, em face dos baixos resultados, mandou começar a recolher as minas. Esta era a solução correcta, a menos que…

E foi o que sucedeu. Um dia mandaram-me um substituto. Um tenente miliciano – Tenreiro de seu apelido – que não tinha condições (estatutárias, suponho) para a promoção ao posto imediato. Pouco tempo depois recebo ordem “a seco e sem possibilidade de contestação” para continuar a verificação do campo. Tínhamos agora uma situação insolitamente perigosa: uma brecha mal sinalizada entre a mina que ferira o Paiva e a última que tínhamos levantado. Qual seria a situação que o CAOP pretendia criar? Até hoje não sei e, quando após o 25 de Abril, encontrei o Coronel Durão como Comandante da Região Militar do Centro, também não lho perguntei.

Preferi afastar-me discretamente dele. Era um homem valente, mas eu tenho para mim que “disparava às cegas, para onde estava virado” e não me pareceu que fosse dado a observar as situações com calma e profundidade. Estava, ele próprio a terminar a sua comissão e, por isso demasiado cansado e saturado daquilo tudo.

Estava escrito que aquele campo ainda faria mais vítimas. Recebi dois sapadores – um cabo, cujo nome não fixei, e o furriel Pauleta – do Pel Rec do Batalhão que deveriam passar a trabalhar no campo de minas. Com a chegada do Tenreiro comecei a passar-lhe o comando e a parte administrativa da Companhia. Porém, com resultados desanimadores. O primeiro-sargento Canelas, meu amigo e conhecido do Regimento de Queluz, queixava-se de que ele não entendia as explicações que lhe eram dadas. Tudo terminou com um conjunto de cenas caricatas a mais grave das quais teve lugar no campo de minas, no dia em que o furriel Pauleta ficou cego do olho esquerdo.

Mas isso será motivo para outra história.

Nunca me esquecerei das duas pernas do Antero Paiva, a saírem dos calções e depois do modo e do momento como uma delas ficou reduzida, a metade “por lesões que mostravam terem sido produzidas por um objecto contundente ou actuando como tal” como se escrevia no relatório dos exames directos.

Encontrei-o há pouco tempo. Ficámos a olhar-nos. Depois foi o abraço e a falta de saber o que dizer. Passados 39 anos só nos olhámos bem fundo, com as mãos nos ombros um do outro.

Pedi-lhe autorização para escrever este texto e ele deu-ma. Fiz o melhor que sei, mas, esteticamente, tenho a certeza que será o pior que escrevi. À medida que ia escrevendo iam-me surgindo assuntos laterais, que não pude explorar por se espraiarem por outras áreas e factos. Não serve, por isso, de homenagem e ele merece-a.

Não me esqueço do seu primeiro desabafo e do lamento do Ramos. Sem ser os que passaram por momentos idênticos ninguém poderá compreender o que sentimos. É lugar-comum dizer-se que a guerra é um absurdo e o mais frequente é que quem assim fala nunca tenha assistido a uma. Às vezes estudou uma ou até várias e baseia-se nas melhores intenções para que a “paz reine entre os povos”. Mas esta guerra será sempre, porventura, o maior absurdo político e social em que o meu país se envolveu nos últimos cem anos, qualquer que seja a perspectiva donde seja observada.

O campo de minas de Mamboncó terminou de forma inglória. Depois do ferimento do Pauleta, recebi ordem para o levantar. Não me recordo de qual a entidade que a deu, mas cumpri-a com alívio. Paralelamente sucediam-se as cenas caricatas com o meu substituto e na impossibilidade de receber mais especialistas na matéria, era a decisão que se impunha. Assim, eu e o Ramos começámos pelo buraco da mina que vitimara o Pauleta e numa manhã fomos até ao fim do campo. Dois ou três dias depois, voltámos e começamos a partir da mina número um. Nesse dia, o Ramos, quando nos dirigíamos para o campo, confidenciou-me que previa que ia apanhar “cá uma bêbeda”. Compreendi, mas não aconselhei. De qualquer modo não havia muitas outras formas de celebrar um feliz evento.

Começámos a levantar as minas a partir da n.º 1 e fomos andando. Foi breve o trabalho, naquele dia. Quando removemos a mina n.º 100, cumprimentámo-nos e, silenciosamente, colocámos os equipamentos, transportámos as embalagens de minas para as viaturas e regressámos a Mansabá. O Ramos não apanhou “bêbeda” nenhuma e estou certo que dormiu descansadamente, toda a noite, coisa que já não sucedia há algum tempo, pois, segundo já me tinha dito, após o sucedido ao Paiva, sempre que eu lhe dizia que tínhamos de ir ao “campo” ele passava a noite em claro. Ainda lhe propus não o avisar de véspera, mas ele preferiu saber antecipadamente.

Assim terminou, sem honra nem glória, “uma acção ofensiva” sobre um inimigo que não existia, provocando duas baixas absolutamente escusadas entre o nosso pessoal.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8505: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (5): Ai que me doi tanto!... ou o drama dos especialistas de minas e armadilhas - I Parte

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8506: Parabéns a você (284): Agradecimento à tertúlia (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de 4 de Julho de 2011:

Carlos,
Com o pedido de colocação no blogue, aqui vai o meu reconhecimento a todos.

Estive cerca de três semanas impossibilitado de aceder à máquina infernal, por razões que não interessa escalpelizar.

O certo é que,"recebida a alta", aqui estou para vos dar conta da minha incomensurável satisfação por me aperceber que afinal tenho muitos amigos dentro do blogue, a quem aproveito para saudar e agradecer os comentários e os mails pessoais recebidos, bem como as referencias no "tal de facebook" (uma máquina ainda mais infernal a que, confesso, não sei dar saída e da qual decidi fugir de forma sorrateira...) a propósito do meu aniversário ocorrido na passada quinta-feira.

Pude constatar do surgimento de um comentário escrito em maiúsculas e "assinado" (?) como AB, onde o pretenso alvo dos meus comentários motivados pela celebérrima expressão "A FRASE NO MÍNIMO INFELIZ...", consubstanciada na propalada história dos bandos escondidos atrás do arame farpado, teria "dado a mão à palmatoria" afirmando, inclusive, ter gostado de algumas críticas entre outras em que se sentiria injustiçado...

Segundo Luís Graça, a ser verdadeira seria uma atitude bonita, caso contrário um trabalho qualificado, a merecer o esquecimento do lápis azul que merecem sempre os escritos anónimos.

Independentemente de mais esta "tentativa de amolecimento" feita sabe-se lá por quem, devo dizer-vos, camarigos que não mudarei uma virgula daquilo que escrevi relativamente ao senhor em questão (instigado pelas ofensivas - por injustas - palavras à condição de militares milicianos de que todos nós, e especialmente os que tombaram, fomos alvo preferencial.)

A seu tempo vos darei conta disso através do meu novo livro, reincidência na via da sextilha onde desta feita a prosa tem também assento, a que dei o titulo "GUINÉ A TERRA QUE APRENDEMOS A AMAR".

Nele encontrareis alguma da controvérsia relativa ao assunto em questão bem como alguns "hinos" à fabulosa terra que tivemos o privilégio de conhecer.

Para todos vai um forte abraço de reconhecida amizade.
manuelmaia
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8486: Parabéns a você (280): Manuel Maia, o nosso bardo (Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 3 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8497: Parabéns a você (283): António Nobre, ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Tertúlia / Editores)

Guiné 63/74 - P8505: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (5): Ai que me doi tanto!... ou o drama dos especialistas de minas e armadilhas - I Parte

 

1. Mais um episódio, trágico, de António José Pereira da Costa* (Coronel de Art.ª na reserva, na efectividade de serviço, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69 e ex-Capitão de Art.ª e CMDT da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviado em mensagem do dia 2 de Julho de 2011.




A Minha Guerra a Petróleo (5)

Ai que me dói tanto!...
(Parte I)

O Paiva usava uns calções que lhe amarinhavam pelas pernas acima. Ou seriam as pernas que eram demasiado compridas para os calções que lhe haviam sido distribuídos? Não sei. Poderá ser que tudo se devesse a um excesso de zelo da costureira do Casão, daquelas que trabalhavam em casa e, periodicamente, ali levantavam os tecidos já cortados para os devolverem, alguns dias depois, sob a forma de peças de “fardamento pronto-a-vestir”. Tratar-se-ia, talvez, de alguém que entendeu que era necessário poupar no tecido dos calções que os “rapazes” usavam. Ou os calções seriam curtos porque a bajuda da tabanca resolvera cortar, bem fundo, o “carção di nosso furiel”, no momento em que foi chamada a ajustá-los, de acordo com as indicações do utente? Enfim, naquele tempo, o nosso fardamento era como os mercados são hoje, estava sujeito a flutuações. Às vezes demasiado curto, sobrando homem, no final do fardamento. Outras sobrava fardamento já o homem tinha acabado e assim parecia que o combatente estava mais envolto na farda do que vestido com ela. Artesanatos…

Esta história começa, quando o Coronel Rafael Durão me apanhou, vindo de Bissau, para me censurar a minha falta de jeito para a “psico”. Para ser franco, nunca detectei que a acção psicológica que fazíamos tivesse resultados muito palpáveis. Ou as “popes” (como, às vezes, se chamava à população, na nossa gíria), não acreditavam nela ou não era convincente, ou ainda, o que era pior, não havia mais população a conquistar. Claro que eu sabia que era necessário manter a população na nossa esfera de influência e que tal seria impossível se não se lhe melhorassem as suas condições de vida, mas aquela psico “barata” a que, às vezes, chamávamos a “vesícula”, essa não era uma prioridade, para mim. Creio mesmo e já o disse noutros lugares, que a população da Guiné já tinha feito as suas opções e que aceitava a guerra como uma fatalidade que não podia alterar.

Claro que o Coronel condescendia, em parte, e considerava válido o resto do meu trabalho, mas faltava qualquer coisa. Ouvi a reprimenda, conhecendo-lhe a maneira de ser. Não adiantava contrariá-lo, especialmente quando começava a dar sinais de nervosismo, tremendo uma das pernas. Depois de me dar “uma para desanimar e outra para animar” deu-me ordem expressa para montar um campo de minas em Mamboncó. Tudo porque o ComChefe não tinha dúvidas: o In infiltrava-se por ali, passando do Morés para o Sara e vice-versa. Não serviu de nada lembrar-lhe que periodicamente patrulhávamos aquele local a pé, e que as colunas auto passavam por aquela localidade abandonada, quase desde o início da guerra, duas a três vezes por semana. Quando o informei de que tinha, em arrecadação, na Companhia, talvez umas 40 minas anti-pessoal, ordenou-me que requisitasse mil. Achei um exagero e disse-lho, mas ele manteve a ordem e eu requisitei mil minas “AUPS ou similar”.

Zona e tabanca de Mamboncó, felizmente de novo repovoada. É perfeitamente visível, à esquerda da estrada Mansoa / Mansabá, o célebre carreiro do Morés.
Imagem Google, legenda de CV

O Serviço de Material, em Bissau, mostrou-se surpreendido e eu, por mensagem, expliquei que a justificação para a requisição só poderia ser obtida junto do CAOP 2. Tempos depois, recebi mil minas M-35, de menores dimensões e, portanto, menos potentes e mais dificilmente detectáveis. A mina AUPS, de fabrico italiano, tinha a forma de prato, com o disparador no fundo. Podia ser-lhe aposta uma “carapaça” de ferro seccionado, para criar estilhaços, no momento da explosão. A M-35, de plástico verde-claro e de fabrico belga, era pouco maior do que um queijo fresco e tinha o disparador montado na parte superior. Este, com a forma de um peão, era um objecto perigosamente engraçado. Por isso, um dos soldados da Bateria Anti-aérea já tinha ficado sem uma falange, ao pretender, com uma navalha, afiar o bico do pião, precisamente o detonador e, ainda na Academia Militar, um camarada meu tinha tido sorte igual ao manipular uma mina numa aula de explosivos.

A área a cobrir com o campo de minas era grande e não sei se barraria completamente a máxima largura da antiga aldeia. Se lançássemos uma simples linha de minas, poderíamos constituir um obstáculo com um quilómetro, (se a distância entre minas fosse de um metro). Porém, um campo de minas necessita de profundidade e densidade, o que obrigaria a colocar uma segunda, ou mesmo um terceira fiada de minas. Além disso, para que o inimigo não determinasse a lei a que o campo obedecia era necessário criar uma certa irregularidade na colocação das minas. Optei por criar uma linha de triângulos equiláteros, no vértice dos quais ficariam as minas implantadas. Os triângulos teriam orientações diferentes e a ligação entre cada um e o seguinte seria feita também segundo direcções variáveis. Sabendo que a Natureza se altera quase de um dia para o outro, seria difícil encontrar referências permanentes que nos permitissem, mais tarde, localizar as minas, quando quiséssemos verificar o campo ou passá-lo à Unidade seguinte. Por isso, optei por adoptar sempre as mesmas medidas para os lados dos triângulos – dois metros – e para as “ligações”, seis metros. Usávamos uma fita métrica para medir as distâncias e uma bússola para definirmos as orientações de cada troço recto que fosse definido. Estimo que, deste modo, teria ficado negada ao inimigo a possibilidade de se mover numa frente de pouco mais de quinhentos metros.

As minas M-35 são inferiores às AUPS e, por isso, quando se me acabaram estas, resolvi aplicar aos pares as mil que recebera do Serviço de Material, mas por sugestão do Paiva, prescindi das “carapaças” metálicas que potenciavam o efeito das AUPS.

Qual seria a utilidade daquela medida ofensiva, se o inimigo não passava ali e se nós patrulhávamos o local com certa regularidade? Não creio que quem mandou colocar as minas – o ComChefe ou o CAOP – tivesse uma ideia precisa do que seria um campo de minas e, muito mais num terreno como aquele. Ao longo dos anos pensei várias neste assunto e acabei por concluir que tudo se deveu a uma necessidade de tomar uma medida qualquer que revelasse qualquer actividade que se pudesse reportar para o escalão superior, não tanto para apresentar serviço, mas antes porque era necessário “passar à ofensiva”. No fundo, a decisão ter-se-á ficado a dever a um certo desnorte que imperava entre os condutores da Guerra, na impossibilidade de inverter o curso dos acontecimentos. Partiu-se de uma avaliação incorrecta da situação, utilizou-se um meio perigoso e, como já se sabia, pouco eficaz para actuar sobre o inimigo e depois… depois foi o pior.

Sabendo como era perigoso o uso de minas naquele ambiente, resolvi fazer uma “batota” que me permitisse, pelo menos em caso de verificação, localizar rapidamente cada “cacho” de minas: liguei, com arame de tropeçar enterrado, os vértices explosivos. Assim, localizada uma mina (ou par) localizava as outras três com toda a facilidade. O In não conhecia este procedimento e, se detectasse ou accionasse uma mina até poderia levantar mais duas, mas como não conhecia a distância das seguintes e a respectiva orientação, teria de se ficar por ali.

Semanalmente saíamos o Ramos (o Furriel Amarelinho) já então casado e vivendo na tabanca com a mulher e o filho, o Paiva e eu (que vivia no quartel com a minha mulher) para, a pouco e pouco, irmos lançando o campo. Viviam em Mansabá, por sua conta e risco, três mulheres brancas, pois a estas duas teremos que juntar a do Costa – também furriel – que vivia na tabanca. Havia condições de espaço e habitabilidade no quartel e tabanca, mas era proibida a presença de famílias de militares metropolitanos em Mansabá. É curioso como esta proibição extensiva a tantas localidades, nunca foi considerada indício de que algo estava mal e que, ou a terra era inóspita ou o inimigo nos impunha a sua vontade… No fundo, não nos esqueçamos de que o país era um só e que a livre circulação de pessoas e bens é uma característica de qualquer país em paz, como seria o caso, segundo as autoridades.

Com dois grupos instalados à nossa retaguarda, trabalhávamos sem equipamento e desarmados e íamos colocando as minas de forma que elas só existissem à nossa frente. Colectávamos os elementos no campo, especialmente no que dizia respeito às orientações das ligações e lados dos triângulos. Depois, na tarde de cada dia, eu passava para papel de arquitecto o desenho do campo que ia surgindo.

O trabalho de campo era árduo, pois, passadas as temperaturas amenas da manhã, começávamos a suar e acusar cansaço. Penso que o suor nos empapava mais os camuflados do que se fôssemos andando pelo mato. Por isso, procurei que nunca trabalhássemos mais de duas horas. O regulamento – o célebre Manual de Minas e Armadilhas – obrigava à elaboração de um relatório onde o responsável pelo lançamento era obrigado a declarar que o “sapador” estava “bem comido, bem dormido e não fora incitado a apressar-se”.

Só relativamente à última condição eu tinha um certo controlo. Nunca fixei metas e, com a segurança montada, até podíamos fazer pausas. Mas, será possível que alguém que vai manipular umas dezenas de minas, no dia seguinte, durma bem? E terá apetite que lhe permita comer um pequeno-almoço que lhe garanta um teor de açúcar no organismo suficiente para que exista a concentração necessária à execução destas tarefas? Enfim, a situação era aquela e tínhamos que a aceitar, já que a não podíamos modificar.

Logo no primeiro dia poderia ter sucedido e comigo. Afastei-me da mina n.º 11 – a “onzima” – e, para não me esquecer onde a tinha deixado e poder continuar a partir dela, deixei-a assinalada com a bússola, um “pica” espetada no chão e um pequeno caixote de madeira vazio. Ao voltar pus o pé esquerdo no interior do espaço assim definido. Só quando senti o pé a ir abaixo é que vi que algo estava mal. Levantei-o mas seria tarde, se tivesse pisado a mina AUPS em cheio. Assim, pisando-a pela beira, ela basculou, mas não explodiu. Calei-me e procurei que, para além do Ramos e do Paiva ninguém mais soubesse.

Porém, dias depois a Isabel soube. Foi durante um jogo de cartas, nós os dois, o Paiva e o Jota Lopes.

Falou-se das últimas actividades e o Paiva disse:

- Veja lá mas é se acaba com aquilo das minas. Eu posso não ter a sua sorte…

Ele descaiu-se e eu tive que explicar à Isabel a sorte tinha tido. Não me era possível acabar com “aquilo”. Por isso, paulatinamente, fomos continuando a lançar.

A dado momento, estávamos no par de minas 437. Não me recordo porquê, mas creio que foi por termos tido que intensificar a actividade de patrulhamento, parámos o lançamento das minas, durante uma semana ou duas. Passado esse tempo e sabendo das dificuldades de referenciar as minas enterradas, propus que me deixassem verificar o campo.

Entretanto, o Coronel Durão “descobriu” as nossas mulheres e, tendo falhado a proposta de que Mansabá passasse a ser considerada suficientemente segura para poder ser habitada por mulheres brancas, a Isabel regressou a Lisboa. Estávamos em meados de Março e eu terminaria a comissão em princípios de Junho.

Julgava eu…

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8229: Memória dos lugares (153): Cacine, ao tempo do Pel Rec Daimler 2049 e da CART 1692 (António J. Pereira Costa)

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7880: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (4): Em Mansabá, os últimos tempos de guerra

Guiné 63/74 - P8504: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (24): Saltar ou não saltar de pára-quedas... hoje, só se fosse para salvar uma vida (Maria Arminda / Aura Teles)


Foto do mural da página do filme Quem Vai à Guerra, no Facebook: Isabel Rilvas, a primeira mulher, ao que parece, a saltar em pára-quedas na península ibérica e "mãe" das enfermeiras pára-quedistas... Uma justa homenagem a esta pioneira (Foto reproduzida com a devida vénia...). 

E a propósito, o filme de Marta Pessoa continua em cartaz em Lisboa, no Cinema City Classic Alvalade, pela 3ª semana consecutiva (4 sessões: 13h50, 16h15, 18h45, 21h35).

1. Através do nosso camarada e amigo Miguel Pessoa, recebemos um SOS de duas das nossas camaradas enfermeiras pára-quedistas (que o serão sempre, camaradas e enfermeiras pára-quedistas) Maria Arminda e Aura Teles... Aqui vai a correspondência trocada... 

Tudo isto para dizer que a empolgante notícia de que as nossas duas veteranas iam saltar de pára-quedas, um dia destes, num festival em Évora, por iniciativa da Associação de Pára-quedistas de Setúbal, não era falsa mas ainda estava... por confirmar.

(i)  Miguel Pessoa (1/7/2011):

Caros editores

Recebi um pedido de ajuda das nossas camaradas Maria Arminda Santos e Aura Teles, aflitas porque prenderam os dedos no computador e não conseguem enviar comentários para o blogue... O assunto em causa é o apregoado salto que estas nossas amigas iriam dar num futuro festival aeronáutico, referenciado no blogue pelo também camarada Pardete (*).
Pese embora a boa vontade destas nossas camaradas, a verdade é que motivos pessoais impedem-nas de dar o seu contributo nesta área. Por isso farão o favor de divulgar as mensagens juntas do modo que acharem mais conveniente.

Percebo-as perfeitamente: olha se me viessem pedir a mim agora para ir fazer um festival de acrobacia! Eh Eh!,, mais respeitinho pelos séniores...

Abraço. Miguel

(ii) Maria Arminda (1 de Junho de 2011)

Assunto-  Mª Arminda: Pedido de Ajuda "Ao Sábio das Tecnologias"

Amigo Miguel, fazem parte da nossa Tabanca Grande duas "nabas" desta tecnologia. Venho pedir que nos faça chegar as nossas mensagens. Eu respondi directamente para o Blog no endereço do camarada Luis Graça. Ontem fiz uma visita à pasta dos médicos, mas não consegui responder ao J Pardete (*). 

Tenho pena de desiludir quem nos convidou, mas as razões que nos impedem estão certas. Não cheguei a fazer a queda livre noutros tempos por causa do ouvido. Desculpe esta maçada e obrigado. Beijos para vós e bom fim de semana. Arminda

(iii) Aura Teles (1/7/2011) [, foto à direita]:

M. Arminda, quando puderes hás-de ver se eu consegui enviar uma mensagem ao camarada Luís Graça, a dar-lhe conhecimento da minha decisão de não participar em Julho nos saltos em pára-quedas em Évora. Eu disse-lhe também qual a razão de não poder ir , porque os meus familíares querem-me levar para os Estados Unidos da América, por uns tempos. Eu tentei várias vezes enviar para o blogue, mas fiquei com a sensação que não consegui. Se conseguires manda tu se faz favor, não quero que pensem que me fechei em copas.

Desculpa estar a maçar-te por isto. Ok, beijinhos e tem cuidado contigo.Aura



(iv) Comentário que a Maria Arminda [, foto à esquerda,] tentou mandar para o blogue, em 29 de Junho passado, para o poste P8477 (*):

Efectivamente o que o camarada J Pardete Ferreira diz está certo. Porém, eu não sei se pela minha parte se irei concretizá-lo por três ordens de razão a ter em conta: (i) tenho uma respeitável arritmia cardíaca, embora controlada mas que em momentos de maior stresse dá sinal; (ii) uma perfuração timpânica que com a altitude necessária para esse salto se pode complicar; e por último um marido [com um problema de saúde] que depende 90% do meu apoio e que no dia seguinte me fez reflectir. 

Tudo corre bem!... Se fosse para salvar alguém valia a pena o risco, mas por distração e prazer talvez não se concretize pela minha parte. Também não escondo algum receio, que com o decorrer do tempo por vezes se apodera de nós. 

Obrigado [, Luís Graça,]  por me ter enviado a notícia. Um abraço amigo,  Mª Arminda. Ando a querer contactar quem me convidou, para lhe trasmitir esta situação.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 28 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8477: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (22): Notícias da Maria Arminda e da Aura Teles... E em Agosto haverá um festival com a "promessa de que as enfermeiras páras vão saltar" (J. Pardete Ferreira)

Guiné 63/74 - P8503: Os nossos regressos (25): Tempo de partida, há tanto tempo... tanto (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 1 de Julho de 2011:

Caro Carlos
Há tanto tempo, tanto, que nada escrevo. Não sente o blogue nem os camaradas. O tempo corre veloz. Depois as "fugas" não para o Egipto mas para outras bandas, a idade a dizer - presente - e eu a desleixar. Está aí, no papel ou já teclado, um ou outro escrito. Ainda juntei os dispersos da célebre "Lança Afiada".

Hoje vi este escrito, levou cortes e pensei: Se o Carlos tiver pouco material entre mãos e considerar que pode ser escrito de fim-de-semana mando.
Vai então. Leve, ligeiro, sem aborrecer ou agitar. O calor não aguentaria coisa pesada como um ou dois que vegetam por aqui.

Abraços a todos e um especial para ti.
Torcato Mendonça


OS NOSSOS REGRESSOS (25)

TEMPO DE PARTIDA

Há muito tempo atrás, uma sugestão do José Belo e um comentário do Manuel Joaquim, fizeram o vento abanar ou soprar algumas folhas de minha memória.
Uma longínqua recordação apareceu, meio enrolada, meio esbatida.
Eu vos conto então.

Seria meio-dia. Pouco interessa a hora ou ser a um quatro de Dezembro de sessenta e nove.
Importa, isso sim, ser dia de partida. Dia de partida ainda incerta para mim. Dia especial, o mais, há tanto tempo ou desde sempre, desde o dia de chegada, a ser o dia mais desejado. Parecia ter sido há tanto tempo a chegada.
Tanto suor depois, tanto correr e como estavam tão diferentes, hoje, aquelas gentes, em tempo de partida, dos que outrora estiveram em tempo de chegada. Eram os mesmos. Faltavam alguns, demasiados, que mais cedo se foram da nossa companhia apartando. Ficou a recordação, a triste recordação.

Agora mantinha-me sentado numa viatura GMC ou parecida, mais velha, gasta e farta do que eu. Procurava, ali sentado, a sombra tentando fugir ao calor abrasador, pegajoso, calor já de hábito de assim por ali viver.
O cais logo ao lado, o Geba a correr para se deixar abraçar pelo mar, o Uíge parado esperando gentes, gentes em tempo de partida.

Mantinha-me quieto, atento a tudo, olhar vazio, olhar sem vida, olhar há muito roubado por aquela terra, talvez melhor, pelo que nela vira ou que nela vivera. Dois anos, cerca de dois anos de comissão e agora ali parado. O barco enorme no meio do estuário, a incerteza entre a partida ou de ficar na Comissão Liquidatária. Assinaram a partida e certamente não voltariam atrás. Confiar em tipos daqueles? Vamos esperar.

Será que um dia voltaria? Prometera voltar. Que sabia eu fazer depois daqueles anos todos? A licenciatura fora em Arte de Guerra. Nem para bacharelato dera em tão fraco soldado.

Manhã cedo, mais cedo do que o habitual, ainda assinei papéis e só depois me juntei à Companhia.

Marchamos em desfile dispensável, com passos há muito esquecidos. Desengonçados e irritados lá fomos, num esquerda direita, olha ao lado ou olha à frente, num marchar meio estúpido e desnecessário.

À frente de nós, garbosa, em meneios de braços e ancas, arreios, botas e instrumentos reluzentes, ia a fanfarra. Batiam forte no asfalto escaldante, faziam, para alegria deles, ouvir tambores e instrumentos de sopro numa lenga lenga de marcha militar.

Agora, ali estávamos nós esperando a ordem de embarque. Sempre a ordem. Certo é que as ordens vinham e, aquela máquina oleada, funcionava bem.
Parados, o Uíge logo ali, quase a puder ser tocado e a ordem nada.

- Meu Alferes o almoço e o jantar. Ração para o dia.

Estenderam-me a caixa e recusei.

- Esta é boa. Agora é que aparecem destas.

Aceitei e verifiquei ser melhor. Preferi mais o cigarro.

Finalmente a ordem de embarque. O Uíge a todos, sôfrega e ordenadamente engoliu.
Tudo organizado e as diferenças a notarem-se. Soldados para o enorme porão, mais acima os Sargentos e depois os Oficiais. O normal.

Apresentei-me ao Comandante das Tropas Embarcadas. Veio mais cedo para Portugal o antigo Comandante do BCAÇ 2852, ao qual eu estivera dependente como Companhia Independente. Era o Tenente-coronel Pimentel Bastos.

Agora a nada pertencíamos. Éramos tropa em dia de partida, gente a poucos dias de ser descartável.
Sentia o Uíge deslizando de encontro ao Oceano, a imitar o regresso das caravelas, Bissau cada vez mais longe e eu a acreditar que partia mesmo.

Passaram os dias. O Oceano a ficar, em cada dia que passava, mais revolto, escuro e frio. Aproximava-me rapidamente do “meu desejo do meu objectivo”.

Sempre, tivera, ao longo da comissão “desejos e objectivos” próprios, alguns a parecerem ridículos, como o de comer uma sandes de fiambre com manteiga e beber uma Cola fresca. Questão de sobrevivência ou de fuga à loucura. Talvez alguém entenda. Outros, felizmente para eles, não.
Este ultimo era passar sob a Ponte em Lisboa. Durava há meses este desejo.

Numa manhã gelada, com a luz ainda a querer furar o céu cor de chumbo, finalmente o grito a ser mil vezes repetido:

- Lisboa… Lisboa…

Aí estava a Ponte, a Ponte do ditador e eu a sorrir, a deitar baforadas com vapores de álcool da noite anterior e a olhar para o alto.
Vigas, pilares, tabuleiro com carros a circularem. A Ponte, a Ponte…

O cais a ficar mais perto, a cidade das sete colinas a vir ao nosso encontro, a outra banda à direita. Adeus desejo vai devagarinho e outro virá.

No ar sentia-se a inquietação daqueles quase ex-militares, sentia-se o nervoso. Mais audíveis os sons de quem em terra os esperava. O barco a acostar devagar, tão devagar e os militares a desesperarem.

Finalmente aquietou-se e desinquietaram-se as gentes. Apesar disso o desembarque foi ordeiro, saída de gente habituada a ter calma e estar na ordem, a saber o que fazer e ali quase a desesperar.

Pouco me lembro do desembarque.

Talvez a emoção, muito menor do que a da partida onde ninguém de mim se despedia, talvez, mesmo assim, a emoção tenha apagado esse momento. Talvez mesmo, tantos anos depois, não o queiramos a ser presente.

Cumprimentei a família, voltamos a marchar, embarcamos em autocarros e, horas depois estávamos no Quartel.

A papelada, as contas, a entrega de fardas e a troca por roupa civil. A noite gelada a vir e aquela barafunda a manter-se, os papéis a serem rapidamente a serem assinados. Tudo à pressa, tudo em fúria para sair. Até as despedidas quase a não serem. Adeuses apressados, despedida rápida.

Finalmente, noite já muito entrada, tudo parou.

- Estão aí os papéis para serem assinados nas repartições. Tudo certo.

A manhã a ser curta, o almoço no Fialho, a vinda para ultimar um ou outro pormenor final e a despedida do Coronel Branco, meu ex-Comandante em Bambadinca no BART 1904.
Despedi-me do Furriel Rei, o ultimo a sair e fui desfardar-me.

Chamaram-me um Táxi para “corrida” de cerca de quinhentos quilómetros e saí civil. Foram vários anos, vários anos a ficarem para trás. Tanto tempo perdido, interrompido ou o quê? Não recordo. Hoje sinto saudades da Guiné, daquela vida, da juventude perdida, como alguém disse ou da idade de então?

Que interessa isso agora. Reflexão breve? Pensemos nisso.

Vieram tempos em fúria de viver, em excessos com medo do tempo se esgotar. Um dia parei.
Interroguei-me. E agora T. ? E agora?

Há tanto tempo… tanto!

Fnd AB/11

Torcato Mendonça (terceiro a partir da direita) aquando da viagem com destino à Guiné em 1968

Torcato Mendonça na actualidade
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8178: Controvérsias (120): Spínola, Amílcar Cabral, o Tarrafal, o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, os guineenses e os caboverdianos, nós e o blogue (Torcato Mendonça / Pepito)

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8033: Os nossos regressos (24): A nostalgia dos tempos em que a amizade, a coragem, a dor, o sofrimento em "fogo lento", o sacrifício, a morte, a solidariedade, a alegria de viver, a camaradagem e tantos outros sentimentos nos tinham unido fortemente e, mesmo, para sempre (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P8502: Agenda Cultural (141): Inauguração da Exposição de Fotografia Flores Que Não Existem e lançamento do livro Na Kontra Ka Kontra, dia 7 de Julho pelas 17 horas no Vivacidade - Espaço Criativo - Porto (Fernando Gouveia)

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2011:

Na sequência da divulgação no blogue, pelo Luís Graça, do livro NA KONTRA KA KONTRA, tive a oportunidade de o apresentar no almoço em Monte Real* e também em Lisboa, no almoço da minha Unidade, o Comando de Agrupamento de Bafata. Foram vendidos bastantes exemplares mas torna-se necessário obter mais fundos com vista à sua doação, na totalidade, às crianças da Guiné-Bissau.

Estarei com os livros na próxima quarta-feira (06/Jul) no “Milho Rei” em Matosinhos e no dia a seguir, quinta-feira (07/Jul), pelas 17 horas no “Espaço Vivacidade” na Rua Alves Redol, 364 – B Porto (traseiras do edifício com o nº 376/372) onde ocorrerá uma apresentação.

Chegou a estar prevista a presença de um guineense a tocar korá, mas dado ele andar em digressão pelo Algarve talvez isso não se concretize.

Nesta data será também inaugurada uma exposição de fotografias da minha autoria.

Como não há duas sem três, estarei também no dia 09/Jul no almoço da “Tabanca dos Melros” em Gondomar, com a mesma finalidade.

Mais informo que posso enviar o livro pelo correio com um acréscimo de apenas 60 cêntimos sobre o preço de capa (10 euros).

Com um abraço.
Fernando Gouveia
fg4250@gmail.com


CONVITE



Monte Real, Palace Hotel,  4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca  Grande > Fernando Gouveia autografando o seu livro Na Kontra Ka Kontra (Encontros, desencontros)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8307: Agenda Cultural (124): Na Kontra Ka Kontra, a blogonovela de 49 episódios, passada na Guiné, em Portugal, no Brasil, entre 1969 e 2010, agora publicada em livro, a apresentar em Monte Real (4 de Junho) e no Porto, Espaço Vivacidade (7 de Julho) (Fernando Gouveia / Luís Graça)

Vd. último poste da série de 30 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8490: Agenda Cultural (140): Inauguração da exposição: Cartas de Amor e Saudade, de Manuel Botelho, no Centro Cultural de Cascais, dia 1 de Julho de 2011, às 21,30h (Mário Beja Santos)