sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8810: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (23): O mergulhador do Funchal

1. Em mensagem do dia 20 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta boa memória da sua guerra.


Memórias boas da minha guerra - 23

Raul Pires - O Mergulhador do Funchal

O Raul chegou a Catió no dia 27 de Agosto. Vinha em rendição individual, para colmatar a falta do Francisco Maria Pereira Adão, conhecido por Chico do Palácio, que havia falecido no dia 01 de Agosto de 1967, durante a Op Sónia.

Logo no primeiro dia, apesar do seu aspecto humilde e de comportamento meio bajulador, ficou famoso. Como é sabido, não há tropa sem jogatina. E, pela noite dentro, há sempre um pequeno grupo mais viciado que, normalmente, se esconde a… fazer companhia ao padeiro. Pois o Funchalense de gema, conseguiu meter-se no grupo, para desgraça de todos os jogadores.

A meio da manhã seguinte, lá vinha o Raul com um rádio de pilhas novo, ao ombro, com os decibéis a meio tom, enquanto alegremente assobiava a acompanhar o ritmo da canção de sucesso:
- Mulhé grande in´cá tem cabaço, olé lé lá! Bajuda na tem dimais!

Na parada, era evidente o ambiente de crava, entre os fumadores. E o Matosinhos não se conformava:
- “Puta que pariu”, como é que o gajo nos limpou a todos?

- Que nos fodeu, fodeu bem, porque nem demos por ela. - dizia o Monteiro de Paredes.

- Foi limpinho! E agora, que vamos fazer? - perguntava o Mafamude.

- Estamos tesos, não temos tabaco e ainda faltam uns dias para o pré.

E concluiu:
- Acabámos por ter muita sorte porque se mais tivéssemos mais dinheiro perdíamos.

Vista parcial da marginal do Funchal
Foto de Carlos Vinhal

Íamos fazer um pequeno patrulhamento, a nível de Pelotão. Formados na parada, verificámos que o Raul não estava. Foram procurá-lo e deram com ele na cama. Saímos na direcção de Príame e esperámos fora do Quartel, para que o Capitão não descobrisse que ainda estávamos ali. Passados uns bons minutos, surge o madeirense, preparado para fazer o seu primeiro serviço na guerra. De lenço colorido (lembrança de uma das dançarinas do Rancho Folclórico da Camacha) amarrado na cabeça, tipo pirata das Caraíbas, arma G3 atravessada na nuca para apoio dos braços e com sapatilhas de ginástica. Vinha calmamente e a assobiar.

Inicialmente, foi gargalhada geral. Porém, logo de seguida, os outros encarregaram-se de o alertar para vários perigos.

E eu, que vou fazer a este gajo? - Pensei.

Como era a primeira vez, deixei-o ir de sapatilhas, para que sentisse as consequências. Lembro-me de o ver descalço e a coxear, quando regressávamos.

Além de ter sido expulso por indesejado no grupo da jogatina (sem outra justificação que não a de limpar tudo), o Raul era acusado de aproveitar-se dos mais distraídos para lhes desviar alguns haveres.
É que ele até as botas deixava enterradas na bolanha e, consequentemente, tinha que repor… o stock. Também não se acanhava nada em deixar cair ao rio, as granadas de morteiro 60 ou de bazuca, que gostava de exibir à saída do quartel.

Era, realmente, um indivíduo fora do habitual e, aparentemente, de pouca confiança. A malta não lhe ligava muito e, até, se afastava dele.
Obrigava-nos a muita atenção, embora o seu relacionamento fosse bastante divertido.

Eu, gostava de o ouvir mas não podia dar-lhe “corda” porque ele ultrapassava as conveniências. Todavia, atendia-o com toda a atenção e, devido a isso, dizia gostar de mim. Fiquei a saber que ele era praticamente analfabeto, mas sabia falar algum inglês, francês e alemão. Não tinha profissão. Vivia do jogo e dos mergulhos no cais do Funchal a apanhar moedas lançadas pelos turistas. Eu não acreditava mas tive a oportunidade de verificar a sua destreza e não só nesse aspecto.

A primeira situação foi durante a montagem de segurança a uma das colunas de abastecimento a Cufar. Ao aproximar-me de um posto/abrigo verifiquei que estavam três militares (“Felgueiras”, Joaquim “Faquista” e Raul) em vez de dois, porque o madeirense se tinha deslocado para lá.

- Que é isto? Três gajos aqui? Só falta um para se poder jogar às cartas. – Chamei a atenção.

Então, o Raul levou a mão direita ao bolso de trás e, de imediato, em dois segundos, abriu o baralho, misturou as cartas e começou a distribui-las - 10 a cada um. Nunca tinha visto uma coisa assim. Dava as 10 cartas sem nos apercebermos de as ter contado. Ninguém conseguia acompanhar tal rapidez.

A outra oportunidade, verifiquei-a quando estivemos em Bolama durante uns dias, após a Op Quebra Vento para construção do novo quartel de Gubia, na península de Empada. Havia uma piscina, onde passávamos a maior parte do tempo livre. Desafiado a ir buscar moedas ao fundo, concordou plenamente. Virava-se de costas para a piscina enquanto mandávamos uma moeda para qualquer canto ou para o meio da piscina. Ele mergulhava e verificava toda a piscina até a encontrar, sem vir respirar à superfície.

Era muito gabarola. Antes das Operações até dizia que iria apanhar aos turras um Morteiro 82 mas, depois, era um problema com ele porque lhe custava aguentar disciplinadamente horas e horas, em situação de combate iminente (e sem fumar!).

Já tinha tentado enganar-nos com “indisposições” na hora de sairmos para as Operações. Como lhe correu bem da primeira vez, pensou que podia repetir a habilidade. Um dia, antes de sairmos para uma Operação perigosa, fui informado de que o Raul estava deitado no chão da parada, caído de bêbado. Não era pela falta que ele fazia, mas não podíamos tolerar esse comportamento. Pedi ao Furriel Enfermeiro “Berguinhas” para lhe aplicar a dose necessária, para o “acordar”. Após a injecção de Coramina não levou muito tempo a mexer-se e a coçar violentamente os dedos dos pés, das mãos e o nariz, enquanto gritava repetidamente:

- “Ai maezenha, maeiiizeeenha, que não aguento tanta formiguenha, tanta formiguenha”.

E, apercebendo-se de que eu estava por perto, intervalava, com:

- Chamem o meo paezenho. Acuda-me, furriel Seilva. Você é o meo paezenho.

HM 241 de Bissau

Foi ferido no dia 19 de Abril de 1968, num dos 51 + 1 ataques sofridos na Op “Bola de Fogo”, em Gandembel, no Corredor do Guileje. (O último ataque que refiro não teve lugar em Gandembel, porque foi uma emboscada montada à LDG que nos transportava, de regresso a Catió). Pois o Raul, logo que se pôde mexer, foi pelos corredores do Hospital de Bissau, carregando o material do soro que tinha instalado ao pé da cama, procurar o Capitão, que tinha sido evacuado dois dias antes, também ferido em Gandembel.

- Meo Capitãzenho, tambã me federam. Inda lá vamos voltar para resolvaer aquelo. Ningã veance a nossa Companhaea!

Surpreendido e alarmado, o Capitão, diz-lhe:
-Ó homem, você vem para aqui com essa tralha toda a segurar-lhe o tubo e a bolsa do soro? Só não trouxe a cama.

- Tem razã meo Capitã, éo já desse ó meo dôtôr que era melhour meter o souro num garrafã , mesturado com veinho teinto.

Silva da Cart 1689

Nota: O texto acima será melhor entendido pelo leitor se for esclarecido que comandei o Pelotão durante grandes períodos de tempo, devido a ausência do alferes.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8792: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): Queimados

Guiné 63/74 - P8809: Tabanca Grande (302): Abram alas, camaradas, temos aqui mais um velhinho, o Alcídio Marinho, do Porto, Miragaia, ex-Fur Mil, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)

1. Em 4 de Junho de 2011, por ocasião do nosso VI Encontro Nacional, tive o grato prazer de conhecer mais um camarada da zona leste da Guiné, o Alcídio Marinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).


Acompanhado da sua esposa, Rosa, empunhava, com garbo, orgulho e valentia, o estandarte da sua companhia. O Alcídio vive no Porto, em Miragaia, ou seja, numa das mais velhas freguesias da cidade que é hoje Património Mundial da Humanidade, integrando o primitivo núcleo medieval, delimitada, no século XIV, pelas famosas muralhas fernandinas.

O Alcídio vinha já munido da "papelada" necessária para ingressar na Tabanca Grande (neste caso, as duas fotos da praxe e o seu currículo militar abreviado). O seu pedido foi imediatamente aceite por mim, uma vez feito o teste de conhecimentos sobre os direitos e deveres dos membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Devo dizer que ele passou com distinção. (*)

Na conversa que tive com ele fiquei a saber que a CCAÇ 412, sediada em Bafatá, tinha uma vasta zona de acção, que ia de Cantacunda ao Enxalé, a norte do Rio Geba, e de Bambadinca ao Xitole, ao longo da margem direita do Rio Corubal (aquilo que mais tarde, seis anos depois, no meu tempo, era já "preenchido" por 2 batalhões, um em Bafatá e outro em Bambadinca, ou seja, por mais de 2 mil homens em armas, incluindo subunidades adidas e pelotões de milícia).

2. Por distração minha (de que peço mil e um perdões, ao próprio e aos demais camaradas), só hoje dou a boa notícia ao resto da Tabanca Grande, anunciando em voz:

- Camaradas, abram alas, arranjem um lugar para mais um digno representante da velhice da Guiné, deem-lhe as boas vindas!... (Velhice aqui não tem nada a ver com a idade fisiológica, mas com a antiguidade de guerra: o Alcides está em boa forma, como se pode ver nas fotos de Monte Real).

Sob o nº 520, o Alcídio Marinho vai ficar aqui, sentado no bentém, debaixo do mágico, secular, frondoso, generoso e protetor poilão da nossa Tabanca Grande e vai connosco partilhar as suas memórias desses idos e bravos tempos de 1963/65... Palavra de camarada! (LG).



Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Alcídio Marinho (Porto, Miragaia), o porta-estandarte da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).


Foto: © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Rosa Marinho (Porto, Miragaia), empunhando com elegância, firmeza e determinação o estandarte dos Capacetes Verdes (réplica do original).


Foto: © Luís Graça (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Guiné 63/74 – P8808: Memórias de Gabú (José Saúde) (4): Recordando o benjamim da companhia: Alberto, um puto que irradiava simpatia!




1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a 4ª mensagem desta sua série e duas fotos do seu álbum de memórias.

RECORDANDO O BENJAMIM DA COMPANHIA EM GABÚ.
ALBERTO, UM PUTO QUE IRRADIAVA SIMPATIA!

Descalço, melhor, usando quotidianamente o natural par de sapatos com os quais a sua mãe o colocou no Mundo, Alberto, o benjamim da minha companhia, era um puto deveras simpático. Movimentava-se com à vontade pelas instalações do aquartelamento, comia e bebia com a malta, sendo que à tarde regressava à tabanca. Foram longos meses curtindo, com ele, pedaços de uma vida repleta de pequenas histórias sempre inesquecíveis.

Gostava do Alberto! Confesso que com ele aprendi também a conhecer parte da realidade de um povo submisso ao conteúdo de uma guerrilha que não dava tréguas. A distância do tempo leva-me a não precisar ao certo a sua real idade. Deduzo que, na altura, o puto tivesse 7 ou 8 anos. A sua linguagem, fértil em diálogos permanentes com a rapaziada da metrópole, levava o Alberto a citar a língua de Camões com alguma facilidade. No campo das recordações revejo o momento em que pela primeira vez travei um pequeno diálogo com o Alberto, ficando então surpreendido pela desenvoltura como o rapaz dominava a flexibilidade da prosa lusíada. O miúdo, entrosado na sua sensibilidade, tinha, na verdade, conversas interessantes. Parecia um homem. Conhecia, também, os postos que a rapaziada ostentava.

O Alberto era um puto “desenrascado”. Não lhe olhassem à idade. O português, fluidamente travado com a nossa tropa, dava-lhe estatuto. Creio que não havia ninguém que dele não gostasse. Entrava no gabinete do comandante de Batalhão como na mais singela caserna do invulgar soldado desconhecido. Visitava-me, amiúde, no quarto por mim partilhado, pelo Rui, também ranger, pelo outro Rui, um rapaz de Coimbra, pelo Santos e pelo Fernandes. O Alberto era sempre uma cordial companhia que muito nos agradava. E tantas foram as vezes que o puto me fez parceria em pequenos passeios pelas instalações do quartel!

Hoje guardo, religiosamente, uma foto com o benjamim Alberto que evidencia a nossa amizade conquistada ao longo da minha estadia em Gabú. Passados tantos anos, 38, talvez, fica a razão da minha oportuna interrogação: Que será feito do agora senhor Alberto?

O Alberto, companheiro e amigo
No fundo de um buraco já enorme, eu e o Fur Mil Santos preparando mais um rebentamento de material explosivo existente no paiol 
O derradeiro adeus a Nova Lamego. Eu e o Fur Mil Santos no momento de deixarmos as nossas instalações

Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiros postes desta série em:

13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8772: Memórias de Gabú (José Saúde) (1): No declinar da nossa presença em terras guineenses… A despedida!

 

18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8788: Memórias de Gabú (José Saúde) (2): Os conflitos tribais e a acção da tropa portuguesa. A “Psicó”!

 

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento” 

Guiné 63/74 - P8807: Um apontamento sobre a CCAÇ 4544/73 em Cafal Balanta (António Agreira)

1. Mensagem do nosso camarada António Agreira* (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 4544/73, Cafal, 1973/74), com data de 19 de Setembro de 2011:

Amigo Carlos Vinhal!
Em primeiro lugar forte abraço extensivo a todos os camarada e amigos da tabanca grande.
No decorrer do fim de semana (caseiro) dei por mim a remexer no baú das memórias, e lá apareceram algumas fotografias, das quais destaco duas que gostava de partilhar com todos os camaradas.

Para além de relatarem a forma como foram passados alguns momentos em Cafal, dão testemunho da fraternidade e união com que vivemos durante esse tempo.

Este homens que fazem parte destas fotos eram de Transmissões e Enfermeiros, todos os dias faziam patrulhamentos na mata do Cantanhez, com excepção de dois que eram Operadores Cripto.
Sendo patrulhas de rotina eram sempre motivo de conversa nestas reuniões, que como é evidente não ocorriam todos os dias.

Diariamente se fazia a picagem da estrada ao longo da bolanha até Cafine, mesmo que não ocorresse qualquer ida a Cufar ou Catió, cuja deslocação era sempre feita em barcos semi-rígidos pelo rio Combijã, no mínimo duas embarcações.

Voltando às fotos, o local destes convívios era sempre a tabanca das Transmissões, não era uma tabanca diferente das outras, a única coisa que tinha de diferente era o posto de rádio que se situava num abrigo localizado nas traseiras da tabanca, 7 ou 8 metros de profundidade, diga-se de passagem muito seguro.

Era no posto de rádio que se sabiam as noticias do exterior, e até dos familiares. Era o local que nos ligava ao Mundo e onde organizávamos a nossa defesa quando éramos atacados pelo PAIGC. Era também de lá que apoiávamos os camaradas das outras Companhias, pelo menos nos ataques com armas pesadas, em que utilizávamos o sistema de cruzamento de linhas para detectar as coordenadas dos pontos de saídas do fogo. Estas informações eram enviadas via rádio para: Jemberem, Bedanda, Catió e Bissau (BA 12).

Por hoje é tudo. Despeço me com amizade e gratidão pela atenção dispensada.
Se entretanto entenderes que este desabafo merece ser publicado, estás a vontade. Em anexo seguem as fotos da rapaziada.

Cumprimentos
António Agreira

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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8726: Os últimos dias da CCAÇ 4544/73 em Cafal Balanta (António Agreira)

Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011

1. Primeira parte de um trabalho intitulado "Strela, A ameaça ao domínio dos céus no ultramar português", publicado no número 392 da Revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa de JUL/AGO 2011.

Dedicamos este poste ao nosso camarada Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, 1972/74, actualmente Coronel na situação de Reforma e à sua esposa Giselda, uma das nossas queridas Enfermeiras Pára-quedistas, também ela 'strelada' nos céus da Guiné.

Honra e glória para os nossos valorosos pilotos da FAP que foram vítimas mortais das armas do IN e de todo o tipo de acidentes, e que não tiveram a sorte dos nossos camaradas Giselda e Miguel.

A publicação deste artigo tem a devida autorização dos responsáveis pela referida Revista, a quem desde já apresentamos os nossos cumprimentos e o reconhecimento pela deferência com que fomos tratados.
Deixamos aqui estas 3 mensagens trocadas a propósito:

i) Mensagem enviada pelo nosso Blogue em 13 de Setembro à Revista Mais Alto:

Exmos. Senhores
Na qualidade de co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/), venho junto de V.Exas. solicitar autorização para publicar no nosso Blogue a digitalização das páginas 31 a 42 da vossa Revista Mais Alto, número 392 de JUL/AGO 2011, referente ao Dossier Ultramar - "Strela, a ameaça ao domínio dos céus no ultramar português".

Este dossier foi-nos dado a conhecer pelo senhor Coronel Pilav Miguel Pessoa, nosso tertuliano, a quem quereríamos dedicar uma série, publicando as referidas digitalizações. Foi nos céus da Guiné que o então Tenente Pilav Miguel Pessoa foi derrubado por um míssil Strela.

Esperando de V. Exas. a melhor atenção para o nosso pedido, e deixando convite para nos visitarem, me subscrevo antecipadamente grato.
Carlos Vinhal


ii) Mensagem do Senhor Chefe de Redacção da Revista Mais Alto,  de 15 de Setembro de 2011:

Exmo. Sr.
Carlos Vinhal
Muito obrigado pelo seu contacto.
Solicitava o tempo necessário para que o vosso pedido seja autorizado pelo Director da Revista Mais Alto, Sr. Tenente-General Luís Palma de Figueiredo.
Em caso afirmativo enviar-lhe-ia a primeira parte do artigo em PDF (segue-se a II e última parte na próxima edição da revista de SET/OUT) de forma já editável no vosso Blogue.
Não gostaria também de deixar de assinalar o notável trabalho de recolha e divulgação que tem sido efectuado pelo blogue, um contributo de grande relevo para nossa História no período a que se dedica.

Com os melhores cumprimentos,
Nuno Esteves da Silva 


iii) Mensagem do Senhor Chefe de Redacção da Revista Mais Alto,  com data de 20 de Setembro:

Exmo. Sr.
Carlos Vinhal
Junto temos o prazer de enviar o artigo - Strela - I Parte em formato pdf.

Solicitamos apenas que seja referida a origem do artigo: Força Aérea Portuguesa - Revista Mais Alto, Nº 392 JUL/AGO 2011.

Com os melhores cumprimentos,
Nuno Esteves da Silva


DOSSIER ULTRAMAR
STRELA, A AMEAÇA AO DOMÍNIO DOS CÉUS NO ULTRAMAR PORTUGUÊS

Cortesia de Revista da FAP,  Mais Alto,  n.º 392 / JUL/AGO 2011

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Notas de CV:

Vd. ainda os postes de:

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8746: Recortes de imprensa (47): Correio dos Açores: A notícia da morte do Fernando de Sousa Henriques (1949-2011) (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P8805: Agenda Cultural (156): Exibição do filme Quem vai à Guerra, de Marta Pessoa, dia 30 de Setembro de 2011 no Centro Cultural da Malaposta, Olival Basto

1. Os nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, em mensagem do dia 19 de Setembro de 2011, deram-nos conta da exibição do Filme de Marta Pessoa, "Quem vai à Guerra", no Centro Cultural da Malaposta, Rua de Angola, Olival Basto, no próximo dia 30 de Setembro pelas 21h30.

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Notas de CV:

Vd. último poste dedicado ao filme de 22 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8460: As mulheres que, afinal, foram à guerra (17): Público, Cinecartaz: Críticas dos leitores

Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8803: Agenda Cultural (155): Lançamento do livro Sopros de Vida, de José Lemos Vale, dia 24 de Setembro de 2011 na Livraria LeYa em Coimbra

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8804: Convívios (375): XVIII Encontro da CCAÇ 727, dia 8 de Outubro de 2011, no RI 3 de Beja

1. Mensagem do nosso camarada Miguel Velez de Oliveira, com data de 16 de Setembro de 2011, dando conta do Convívio da CCAÇ 727 (Guiné, 1964/66):

Boa noite Caro Camarada e Amigo Vinhal
Mais um Ano mais um Convívio.
Este Ano no RI-3 em Beja, onde grande parte dos "Caçadores" tiveram o primeiro contacto com a Instrução.

Meu Caro Vinhal, peço-lhe que divulgue no V/Grande Blog o Encontro/Convívio da CCAÇ 727, uma das Companhias que, talvez terão tido, mais baixas.

Em nome dos Elementos da Organização, um Grande Obrigado.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8782: Convívios (368): Encontro do pessoal da CCAÇ 3461 do BCAÇ 3863 vai acontecer no próximo dia 17 de Setembro de 2011, em Coimbra (José Romão)

Guiné 63/74 - P8803: Agenda Cultural (155): Lançamento do livro Sopros de Vida, de José Lemos Vale, dia 24 de Setembro de 2011 na Livraria LeYa em Coimbra

Caros Amigos,
Realizando-se no próximo sábado dia 24, pelas 16H30, na Livraria LeYa_Coimbra Editora, Rua Ferreira Borges 79 em Coimbra o lançamento do meu livro Sopros de Vida, muito me honrariam com a v/presença neste evento de apresentação pública do citado livro, que é a 1ª homenagem de carácter público aos abnegados e humanitários Enfermeiros Militares que apoiaram os grupos de Combate na Guerra do Ultramar.

Numa segunda parte, enalteço e homanageio as Valorosas Mulheres que constituiram o Corpo de Enfermeiras Paraquedistas da Força Aérea Portuguesa,onde foram inexcedíveis em abnegação,coragem, espírito de Corpo e Sentido de Missão, atributos só reconhecidos pelos combatentes feridos e por elas assistidos nas frentes de combate com desvelo e carinho, dons que só os seres humanos bons conseguem partilhar com quem sofre as avdversidades da vida.especialmente em ambiente de guerra.. O Estado Português teima em não as homenagear publicamente. Espero que este livro possa colmatar esse inaceitável apagão aos excelentes serviços e à memória destas duas classes Enfermeiros da Guerra doUltramar.

Grato pela v/ presença, creiam-me com amizade
José Lemos Vale


C O N V I T E

Com a devida vénia a CELIVRARIAS
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Notas de CV:

Vd. notícia ainda em http://ultramar.terraweb.biz/06livros_JoseLemosVale_GuerraColonial_SoprosdeVida.htm

Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8794: Agenda Cultural (154): Exposição de fotos e lançamento do Livro Na Kontra Ka Kontra de autoria do nosso camarada Fernando Gouveia, ocorridos no dia 13 de Setembro de 2011, na Casa da Cultura Mestre José Rodrigues, em Alfândega da Fé

Guiné 63/74 - P8802: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (15): O Exército colonial português - do cofió, do bivaque e do caqui ao visual da boina e camuflado: Guerra e Paz(maceira)


Caldas da Rainha > "15/7/41. A despedida das tropas expedicionárias de Cabo Verde. R.I. 5, Caldas da Rainha. Luís Henriques [1º Cabo Inf)




Cabo Verde >S. Vicente > Mindelo > "23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques". [Partida a 15 (?) ou talvez 16 de Julho de 1941, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, Lisboa].


 Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Parada do [1º]  Batalhão expedicionário do R. I. nº 5. Lazareto, 1/12/41. S. Vicente, Cabo Verde. Ao fundo a linda baía com o seu belo porto de mar. Luís Henriques"


Fotos (e legendas): © Luís Henriques / Luís Graça  (2010). Todos os direitos reservados

 


1. Mensagem, de 19 do corrente, do nosso amigo e camarada António Rosinha [, Fur Mil, em Angola, aqui em 1961, em Luanda, o primeiro da direita]:


Amigos editores, penso que tem cabimento, fica ao vosso critério um poste ou não (*).

Na RTP África, em entrevista recente dizia o presidente de Caboverde Pedro Pires que a história das guerras é sempre contada pelo lado dos vencedores.


Mas creio que no nosso caso aqui, essa afirmação não é verdadeira, porque neste blogue contamos a história de uma guerra que não ganhámos.


Ou ganhámos?  E se perdemos, perdemos o quê?   E a perda foi total? Ou apenas parcial?


Será que Portugal alguma vez chegou a investir numas forças militares para ganhar pelas armas fosse o que fosse?  
Claro que o tipo de guerra que viria a surgir em 1961, e aqui rememoramos, não era com armas que se ganhava. Será que era por isso que não se investia em armamento? Será porque era assim que Salazar pensava, e já tinha reduzido ao mínimo as armas e os homens na Índia, quando o Neru invadiu o Estado Portugês da India?

A pasmaceira dos quartéis coloniais, interrompida em 1961, em Angola, onde se iniciaram os conflitos armados pró-independência, datava provavelmente desde 1918 quando terminou a I guerra mundial. Foram 43 anos de paz(maceira).


Os oficiais e sargentos e praças do quadro, que povoavam os quartéis coloniais, funcionavam tal qual como o armamento ultrapassadíssimo daquele tempo, serviam apenas para dar instrução, desfilar nos juramentos de bandeira, e prestar serviço de rotina de um quartel em paz. Mas não pensavam nem eram mentalizados para qualquer guerra, apenas estavam estruturados para terminar a comissão no ultramar sem complicações, o que lhe proporcionaria alguma promoção ou um algum necessário louvor, no regresso à metrópole.


Quanto aos milicianos e praças anualmente incorporados obrigatoriamente, cumpriam com os programas por obrigação.


A Infantaria, e artilharia eram as armas que se podiam encontrar distribuidas pelas capitais de distrito em Angola nos anos 50 e apenas em 1959 foi criado um esquadrão de cavalaria ( penso que era esquadrão).


A Força Aérea e Marinha eram reduzidas certamente, pois que pouco se notava a suas presenças no ambiente luandense e muito menos no interior, o que é mais dificil de ajuizar sobre o que pouco se via.


Quem demonstrava muito entusiasmo pelo serviço militar, eram os soldados indígenas, Soldados I, que assimilavam com enorme rapidez a instrução militar e o ensino nas aulas regimentais. Era uma enorme desilusão para eles quando terminavam o tempo militar e tinham que regressar às famílias de mãos a abanar, e já inadaptados à vida da tribo.


Os quartéis de infantaria coloniais viviam numa rotina sonolenta, embora se falasse que em Moçambique havia uma "cultura" mais refinada, com hábitos de guiar à esquerda a imitar os vizinhos, mas parece que o mimetismo seria apenas no volante em contramão. Nas Ilhas crioulas e Guiné seria tudo militarmente bem reduzido.


Às vezes havia um certo ambiente marcial nesses quartéis, (em Angola),  quando alguém fazia ouvir na parada discos com as marchas militares clássicas americanas. De resto era um arrastar de pés pelas paradas tão cansativo que provocava uma sede tropical enorme que só um abastecimento regular de barris de cerveja nas messes de oficiais e sargentos e cantinas, resolvia a situação.


Mesmo em tempos de paz, a tropa em África já tinha o hábito de não morrer à sede.


Parece pessimismo olhar assim para os militares, mas ninguém pode desmentir que os comandantes exigiam muito pouco, nem ao governo exigiam modernização nem aos oficiais e sargentos se exigia um rigor verdadeiro, como por exemplo ensinar a fazer fogo com as armas de cada especialidade.


Por exemplo, num curso de sargentos milicianos de armas pesadas de infantaria, com especialidade de metralhadora pesada, morteiro 81 e canhão anticarro, podia acontecer um aluno nunca ter dado um único tiro com qualquer uma dessas armas, e terminar com boa nota no fim do curso, (sem cunhas).


Na primeira manifestação nacionalista anti-colonial morreu um 1º cabo fardado de caqui, e provavelmente, digo eu, e talvez não seja exagero, sem bala na câmara, se é que tinha alguma arma na mão. Foi a 4 de Fevereiro de 1961 no ataque do MPLA (?) à casa de Reclusão em Luanda.


Nesse tempo o serviço de guarda`aos palácios do governo, ou às prisões eram feitas por uma secção: Um velho sargento barrigudo ou um novato cabo miliciano, branco ou mestiço ou mesmo preto, e um 1º cabo da mesmas cores, e 9 soldados invariavelmente (I) indígenas. Todos de caqui. Calças com polainitos, capacete de cortiça para o sargento ao palácio e cofió para os soldados I (Na casa de Reclusão era com capacete de aço, para todos).


Os soldados de sentinela usavam Mauser a tiracolo ou encostada à parede, e um pente com 5 balas dentro de um saquinho de plástico fechado e inviolável, sujeito a punição se o saco fosse violado sem justificação. Nas guaritas havia sempre dois tijolos que tanto serviam de banco para sentar como de travesseiro para dormir.


O Comandante de secção usava uma FBP a tiracolo ou no armário, que só dava tiro real já no final dos cursos de sargentos, pelo que era mais o tempo que passava com o cano cheio de massa consistente. 
 

Mais tarde, na segunda manifestação anticolonial e tribalista, morre o primeiro alferes do exército colonial, quando nos massacres do 15 de Março (FNLA), o Alferes Flores fazia uma patrulha repetidíssima numa rotina semanal de transporte de correio entre Noqui e São Salvador. Nem a PIDE se informava nem informava, nem os comandantes das companhias se preocupavam muito, pois o destino se encarregaria de os informar.

A farda do exército colonial continuava de côr caqui, quando há 50 anos (1961) foi substituida por um vistoso camuflado.


Talvez por causa da manufatura morosa dessas fardas, é que teria demorado a chegar a Luanda o primeiro navio com um grande contingente de caçadores especiais fardados com camuflados. Seria a falta de fardas ou de estratégias a causa da demora?


Já havia muitas malas feitas para dar às de vila diogo, em Luanda e não só, quando Salazar reagiu aos massacres terroristas de 15 de Março (FNLA) enviando o 1º de muitos contingentes militares.


Será que foi o ditador o inspirador do alfaiate militar?
(É que hoje já há tanta escrita sobre o homem que já se escreve que mandava em tudo, talvez ele entendesse mesmo de moda e fosse dele a ideia do camuflado. É que teve impacto psicológico positivo, naqueles que já pensavam dar corda aos sapatos.)

Não se sabe se os turras ficaram impressionados com o visual, mas ficaram e bem, impressionadas as garotas de Luanda.
Já tinha sido em Fevereiro o ataque à casa de Reclusão e o navio chegou apenas a 1 de Maio.

Mais um pouco de demora na chegada do 1º contingente, e a impaciência tomava conta da multidão e já não seria preciso "fazer qualquer guerra" nem de caqui nem de camuflado, pelo menos em Angola. Pois não haveria "brancos" a quem guardar as costas, o que era para alguns capitães do quadro, o motivo daquela mobilização "guardar os brancos" contra a revolta dos pretos, que os brancos maltratavam, e por isso eles se revoltaram.


Claro que alguns brancos, tão ignorantes como alguns desses capitães, diziam a esses capitães que matassem os pretos todos para resolver o problema.


E já na Guiné e Moçambique havia bordoada da grossa, quando se dá a 3ª manifestação anticolonial em Angola (UNITA), em que torna a haver uma morte de europeu, só que desta vez não era militar. Será que foi o camuflado que ajudou?


E não morreu nenhum militar,  porquê?  Simplesmente era noite de festa de Natal de 1966, e estava tudo acordado e bem desperto dentro do quartel, e os "turras" de Savimbi, desorganizados, é que foram surpreendidos por esse facto.


E apenas houve um único europeu surpreendido, foi um civil noctívago, que regressava a casa vindo de uma visita feminina. 
Esse civil era simplesmente o inspector da PIDE em serviço naquela vila de fronteira de Teixeira de Souza, que pelos vistos andava mal infornado.

É que não era só falta de rigor e disciplina no desempenho da tropa, tudo o que era autoridade e Estado, estava completamente enferrujado e desligado da realidade, tropicalmente acomodado.


Para a classe da função pública, que em maioria era afro-luso caboverdeana-angolana-guineense-sãotomense-macaense e goesa, que em princípio sonhavam com uma autonomia e não escondiam essa pretensão, essa pasmaceira, que podemos dizer que era promovida ou apreciada por Salazar, nem era nada desagradável usufrui-la, antes pelo contrário, era uma vida a côres comparado com o preto e branco de Portugal e Ilhas.


Acho que essa modorra tropicalíssima, reinante nas colónias, tambem se poderia considerar um sistema político, como tudo.


Não quero agora falar na qualidade de vida que aqueles ambientes coloniais e tropicais proporcionavam, se compararmos com o nosso retângulo metropolitano e ilhas adjacentes. Imaginemos apenas que não havia fome nem pedintes, e já havia certos conhecimentos de tratamento de doenças tropicais.


Sem falar na vantagem de não haver tantas gravatas, o que tornava tudo mais desafogado, e não só no colarinho.


Falamos nos tempos em que já tudo tinha esquecido a guerra mundial, porque antes tambem terá sido complicado.
Neste caso, podemos dizer que era política de Salazar, pois era ele que tudo mandava.

Visto hoje, 50 anos depois do início das independências dos países africanos com demaracação de fronteiras definidas em Berlim, portanto da inteira responsabilidade da europa, não podemos dissociar a história das ex-colónias portuguesas, hoje 5 paises, da história de toda a África colonizada, que vai de Marrocos à Cidade do Cabo.


Mas a maior diferença entre a independência destes nossos 5 irmãos lusófonos, e outros paises africanos, não foi só Portugal ter fardado um exército para impedir que os vários movimentos tomassem nas mãos a independência daquelas fronteiras, mas sim o facto de terem sido os movimentos cujos elementos eram os mais ligados a Portugal, " africanos mais aportuguesados", e os auto-intitulados brancos de 2ª  que, ou venceram os outros movimentos ou até nem permitiram que outros movimentos se formassem, que içaram a respectiva bandeira nacional.


O que noutros paises africanos, embora muitos tenha sido o colonizador a "ajudar" a promover os futuros governantes, poucos destes dirigentes estariam desligados do ambiente tribal como o caso daqueles que tomaram o poder nos 5 paises lusófonos.


Que foi o caso mais genuíno desta afirmação a Guiné, com o PAIGC com Amilcar, e o irmão Luis Cabral e muitos outros elementos. 
Mas também como a formação do MPLA e FRELIMO em que a maioria já não nasceu em palhota de tabanca, mas sim na "praça".

O que parecia algo impossível aos ouvidos
. Era difícil acreditar que coordenassem aquele emaranhado de tribos, pelo que muita gente se opôs a "entregar" e "entregar-se" a esses movimentos vencedores de uma luta que não foi apenas dos 13 anos da guerra que a política de Salazar nos obrigou a enfrentar, mas que está muito para lá desses 13 anos.

Muita ilusão tinham esses movimentos, sobre o futuro que os esperava, pois aquilo que parecia naquele período colonial de uma certa prosperidade e abundância e até uma paz social e tribal, ia transformar-se num pesadelo igual ao que outros paises já tinham sofrido e que ainda se vai manifestando aqui e alí.


Mas provavelmente se hoje aqueles 5 países, mantêm as suas bandeiras nacionais e as suas fronteiras intactas conforme as "herdaram" desde 1880 e tal, certamente foi graças a esses movimentos "destribalizados", o que seria muito difícil aos outros movimentos e facções que havia, terem sucesso por falta de gente idónea.


Mas se Portugal (Salazar) tivesse entregue às Nações Unidas (EUA e URSS) em 1961 o destino daqueles territórios como muitos "inteligentes" anti-salazaristas ainda hoje defendem, aquelas fronteiras iam ser todas pulverizadas ou iam ser re-colonizadas fora da lusofonia, e nem seriam provavelmente as figuras como Agostinho Neto, Amilcar e Luis Cabral, ou Machel e outros conhecidos protagonistas que sobreviviam à selvajaria que se adivinhava em Março de 1961.


Já vimos Angola, Guiné e Timor serem invadidos por vizinhos, após a saída de Portugal, imaginemos o que aconteceria em 1961. 
É que devido a muitos factores faceis de explicar, nem sempre fomos respeitados internacionalmente, e acontecia isso mesmo naquele momento crítico só que nem sempre queremos encarar isso de frente.

Nós portugueses temos tantos conceitos e preconceitos sobre o que nós somos que até temos medo/vergonha de encarar com as nossas fraquezas/forças e preferimos viver num misto de verdade/mentira quanto ao que fazemos ou fizemos ou que outros nos fizeram.


Se não vejamos um caso que não tem muito a ver com a guerra colonial, mas é ilucidativo como devemos ser nós a olhar para nós sem complexos, e não olhar para o lado e varrer os problemas para debaixo do tapete.


Por exemplo esta mentira de sermos o país com as fronteiras mais antigas da europa, com 800 ou mais anos, conforme políticos, escritores e historiadores se fartam de escrever e reescrever.


Mentira, porque a Madeira e os Açores não foram ocupados há tantos anos. 
Mentira, porque no Alentejo houve um recuo da fronteira de vários quilómetros a leste de Juromenha, o que faz que as nossas últimas fronteiras naquele lugar andam apenas pelos 200 anos, pelo menos provisoriamente, segundo esperam os "amigos de Olivença" o que faria com que hoje ainda nem temos as fronteiras definitivas.

Não devemos continuar a mentir a nós próprios, escondendo ou transfigurando factos históricos, em que nós mesmo participámos, ou estamos vendo mas fugimos com o olhar, como acontece com esta guerra nas nossas antigas colónias em que participámos em conjunto ou contra africanos, cubanos, russos, sulafricanos, etc. etc., e que como portugueses estivemos divididos mas não tanto como uns tantos querem fazer crer.


Até mesmo aqueles que não vestiram um camuflado ou porque foram para a pesca do bacalhau ou sairam das aldeias de assalto trabalhar para a França, até desses Salazar aproveitou o esforço para bem da Nação, uns pescando o fiel e indispensável amigo, outros atravez de agências do BES, estrategicamente colocadas que religiosamente lhe arrecadavam as suas remessas de emigrantes que ao que consta o ditador apreciava imenso.


Outros que foram mais para leste, tambem marcaram aquele período, e a sua maneira de ir contra aquela guerra deve tambem ser escrita e ficar para a história e nunca ser varrida para debaixo do tapete.


Claro que este Blogue  é dedicado àqueles que viveram a guerra na Guiné, e espero que os assuntos que abordei, não desrespeitem as memórias de quem lá andou.


Cumprimentos para os editores e todos os que acompanham este blogue.


Antº Rosinha

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P8801: Parabéns a você (317): Coronel Ref Coutinho e Lima (Guiné, 1963/65; 1968/70 e 1972/73), e Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

Com um abraço da tertúlia e editores
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Notas de CV:

- Coutinho e Lima, na sua primeira comissão de serviço na Guiné, foi Comandante da CART 494, que esteve aquartelada em Gadamael (Dez 63/Mai 65); na segunda, entre 1968 e 1970, foi Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe das FA da Guiné e a terceira, iniciou-a em Setembro de 1972, tendo sido nomeado por Spínola como comandante do COP 5, com sede em Guileje, em Janeiro de 1973.

- Raul Albino foi Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, que esteve , Mansabá e Olossato, nos idos anos de 1968 a 1970.

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8775: Parabéns a você (316): Manuel José Ribeiro Agostinho, Soldado Escriturário (QG/CTI Guiné, 1968/70)

Guiné 63/74 - P8800: VII Encontro da Tabanca Grande - 2012 (1): Inquérito para escolha da data e recolha de opiniões (A Organização)



VII ENCONTRO DA TABANCA GRANDE - 2012

Inquérito para escolha da data e recolha de opiniões 


Camaradas e amigos tertulianos
Se os brasileiros na quarta-feira de Cinzas começam a pensar do Carnaval do ano seguinte, nós também temos que fazer pela vida porque, não tarda, está à porta o VII Encontro da nossa Tabanca.

Como sabem, este ano a data escolhida foi menos boa porque houve algumas coincidências com Encontros de Unidades de alguns do nossos camaradas tertulianos normalmente participantes.

Vamos tentar contornar este problema pondo à vossa apreciação este pequeno inquérito elaborado pelo camarada Miguel Pessoa. Podem responder enviando mensagem com as vossas opções para carlos.vinhal@gmail.com até ao dia 15 de Outubro*, para que se possa, a tempo e horas, fazer as respectivas reservas no Palace Hotel de Monte Real, onde, se não houver nenhum imprevisto, se realizará o próximo Convívio da Tabanca Grande.

I - As opções de datas são as seguintes:

- 31 de Março
- 14 de Abril
- 21 de Abril
- Outra / Qualquer uma


II -No caso de não costumar participar nos Encontros, assinale o motivo:

- Desinteresse
- Coincidência com outros convívios
- Distância de residência
- Outros motivos


III - O que poderia motivá-lo a participar?


IV - Outras observações que ache de interesse:


Este inquérito destina-se apenas a auscultar os participantes habituais, ou possíveis interessados, pelo que as respostas não serão de modo nenhum consideradas como pré-inscrição no Encontro. Mais à frente, depois de consideradas todas as opções/opiniões, começaremos a trabalhar efectivamente na realização do VII Encontro.

Podem e devem responder os tertulianos do Blogue, ex-combatentes da Guiné, que não pertencendo à tertúlia, costumam ou pensam vir a participar no Encontro e quem, de algum modo, se sente ligado à actual Guiné-Bissau.

Muito obrigado desde já pela vossa participação, esperamos vir a reencontrar os camaradas e amigo(a)s que este ano não marcaram presença, e receber aqueles que nunca tiveram oportunidade de comparecer, mas que vão fazer a sua estreia em 2012.

Informamos que a Comissão Organizadora é composta pelo Presidente Honorário Luís Graça e pelos vogais: Belarmino Sardinha, Carlos Vinhal, Joaquim Mexia Alves, José Eduardo Oliveira, José Martins, Magalhães Ribeiro e Miguel Pessoa.

Em nome d(est)a Organização
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(*) Em tempo:
Uma vez que o Palace Hotel de Monte Real está a receber muitos pedidos para eventos para os fins de semana de Março, Abril e Maio, antecipámos o prazo para recepção de opiniões para o dia 15 de Outubro de 2011.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (33): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)

 Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > 2 de Março de 2008 > 

Filhas do vento, filhas de amores de guerra (*)... 

Estas duas mulheres, de olhar triste, irmãs, vieram de longe procurar-nos, uma delas com um filho às costas...  Estariam na casa dos 30 e muitos anos...

Queriam saber notícias de um tal Furriel Mil Mecânico Auto, de apelido Barros, que terá estado em Cacine em 1971/72... e que seria de origem madeirense ou açoriana. Por essa altura, entre 20 de Maio de 1970 até 15 de Fevereiro de 1972, sabe-se que passou por Cacine a CCaç 2726...  Não fixei os seus nomes, nem sei ao certo onde vivem, mas prometi divulgar as suas fotos...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


1. Comentário. ao poste  P8798 (**), assinado pelo nosso querido e bom amigo Cherno Baldé [, aqui na foto, à direita,  com os seus filhos, num cerimónia religiosa muçulmana ]:

Caro José Saúde,


Pessoalmente, conheci muitos casos de "Filhos do vento",  nascidos de "pais cabeças de vento" que nunca quiseram saber ou se responsabilizar dos seus irrefletidos atos, salvo rarissimas exceções, marcando assim, de forma indelével, o início das suas vidas que, na verdade, não tinham o valor a eles devido ou que é devido a cada ser humano.

No caso do chão Fula, que conheço melhor, a maior parte desses filhos abandonados foi integrada e educada no seio das famílias, mas não teve nem o afeto nem o respeito que merecia, pois tratava-se de filhos nascidos de um erro, uma falha impossível de camuflar e uma vergonha ou da sua falta, ainda mais difícil de explicar.

Mais tarde e já adultos, muitos imigraram para as cidades, onde são conhecidos pelo nome de "Brancu Mpelélé" ou seja, branco pobre como o resto da população, uma anormalidade social.

Muitos conseguiram passar a muralha da Europa e estão por ai, mais perto do que poderão supor, provavelmente à procura das suas raízes violadas ou, quem sabe, dos seus direitos negados.

Um grande abraço a todos,


[ Revisão / fixação de texto , em conformidade com a Novo Acordo Ortográfico: L.G.]
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(**) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

(***) Último poste da série > 3 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8632: (In)citações (35): Como nasce, vive e morre o homem africano (Artur Augusto Silva, Bissau, 1963)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): “Filhos do vento”: reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo


 1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a 3ª mensagem desta sua série.


REFLEXOS DE UMA GUERRA QUE DEIXOU MARCAS NO TEMPO: “FILHOS DO VENTO”

Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.

Os seus cabelos eram loiros. Maravilhosos. De cor morena, e de olhos negros, a criança, ainda de tenra idade, era de facto graciosa. Simpática, e de sorriso aberto, a menina espalhava simpatia nos braços de um qualquer soldado… desconhecido. Perdi algum tempo a deliciar-me com a sua meiguice. Dei-lhe o carinho dos meus braços e o seu sorriso tenro transmitiu-me um infinito afecto. Hoje, lamento a ausência do seu nome. Ficou retida na minha memória a sua pequena fisionomia. A sua imagem dócil deixou-me saudades. A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África.

Não importa ir ao encontro dos factos reais. Importa, isso sim, sublinhar as virtuais razões de uma guerra que sublimava momentos de encontros e desencontros. Encontros de amores factuais e de desencontros de amores ressacados. Discrepâncias nos campos de batalha. Frutos do acaso. Salvaguardar, também, a razão de actos porventura nunca pensados. Desculpados. A senhora sua mãe, uma jovem encantadora, jamais ousaria imaginar que a sua fertilidade feminina exibiria um fruto tão bonito. Curioso era a sua dicotomia face à originalidade da progenitora. A menina, linda, possuía um ar tremendamente europeu. Quem não conhecia o seu cruzamento de sangues, talvez que não imaginasse a sua originalidade.

Do pai nada se soube. Partiu. A mãe, uma cidadã comum de uma tabanca, conviveu de perto com uma menina nada parecida com outros meninos com os quais partilhava brincadeiras de crianças. E assim terá crescido. Com a minha saída de Nova Lamego perdi-lhe o rasto. Não sei qual terá sido o seu futuro. Será, hoje, uma mulher ilustre na Guiné? Terá procurado futuro num país distante? Ter-se-á encontrado com o seu pai? Será que ele a reconheceu como filha? Será que sua mãe, outrora esbelta e linda, fez dela uma mulher digna no seio do seu clã? Será que estamos agora na presença de uma cidadã guineense com nome internacional? Enfim, um rol de interrogações que me conduz à decência de procurar no infinito do horizonte alvíssaras da sua presença. Fica o pedido!

Ex-Furriel Miliciano José Saúde, tmn 961 482 269 - Nova Lamego (Gabú) 1973/74 (resido em Beja)

Um abraço,

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. primeiros postes desta série em:

13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8772: Memórias de Gabú (José Saúde) (1): No declinar da nossa presença em terras guineenses… A despedida!

18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8788: Memórias de Gabú (José Saúde) (2): Os conflitos tribais e a acção da tropa portuguesa. A “Psicó”!