sábado, 12 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9033: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (16): As cábulas

1. Mensagem do dia 9 de Novembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (16)

As Cábulas

O exame, escrito e/ou oral, destina-se, regra geral, a aquilatar os conhecimentos adquiridos pelos alunos em determinado período de tempo.
Nas provas escritas alguns alunos tentam – e muitas vezes conseguem – ludibriar o professor transmitindo a noção (falsa) de que têm conhecimento cabal de determinada matéria, quando na verdade a mesma não foi convenientemente estudada e aprendida. Por vezes o aluno, para engendrar e exercitar determinada maneira mais ou menos sofisticada, sempre mais ou menos falível, perde nisso o tempo que seria eventualmente suficiente para estudar adequadamente a mesma matéria; no entanto conseguir uma vitória sobre o professor sem queimar as pestanas será sempre um prazer gostoso, mesmo que efémero, a ter em conta. Trava-se aqui uma espécie de luta semelhante à que se verifica entre a doença e os inventores e/ou fabricantes de medicamentos. A doença surge, ataca o paciente e os antídotos vão sendo inventados por vezes com atrasos significativos ou mesmo tremendamente dilatados. Também aqui “o corpo é que paga”.

No caso em apreço, já foram inventadas as mais variadas formas de copiar tentando sempre o aluno não ser detectado pelo professor: fórmulas ou dicas escritas na palma da mão; tiras de papel presas com elásticos no interior da camisa ou na manga do casaco (puxa-se o papel e quando, depois do uso, o largamos o elástico encarrega-se de o recolher, de imediato e sem deixar rasto, ao seu esconderijo); livro ou caderno debaixo do casaco ou da capa e tantas outras.

Mais ou menos em 1960, dois irmãos, um do 5.º ano e outro do 7.º, inventaram e puseram em prática um sistema invulgar de emissores e receptores para assim “levar a carta a Garcia”. Durante o exame, o mais velho instalou-se no castelo de Lamego; o mais novo fazia a prova escrita de Matemática no liceu local. No seu posto o mais velho recebia as perguntas da prova transmitidas pelo mais novo; preparava a resolução e emitia-a para a sala onde decorria o exame; o mais novo à medida que ia recebendo a transmissão ia passando a mensagem ao papel. O estratagema parecia infalível.

Mas... há sempre um “mas”!
Um vendedor de aparelhos eléctricos ouviu no seu rádio aquela estranha conversa: algarismos, incógnitas, etc.

Coisa estranha, pensou ele! Apressadamente conseguiu passar ao papel uma boa parte do que ia ouvindo.
Deslocou-se ao liceu a perguntar se sabiam do que se tratava. Rapidamente se aperceberam que estava ali a resolução duma expressão algébrica do ponto de Matemática do 5.º ano.

Logo dois professores foram enviados a todas as salas para descobrir o que estava a acontecer. Descoroçoados, já pensavam dar-se por vencidos quando um reparou que determinado aluno tinha um grande penso anormal numa orelha.
- É um “leicenço”, diz o aluno, deveras surpreendido com o que estava a acontecer-lhe.
Não lhe passava pela cabeça que alguém tivesse descoberto a sua ardileza; entendeu que o motivo seria outro, bem diferente.

Pedem a comparência dum enfermeiro para retirar aquele “invólucro” de algodão sem “molestar” o aluno. Envolto no penso, incrivelmente, encontrava-se um receptor; no pulso do aluno disfarçado pelo relógio havia um emissor.
O Reitor ordenou, sem mais delongas, que os dois alunos fossem reprovados. Naqueles tempos os alunos do 5.º ano faziam exame escrito de manhã e os do 7.º ano de tarde.
O Ministério, porém, devido à engenhosa invenção, determinou que a ambos fosse facultado repetir excepcionalmente os seus exames.

E o comerciante de aparelhos eléctricos?
Caiu nas más graças do povo de Lamego; ninguém entrava na sua loja para comprar o quer que fosse e até o insultavam na rua; fechou a loja!

Vou agora relatar um extraordinário caso teatral, ocorrido em Coimbra em 1962/63 no qual eu participei, não sendo o actor principal.

Certo dia, depois de jantar, apareceram na casa onde eu morava, duas moças que pretendiam falar comigo. Entrámos os três numa sala pequena e, depois de dois dedos de conversa, uma manifestou o que pretendia.
Eu não as conhecia. A que falou era também universitária da Faculdade de Letras mas, pela praxe, era “doutora” do 4.º ano.
Eu era apenas um semi-puto, qualificação “praxística” dos alunos do 2.º ano ou repetentes do 1.º.

Aquela moça tinha História do Teatro como cadeira de opção pela qual eu tinha optado no 2.º ano. Não me lembrava de ter visto aquela “doutora” pela praxe coimbrã nas aulas da Dra. Maria Helena da Rocha Pereira que leccionava com muita qualidade, sabedoria e exuberância aquela cadeira. Aquela senhora era extremamente culta e transmitia na perfeição o que sabia aos seus alunos; grande lente!

Alguém informou aquela colega que eu era possuidor de bons apontamentos sobre a matéria daquela disciplina e ela pretendia que eu lhos emprestasse. Respondi afirmativamente mas teria de mos devolver no dia x. Eu ia fazer nesse dia uma prova escrita e iniciaria no mesmo dia a preparação do exame de História do Teatro.

No dia e hora aprazados, quando saí da sala, a colega esperava-me ali. Conversámos um pouco. Em vez de me devolver os apontamentos, ela sugeriu que eu estudasse com ela, em sua casa, porque ainda não tinha conseguido estudar o suficiente; na verdade mal teria olhado para os ditos apontamentos!
Na tarde desse mesmo dia iniciámos a nossa tarefa; começámos logo a falar de Ésquilo, Sófocles, Eurípides e outros, divagando sobre a obra de cada um.

Cedo me apercebi que a colega não apresentava as condições psicológicas necessárias para se concentrar na matéria que nos propúnhamos estudar.
A meio da 1.ª sessão, bebericando um chá que ela muito amavelmente ofereceu, fui informado que ela era casada e o marido, devido a complicações políticas e/ou militares, estava detido no Presídio de Penamacor. Boa malha! Senti-me espartilhado! Estava metido numa camisa de sete varas! Mas, afinal, não era nada comigo!
Continuámos a nossa árdua tarefa com interrupções apenas para comer e dormir.

Na véspera do exame escrito ela comunicou-me que, no anfiteatro onde se realizaria a prova, ela tentaria colocar-se perto de mim para usufruir do meu apoio, caso fosse necessário.
Eu fiquei mesmo à beira dum estreito corredor; ela, não sei como, conseguiu sentar-se do outro lado do mesmo corredor inclinado (anfiteatro).

No lugar da Dra. Rocha Pereira, por impedimento desta, um padre ainda jovem foi destacado para assistir ao exame (vigiar); passeava constantemente a toda a largura da sala, olhando atentamente para os alunos de vários ângulos.

A certa altura a colega pediu-me apoio para determinada pergunta: numa folha A5 escrevi os tópicos da resposta; dobrei a folha e, quando o padre se afastava de nós, lancei-a na direcção da colega; ela tentou apanhá-la mas o objecto do crime poisou nos degraus do corredor. O padre olhou e viu o papel no chão; voltou-se rapidamente e começou a subir os degraus para o apanhar, qual gato preto tentando atracar um distraído ratinho indefeso.

Com uma presença de espírito assinalável a colega afastou a perna direita para o corredor (“escanchou-se” como comentávamos mais tarde) puxou a saia, já de si curta, bem para cima, exibindo ousada e descaradamente a sua atraente coxa ao padre. Este, supondo tratar-se de obra de Belzebu ou de outro qualquer infernal demónio tentador, deu meia volta apressadamente e continuou o seu percurso a toda a largura da sala.

Ela, num ápice, apanhou a cábula, recompôs-se e... o perigo já tinha passado.
Eu “deixei cair tudo” mas a custo recuperei e recoloquei “tudo” no lugar devido.
O rascunho ajudou-a q.b.; fomos ambos à oral. Passámos!

Muitas vezes recordámos aquela teatralidade; afinal estudávamos História do Teatro!
Não fora o atrevimento, a ousadia , o descaramento da colega (estávamos no princípio da década de 60 do século passado) e o padre teria apanhado o objecto do crime. Se tal acontecesse, ambos seriamos convidados a fechar a porta... por fora... e não haveria prova oral para nós! Felizmente para ambos aconteceu o que nos convinha.

Que os alunos do secundário e até universitários usem e abusem destes métodos não é aconselhável nem é de louvar... mas aceita-se tendo em conta a juventude e as inerentes matreirices dos académicos.
Que indivíduos que concluíram já os seus cursos, persistam em actos semelhantes quer em teses ou em doutoramentos ou mesmo em concursos para obter um lugar para o exercício de determinada profissão é absolutamente execrável, abominável.

Neste jardim (só para alguns) à beira-mar plantado, em caso muito recente, passado entre juristas, depois de muito titubear, optou-se pela anulação do concurso sem qualquer punição para os prevaricadores. Deplorável! Vergonhoso!

Mais recentemente uma Universidade Alemã retirou a uma “doutora” ali formada o título académico que lhe haviam conferido porque afinal ela tinha mostrado saber o que na verdade não “sabia”. Ocupava um alto cargo na C.E.

Lisboa, 09 de Novembro de 2010
Belmiro Tavares
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8937: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (15): Os desenfianços no Colégio Militar

Guiné 63/74 - P9032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (45): Destacamentos - Pedaços

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Novembro de 2011 com mais uma viagem à volta das suas memórias:

Olá Vinhal
Saúde e força para nos aturar?
Apostado que sim, cá te mando uns pedaços de lembrança que , já o sabes usarás se assim o achares.
Um grande abraço para ti e um outro para todos "atabancados"
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (45)

Destacamentos - Pedaços

Os dias nos destacamentos continuavam a passar com a sua morosidade, sem quaisquer problemas em especial e talvez por isso mesmo com poucos registos de memória, para além de um ou outro, isolados e até desenquadrados eventualmente no tempo.

Destacamento de João Landim – visto da estrada

De Mato Dingal, parece-me, recordo uns tiraços em noite escura, reacção de sentinelas devidamente acordados no seu posto de vigília, zelando pela segurança e bem estar dos companheiros adormecidos que se levantam em sobressalto e desembestam, estou em crer, para os locais de defesa para, sem mais tiros repelir o ataque aventureiro e traiçoeiro perpetrado por “turras” que tiveram a desfaçatez e ousadia de importunar a nossa paz e sossego - que tínhamos merecido, - e que afinal não eram senão… uma vaca, creio.

Ainda em Mato Dingal, creio, recordo uma cerimónia fúnebre a que assisti, não sei se convidado se de moto próprio. Foi algo que nunca tinha presenciado e não mais presenciei. Talvez fosse de Homem Grande, talvez Balanta, não lembro. Ao que me parece, foi enterrado embrulhado em pano (creio branco) tipo múmia, numa espécie de poço feito para o efeito na proximidade da morança (?) onde foi depositado na vertical. Na lateral do poço havia uma reentrância onde fora depositados objectos talvez de uso pessoal (?). Foi o que retive para além da ideia de ter havido alta e prolongada festa e de nos terem ofertado carnes.

Como estas recordações me são um bocado ”embrulhadas”, alguém que se queira pronunciar em esclarecimento, agradeço a atenção.

Também aconteceu lá em Mato Dingal, descobrir que o belíssimo forno não servia só para assar os leitões e outros… bem, o Jorge Fontinha que conte.

Os dias foram passando, os primeiros de Fevereiro vieram e com eles as férias e a ida ao “Puto”, desta vez e infelizmente sem patrocinador.

Da canícula guineense ao frio gelado e chuvoso da belíssima paisagem nortenha e ao calor de família, amores, amizades humana e canídeo, foi uma questão de horas e mais algumas para arrumar para um canto um pedaço de vida passada, embrulhado e resguardado o melhor possível.

Em contraposição agora os dias já de si curtos, passavam no “goss goss”como se a guerra tivesse urgência na minha presença! Os dias voaram.

Por aquela terra nortenha devem ter ficado as minhas pegadas na caça à passarada, acompanhadas pelas do “Pilim”, canídeo perdigueiro pintado de dálmata, que adorava abafar qualquer ave esvoaçante, mesmo doméstica galinha, pato, ou fraca, que se passeasse pelo terreiro, abocanhando-lhes a cabeça sem as ferir e indo-as depositar estendidas e inertes à porta de casa, para arrelia de minha Mãe – para quem essas aves eram uma delícia para o olhar – e gáudio de meu Pai que o afagava, como incentivo à persecução da eliminação de predadores de sementeiras, a par das arrozadas e assados que proporcionava! O meigo animal saltava de alegria.

Depressa chegou dia das saudades na certa e entre outras, talvez da lareira em óptima companhia e ao toque de um verdasco parceiro de um chouriço ou presunto e ao som de chuva possivelmente entremeada de farrapos brancos, esparramando-se nas vidraças quadriculadas de pequeno.

A par foi a hora em que houve que retirar o embrulho do canto em que estava arrumado, colocando de novo esse pedaço de vida resguardado, estendido e bem à vista de modo a que não esquecesse as lições nele apreendidas e que podiam contribuir para o aumentar, até ao despontar de um novo ciclo que sonhava e que julgava estar a breves meses de alcançar. Estava de novo em Augusto Barros.

Destacamento de João Landim

Por lá passei uma temporada, interrompida por uma estada substitutiva em João Landim, destacamento como Mato Dingal à face da estrada mas na proximidade do Mansoa. De recordação fiquei com a do João, elemento do 1.º GCOMB.

Este homem – sim à altura já todos tínhamos sido forçados a ser homens, feitos e marcados, bem marcados – simples e valente mas não sendo nenhum Einstein, havia ganho e merecido o direito de regressar a casa, esperavamos em Junho, o que ao que lembro não aconteceria se não fizesse creio que a 4.ª classe, talvez mais propriamente “saber ler e escrever”.

Ora o João, ao que me parece recordar, pouco ou nada sabia de escrever ou ler, pelo que fui nomeado seu “professor”. Em tão pouco tempo iria ser um trabalho dificil e paciente para ambos, impossível talvez.

O trabalho começou e diáriamente, com maiores ou menores esmorecimentos foi prosseguindo com o objectivo minimo de conseguir conhecer as letras, juntar algumas e lê-las, escrever o seu nome e pouco mais. O resto havia de se conseguir de qualquer jeito.

As “aulas”, dadas no espaço afundado parece-me à altura das camas e coberto da camarata, foram-se somando a par de pouca evolução académica. A motivação primeira era a “peluda” mas por vezes o combate ao desânimo do “aluno” era ineficaz, transformando-se a aula numa perda de tempo e paciência.

Um dia, estou a descer os três ou quatro degraus para dar mais uma aula e… o João aponta-me a G3 ameaçando que disparava se não me for embora !? Recordo ficar estáctico, receoso e sereno e falar… a tensão é muita… a arma baixa e fico-lhe com ela… chora, desânimo e nervos à flor da pele… destroçado pensa que está tudo perdido… não há queixas nem punições… o João alcança a “peluda”!

Luís Faria
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8819: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (44): Destacamento de Mato Dingal, umas instalações seguras

Guiné 63/74 - P9031: Blogpoesia (168): Chamava-se Zé Santos (Manuel Maia)

1. Em mensagem do dia 10 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), enviou-nos este poema dedicado ao seu camarada Zé Santos, capturado e assassinado pelo PAIGC:


ZÉ SANTOS

Chamava-se Zé Santos, Deus o tenha!
soldado atirador, qual acha ou lenha,
p`ra alimentar a pira feita guerra...
No álcool encontrava a anestesia
p`ra esconder medos, pão de cada dia,
saudades da família, lá na terra...

Casado, já com filhos, e tão novo,
Zé Santos fora humilde homem do povo,
p`ra guerra conduzido, sem querer...
Em dia de anos, copo a mais já "ganho",
descalço, tronco nu, calções de banho,
na densa mata entrou p`ra se perder...

Sentindo alguém que o Zé levou sumiço,
desapareceu qual fumo, por feitiço,
na mata o procuramos bem aramados...
Cafal, zona perigosa, Cantanhez,
reduto onde o IN mostra altivez,
debalde, regressamos desolados...

Dias depois, montada operação,
caçados são dois "turras" logo à mão,
qu`informam do destino dado ao Zé...
População hostil o apanhara,
e às tropas do partido o entregara,
levado p`ra Conakry, outra Guiné...

Juraram uns, na rádio ter ouvido,
após captura, o Zé desaparecido,
vontade de o ter vivo, a ligeireza...
Mistério se adensou sobre o seu caso,
não apareceu jamais, nem com atraso,
soldado Santos, morto concerteza...

Aqui, com ódio, acuso os responsáveis,
civis e militares entre os "notáveis"
indignos sevandijas, sem perdão...
Nos trinta e sete anos decorridos,
nem corpos resgatásteis, vis bandidos,
daqueles que tombaram p`la Nação...

Que desteis, miseráveis, vil escória,
aos orfãos do visado desta história,
e à viúva jovem p`ros criar ???
Palavras ocas, vãs, dissimuladas,
capazes de ir mantendo silenciadas,
revoltas mais que justas, de bradar...

A vós vivendo sempre pendurados,
no guarda chuva público grudados,
com gordas, bem opadas sinecuras...
Escarro- vos na cara sem vergonha,
de esgares e de sorrisos feitos ronha,
p`ros outros, vidas prenhes de amargura...

Descansa em paz onde estiveres, camarada.
manuelmaia
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"

Guiné 63/74 - P9030: Convívios (386): Último Encontro de 2011 da Tabanca do Centro, dia 30 de Novembro de 2011 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

A pedido/ordem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves dá-se o devido conhecimento à tertúlia em geral e aos mais próximos do centro de Portugal Continental em particular, do último Encontro da Tabanca do Centro a realizar, como habitualmente, em Monte Real.

Aproveitamos a oportunidade para sugerir uma visita à página da Tabanca do Centro em: http://tabancadocentro.blogspot.com/.


ORGANIZANDO O ÚLTIMO CONVÍVIO DE 2011


Como é habitual, no mês de Dezembro não se realiza o convívio da Tabanca do Centro, por coincidir com o período das festividades de Natal. Assim, o almoço que agora publicitamos - marcado para o próximo dia 30 de Novembro - será o último a ocorrer em 2011. Embora com alguma antecipação este convívio pretende em simultâneo celebrar a época natalícia que se avizinha. Não deixem por isso de aproveitar esta oportunidade para estarem presentes neste nosso último encontro deste ano.


NOTA IMPORTANTE

Foi pedido pela Sra. D. Preciosa, da Pensão Montanha, que lhe déssemos a informação do número de camarigos para o Último Encontro de 2011 - Almoço de Natal, até às 12h30m do dia 25 de Novembro, em virtude de ter que gerir as reservas para este dia, por causa dos Encontros Natalícios.

Pedimos assim que tenham em vista este pedido, e não se atrasem, porque a partir das 12h30m do dia 25 de Novembro, já não poderemos aceitar mais inscrições.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9022: Convívios (378): Operação Bácoro Risonho - CCAÇ 6 e outras forças aquarteladas em Bedanda - levada a efeito no passado dia 5 de Novembro de 2011 (António Teixeira)

Guiné 63/74 - P9029: O nosso blogue em números (14): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Manuel Marinho e Raul Albino



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho...


Foto: © Luís Graça (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados


A. Mais dois comentários sobre o nosso blogue (*), enviados pelo Manuel Marinho e pelo Raul Albino, em 5 e 7 do corrente, respetivamente:

1. Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74):

 

(...) Como gosto muito deste blogue, que tem para mim um significado importante, aceito o desafio que os editores nos colocam (*). Contribuir de forma modesta e com a crítica construtiva para ajudar a que este enorme espólio de memórias seja isso mesmo, memórias de Guerra da Guiné.


E é com pena minha que estou desapontado com os caminhos que se tem trilhado ultimamente, tudo o que é escrito tem acolhimento no blogue, sem haver o cuidado de seleccionar textos com o mínimo de razoabilidade.


As razões apontadas pelo facto de haver cada vez mais blogues a tratar do tema da guerra colonial, não são suficientes para que se perca a qualidade, e a marca deste blogue, que é único, e não podemos de forma nenhuma tentar nivelar por baixo, os que nos copiam, é um estilo e uma identidade que poderemos perder se houver a tentação de ir por esse caminho. Pessoalmente, neste blogue estou muito bem, por isso acedi a enviar estas linhas para os editores.

As muitas entradas de novos camaradas são para saudar, mas não devemos fazer disso uma prioridade, porque se somos mais, contrariando toda a lógica, há menos escritos de muitos camaradas que o deixaram de fazer.



Naturalmente nem todos os temas postados no blogue são abrangentes, e alguns deles ficam limitados a uns poucos,  o que não significa menos interesse.


Mas ultimamente são postados textos sucessivos de gosto duvidoso e que nada acrescentam de valia ao blogue, e pior, nada têm a ver com a guerra da Guiné, e que na minha modesta opinião afastam e desiludem quem quer escrever e colaborar activamente com o blogue.


Quantas vezes já me apeteceu fazer um comentário e olhei para o que já estava escrito por outros e desisti por entender que seria demais, e quando volto mais tarde ao visionamento verifico que foram colocados mais alguns dizendo o que já lá estava, e entendo que muitos comentários não significam necessariamente um bom texto, mas é a minha opinião que vale aquilo que vale.


De facto podemos chegar à situação caricata de cada vez se tornar mais difícil contar uma simples estória de guerra, que é a razão principal da existência do blogue. (...)

2. Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato)

(...) Não posso sugerir mudanças no blogue, porque isso implica retirar algo por troca com outra coisa.

Depois de tanto tempo de vida do nosso blogue e tanto esforço dos seus editores em mantê-lo com sucesso, vou sugerir que a fórmula que temos perdure por mais algum tempo, mais propriamente até que outra fórmula, a existir, tenha adquirido poder de substituição.

Agora, enriquecer o blogue, é algo que deve estar sempre no nosso pensamento. E as boas ideias poderão vir a saltar das mais inesperadas pessoas. A iniciativa desta sondagem com solicitação de ajuda, pode bem despoletar essas ideias. Vai de certeza levar a várias discussões sobre o assunto.

Concretamente proponho que se reserve um período do nosso convívio anual, no próprio dia ou na véspera, para debater as ideias mais interessantes de entre todas as recebidas, para de viva vós serem abordados os prós e contras de cada uma das ideias e que elas possam ser defendidas pelos proponentes. Até para isto, as instalações que temos usado dos últimos anos, são excelentes.

Em termos de ideias próprias, estou a trabalhar numa em particular, que de algum modo já abordei com o Luís e talvez com o Carlos, que julgo não foram bem compreendidas. Espero já a ter mais bem delineada, pela altura do próximo convívio. Estou a tentar criar uma pequena demonstração, para facilitar a abordagem e permitir alterações ou melhorias, depois de discutida, ou abandonada, pura e simplesmente, se não tiver pernas para andar ou não for de interesse colectivo. Tenham, portanto, um pouco de paciência.

Agradecido pela vossa dedicação a esta causa que dá pelo nome de Tabanca Grande. Um grande abraço para todos vós e que esta iniciativa que tiveram seja coroada de êxito. (...)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série > 9 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9017: O blogue em números (13) : A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Virgínio Briote e Beja Santos



6 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9003: O nosso blogue em números (10): Atingidos os 9 mil postes, a caminho dos 3 milhões de visitas... Tempo de balanço(s)...

(...) Queremos fazer mais e sobretudo melhor, o que nos obriga a inquirir duas coisas junto dos nossos leitores:

(a) O que é que está menos bem, hoje em dia ? O que é que vocês, que estão do outro lado e nos leem (escrevo segundo a nova ortografia...),  pensam do blogue atual, nos seus aspetos negativos ?

(b) O que é que está bem ? Quais os aspetos positivos, que devemos manter e valorizar ? O que é que o blogue representa (ainda...) para cada um de vocês, sobretudo para aqueles que se identificam com a nossa "política editorial", com a ideia de fazer um blogue de partilha de memórias e de afetos à volta da Guiné e da guerra que nos levou lá (grosso modo, de 1961 a 1974) ?

(iv) Aceitam-se  (e publicam-se, desde já)  as vossas opiniões, desde que devidamente assumidas e assinadas, a remeter para o nosso endereço de correio eletrónico: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com (...)

Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"


Guiné >  Região do Oio > Carta de Farim  (1/50000) > 1954 > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta)


Fonte:© Humberto Reis / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Todos os direitos reservados




Excerto (*)  do longo poema K3, publicado em livro, pelo nosso camarada Nuno Dempster (**). Capa do livro, reproduzida em cima. 




(...) Não encontrar ninguém
endurece-me a vista,
é um sinal de alarme
que acorda o cérebro
e ilumina o lugar onde se arquivam
os ficheiros secretos,


até que no poema eu tente
a redenção,
ou o vírus da morte
vá destruindo as células
e não haja memória.


Talvez porque os ficheiros
se mostrem
com todo o seu espólio irrevogável,
eu tenha descoberto
tristeza semelhante
no cemitério nazi de La Cambe,
tantos anos passados sobre o dia D:


uma mulher sozinha, de joelhos,
rezava no vazio, vasto campo
de lápides deitadas entre a relva
com nomes de ninguém
que vi gravados, data a data,


inúmeros
com dezoito anos e um com dezassete,
vencidos por quem foi vencido,
como é uso passar-se
com inocentes mandados para a morte,


para aquele fornilho
que ergeu como um vulcão a GMC,
velha da Grande Guerra,


eram quinze soldados
e o capitão
arrancado a um liceu,
e os soldados, a cerros e vielas
de cidades decrépitas,
todos subiram no ar,
os corpos de lava acesa,


e caíram no meu peito, recordo
o fragor que deixaram
e que ficou guardado,
para que hoje o livrasse,


entre o estupor das caras e o vaivém
dos helicópteros,
as macas e o pousar das moscas
que sorviam o sangue
e, por cima dos gemidos,
aquele rouquejar:
"Água, água, traz-me água",
era a sede final das veias secas,


e alguns de nós acorriam com cantis,
sem escutar mais nada,
do que a voz dos pulmões arruinados,


na insegurança do ar que respirávamos,
as nuvens de mosquitos em redor,
e o cheiro das acácias e explosivos
vomitados de angústia,


éramos todos órfãos:


Senhor, dizei uma só palavra
e a minha vida será salva,


e o senhor não dizia nada,
e todos insistiam em crer nele,


um talismã que trazem ao peito,
e que segura o mundo,
com as suas fronteiras proibidas,
embora não a morte,
a morte constitui-se
em limite vital a quem maneja
os deuses tripartidos, e os singelos
como é hoje a Senhora de Fátima,
com os três pastorinhos de alumínio
à entrada do barco,


que de nada serviram aos que foram cuspidos
em sangue incandescente
e que depois caíram entre fumo e pó,


"Capitão, meu capitão, não nos deixes sós",
ouvi no poema alguém.


Djariato não é mais a princesa
e chora com as outras raparigas negras
quando nos vê passar,
e os velhos respeitados têm um ar grave
como se fossem áugures no fim da validade. (...)


In: Nuno Dempster - K3. Lisboa: & etc. 2011, pp. 36-39 (Reproduzido com a devida vénia. O livro está disponível nas livrarias. Preço de capa: 12 €)


_______________


Notas do editor:


(*) Último poste desta série > 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)





(**) Sobre o nosso camarada Nuno Dempster [ foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook]:


(i) nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante)


 (ii) mora em Viseu; 


(iii) É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário); 


 (iv) tem três livros de poesia publicados: Londres, Dispersão, K3; 


(v) é um dos nossos quatro poetas (juntamente com o  Cristovão de Aguiar, o José Brás o Manuel Bastos) que estão representados na Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial


 (vi) pertence à nossa Tabanca Grande desde 9/2/2011.


O Nuno Dempster foi Fur Mil SAM, ou seja, vaguemestre, da CCAÇ 1792 (1967/69), a companhia dos lenços azuis, que andou, pela região do Oio,  por Farim e Saliquinhedim/K3 [, "durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo",]    mas também pela região de Tombali (Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa)... Pertenceu ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos). 


A CCAÇ 1792 teve 3 comandantes:  


- Cap Mil Art Antóno Manuel Conceição Henriques (que ficaria sem as pernas numa mina A/C); 
-  Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei, 
- Cap Inf Rui Manuel Gomes Mendonça. 


A companhia foi mobilizada pelo RI 15, tendo partido para a Guiné em 28 de Outubro de 1967 e regressado à Metrópole em 20/8/1969.


Sobre estes comandantes, o Nuno Demspster escreveu o seguinte, em mails que trocámos em tempos:


(...) Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art  Ricardo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo. (...)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9027: Os nossos regressos (27): Faz hoje 44 anos que desembarquei na Estação Ferroviária de Barcelos (José Lima da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada José Lima da Silva*, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, Bissum, Pirada e Bula, 1966/67, com data de 11 de Novembro de 2011:

Boa noite caros amigos
Faz hoje 44 anos que às onze horas desembarquei do comboio na Estação de Barcelos, pois era o dia do meu regresso depois de cumprir o serviço militar na Guiné.

Só lamento não terem regressado todos mas, enfim, nem todos tiveram a mesma sorte. Hoje sentir-me-ia mais orgulhoso se de facto tivesse valido a pena. Só restou o risco que corremos, nada mais tivemos de proveito, a não ser as amizades que se criaram e se prolongam até à data, com raízes para se aguentar. Os nossos camaradas são amigos inesquecíveis, é o que se pode dizer, somos amigos eternos.

Com muita amizade vos desejo muita saúde
Boa noite de S. Martinho e um forte abraço para todos
JLS
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8695: Louvores e condecorações (8): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, condecorado com a Cruz de Guerra no dia 10 de Junho de 1968 na, então, Praça do Município, Porto

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8674: Os nossos regressos (26): O dia mais ansiado na Guiné. Um regresso atribulado (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P9026: História da CCAÇ 2679 (44): Uma coluna reforçada a Copá (Jose Manuel Matos Dinis)


1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 10 de Novembro de 2011:

Hoje envio um novo pedacinho da história da minha Companhia, que não foi boa, nem má, nem assim-assim... foi peculiar.

Abraços fraternos para o Tabancal.
JD



Uma coluna reforçada a Copá

Chamaram-me à presença do capitão, já o sol ia alto e preparava-me para não fazer nada. Atrevessei a parada mal ataviado como de costume, e entrei na secretaria, local onde não nutria grandes amizades, mas dei os bons-dias em voz alta, e bem disposto.

Passei ao gabinete do "chefe" e encontrei-o à secretária. Disse-me logo para preparar o pessoal para ir a Copá. Já não era cedo para uma viagem depois de um ataque àquele destacamento, pois mandava o bom-senso fazer uma picagem cautelosa. Mas ainda não era excessivamente tarde. Pensei com os meus botões que durante a noite o comandante do pelotão ali estacionado teria enviado alguma mensagem a referir necessidades. Provavelmente as do costume: munições que se gastavam em barda nos ambientes de festins bélicos, e que ao outro dia deixavam todos muito apreensivos com receio de novas visitas. Basicamente era disso que se tratava.

Estava quase a transpor a porta, quando chegou um rádio oriundo da PIDE em Pirada a avisar que o Nino estaria emboscado naquele percurso. Ouvi a informação e, imediatamente, imaginei o grande trinta-e-um em que me ia meter. Dirigi-me ao capitão e reagi à notícia dizendo-lhe que naquela circunstância não ia.

Felizmente que o nosso capitão Trapinhos era uma pessoa sensata, de constante e judiciosa ponderação, pelo que me inquiriu em resposta à minha atitude:
- Porquê? Está armado em maricas?

Mantive-me calmo e retorqui que não senhor, que se o capitão fizesse a viagem eu teria todo o gosto em escoltá-lo. Se isto não corresponde ipsis-verbis ao diálogo, será por diferença mínima. A esta minha reacção retorquiu o capitão com uma afirmação e uma ameaça: que não se justificava a sua deslocação a Copá, e que se eu me recusasse a ir, dava-me uma "porrada", que na gíria correspondia a uma sanção disciplinar.
- À vontade - disse-lhe, e virei as costas regressando ao meu quarto.

O capitão deve ter ficado a pensar o que fazer comigo, e eu pus-me a pensar que estava metido num molho de bróculos, mas de corpinho bem feito ao encontro do Nino é que não ia. Pensei também na malta que ficava em ânsias com a falta das munições, e de alguns géneros que também eram pedidos. E fez-se-me uma luz. Ia passar a bola ao capitão.

Voltei ao gabinete e disse-lhe que sim senhor, eu ia a Copá, mas precisava de seis viaturas. O Trapinhos espantou-se:
- Para que raio você quer as seis viaturas se não chegam a vinte homens? Além disso você sabe que só temos duas viaturas a andar.

Aqui enchi o peito vitorioso e respondi: pois é, diz-me que só tem duas viaturas a andar, mas o parque automóvel é de quatro vezes mais, e se eu tenho que fazer essa viagem, eu é que decido as condições em que vou. O capitão ficou meio atordoado, nem sei se terá pensado que os mapas para Bissau mencionavam aquele material todo a circular com os correspondentes gastos em gasolina que a Companhia pagava na Casa Gouveia. Balbuciou qualquer coisa e eu atalhei, que ficasse seguro de que eu só ia a Copá com seis viaturas, e pelo avançar da manhã, dava-lhe meia-hora para que elas ali estivessem, ou ia e só regressaria no dia seguinte.
- Nem pense - respondeu-me - não pode lá ficar. Mas como quer que arranje as seis viaturas?

Referi:
- Peça a Pirada e mencione que só tem a tal meia-hora. Se não quizer assim, pode dar-me a "porrada", que eu sei como retribuir.

Neste parágrafo a conversa reproduzida foi neste tom, embora, admito, não tenha a mesma correspondência.

E pisguei-me, tranquilo, a gozar a cena. Entretanto pedi a uns quantos que ali andavan para que o pessoal se aprontasse e reunisse em vinte minutos. Ali chegados fui à tabanca das Transmissões e pedi os "bananas" lá pendurados. Disse-me o Marino que eu estava maluco, e que os aparelhos não funcionavam.
- Não preciso que funcionem, vai tudo! - respondi.

Espantosamente chegaram as viaturas de Pirada, provavelmente o Major Comandante do COT-1 viu mais longe, ou terá imaginado que ia sair uma força mais substantiva. Carregou-se a pouca mercadoria, e abalámos com o sol lá no alto. Passámos a pista e andámos um pouco na picada, quando mandei parar.

Convoquei toda a gente, ou pelo menos os operacionais, a quem chamei a atenção para a eventualidade de acontecer uma bronca (omiti a informação da PIDE), que ia dividir o Pelotão em três grupos, mas que todos deveriam ter muita atenção às ordens que desse. Na divisão do pessoal coloquei o Transmissões e o Enfermeiro a meio da coluna com três ou quatro atiradores; na frente seguiam quatro picadores, eu, o Pauleiro e o Ribeira Brava. Os restantes elementos seguiam na retaguarda. Avisei a todos que em caso de surpresa, a primeira reacção seria a de protecção, e que em seguida deviam identificar as posições do IN e fazer tiro de pontaria para elas. E que deviam ser muito criteriosos para lançar granadas e dilagramas. No entanto, se a bronca fosse atrás, que tivessem especial cuidado, porque eu e aqueles dois faríamos uma tentativa de envolvimento, a não queríamos levar da nossa tropa. Nas viaturas seguiam apenas os condutores, que deviam manter uma distância razoável entre elas.

Todos compreenderam e, curiosamente, há dois anos no Funchal, o Valentim lembrava-se do episódio.

Picámos a quase totalidade de metade do percurso, porque de Copá, de manhã cedo, saíra uma força a picar o restante trajecto. Ao longo da caminhada, de doze a quinze quilómetros, volta-e-meia olhava para trás e não conseguia visualizar a totalidade das viaturas, dado o recorte curvilínio da picada, o mato e as copas das árvores que marginavam quase sempre. Fiquei até com a sensação de que seríamos menos do que éramos na realidade. Perfeito. Fomos e votámos a Bajocunda sem notícias do Nino. Se ele lá estava, fiquei sem o saber, e comprova o velho adágio de que quem tem cú, tem medo, pois a ideia que lhe queria impingir, era que ele estaria denunciado e o pessoal, supostamente uma força muito maior, estaria a envolvê-lo, deixando-nos na estrada como isco. Os bananas sempre vísiveis e em profusão, deixá-lo-iam sob ameaça do apoio aéreo.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8728: História da CCAÇ 2679 (43): Aquele hôme (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P9025: (Ex)citações (154): As apreciações de Mário Beja Santos ao livro de Mário Vicente [Mário Fitas], Pami Na Dondo A Guerrilheira (Vasco da Gama / Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, dirigida ao nosso Blogue:

Camaradas,
Deixo à vossa consideração a publicação do pequeno texto que anexo.
Se entenderem pela sua não publicação, peço o favor de o colocarem como comentário " in su sitio".


Muito obrigado
Vasco da Gama



Oh Santa Ingenuidade!

Quando li o título do poste nº 8915*, rejubilei.
Temos aproximação entre camaradas e esta recensão é o abraço gostoso entre dois Mários.

O analista, o Mário Beja Santos, que dedica horas e horas sem conto ao nosso Blogue, trazendo novidades, desbravando publicações sobre a nossa Guiné, indicando caminhos de leitura que os camarigos seguem ou ignoram!

O escritor, o Mário Fitas, com duas obras publicadas a merecer que a sua Pami Na Dondo aqui seja apresentada à malta do nosso Blogue que ainda não conhece a obra do nosso camarigo e que eu li com tanto agrado!

Feita a recensão com total liberdade de opinião, gostando aqui ou discordando acolá, referindo até o merecimento do texto, o analista dispara uma rajada mortífera no último parágrafo, que eu me escuso de aqui referir.

A metralha, personificada “nas agruras e nos dislates gramaticais” feriu-me com a mesma intensidade dos estilhaços que me penetram a pele quando o Mário Beja Santos é gratuitamente ofendido.

Ficaria de mal comigo mesmo se aqui e agora não me perfilasse a dar um abraço amigo ao meu Camarada da Guiné, Mário Fitas, o Indy , que venceu há pouco grave doença cardíaca, da mesma forma como respondo à chamada quando sinto que a injustiça, venha de onde vier, belisca Camarada meu.

Ao terminar a leitura do poste 8915, fiquei triste, magoado e angustiado!

No que a mim me diz respeito, tratarei de cavar vala ou abrigo ainda mais profundo para que os desconchavos do Blogue soem cada vez mais ao longe.

Um abraço para todos os meus Camaradas da Guiné!
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Buarcos, 20 de Outubro de 2011


2. Ainda sobre o mesmo assunto, mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73 :

Caros editores e camarigos
Pede-nos o Luís que escrevamos aquilo que possamos achar importante para melhorar o nosso espaço de partilha.

Sou muito exigente comigo mesmo em matéria de relações humanas até porque sei bem que falho bastante, pelo que, tudo quanto se refere a este tema leva-me a ser exaustivo.
O texto que envio para publicação, tem como finalidade fazer-nos pensar, mas tem também a finalidade de reparação junto de quem foi ofendido, pelo menos, assim publicamente, para que ele perceba que este é o pensar de alguns.

Ninguém, repito, ninguém, tem o direito, por se julgar mais culto ou "intelectualizado", de ofender a outrém, que julga na sua "superioridade" ser passível de critica pública, ofensiva, e muito menos, se se trata de alguém com quem se deveria partilhar sentimentos de camaradagem e amizade, a tal "camarigagem".
Portanto este texto tem, pelo menos para mim, a intenção de prevenir situações semelhantes, até porque situações destas levam ao afastamento de muitos que não se querem ver criticados de tal forma.

Se o texto é publicado ou não, deixo ao vosso critério, como sempre, bem como não acho necessidade de publicar também este prólogo explicativo, mas vós julgareis melhor.

Um grande e amigo abraço do
Joaquim Mexia Alves


Meus camarigos
Pede-nos o Luís Graça, fundador do nosso blogue, que nos pronunciemos sobre alguns aspectos deste nosso espaço de partilha.

E eu não me escuso a fazê-lo, correndo o risco de ser mal interpretado, mas não deixando nunca de usar de toda a franqueza e de coerência com os princípios que todos os dias tento que rejam a minha vida.

Por isso decidi escrever sobre um assunto muito específico, e que é o cuidado a ter com as palavras escritas, que muito facilmente podem ofender aquele a quem se dirigem.

Mas também escrever sobre a responsabilidade daquele que as escreve, tal como daqueles que dão a cara pelo blogue, mormente e sobretudo o seu fundador.

É que há palavras que podem ser insultuosas para alguém, mas cujo conteúdo é facilmente “esquecível”.
Outras há que permanecem porque são um ataque à integridade, ao carácter do outro, porque vão para além do insulto do palavrão dirigido, mas dirigem-se à sua cultura, á sua identidade, ao seu ser que se mostra aos outros.

E se esses insultos partem de alguém que é reconhecidamente detentor de cultura e conhecimento, são ainda mais ofensivos, porque denotam uma pretensa superioridade inadmissível entre camarigos.

Refiro-me obviamente ao insulto, gratuito e injusto, que o Mário Beja Santos dirigiu ao Mário Fitas, na suposta recensão do livro deste.
Se o insulto é grave, mais grave ainda se torna a falta de um pedido de desculpas, porque tendo sido o Beja Santos alertado por tantos camarigos para a indecência das suas palavras, teimosamente se manteve em silêncio, colocado numa posição de arrogância de quem se acha acima dos outros.

Aqui e agora, e porque o meu nome e fotografia constam deste espaço como colaborador/conselheiro, quero afirmar ao Mário Fitas a minha total discordância com as palavras que lhe foram dirigidas, e embora não tendo sido autor dessas palavras, pedir-lhe desculpa pelo insulto que lhe foi feito.

Nós sabemos que as palavras que cada um escreve são da sua própria responsabilidade, mas sabemos também que este espaço tem um rosto, que é o do Luís Graça, (a quem estamos sempre gratos por ele), e que por isso mesmo, em meu entender, aqui mesmo, em texto público, ele se deveria ter distanciado daquele insulto injustificável.

Este meu texto, (usando um assunto específico), pretende alertar-nos para o cuidado que devemos ter quando criticamos o trabalho dos outros, mas sobretudo termos a consciência que ninguém é superior a ninguém, e que um pedido de desculpas quando se erra, quando se ofende, é a atitude mais nobre a tomar e que só engrandece aquele que a toma.

Só num espaço em que todos somos tratados de igual forma e nos tratamos como iguais, é que podemos ser verdadeiramente camarigos, e sobretudo ter a alegria de podermos ter connosco um largo espectro de combatentes, que ao longo de treze anos passaram pela Guiné.

Os elitismos, e a intelectualidade arrogante, apenas dividem e afastam, nunca são causa de união e amizade.

Falo/escrevo com o coração nas mãos, e com a idade que tenho já não mudo, mas o que me leva a escrever este texto é apenas tentar construir uma ligação, uma camarigagem, entre pessoas tão diferentes como cada um de nós, mas que estão unidas por uma mesma experiência, a guerra na Guiné, e que por isso mesmo se devem estimar, respeitar e entreajudar.

Não sou detentor da verdade, nem sequer da correcção no trato, mas tento sempre reconhecer os meus erros e deles pedir desculpa àqueles que possa ofender com as minhas palavras ou acções, e aqui na Tabanca Grande temos inúmeros casos de camarigos que, reconhecendo os seus erros, os seus excessos, prontamente pediram desculpa, o que só os enobrece.

Fico por aqui.

Um abraço para todos do
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 7 de Novembro de 2011
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8915: Notas de leitura (288): Pami Na Dondo, A Guerrilheira, de Mário Vicente [, o nosso Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66] (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 8 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9013: (Ex)citações (153): Oleg Ignátiev e a biografia de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos / Mário Serra de Oliveira)

Guiné 63/74 - P9024: Notas de leitura (301): Reportagens de propaganda sobre a Guiné no tempo de Marcello Caetano (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Já tínhamos feito menção às reportagens de Amândio César, uma delas, por sinal, bem articulada e muito bem escrita. Estas três que hoje aqui se referem têm valor desigual. Sei que Dutra Faria também escreveu reportagens apologéticas, se algum dos confrades tiver esses textos ou de outros repórteres, peço o grande favor de me emprestarem.

É ocioso acrescentar que reportagens encomiásticas de um lado e de outro não fazem história, dão, tão só, conta das preocupações dos escribas do regime ou dos apologistas do PAIGC sobre o que era verdadeiramente importante procurar dissipar ou demonstrar. Nestas três reportagens um fio condutor as perpassa: não havia zonas libertadas, podíamos percorrer a Guiné de lés-a-lés.

Um abraço do
Mário


Reportagens de propaganda sobre a Guiné no tempo de Marcello Caetano

Beja Santos

Horácio Caio (jornalista que ganhara nomeada com uma reportagem-choque na Angola de 1961) e José Manuel Pintasilgo, colaborador num jornal do regime, “Época”, são autores de três reportagens publicadas em separata entre 1970 e 1974.

Em 1970, Horácio Caio escreve “Guiné, 9 dias em Março”. O ponto de partida era uma entrevista que Amílcar Cabral concedera à revista Newsweek, em Março desse ano, e onde mais uma vez se referia que o PAIGC controlava dois terços do território. Feliz coincidência, diz o jornalista, chegava a Bissau por essa altura o ministro do Ultramar, Silva Cunha, que viria a ser alvo de apoteótica recepção. O senhor ministro iniciava uma visita de 9 dias, o jornalista estava ali para testemunhar como eram destituídas de fundamento as afirmações do líder do PAIGC.

A Guiné no seu todo dá sinais de progresso, rasgam-se e alcatroam-se estradas pelo interior da floresta, lançam-se pontes e viadutos, constroem-se aldeamentos, escolas e hospitais, criam-se granjas agrícolas, recuperam-se bolanhas onde viceja o arroz. Nesse ano de 1970 inicia-se a terceira cobertura da província por rastreio antituberculoso seguido de vacinação BCG. O senhor ministro examina maquetes, desloca-se a escolas, tudo em Bissau.

Depois toma um avião e vai até Bafatá, agora elevada a cidade, é acolhido por uma multidão. A Primeira Companhia de Comandos Africanos presta-lhe honras militares, estão lá o Capitão João Bacar Djaló e o Alferes Zacarias Saiegh. Seguem depois de helicóptero (Silva Cunha e Spínola) para uma visita às populações na fronteira com o Senegal, vão primeiro a Sare Bacar, Horácio Caio escreve:

“No ar da Guiné portuguesa, dois helicópteros desarmados, ora voando junto à savana, ora erguendo-se aos duzentos metros, nervosos e extremes, como libélulas gigantes, a deixar jogar a paisagem plana, selvagem e exótica dos trópicos”.

Tanta poesia para falar da liberdade de circular pela Guiné de helicóptero! A viagem prossegue, como escreve o repórter:

“Canhamina é um complexo de aldeamentos autodefendidos, um pouco ao Sul. Os helicópteros desceram, os residentes acercaram-se em número de algumas centenas e as crianças em correria louca gritavam aos que se encontravam nos campos próximos para que viessem também”.

 Regressam a Bafatá e o senhor ministro entra num automóvel que o conduz a Bambadinca. Escreve o repórter que se trata de uma airosa estrada asfaltada, no “coração da floresta”.

Novo dia de trabalho, desta vez uma viagem de avião até ao Gabu, o senhor ministro vai inaugurar um aeródromo. Milhares de pessoas aglomeram-se ao redor da pista. Em Nova Lamego, continua o repórter, está a operar-se um milagre na agricultura e na pecuária, é o que todos podem ver na Granja Agrícola do Gabu. O senhor ministro andou livremente e sem medo. Foi onde quis. De lés-a-lés, a Guiné conheceu a presença do senhor ministro. E para que não sobrassem dúvidas, os helicópteros visitaram as povoações de Beli e de Madina de Boé, isto é, os helicópteros sobrevoaram a baixa altitude os antigos quartéis, ali não havia nada para ver, a fotografia publicada na reportagem é elucidativa: helicóptero poisado, o ministro conversa com o Comandante-Chefe, Almeida Bruno ergue na vertical uma G3, não vá o diabo tecê-las.

Nos dias que se seguem, o ministro vai de helicóptero até à ilha do Como, depois Guileje, Gadamael – Porto, Cacine, Cabedú e Catió. Assim se desfaz uma mentira da propaganda adversária, o senhor ministro esteve no Centro Geográfico da Ilha de Como onde portugueses mesmo desarmados, como foi o caso, podem permanecer quando e enquanto quiserem. Horácio Caio regista a vivacidade destes encontros:

“Em Guileje e Gadamael, a despreocupação de todos era evidente. De tronco nu, soldados e oficiais entregavam-se ao desporto e às ocupações matinais. A intensa alegria com que receberam os visitantes, somada à determinação que puseram nas suas afirmações, demonstraram mais uma vez a razão da sua permanência em tão inóspitas paragens”.

A visita prossegue pelo chão manjaco, há trabalhos na estrada alcatroada Bula – São Vicente. A recepção apoteótica em Teixeira Pinto. Depois Mansoa. O último dia na sua estada na Guiné reservou-o o titular da pasta do ultramar para presidir em Aldeia Formosa a inauguração do aeródromo do Quebo. E a reportagem termina assim: “Começa a desvendar-se o véu da mentira internacional, lançado sobre a Guiné portuguesa”.

José Manuel Pintasilgo escreve um conjunto de reportagens no jornal Época que aparecem em volume com o título “Manga de Ronco no Chão”, 1972, com prefácio de António de Spínola.

O hospital regional Carvalho Viegas, de Teixeira Pinto, é uma unidade de saúde muito moderna, dele irradia um conjunto de postos sanitários que abonam como o chão manjaco experimenta um frenesim desenvolvimentista na área da saúde. Pintasilgo viaja num DO, dá para ver melhor as obras sobre o chão manjaco, depois de um jipe observa reordenamentos à volta de Teixeira Pinto.

Pintasilgo era muito sensaborão a escrever, regista-se sem alma, é tudo inodoro e insípido, as ilustrações dão-nos poses descontraídas e amigáveis de Spínola, ele concede mesmo uma entrevista a Pintasilgo em que termina dizendo “devo dizer-lhe que nunca deixei de sentir por parte do governo central uma total coincidência de pontos de vista em perfeita identidade de pensamento e de acção”.

Pintasilgo, à semelhança de Horácio Caio visita Sare Bacar, a centenas de metros da fronteira senegalesa, pôde observar como a população deste país é socorrida pelos médicos portugueses. Visita muitas unidades de saúde e equipamentos escolares.

Conversa com o Tenente Saiegh que lhe afirma peremptoriamente que o PAIGC é constituído ao nível de quadros superiores por elementos cabo-verdianos que comandam mercenários do Mali, “uma vez que os guinéus idos em tempos para as hostes dos terroristas estão a regressar às suas terras e às suas famílias, convictos de que o caminho para uma Guiné melhor reside na política seguida sob a bandeira portuguesa”.

Horácio Caio volta à Guiné em Janeiro de 1974, acompanha o novo ministro, Baltazar Rebello de Sousa. De novo multidões entusiasmadas, o senhor ministro percorrerá Bissau, Teixeira Pinto, Cacheu, Mansoa, Farim, Nova Lamego, Bafatá, Caboxanque e Catió.  Ficou demonstrado não existirem “áreas libertadas” na Guiné, o que se passa é que há flagelações à distâncias realizadas pelos terroristas a partir das fronteiras ou em acampamentos temporários no interior do território. E mais: “todo o território se encontra sob patrulhamento das nossas forças armadas”.

Bissau é uma cidade tranquila, há desenvolvimento por todo o lado, é verdade que há muita boataria, dias antes o General Bethencourt Rodrigues fora ao aeroporto acompanhado da mulher para receber a filha e constara em Bissau que o Governador enviara a mulher para Lisboa porque se esperava um grande bombardeamento a Bissau…

O que Horácio Caio regista depois das visitas de helicóptero a Cufar, a Catió e a Caboxanque é que os portugueses se defendem com galhardia, percorrendo os territórios sem dificuldade alguma. Mas já não é o mesmo Horácio Caio de 1970, refugia-se nos números e nas últimas novidades como o novo Hotel Ancar, que irá ser inaugurado em Março de 1974, fala também na CICER, o estabelecimento industrial mais importante da Guiné. E termina dizendo que aprendeu que não abandonaremos a Guiné, há ali laços muito intensos que não é possível dissolver.

A reportagem aparece profusamente ilustrada com Rebelo de Sousa rodeado de multidões, sorridente a cumprimentar régulos e a discursar. Terá sido, em bom rigor, a última reportagem encomiástica que precedeu a independência da Guiné.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9006: Notas de leitura (300): Amílcar Cabral, por Oleg Ignátiev (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9023: Patronos e Padroeiros (José Martins) (24): São Martinho de Tours, militar que se tornou santo

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2011:

Caros amigos e camaradas
Mais um pequeno texto sobre um militar que alcançou a honra dos altares.
O seu dia - o dia de São Martinho.
Podemos saudar o São Martinho, como um antigo camarada de armas, que realmente foi.

Abraço para todos
José Martins


PATRONOS E PADROEIROS XXIV

Militares que se tornaram Santos

© Imagem recolhida no “Blogue S. Martinho”, com a devida vénia.


São Martinho de Tours

A figura de São Martinho está, e estará, ligada ao “verão de São Martinho”. A lenda, ou realidade, atribuída a este Santo, destinado a ser um militar ao serviço de Roma, foi motivada por um sentimento de partilha e de amor ao próximo.

Decorria o ano de 316 D.C., data provável do nascimento de Martinho, filho de um tribuno e oficial do exército romano. Foi na cidade de Sabaria, situada na Panónia Superior, província de Roma [onde hoje se situa a Hungria] que nasceu e cresceu, e onde foi iniciado na educação tradicional da família, no seio da qual veio ao mundo, venerando os deuses mitológicos do Império Romano.

Com cerca de 10 anos entra para um grupo cristão, de catecúmenos, preparando-se para ser baptizado na fé cristã, facto esse que foi interrompido pelo pai que, contrariando os desejos de Martinho e pretendendo afasta-lo da igreja, o fez ingressar no exército romano, que o envia para a Gália, na sua nova missão de militar.

Foi na altura em que o seu regimento se encontrava destacado na Gália, que Martinho se apercebeu, num dia cinzento de Novembro, dum pobre que, quase nu, tiritando de frio caminhava, em sentido contrário ao do militar, tendo-se afastado para que este pudesse passar, enquanto lhe estendia a mão solicitando esmola.

Desmontando, aproximou-se do ancião e vendo o estado em que o pedinte se encontrava, desembainhando a sua espada cortou a meio o seu manto, dando metade ao velho para se agasalhar. Reza a tradição que, nesse momento, o sol brilhou aquecendo a terra, amenizando o frio que se fazia sentir. Durante a noite, aparece-lhe Jesus, coberto com a parte da capa que Martinho dera ao pobre agradecendo-lhe, a partilha da capa, para se proteger do frio.

Este acontecimento foi, como hoje se diria, o “ponto de viragem”. Decide abandonar a vida militar e dedicar-se à vida religiosa.

Teria cerca de 22 anos quando foi baptizado, julga-se que pelo Bispo de Amiens, e tornou-se monge e discípulo de Santo Hilário, na altura Bispo de Poitiers, na Gália, que o ordena diácono (primeiro grau na ascendência ao sacerdócio católico).

Disposto a difundir a fé que abraçara, volta à sua terra, não só para rever a família, mas também para evangelizar os seus conterrâneos. Porém, os seguidores de Ário ou Árius (n. 256 - † 336), que foi um sacerdote da igreja cristã em Alexandria e fundou a doutrina cristã do arianismo, (esta doutrina tinha divergências com a doutrina tradicional da igreja no que respeita à divindade de Cristo), expulsam-no da sua terra, passando cerca de cinco anos (entre 355 e 360) isolado na ilha de Galinário, no meio do mar Tirreno.

Em 361 S. Martinho volta para Poitiers, onde funda uma comunidade monástica em Ligugé, a primeira da Gália e da, actual, Europa Ocidental. É a partir deste mosteiro que os monges partem, evangelizando as populações, dando o exemplo e, sempre que possível, fundando novas casas para, assim, estarem mais perto dos pobres e doentes que queriam converter e amparar.

Dez anos mais tarde, no ano de 371, a diocese de Tours ficou sem bispo e, apesar da resistência inicial, acabou por aceitar a nomeação para Bispo, proposta e aprovada pela população.

Tal função não retira, a Martinho, a vontade de continuar a sua missão, fundando novo mosteiro, perto de Tours, a que chamou de Marmoutier, tendo a sua influência sido difundida por toda a região, tornando-o amado e querido pelo povo.

São Martinho, Bispo de Tours, morre a 8 de Novembro de 397, em Candes, perto de Tours. A sua festa litúrgica é celebrada no dia 11 de Novembro, data em eu foi sepultado na localidade de Tours. Foi o primeiro Santo não mártir, a ter culto oficial da Igreja.

Odivelas, 3 de Novembro de 2011
José Marcelino Martins
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8946: Patronos e Padroeiros (José Martins) (23): D. Afonso Henriques - Exército Português

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9022: Convívios (385): Operação Bácoro Risonho - CCAÇ 6 e outras forças aquarteladas em Bedanda - levada a efeito no passado dia 5 de Novembro de 2011 (António Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) com notícias sobre o I Encontro dos "Bedandenses" ocorrido no passado dia 5 de Novembro de 2011:




Finalmente, o dia tão esperado chegou... e vai ficar na memória por muito, muito tempo.





A Operação "Bácoro Risonho"*, que no fundo não era senão o reencontro dos "Onças Negras" correu às mil maravilhas e ultrapassou pelo menos, as minhas expectativas.

Gostaria de ter o dom da palavra, para poder reflectir aqui toda a alegria que senti, e toda a alegria e emoção que vi naqueles rostos. Foi indiscutivelmente um dia memorável.

Eram 23 os Onças Negras presentes, mais dois juniores, filhos legítimos de Bedandenses e como tal Bedandenses de 2.ª geração, que ficaram também maravilhados com toda aquela cumplicidade e amizade, que hoje em dia já começa a ser difícil encontrar.

E éramos só 23 porque se trata de uma Unidade muito especial. Estas CCaç's eram maioritariamente formadas por elementos locais, sendo os metropolitanos em muito pequeno número (creio que nunca ultrapassaram os 20 elementos), distribuídos essencialmente por quadros (oficiais e sargentos) e cabos especialistas (operadores cripto, enfermeiros, operadores de transmissões, artilheiros, SPM, etc). Claro que também gostaríamos muito de ver aqui os nossos queridos soldados, gente fantástica, a quem eu pelo menos devo muito, mas como todos sabem seria uma tarefa absolutamente impossível.

E alguns dos presentes neste (re)encontro nem tão pouco se conheciam, visto terem passado por lá em alturas diferentes. Mas há indiscutivelmente um elo muito forte que nos une... aquele chão.

E trocaram-se abraços, reviram-se velhas fotografias que todos quiseram levar, viram-se filmes sobre Bedanda e até houve quem levasse um diário com todas as peripécias do dia a dia naquele lugar.

Quero também aqui deixar uma palavra muito especial aqueles que por razões pessoais não puderam estar presentes fisicamente, mas estiveram em espírito, e foram por nós lembrados: o Rui Santos, o Bedandense mais antigo deste grupo, o Enfermeiro Dias (a quem desejamos um rápido restabelecimente), o Fragateiro, o Carlos Vinhal e o nosso muito querido Luís Graça, que foi o verdadeiro padrinho deste acontecimento.

Estamos a contar com vocês para o próximo.

Finalmente também um agradecimento à Pousada/Restaurante Portagem, que sobretudo nos recebeu com uma grande simpatia e um elevado profissionalismo, satisfazendo todas as nossas solicitações.

Mas melhor que as palavras, são as imagens.
Elas aqui ficam.

E já agora, os presentes nesta operação:
Ayala Botto, Mário Bravo, Nuno Ferreira, Amaral Bernardo, Pinto Carvalho, Dino, Hugo Ferreira, José Figueiral, Vasco Santos, José Vermelho, Carlos Azevedo, Aníbal Marques, Luís Nicolau, Jorge Pires, Licínio Cabeça, Cândido Monteiro, Fernando Carvalho, José Guerra, Lino Reis, Mário Oliveira, Fernando Sousa, Naia e António Teixeira.

A chegada e a alegria do reencontro

Lino Reis, Teixeira, Vasco e Luís Nicolau

Dr. Nuno Ferreira e Pires

Vermelho e Cândido Monteiro

Carlos Azevedo e Naia

Vermelho, Dr. Amaral Bernardo e Cândido

Hugo Ferreira, Fernando Sousa, Figueiral e Mário Bravo

Ayala Botto, Lino Reis, Amaral Bernardo e Figueiral

Amaral Bernardo, Mário Capelão e Lino Reis

O nosso Comandante Ayala Botto discursando

O Bolo comemorativo com o logotipo do nosso encontro (muito bem feito)
____________

Nota de CV:

Vd. poste de 15 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8907: Convívios (374): Operação Bácoro Risonho: CCAÇ 6 e outras forças aquarteladas em Bedanda (António Teixeira / Mário Bravo)

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8997: Convívios (377): Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, dia 24 de Novembro de 2011 em Alcabideche (José Manuel M. Dinis)