quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9244: Em busca de ... (176): Pedido de informação sobre o ex-Cap SGE Adelino António Gomes, natural de Viana do Castelo; comandou a CCS/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74) (Armando Impôm & Francisco Grosso, CESPA / José Martins)


 Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 15 > 1973 > Ponte sobre o Rio Mansoa.

Foto (e legenda): © Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados


A. Mensagem do nosso leitor Francisco Grosso, da empresa CESPA:


Data: 20 de Dezembro de 2011 16:35

Assunto: Pedido de informação sobre o Sr. Cap SGE Adelino António Gomes, de Viana do Castelo

Boa tarde

Ex.mo Sr.

Serve o presente mail para lhe solicitar uma informação. Sendo responsável de exploração para a empresa identificada [, CESPA], giro contratos e pessoas, entre as quais se encontra um colaborador nosso, de nome Armando Impôm, natural da Guiné Bissau.


Este colaborador, após conversa, pediu-me se eventualmente poderia ajudá-lo a encontrar uma pessoa que lhe era muito querida. Não possui internet e está temporáriamente em Portugal por motivos pessoais com uma filha sua. 

Após me ter dado algumas referências sobre a pessoa que pretende encontrar, fiz uma pesquisa e encontrei o seu blog, para o qual eu dou desde já os meus parabéns. 

A pessoa em causa é o Sr. Cap SGE Adelino António Gomes, natural de ou com residência em Viana do Castelo, segundo o Sr. Armando. São estes os dados disponíveis. Referiu ainda que viveu com este senhor até aos 14 anos de idade na Guiné, antes da partida do Sr. capitão para Portugal, o qual o ajudou e queria que viesse com ele para Portugal. A família opôs-se e o contacto foi interrompido para sempre. 

De volta a Portugal por motivos pessoais e a trabalhar para a nossa empresa, o Sr. Armando Impôm gostaria de saber algo sobre o Sr. capitão ou sobre a sua família. 

Em nome dele peço-lhe alguma informação caso seja possível. Devo referir que o nome dele aparece referenciado no seu blogue. 

Os nossos agradecimentos. 

Com os melhores cumprimentos.

Francisco Grosso
Responsável de Exploração
francisco.grosso@cespa.es
CESPA
Av. Severiano Falcão, Edifício Ambiente, Lote 2 - 1.º
2685-378 Prior Velho
T.: +351 217542030
Fax: +351 217542039
www.cespa.pt



B. Informações recolhidas pelo nosso blogue, através do nosso colaborador permanente José Martins, sempre solícito, prestável, eficiente e eficaz,  a quem se pediu que pusesse "os seus detectives em marcha", e que nos  respondeu de pronto, no mesmo dia:



Caro Luis, os meus detectives informam:


1 - Um Capitão SGE [, Serviços Gerais do Exército,] só poderia ser Comandante de uma CCS [, Companhia de Comando e Serviços,] ou então, prestar serviço no QG, em Bissau. Porém, este camarada de armas, Adelino António Gomes, foi o Comandante da CCS do BCAÇ 4612/72 (, mobilizado pelo RI 16 - Évora), que esteve em Mansoa, desde 28 de novembro de 1972 até 21 de agosto de 1974, tendo embarcado [, de regresso à metrópole,]  em 27 de setembro de 1974.


Eis aqui a lista com os nomes dos Comandantes de Companhia do BCAÇ 4612/72:

CCS: Cap SGE Adelino António Gomes
1ª Comp: Cap Mil Cav João António Dias Pereira
2ª Comp: Cap Mil Cav Álvaro Almada Contreiras
3ª Comp: Cap Mil Inf João Manuel de Matos e Silva Mendonça; Cap Art José Manuel Salgado Martins; Cap Mil Inf Fernando Correia da Silva Cardoso.


2- Apesar de pertencerem às companhias operacionais, pertenceram a esse batalhão os tertuluianos Agostinho Gaspar e o Jorge Canhão, que escreveu sobre o batalhão, no blogue. Talvez eles tenham contactos. [Ambos pertenceram à 3ª C/BCAÇ 4612/72, e estiveram uma boa parte do tempo em Mansoa; mas há mais camaradas nossos que estiveram em Mansoa, nesse tempo, como por exemplo o Joaquim Mexia Alves].


3. Outro contacto possível pode ser Liga dos Cambatentes, núcleo de Viana do Vastelo:


Presidente: Joaquim da Rocha Martins
Secretário:  Manuel Meira da Silva
Tesoureiro:  José Casimiro Jácome Martins, Tenente-coronel
1º. Vogal: Luís Jorge de Araújo Gandra
2º. Vogal: José Agilberto Barreiros Branco
1º. Vogal Suplente: Manuel Martins Borlido Laranjo, Dr.
2º. Vogal Suplente: Salviano Pereira de Pinho Vitoriano, Dr. 


Morada: Rua de S. Pedro, 39 - 1.º
Localidade: 4900-538 VIANA DO CASTELO
Telefone: 258 827 705 


4 - Contactar também as Juntas de Freguesia do concelho.


5 - Porém, permito-me alertar para que, quando foi mobilizado, já devia rondar os 40 anos, ou mais, pelo que hoje deverá ter os 80, caso ainda o tenhamos entre nós. (E oxalá que sim, com um abraço para ele, se nos estiver a ler).


Desta forma, desejo bons êxitos não só ao "nosso miúdo" Armando Impôm, como ao Francisco Grosso que se interessou pelo caso. 


Um abraço. José Martins
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Nota do editor:


(*) Último poste da série >  1 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8977: Em busca de ... (175): 1.º Cabo Corneteiro Albino da CCAÇ 3326, Mampatá, 1971/72 (José Barros Rocha)

Guiné 63/74 - P9243: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (32): Havia lavadeiras e... lavadeiras: o caso das minhas duas irmãs (Cherno Baldé)

1. Comentário do Cherno Baldé ao poste P9226:

Assunto - Lavadeiras e lavadeiras...

Eu tive duas irmãs,  lavadeiras, filhas do meu tio,  com carácter e comportamentos bem diferentes.

A mais nova era muito esquisita, secreta, escorregadia, não gostava que ninguém (dos mais pequenos) lhe seguisse os passos e não dava boleia para entrar no quartel com sentinela à porta de armas. Não posso confirmar, mas entre nós, ela era suspeita de andar a fazer maquinações e prestar serviços extras aos seus patrões brancos, do tipo "lava tudo". Felizmente nada aconteceu de pior.

A mais velha e, também, mais bonita era a nossa preferida, pois nunca se aventurava dentro do quartel sem a nossa companhia e, ainda mais, levava sempre consigo, nas costas, uma criança emprestada de propósito para o momento. Quando entrava, nós também entravamos atrás dela, senão nada feito, e as sentinelas já a conheciam de sobra, não gostavam dela mas também não lhe podiam obstruir a entrada.

Seguíamos directamente para a caserna dos Furriéis. Sem cerimónias, e dentro dos quartos, a nossa missão era ficar junto da nossa protegida e gritar caso fosse necessário. Os patrões olhavam para nós com olhos de espantar crianças. As vezes, na vontade de nos afastar um pouco, havia quem nos oferecesse um pedaço de pão ou uma lata de conserva. Mas mesmo um pouco distanciados pelo engodo, ainda ouvíamos a voz inconformada da nossa irmã resistindo às apalpadelas:
- Dixa Furriel, dixa! Djubi mininu tchora!... (Deixa, Furriel, olha a criança a chorar).

Ela era, frequentemente, despedida por um e logo contratada por outro e invariavelmente eram Furriéis.


Era estranho esse comportamento das minhas irmãs, porquanto nas noites de luar, em grupos de idades,  cantariam louvando essas aventuras com os Furriéis em ritmos e letras herdadas de outras idades e de outros tempos:

"Capiton-ho Doktor-ho!
Firiel-ho pingarram-me!"


(O Capitão pode ser o chefão
mas é o Furriel que me injecta a agulha/seringa).

E não é que os Furriéis tinham mesmo jeito com as agulhas?! Dos filhos deixados na minha terra, mais da metade seriam de Furriéis.

Muito obrigado à Maria Dulcineia por esta homenagem bem merecida às lavadeiras de todos os tempos e de todos os lugares. 


Um abraço natalício a todos,
Cherno Baldé


2. Comentário de Maria Dulcinea (NI)  (*)


 Amigo Cherno Baldé

Li o seu comentário com muita atenção, aliás li todos os comentários e desde já agradeço as palavras simpáticas que todos escreveram. No entanto queria comentar as palavras do Cherno e lhe dizer que,  quando li o seu artigo no P9085 "Memórias do Chico",  e em que publica a foto da sua mãe,  eu senti uma ternura imensa por ela, pois que aquilo que você descreve é precisamente o modo de vida que admirei nas mulheres da Guiné da altura com todas as dificuldades inerentes de um país em guerra, mas em que as pessoas se adaptaram tanto à presença constante dos militares como à sua constante rotação, pois que os militares ora estavam nas localidades, oram iam embora para a Metópole ou outros locais de serviço.


Em relação às suas irmãs serem "assediadas", eu considero que é uma situação triste, mas sem querer arranjar desculpas para esses actos dos militares, reconheço que era mais uma das situações provocadas pela estúpida situação em que os nossos Homens foram,  ao serem mandados para um território desconhecido sem terem tido um mínimo de formação sobre os usos e costumes das Gentes da Guiné.

Sei que os militares que foram para Companhias Africanas tiveram alguma formação de "Acção Psicológica" antes de ingressarem nas CCAÇ Africanas. Como disse e sem querer "branquear" maus comportamentos de alguns Homens,  eu tenho a certeza que hoje a maioria carrega as suas "culpas" e que valoriza de certeza todas as mulheres da Guiné tal como tem sido aqui comentado.

Cherno Baldé,  não estou aqui a ajuizar qualquer tipo de comportamento, estou isso sim a agradecer as suas palavras e a desejar uma vez mais um Santo Natal, a si, à sua Mãe, às mulheres da Guiné e a todos os tertulianos e TERTULIANAS desta Tabanca que,  como me diz o meu marido,  são uns tipos ainda "muito malucos" mas que é tão bom ter alguém que escreva, comente, ralhe... Quer queiram ou não, estão todos ligados uns aos outros pelo mesmo "cordão umbilical" que foi a GUINÉ.

Um beijinho para todos e Bom Natal


Maria Dulcineia (Ni)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9226: Memória dos lugares (167): As nossas lavadeiras da Guiné, a nossa Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea)

(**) Último poste da série > 23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9085: Memórias do Chico, menino e moço (31): A minha Mãe Cadi representa a mãe africana em particular e as mães de todos nós em geral (Cherno Baldé)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9242: Blogues da nossa blogosfera (48): O sítio do Ministério da Defesa Nacional: Encerramento, pela ADFA, da evocação dos 50 anos do início da guerra colonial...


Folha do sítio do Ministério da Defesa Nacional, à data de hoje, 20 de dezembro de 2011, 19h00.


1. Destaque para a notícia sobre o encerramento, pela ADFA,  da evocação dos 50 anos do Início da Guerra Colonial... Se não fora esta cerimónia, a efeméride ("os 50 anos do início da Guerra Colonial") passaria completamente à margem do Ministério da Defesa Nacional...

(...) 19.12.2011 - A Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) assinalou, no dia 19 de Dezembro, o Encerramento da Evocação dos 50 anos do Início da Guerra Colonial e celebrou o 3. º Aniversário da Atribuição da Ordem da Liberdade, numa Sessão Solene que teve lugar na sede desta Instituição, em Lisboa, pelas 15h30.

A cerimónia foi presidida pelo Ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco e contou com as presenças do Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Paulo Braga Lino, do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas, Luís Araújo, do Presidente da Direcção Nacional da ADFA, José Arruda, e do Professor Doutor Eduardo Lourenço.

Após uma apresentação de boas vindas, conduzida por José Arruda, Eduardo Lourenço proferiu uma alocução evocativa dos 50 anos do Início da Guerra, relembrando este “momento doloroso e de complexidade”, “particularmente dramático” da história portuguesa. Dissertando sobre os conceitos de colonização, colonialismo, império e imperialismo, o ensaísta referiu-se aos acontecimentos de 1961 como “uma tragédia” que alguns “escreveram no seu corpo, até hoje”, relembrando ainda “os heróis sacrificados dessa aventura imperial”. (...)

O Ministro da Defesa Nacional, por sua vez, iniciou a sua intervenção relembrando o 6 de Setembro (dia em que recebeu em audiência a ADFA) e anunciando a sua deslocação aos Teatros de Operações das Forças Nacionais Destacadas, nos dias 24, 25 e 26 de Dezembro, em solidariedade para com os militares portugueses.

Prosseguiu com uma saudação ao Professor Eduardo Lourenço, pela atribuição recente do Prémio Fernando Pessoa, e referiu-se à Guerra Colonial como “um dos conflitos mais longos do último século e que arrastou centenas de milhares de homens”. Acerca da “vergonha da guerra”, em que “vivemos mal com as razões que nos levaram para África”, Aguiar-Branco considera que é necessário fazer “a paz com a história” e que o papel da ADFA, “neste processo, tem sido essencial”.

O discurso do Ministro está aqui disponível em formato pdf.


 Eis um excerto das suas decalarações:

(...) Encerramos hoje a evocação dos 50 anos do início da  Guerra Colonial. Poucos factos foram tão relevantes na história de um país, ou de um povo, como a Guerra  Colonial.

E olhando com a distância que a história permite, os  números parecem ainda mais marcantes. Mais impressivos.  Treze anos de guerra, a meio mundo de distância. Foi um  dos conflitos mais longos do último século e que arrastou centenas de milhares de homens. Centenas de milhares de  portugueses.

A verdade é que neste nosso pacato e sereno país poucas pessoas não têm uma história de guerra.  Poucas pessoas não têm um ex-combatente nas suas  famílias. Alguém que sabe manejar uma arma.  A verdade é que este Portugal, sereno e pacato, foi um  dos países mais militarizados do Mundo. Tudo isto a menos  de uma geração de distância.

A guerra, que hoje evocamos, marcou muito mais do que  uma geração. Marcou o país que somos. Politica, social e  economicamente.  Até a própria democracia está intimamente ligada a este  conflito. E nesse sentido, somos todos muito mais filhos da Guerra Colonial do que estamos dispostos a admitir. 

 É por isso extraordinário ou não, que seja a ADFA, a organização que mais se empenhou em evocar os cinquentas anos da guerra colonial.  Não foram as Universidades por interesse sobre este  período histórico. Não foi sequer o Estado por interesse  sobre a sua própria responsabilidade. Foram os deficientes das Forças Armadas que uma vez  mais garantiram que esta página da nossa história não fosse rasgada ou votada ao esquecimento.

Com razão ou sem razão, a verdade é que temos vergonha  da guerra. Vivemos mal com as razões que nos levaram para África. Vivemos mal com o que lá se passou e consequentemente com quem por lá passou.

Percebo, por isso, este esforço da Associação dos  Deficientes das Forças Armadas. A guerra acabou há 37 anos. Mas falta a outra paz. A paz  com a história.  E o papel da ADFA, neste processo, tem sido essencial. Nesta procura da paz com a história e com a qual também se constrói a democracia.

Ou como oportunamente o manifesto da Associação  lembra, a ADFA é também um capitão de Abril. A sua perseverança ao serviço dos combatentes, muitas  vezes contra a própria inércia do Estado exige, todos os dias, que estes homens não sejam esquecidos. (...).

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8982: Blogues da nossa blogosfera (47): Ilha do Como, do Valentim Oliveira (CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)

Guiné 63/74 - P9241: Recortes de imprensa (54): No DN, declarações do Ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, na Associação dos Deficientes das Forças Armadas: Temos que fazer a paz com a História

Com a devida vénia ao DN - Diário de Notícias, transcrevemos declarações do actual Ministro da Defesa, proferidas na ADFA durante uma cerimónia evocativa dos 50 anos da Guerra Colonial.



O ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, afirmou hoje que Portugal "vive mal" com o tema da Guerra Colonial e defendeu que 37 anos depois do fim do conflito é preciso "fazer a paz com a História".

Por Lusa (Ontem)

"Com razão ou sem razão, a verdade é que parece que temos vergonha da guerra. Vivemos mal com as razões que nos levaram para África, vivemos mal com o que lá se passou e consequentemente com quem por lá passou", disse Aguiar-Branco.

O ministro, que discursava numa cerimónia na Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA) de evocação dos 50 anos do início da Guerra Colonial, considerou ser responsabilidade do seu ministério "fazer a paz com a História" e assegurou que irá pessoalmente "conduzir o processo" e que nos próximos quatro anos tudo fará "para que isso seja possível".

"Somos todos muito mais filhos da Guerra Colonial do que estamos dispostos a admitir", continuou, apontando a ADFA como "a organização que mais se empenhou em evocar os cinquenta anos da Guerra Colonial". Aguiar-Branco considerou que "a perseverança" desta associação "ao serviço dos combatentes, muitas vezes com a própria inércia do Estado, exige, todos os dias, que estes homens não sejam esquecidos".

O ministro da Defesa defendeu ainda que "a manutenção da isenção das taxas moderadoras e a manutenção dos subsídios aos deficientes das Forças Armadas" é "uma questão de Justiça" e que "o contrário seria sempre imoral".

Já aos jornalistas, no final da cerimónia e depois de ter sido descerrada uma placa evocativa, afirmou que a valorização do papel Forças Armadas na Guerra Colonial se faz realçando o que a instituição "significou no nascimento da nossa democracia" e reconciliando "esse período com os exemplos vivos". Aguiar-Branco reforçou que "serão sempre prioritárias as medidas que puderem ir ao encontro da reparação que estes portugueses merecem". [...]
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9159: Recortes de imprensa (53): Em, A Semana - Opinião, África no tempo das belas Signares, de Arsénio Fermino Pina (Nelson Herbert)

Guiné 63/74 - P9240: Tabanca Grande (312): João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil (1964/66)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano João Gabriel Sacôto Martins Fernandes* (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), com data de 6 de Dezembro de 2011:

Caro Luis:
Eis-me a colaborar no, em boa hora criado BLOGUE TABANCA GRANDE, (espero estar à altura do expectável); então, cá vai:

Integrada no BCAÇ 619, a minha CCAÇ 617 embarcou para a Guiné em 8 de Janeiro de 1964 no NM Quanza.

NM Quanza
As devidas vénias a Navios no Sapo

A acção da CCAÇ 617 foi a de Companhia de intervenção do Batalhão e ficou por isso sediada em Catió, tendo realizado várias operações naquele sector, nomeadamente na Ilha do Como, Cufar, Cabedu, Bedanda e Tombali. Nas várias operações, ao longo de 18 meses, teve a Companhia, a preciosa colaboração do Fula, Capitão Comando João Bacar Jaló e dos seus valorosos militares, alguns dos quais, à semelhança da tropa metropolitana, também deram a sua vida ao serviço de Portugal, incluindo o próprio Comandante João Bacar que, ainda em vida recebeu uma das mais altas condecorações portuguesas e que aqui mostro, fotografado em Lisboa na minha casa por altura de um 10 de Junho quando foi agraciado pelo Presidente da República. com a Medalha de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito, Cruz de Guerra (2ª e 4ª classes) e mais tarde, Medalha do Ouro de Serviços Distintos, com Palma (a titulo póstumo).

Com o Comandante da CCAÇ 617 Marques Alexandre e João Bacar Jaló no Cahil em 1965

Tabanca do Ilhéu de Infanda

Com o Comandante João Bacar Jaló em Lisboa em 1970


2. Comentário de CV:

Caro camarada João Sacôto, não me vou repetir porque o essencial disse-te no Poste 9199* onde se dá a notícia do teu primeiro contacto.

Sendo tu um ex-combatente da primeira metade da década de 60 e daqueles que palmilharam o difícil chão do sul da Guiné logo tendo experiências diferentes dos que fizeram a guerra mais para o fim e mais para norte, depositamos em ti as maiores expectativas para nos contares como viveste aqueles tempos bem difíceis com privações de toda a ordem. Já passou muito tempo, mas sabemos que há situações que nos marcaram de tal modo que jamais as esqueceremos. Se quiseres, podes partilhá-las connosco.

A partir de hoje, contigo, somos 532 tertulianos. Cabe-me em nome dos outros 531 enviar-te um abraço de boas vindas.

Ficamos por aqui ao teu dispor, esperando as tuas fotos e textos.

Porque a época assim o exige, em nome da tertúlia desejo-te Boas Festas e um Novo Ano cheio de venturas, em contraste com as desventuras que nos prometem. Os nossos votos são extensivos à tua família e amigos mais próximos como é óbvio.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

- Foto do navio Quanza - A devida vénia a Navios no Sapo

- Crachá da CCAÇ 617 - A devida vénia ao camarada Carlos Coutinho

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9199: O Nosso Livro de Visitas (119): João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

Vd. último poste da série de 14 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9198: Tabanca Grande (311): Adriano Lopes dos Santos Neto, ex-Fur Mil da CART 3521 (Piche) e CCAÇ 11 (Paunca), 1971/74

Guiné 63/74 - P9239: O nosso blogue em números (29): Opinião sobre o novo visual



1. Sondagem sobre o novo visual do blogue, que se realizou, em linha, de 7 a 12 do corrente (7 dias úteis). Responderam 121 leitores... Grosso modo, as opiniões podem reduzir-se  a três grandes grupos:

(i) Opinião muito favorável (n=48) (39.7%)

(ii) Opinião favorável (n=55) (45.4)

(iiii) Opinião desfavorável ou muito desfavorável (n=18) (14.9)




O novo visual do nosso blogue que não mudava... desde 1 de Junho de 2006!... Ou seja, desde o início da II Série, poste nº 825... Irra!, conservadores, vá lá, mas tanto, não!...

Há oito mil e tal postes atrás (este é o P9239), escrevíamos o seguinte, como desculpa para a mudança de instalações:

(...) Por razões de espaço e de tráfego, tivemos que mudar de instalações. O nosso senhorio, o Blogger.com, só nos dá 300 MB para alojar o nosso álbum de fotografias, o que é pouco para tanta gente. De facto, ao fim de um ano já estamos na casa da centena de amigos & camaradas.


O blogue passa a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, dando continuidade ao Blogue-fora-nada. Continuará a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos. É um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, nos anos quentes de 1963 a 1974. (...)

... Feitas as contas (desde 23 de Abril de 2004), vamos a caminho de  completar em breve a quarta comissão!
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Guiné 63/74 - P9238: O meu Natal no mato (38): Mansambo, 1968: O Pai Natal não passou por lá ! (Torcato Mendonça)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo < CART 2338 (1968/69) > Fotos falantes II > Mansambo no tempo das chuvas


1. Em mensagem do dia 16 de Dezembro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), fala-nos do seu Natal de 1968 no mato.


Natal de 68


O primeiro ano de Comissão estava quase desgastado.
O Natal de 68 aproximava-se. Todos sentiam e tentavam afastar a nostalgia, as saudades da família e dos amigos a intrometer-se demasiado e perigosamente no seu quotidiano.


A 23 [de dezembro de 1968] fizeram, parte deles, mais uma Operação a Biro/Galoiel. Uns tiros trocados sem vontade, a fuga do IN e regressaram depois da destruição dos objectivos.


No dia seguinte os olhares trocavam-se de forma diferente. A tristeza não podia interferir na segurança e todos o sabiam. Necessário era a redobrada atenção nestes dias, ditos de Festa mas diferentes ali.


Natal. A noite de Natal a nada a dizer que o era, salvo um jantar com bacalhau liofilizado, uma conversa mais animada, uma tristeza mais contida.


Por segurança, por falta de instalações adequadas não se podiam juntar todos. Distribuíam-se então pelos oito abrigos/caserna, oito casamatas meio enterradas, meio levantadas onde todos viviam.


Rostos duros, secos, a atenção ali e o pensamento a, de quando em vez, dali sair para o seu País, as suas Terras, a família, os amigos e demais entes queridos que, certamente em sentido inverso para eles enviavam seus pensamentos.


Ali estavam eles naquele aquartelamento perdido no meio do nada. Mansambo,  que eles tornaram um lugar habitável para fazerem a guerra. Para mais nada aquilo servia.
Comiam e bebiam, uns em silêncio, outros falando e disfarçando o que sentiam. De quando em vez um levantava-se e ia ter com um camarada seu conterrâneo ou apanhar ar e, talvez, nessa curta viagem, olhasse o céu estrelado e enviasse abraços e um beijo para os entes queridos. Talvez os entes queridos o mesmo fizessem e essas manifestações de carinho e amor, no meio do oceano ou do deserto que os separavam, enlaçavam-se e uma lágrima caía então. Como seria bom as deles já terem secado.


Eram jovens, muito jovens e muito mais do que cem e ali estavam em sereno convívio nesta nova família. Tentavam sorrir e sentirem um pouco, só um pouco que era noite de Natal.


Só que o Pai Natal não passou por lá.


Mansambo Natal/68



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo < CART 2338 (1968/69) > Fotos falantes II > "Rei, Rodrigues e Sousa e seus Rapazes"…

2. Adenda do autor:

Uma breve legenda nas Fotos:



(i) podem ver-se as óptimas condições de vida naquele aquartelamento;

(ii) se fosse hoje certamente seria visitado por Alta Individualidade;

(iii) os graduados do 2º Grupo da Cart 2339 - o alferes e os três furriéis: um furriel foi para os Comandos e substituído; o outro ficou, a partir da Lança Afiada Afiada [, Março de 1969], em Bissau, a tirar estilhaços; fFicou só o Fur Rei, na ultima foto com os seus rapazes;  gente óptima, uma saudade e o melhor para eles;

(iv) o alferes era uma Besta;  suficientemente deformado nesse tempo para, pelo Natal, se ter limitado a enviar um pensamento para o seu País e ter voltado ao trabalho (Seria assim? Creio que sim. Conheci-o).


Certo, certo é que estes Militares sentiram negativamente, a maioria deles, o terem ali passado esse Natal.

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados
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Notas de CV:


(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9011: Memória dos lugares (161): O cais do Xime e a solidão do Rio Geba... (Torcato Mendonça)


Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9233: O meu Natal no mato (37): Canchungo, CAOP1, Natal de 1972, com visita a correr do gen Spínola: “Info Vexa Sexa segue na mexa” (António Graça de Abreu)

Guiné 63/74 - P9237: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (47): O fugitivo

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 16 de Dezembro de 2011:

Amigo Carlos Vinhal
Cá vai um apontamento de “Viagem…” mais uma vez vivido na primeira pessoa e que traduz em certas situações o despoletar de comportamentos humanos por vezes potencialmente perigosos.
Como já sabes, publicarás se achares com um mínimo de interesse.

Aproveito para desejar a todos um BOM NATAL
Um Abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (47)

O fugitivo

Se bem me recordo, poucas para não dizer raríssimas, foram as vezes em que estive escalado para serviço do dia, durante a minha passagem pela Guiné. Talvez pela antiguidade ou por a actividade operacional não o permitir. Já não sei!

Uma dessas excepções aconteceu em Bula onde estive de Sargento de Dia ou da Guarda. Creio que de Dia, já também não recordo, o que não tem importância alguma hoje mas poderia ter tido à época, deixando de ser recordação de uma passagem hoje chistosa, para mim e talvez para quem se possa recordar dela.

Nessas funções chega-se a hora do jantar e dirijo-me para o refeitório dos Praças, exercendo uma das minhas atribuições. A noite é escura, o refeitório está cheio com o Pessoal do Batalhão e vou cirandando por lá! A janta decorria com a algazarra normal e em ordem até que de repente se ouve, vindo do exterior próximo mergulhado na noite, algo do género: ”O fdp do turra fugiu…”

O sossego acabou. Havia na verdade um (pelo menos) prisioneiro turra na cadeia e ao que se ouviu tinha tido o desplante e arte de se pirar da “pildra” mesmo ali quase ao lado!

Alguns Rapazes saem a terreno em penumbra e ao avistarem um vulto começam-se a ouvir os incentivos do género “está ali… é ele, vai p´ro arame… agarra que ele foge… apanha o cabrão…”,  fazendo com que esses alguns se transforme de imediato numa mole de seguidores que em atropelo abandonam o refeitório para o lado pouco iluminado adjacente, sem dar tempo a nada.

Toda aquela massa humana, incendiada por estes apelos corre no escuro atrás do vulto avistado, que com algum avanço começou a parecer voar.

Saio do refeitório para o lado da parada, talvez para procurar informação do que se estava a passar, também já não recordo. Recordo isso sim, de momentos depois ver o perseguido logo seguido do maralhal a sair das sombras por detrás do dormitório (?) em direcção ao local onde eu estava. Saquei a pistola e grito-lhe ordem de parar, apostado em o deter antes que ele fugisse ou o maralhal lhe deitasse a mão.

O homem ofegante pára à minha beira, a rapaziada também e à luz constata-se o erro que poderia ter trazido consequências graves e irreversíveis. Não era senão um Soldado (?) ou Milícia (?)!!

Alguém tinha avistado uma silhueta na escuridão a sair das imediações da prisão e julgando ser o “turra” gritou o alerta. Por sua vez a silhueta ao ouvir e ao ver o maralhal começar a ir na sua direcção, em vez de parar, assustou-se e deu às de “viladiogo” ganhando asas nos pés e na certa “borrado de medo “(imaginem!), só parando à minha ordem e junto a mim.

Ainda bem que esta passagem pode ser recordada hoje com certa piada, por mim ou por outros que nela tenham sido actores, ou até por quem consiga imaginar a cena e o cagaço que deve ter apanhado o “fujão”. Talvez até, quem sabe, ele venha a ler isto e nos possa contar de viva voz o que sentiu!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula

Guiné 63/74 - P9236: Parabéns a você (356): José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 e CCAÇ 11 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9230: Parabéns a você (355): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Guiné 1969/71 e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72, Guiné, 1972/74

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9235: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (2): Miniautocarro civil detona mina anticarro em Encheia



1. Em mensagem do dia 16 de Dezembro de 2011 o nosso camarada Carlos Rios (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66), enviou-nos o segundo fragmento da sua passagem pela tropa.




FRAGMENTOS DA MINHA PASSAGEM PELA TROPA (2)

MINIAUTOCARRO CIVIL DETONA MINA ANTICARRO EM ENCHEIA

Algum tempo após estes graves incidentes, fui confrontado com o reactivar de uma realidade já sublimada pelo tempo e que me reactivou os sentidos de terror, pequenez e impotência ao enfrentar um inimigo invisível e tremendo: as minas.

Encontrando-me com alguns camaradas, de entre os quais estava o meu amigo J.M. Bastos, na esplanada do clube os Balantas, vestido eu à civil, (ainda me lembro da vestimenta - de calções de caqui e uma camisa de seda multicolorida, ao bom estilo africano, e uns mocassins), estava pinoca o saloio, quando ouvimos um grande rebentamento para os lados de Encheia. De imediato corremos ao quartel. Tal como estava, pus o cinturão em que tinha sempre para além das cartucheiras, quatro granadas, pegando na G3, material que sempre mantinha pendurado à cabeceira da cama, pedindo ainda a entrega de um dilagrama, e montados os diversos pelotões em viaturas, dirigimo-nos para a estrada de Encheia.

O quadro com que nos deparámos foi aterrador. Sendo aquela picada, junto da qual haviam diversas tabancas consideradas “controladas”, uma carrinha (mini-autocarro) vinha com alguma frequência de Bissau até junto da cambança para Encheia, transportando população e toda uma parafernalha de utensílios para a localidade e para as já referidas tabancas. Nesta viagem e a pouco menos de 500 metros do local onde habitualmente parava, pisou uma mina, que explodindo desfez literalmente a viatura, espalhando pelas redondezas mortos e feridos, um horror incomensurável, de tal maneira que o Zé Manuel Bastos e o seu Grupo tiveram que recolher para cima de um Unimog, corpos e pedaços dos mesmos chegando em alguns casos a haver membros decepados e esquartejados, de tal modo que não se sabia a quem pertenciam. Uma vez feito este pungente e dramático trabalho, lá seguiu o calmo e sensível J.M. Bastos e o seu Grupo com a macabra carga, sanguinolenta a tal ponto que escorria para o chão, sozinhos no Unimog para Bissau, vindo ainda já dentro da cidade a ser mandado parar pala PM. O desenlace foi um imberbe e sobranceiro alferes ficar tremelicando e sem voz na beira da Avenid , acabando o Bastos a sua missão.

Paradas as viaturas e tendo entretanto o meu Grupo intervindo por ali nas tabancas e arredores, enquanto outro grupo procedia à picagem da estrada, a população fugiu em massa para uma pequena mata pegada com uma bolanha onde cultivavam arroz, sendo que ainda fomos fustigados de longe ao que reagimos de imediato saltando eu para dentro da bolanha e disparando o dilagrama para dentro da mata, o que provocou um absoluto silêncio mantendo-me no mesmo local donde só saí (lá ficaram os meus queridos mocassins) quando a população, creio que se terá julgado entre dois fogos, começou a caminhar no nosso sentido. Na frente um encorpado gentio vestia uma camisola onde no peito era bem visível o emblema da Mocidade Portuguesa. Entretanto o pessoal que procedia à picagem do resto do troço viria a encontrar poucos metros depois de onde tínhamos parado outra mina que desmontaram e levantaram.

O contacto com esta atroz tragédia, demolidora do mais forte controlo de um ser humano, os diversos acontecimentos sub-sequentes incluindo a visão do elemento com a camisola referida fizeram despoletar em mim uma crise de nervos que me fez dizer e praticar todos os desmandos possíveis e que só no dia seguinte, já praticamente recuperado, a guerra continuava e eu era tido como preponderante no meu Grupo, vim a saber.

Mandei com a arma fora… desatando em completa convulsão a gritar “podia ser o meu irmão” maldita guerra, etc, etc..
Valeu-me o perspicaz e desembaraçado Rui, que pegando em mim ordenou a um condutor que me conduzisse de imediato ao Quartel o que ele acatou de bom grado mas clamando eu ainda que queria levar a mina.

E lá foi aquela boa alma sozinho ao volante de um camião Mercedes, com um maluquinho sentado ao seu lado com uma mina de cinco quilos de trotil ao colo. Chegados ao Quartel o meu bom amigo Carolino,(infelizmente já falecido, na sua terra - Marinha Grande), já de seringa em riste injectou-me uma mistela que só me deixou acordar no dia seguinte, tornando-se assunto motivo de conversas dichotes e conselhos assizados que puseram tudo no lugar.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9179: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (1): Saída para o mato em noite de tempestade

Guiné 63/74 - P9234: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (4): Mensagens dos nossos camaradas Raul Albino, Ricardo Figueiredo, Carlos Rios, Henrique Cerqueira, Manuel Alheira, Rui Silva, Valentim Oliveira e Manuel Maia

MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS

1. Mensagem do nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato:

Meus amigos,
Mais um ano está a chegar ao fim. Posso tentar desejar-vos um Bom Natal, mais pobre, mais limitado e dificilmente será mais alegre que os Natais anteriores, mas podemos tentar, mais que não seja pelos mais miúdos. Desejar-vos Boas entradas no Novo Ano, já parece gozação. Ninguém queria entrar nele, mas vamos entrar com ou sem a nossa vontade, porque o tempo não pára.

Mas posso enviar-vos um presente na forma de ficheiro informático. Vai anexo a este e-mail, cheio de beleza rústica, uma forma de paraiso terreno, por onde gostariamos de saltitar conforme a disposição do momento. Eu adorei e não me chocaria trocar toda a arquitectura tecnológica moderna, por esta beleza tão terrena e humana a lembrar tempos passados. Desfrutem a visualização destes lugares, enquanto ainda existem.

Umas Boas Festas para todos, cheias de paz e saúde.
Um abraço de amizade,
Raul Albino


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2. Mensagem do nosso camarada Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74:

Para os Ilustres Editores que nos alimentam a alma e nos convertem a saudade em nostalgia, com um trabalho diário digno de registo, desejo-vos um FELIZ NATAL , na companhia de todos quantos vos são queridos, votos naturalmente extensivos a toda a Tabanca Grande.

Bem Hajam !
Com um grande abraço fraterno do,
Ricardo Figueiredo

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3. Mensagem do nosso camarada Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66:


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4. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74:


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5. Do nosso camarada Manuel Alheira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74:

Nesta Quadra Festiva, envio a todos os meus amigos e famíliares os melhores votos de BOAS FESTAS.

Cumprimentos,
Manuel Alheira


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6. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67:

Para todos os camaradas, amigos e camarigos ex-Combatentes da Guiné e, para aqueles que, sem terem sido combatentes, vieram sentar-se, simpaticamente, ao nosso lado sob o Poilão da Tabanca Grande, venho aqui expressar o maior desejo de que passem um NATAL MUITO FELIZ e que o NOVO ANO seja imbuído da maior felicidade, bem-estar e harmonia, desejo que se estende naturalmente aos seus familiares mais queridos.

Bem Hajam!”
Rui Silva


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7. Mensagem de Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490, Região de Farim, 1963/65:



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8. Do nosso camarada Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74:

A todos os camarigos distribuídos pelas diversas tabancas quero expressar, aqui e agora, os votos de um Natal prenhe de saúde, de alegria e enorme satisfação .
Que o Menino Jesus nos ponha no sapatinho o garante de que de futuro os governantes deste país deixarão de ser refractários e desertores e que um de nós se sentará nas cadeiras do poder por forma, a, finalmente, ser reconhecido o nosso esforço em prol duma pátria que nos tem renegado.
Um enorme abraço extensivo às famílias dos combatentes que têm sabido ser o verdadeiro suporte, a necessária âncora a que nos agarramos quando disso temos necessidade.
manuelmaia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9220: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (3): Mensagens dos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, Sousa de Castro, José M. Matos Dinis e José Martins

Guiné 63/74 - P9233: O meu Natal no mato (37): Canchungo, CAOP1, Natal de 1972, com visita a correr do gen Spínola: “Info Vexa Sexa segue na mexa” (António Graça de Abreu)

1. Caros/as leitores/as do nosso blogue:

Recebemos há dias uma bela prenda de Natal... Ainda dizem que há crise e que este ano vai haver  greve às prendas de Natal!... Pois o nosso António Graça de Abreu (AGA) "ofereceu-nos" o seu Diário da Guiné, em formato word...

Vamos ser parcimoniosos, publicando alguns excertos que tiverem interesse documental, até por que o livro continua à venda nos escaparates, sob o título Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). 

A versão original tem como título: Guiné 1972-1974: A Espuma das Lágrimas. Em formato word, tem 153 pp., numeradas. Sem fotos.

Eis a nossa troca de mails, recente:

12/12/2011:

Mando-vos, completo o meu Diário da Guiné. Em qualquer altura, quando acharem oportuno, é só ir buscar um texto e publicar. Guardem na caixa dos pendentes, a longo prazo.

O meu texto sobre os veteranos italianos é que, pelos vistos, não dá para publicar. Tenho uma certa pena. Com tanta ganga que aparece no blogue... E diz o Luís que eu sou "apaparicado" no blogue... Meu eu sou suspeito a emitir opinião. Julgador em causa própria não dá. Não parece, mas no artigo de Civitavecchia está lá a nossa Guiné. E somos todos europeus, com guerras de permeio.

Abraço,
António Graça de Abreu

13/12/2011

Meu querido amigo e camarada António: Obrigado, antes de mais pela tua generosidade e camaradagem, pondo à nossa disposição um documento, ímpar, como o teu Diário da Guiné, de que eu sou leitor assíduo. Prometo fazer bom uso dele...


Quanto ao teu pedido, não está de modo algum esquecido!... Esse material está para saír, não fiques impaciente. Temos é poucos braços e mãos...

Um abraço afetuoso do Luís


2.  O meu Natal no mato > Canchungo, 26 de dezembro de 2011Canchungo, 26 de Dezembro de 1972

Excerto de Diário da Guiné, 1972/74, de António Graça de Abreu... No livro, editado pela Guerra & Paz, Lisboa, 2007, corresponde à p. 65. AGA chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa. Foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1,  sediado em Canchungo (Teixeira Pinto).  É Alferes Miliciano, com a especialidade de Atirador de Infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal". Chega a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã. Nunca identifica o seu comandante, coronel paraquedista [ Durão]. Tem um diário, onde escreve quase todos os dias (ou em alternativa, cartas e aerogramas que manda à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, 17/4/1974). Teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal"  de 7 de Novembro a 17 de Dezembro de 1972 (, período em que não quaisquer notas no seu Diário).

 Com a devida vénia, reproduzimos hoje o seu apontamento do dia 26/12/1972, relativo ao seu primeiro Natal passado no mato:




 O Natal já lá vai. O jantar de 24 para 25 foi no refeitório dos soldados do Batalhão 3863 [BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73]. Havia bacalhau com batatas, bolos, tortas e pudins. Mas o jantar soou a choco, éramos quase quinhentos homens com as famílias lá longe, perdidas na distância.

No fim do jantar eram visíveis, e audíveis, grandes bebedeiras. Tivemos direito a um espectáculo de variedades improvisado pelos furriéis e soldados do Batalhão. Cantaram-se umas espanholadas e contaram-se anedotas porcas, não muito condizentes com a noite em que o Menino nasceu na gruta de Belém.



Na manhã de 25, veio cá o Spínola. Ele voa de helicóptero para todos os aquartelamentos e quartéis da Guiné, no dia de Natal deve ter visitado uns quinze ou vinte. Reconheço-lhe uma enorme coragem. Aparece de surpresa em todo o lado. A presença do general é sempre anunciada uns minutos antes numa comunicação secreta de precedência “relâmpago” destinada ao comandante do aquartelamento a visitar. Por brincadeira diz-se que o teor da mensagem costuma ser “Info V.Exa S.Exa segue na mexa.”


O general disse umas palavras simpáticas, desejou Bom Ano, falou na Pátria. No fim, com todos os oficiais perfilados, fiz-lhe continência e apertei-lhe a mão. Que honra!
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9232: O meu Natal no mato (36): Conversas com um homem de Deus (Artur Augusto Silva, Quebo, 1962)

Guiné 63/74 - P9232: O meu Natal no mato (36): Conversas com um homem de Deus (Artur Augusto Silva, Quebo, 1962)


Guiné-Bissau > Bissau > Capa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, O Cativeiro dos Bichos. (Bissau, 2006; edição de autor).



1. Há seis anos atrás, em finais de 2005, o Pepito (nickname do Eng Agr Carlos Schwarz da Silva, que vive e trabalha em Bissau desde 1975, sendo um dos fundadores da AD - Acção para o Desenvolvimento, hoje com 20 anos de existência) entrou  para a nossa "tertúlia" (agora conhecida como "Tabanca Grande", a comunidade virtual dos "camaradas e amigos da Guiné"). Vim a conhecê-lo pessoalmente em Lisboa,  em fevereiro de 2006. Mas antes disso, em meados de dezembro de 2005, ele tivera a gentileza de me enviar um conto, inédito, da autoria do seu pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), a que chamou "um conto de Natal", acompanhado da seguinte mensagem:


Caro Luís,

Envio-te um conto de Natal, escrito por meu pai, Artur Augusto Silva que nasceu na Ilha da Brava, em Cabo Verde, e que foi advogado na Guiné-Bissau desde 1948, tendo defendido os presos políticos do PAIGC, em 61 julgamentos, um dos quais com 23 réus tendo tido apenas duas condenações.



Em 1966, a mando do governador Arnaldo Schulz, foi preso pela Pide, no aeroporto de Lisboa, quando vinha de férias tendo ficado cinco meses na prisão de Caxias. Quando foi libertado, proibiram-no de regressar à Guiné e fixaram-lhe residência em Lisboa.

Em 1976, quando me veio visitar a Bissau, o então Presidente Luís Cabral convidou-o a trabalhar como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, tendo também leccionado Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau desde que ela foi criada e até a 1983, quando faleceu.

Trata-se de um conto de que gosto muito (nós, os 3 filhos, pensamos editar em Fevereiro de 2006 um livro com os contos dele) e por isso te envio como postal de Feliz Natal.

abraços

pepito



2.  Publicámos este conto, escrito em 1962, na I Série do nosso blogue, em poste de 16 de Dezembro de 2005 (*), ainda antes portanto de sair, em fevereiro de 2006, o livro O Cativeiro dos Bichos (onde vem inserido o conto de Natal), em edição dos três filhos do autor (Henrique, João e Carlos Schwarz). Porque grande parte dos atuais leitores do nosso blogue não o conhece, voltamos a publicá-lo, agora na II Série, e com pequenas revisões.  Na antologia de contos de Artur Augusto Silva (ao todo, 25), este ficou com o título, possivelmente original, "Noite luarenta de Dezembro"...


Recorde-se, por outro lado, que o autor, jurista de formação, era também especialista em direito consuetudinário, tendo publicado vários livros sobre os "costumes e usos jurídicos" dos fulas (1958), dos felupes (1960) e dos mandingas (1969).  A amizade com o Cherno Rachide e a sua família já vi vinha de muito longe, e tem sido mantida e cultivada pelo Pepito (que é amigo do actual Califa de Quebo-Forreá, o Cherno Aliu Djaló).


3. Noite luarenta de Dezembro (**)
por Artur Augusto Silva [, foto à direita]


Na povoação de Quebo, perdida no sertão da terra dos Fulas, o tubabo conversa com seu velho amigo, Tcherno Rachid, enquanto as pessoas graves da morança, sentadas em volta, ouvem as sábias palavras do Homem de Deus.

Esse Homem de Deus é um Fula, nascido na região, mas cujos antepassados remotos vieram, há talvez três mil anos, das margens do Nilo.


Mestre da Lei Corânica e filósofo, Tcherno Rachid ligou-se de amizade profunda com o tubabo - o branco - vai para quinze anos, quando este chegou à sua povoação e se lhe dirigiu em fula.


O tubabo é também um filósofo que veio procurar em África aquela paz de consciência que o mundo europeu lhe não podia dar. Fora, noutros tempos, um crítico de Arte e um poeta, um paladino das ideias novas, e porque proclamara em concorrida assembleia de jovens que um automóvel lançado a cem quilómetros à hora era mais belo do que a Victória de Samotrácia, firmara seus créditos de «pensador profundo».


Se alguém perguntasse ao branco porque razão se encontrava ali, no coração de África, naquela noite de Natal, talvez obtivesse como resposta um simples encolher de ombros ou, talvez, ouvisse que o seu espírito necessitava daquelas palavras simples que consolam a alma dos justos e acendem uma luz no peito dos homens.

Tcherno Rachid acabara, nesse momento, de repetir as palavras do Profeta: «Nenhum homem é superior a outro senão pela sua piedade».
- Irmão - retorquiu o tubabo - então o crente não é superior ao infiel?
- São ambos filhos de Deus - respondeu o Tcherno - e aos homens não compete julgar a obra do seu Criador.
Aquele que só ama os que pensam como ele, não ama os outros, antes se ama a si próprio. Só quem ama os que pensam diversamente, venera Deus, que é pai comum de todos. Assim como tu podes adorar Deus em diversas línguas, assim podes entrar numa igreja, numa mesquita, ou numa sinagoga. Quando vais pelo mato e admiras o grande porte de uma árvore, as penas vistosas de um pássaro, a força do elefante ou a destreza da gazela, tu murmuras uma oração que agrada a Deus, Criador de tudo o que existe, mais do que agradam as orações que só os lábios pronunciam e o coração não sente.
- Irmão Tcherno, e aquele que não acredita em Deus, esse merece a tua estima ?


Rachid semi-cerrou os olhos, alongou a mão descarnada para a lua cheia, então nascente, e disse:
- Ouvirás a muitos que esse não merece o olhar dos homens. Mas eu penso que o descrente merece mais o nosso amor do que o crente. É um companheiro de caminho que se perdeu. Devemos procurá-lo, ajudá-lo, e até levá-lo para nossa casa, a fim de repousar. É um filho de Deus como tu, como eu … como todos nós.
A lua, antes de ter em si tanta luz como a que tem hoje, esteve sete dias obscura, sem ser vista de ninguém, se não de Deus. Ouve, irmão: quem julga que não crê em Deus, é porque acredita em si próprio e, crendo em si, já crê em Deus, porque o homem foi iluminado com o sopro Divino e é, assim, uma sua imagem.

A lua ia subindo nos céus, lenta, majestosa, iluminando a povoação e a floresta, os rios e os mares… Os homens graves, de autoridade e conselho, aprovavam as palavras do Tcherno, e o branco, oprimido pela ideia de que lá longe, a muitos milhares de quilómetros, reunidos em volta de uma mesa de consoada, seus avós, pais e irmãos, celebravam uma festa antiquíssima e lembravam, por certo, o «filho pródigo», deixou nascer uma lágrima que se avolumou e correu pela face tisnada pelo ardente sol dos trópicos.

[Artur Augusto Silva, 1962]


In: SILVA, Artur Augusto - O cativeiro dos bichos. Bissau: 2006. pp. 187-189. [
Ed. lit Henrique Schwarz, João Schwarz e Carlos Schwarz; prefácio de Henrique Schwarz; impressão e acabamento, Novagráfica, Bissau, Fevereiro de 2006]
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Notas do editor:


(*) Vd. I Série > 16 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

(**) Ultimo poste da série > 16 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P9231: Notas de leitura (313): Três Tiros da Pide, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,

Dei-me ao trabalho de reler os diferentes livros do jornalista soviético Oleg Ygnatiev em que ele especula sobre o assassinato de Cabral, numa tentativa de procurar responder às dúvidas do nosso camarada Mário Serra de Oliveira com quem o Momo Turé trabalhou no restaurante O Pelicano, mesmo à beira do Pidjiguiti.

Estou cada vez mais convencido que o Momo deu muito jeito à tese do braço longo da PIDE que ninguém até hoje apresentou provas, continua a conspiração de silêncio sobre a documentação do julgamento, não há uma só prova sobre os autores morais, como ainda recentemente recordou José Pedro Castanheira, autor de uma investigação de referência sobre o assassinato.

O Mário Serra de Oliveira e todos nós vamos esperar não sei quanto tempo até se saber a verdade sobre o assassinato de Cabral.

Um abraço do
Mário


Momo Turé nos livros de Oleg Ygnatiev

Beja Santos

O nosso confrade Mário Serra de Oliveira deu importantes esclarecimentos quanto à presença de Momo Turé em Bissau e a trabalhar no restaurante O Pelicano. Momo Turé, tal como Aristides Barbosa, são nomes recorrentes em toda a obra de Oleg Ygnatiev seja na biografia de Amílcar Cabral ou nos trabalhos que dedicou ao assassinato do líder carismático do PAIGC.

"Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral", por Oleg Ygnatiev (Prelo Editora, 1975) foi um livro que teve algum sucesso na época, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau. Numa concepção de Guerra Fria tinha todo o sentido incriminar a PIDE/DGS e forjar uma tese sem nenhum suporte documental. Um assassinato concebido por uma repressiva polícia política fazia esquecer o conjunto de executores, deixava no olvido as provas factuais do chamado julgamento de Conacri, decidido por Sekou Touré, sob a forma de amplo jurado internacional e, como é de todos sabido, não existe hoje um só depoimento ou registo das actas desse julgamento.

Como arquitectou o jornalista Oleg Ygnatiev os planos da conspiração? Deu-lhe um nome: operação “Rafael Barbosa”, pareceu-lhe bastante emblemático incriminar o antigo presidente do PAIGC liberto por Spínola em 1969, além de que Barbosa comprovadamente relacionou-se com Momo Turé e Aristides Barbosa, numa entrevista concedida a Leopoldo Amado, no âmbito da investigação que este historiador procedeu à volta da biografia de Aristides Pereira, Rafael Barbosa diz claramente que preparou a fuga destes antigos prisioneiros do Tarrafal conjuntamente com outros elementos.

Ygnatiev congeminou um diário de viagem em que vai atravessando as chamadas zonas libertadas e onde vão sendo referidos os nomes dos incriminados como Momo, Aristides Barbosa, Bacir Turé e Malã Nanko. Momo teria sido referenciado no final do ano de 1961 por um agente da PIDE/DGS em Bissau, mais concretamente no “Grande Hotel”, onde trabalhava como criado de mesa. Teria começado aí o seu recrutamento. Sem nenhum pejo, Ygnatiev fala no diz-se e no consta, logo a seguir a Momo ter sido colocado no Tarrafal: “A certa altura parece que alguém entregou à mulher de Momo um bilhetinho, que conseguiu por caminhos desconhecidos chegar às suas mãos. Várias pessoas se interessaram pela situação da família e mais uma vez ofereceram a sua ajuda à mulher de Momo, mas ela sempre respondia que ele lhe tinha deixado umas economias e que por enquanto tinham o indispensável para viver”.

Dentro deste relato inequivocamente romanceado, em 1969, o então director da PIDE em Bissau, numa reunião, refere que Momo deverá receber 200 contos para a reconstrução da sua casa, tal como lhe fora prometido. Logo após a sua libertação, em 3 de Agosto de 1969, Momo Turé aparece como chefe da sala do restaurante O Pelicano.

O relato de Ygnatiev mistura abusivamente diferentes situações, tece uma descrição mirabolante sobre o massacre de Jolmete, de 20 de Abril de 1970, diz que os oficiais foram baleados por terem oferecido resistência às forças de André Gomes, o que é uma rotunda mentira. O texto é de novo reconduzido para O Pelicano, alguém dá instruções a Momo, são indicados os nomes dos contactos, competirá a Momo e a Aristides Barbosa transcreverem as reuniões de direcção do PAIGC. Dentro deste plano, a PIDE comprometia-se a entregar dinheiro todos os meses à mulher de Momo, enquanto ele partia para Conacri, disfarçado de patriota. Vão adiante surgindo outros nomes como os de Inocêncio Cani e João Tomás, dirigentes punidos e afastados por graves irregularidades. Sem apresentar provas, como sempre, temos João Tomás nomeado como informador da PIDE através de contactos com comerciantes.

E para dar mais sabor ao relato, sem igualmente nunca ilustrar os nomes dos conspiradores atrás referidos, eles são insinuados como os executores da instrução nº 42/71, da Direcção-Geral de Segurança. Numa reunião partidária, Amílcar Cabral tirou de uma pasta 5 folhas de papel, dizendo tratar-se de um programa detalhado de acções subversivas contra o PAIGC, dizendo inequivocamente que dentro desse plano constava a liquidação do secretário-geral Amílcar Cabral e de todos aqueles que não aceitassem uma direcção política genuína de guineenses, referindo-se o nome de Rafael Barbosa como um dos mais influentes para a futura direcção. No final da reunião, os camaradas M e N ter-se-ão aproximado de Amílcar Cabral dizendo que tinham vistoriado os pertences pessoais de Momo, encontraram notas idênticas à da instrução da DGS. Em Bissau, António Fragoso Allas, o director da PIDE, teria ficado furioso com esta troca de informações.

Oleg Ygnatiev vai fazendo surgir outros nomes como os de Saidu Baldé e Mamadu Indjai que em 20 de Abril de 1973 é o responsável pela segurança de Amílcar Cabral. Em Conacri, ao longo de 1972, colaboradores de Cabral continua a insistir na destituição e ou prisão de pessoas como Momo e Aristides Barbosa, mas Amílcar Cabral ia sempre adiando essa decisão à espera de uma regeneração destes dirigentes subversivos e o livro termina com um conjunto de depoimentos sobre o assassinato de Amílcar Cabral e depois a menção à execução dos chefes do complô. Como é evidente, o autor não explica quem chefiava o complô, limita-se a referir nomes de acordo com a tese de que a PIDE preparara um plano para instalar quadros ressabiados junto de Cabral, a missão seria trazê-lo vivo para Bissau e eleger uma direcção fantoche pronta a executar os planos neocolonialistas de Spínola. Não vale a pena insistir que tudo isto é fantasioso, não há um só documento que abone o relato de Ygnatiev. Rafael Barbosa sempre considerou este plano sugerido tanto pela direcção do PAIGC, a partir do assassinato de Cabral, como pelas conjecturas de Ygnatiev como um puro delírio, disse sempre que Momo era um militante dedicado mas que não escondia a sua discordância com as teses da unidade Guiné/Cabo Verde.

Com esta releitura do livro de Ygnatiev penso ter respondido em voz alta a algumas da dúvidas do camarada Mário Serra de Oliveira que nunca esclareceu o Momo Turé em O Pelicano, ali estiveram juntos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9207: Notas de leitura (312): Arquitectura Sustentável na Guiné-Bissau (Manual de boas práticas) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9230: Parabéns a você (355): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Guiné 1969/71 e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72, Guiné, 1972/74

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9211: Parabéns a você (354): Francisco Santos, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557 (1968/70) - Agradecimento

domingo, 18 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9229: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (41): Comprei um computador pequeno e lentamente fui aprendendo a navegar na Net (Fernandino Vigário)

1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário* (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), dirigida ao nosso Blogue:

Caro amigo Carlos Vinhal, um abraço.
Amigo Carlos, a minha apresentação à Tabanca grande já foi feita com a ajuda do camarada Albino Silva, onde foi publicado um resumo da minha passagem pelo chão Manjaco de Teixeira Pinto: agora vou fazê-lo eu próprio como me pedes, e também tirar possíveis dúvidas sobre o meu nome.

Sou FERNANDINO VIGÁRIO “não confundir com Fernando” sou, e sempre fui conhecido por Vigário, desde os tempos da escola, trabalho, vida militar, e amigos, portanto não há qualquer problema em ser tratado por Vigário, este é o meu nome da guerra.

Como já sabem, fui Soldado Condutor, tenho a quarta classe do ensino primário. Há cerca de nove meses tive oportunidade de começar aprender informática na Junta de Freguesia, vai daí comprei um computador pequeno “tipo Magalhães” e lentamente fui aprendendo umas coisas, entre elas navegar na Net. Há quatro ou cinco meses para espanto meu deparo com o SITE da Tabanca Grande e fiquei contente por tal ter acontecido, e sempre que posso dou lá uma vista de olhos. Fiquei a saber algo que não imaginava que tivesse acontecido, como o caso dos três Majores, e outros mais…

Nos quase vinte e cinco meses de Guiné nunca escrevi nada do dia-a-dia, portanto não tenho registos de nada, do que quer que seja, por tal motivo tenho dificuldade em me lembrar de certas passagens. A memória já está cansada no entanto vou tentar recapitular algumas histórias e depois enviarei.

Estou a escrever no Word, como deves calcular, sou maçarico na informática, demoro algum tempo a escrever, também faz parte da minha aprendizagem, e é natural que eu cometa algum erro. No E-mail vou escrever o mínimo, este texto vai no anexo.

Amigo Carlos, fiquei deveras satisfeito por publicarem com a ajuda do Albino Silva as minhas simples palavras, os camaradas também foram simpáticos nos seus comentários, eu achei por bem responder a um, englobando os outros, tudo isto foi novo para mim e uma surpresa ver o meu comentário em poucos segundos estar no blogue.

Um forte abraço deste novo camarada
Fernandino Vigário


2. Comentário de CV:

Esperamos que esta mensagem do nosso camarada Vigário sirva de incentivo a outros camaradas que julgam que ter a Quarta Classe do antigo Ensino Primário é pouco para comunicar com a Tabanca Grande. Aqui, mais de 500 ex-combatentes da Guiné têm a mesma oportunidade para depositarem as suas memórias de guerra, sem precisarem de qualquer grau de doutoramento e sem disporem de equipamento informático sofisticado. Como diz o Fernandino, um PC tipo "Magalhães" é mais que suficiente.

Caros camaradas, por favor percam a timidez e "apresentem-se" na Tabanca porque todos somos poucos para deixarmos a nossa verdade, o nosso testemunho, antes que outros que nunca por lá passaram se ponham a contar aquilo que não viram, mas ouviram.

Aqui fica o desafio e um abraço para todos os camaradas que ainda não tiveram a "coragem" de se juntar a nós.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9186: Tabanca Grande (309): Fernandino Vigário, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69)

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9209: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (40): Em Civitavecchia, Itália, com veteranos de guerra (António Graça de Abreu)