quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 – P9487: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (17): O Regresso (muita sorte!)

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 9 de Dezembro de 2011:

Caros super amigos Luís e Vinhal:
Aqui vai mais uma folha arrancada das minhas memórias.

Recebam um grande abraço extensivo ao meu querido amigo Magalhães Ribeiro.
Passem bem, mesmo muito bem.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Das minhas memórias: “PÁGINAS NEGRAS COM SALPICOS COR-DE-ROSA”

O REGRESSO (muita sorte!)

Quando, e precisamente aos 5 de Janeiro de 1967, logo de manhã cedo, sinto, sob os meus pés, as rodas do trem de aterragem de um DC6, agora na frota militar, a deslizarem na pista do aeroporto de Bissalanca deixando a Guiné, disse para comigo: “Estou safo!!”
Registei esse momento. Ele dizia muito. Rara sensação.

Deixei a Guiné mais cedo um mês do que a minha Companhia. Vim evacuado para ser operado no Hospital da Estrela, a um joelho. Acidente no aquartelamento do Olossato a… jogar futebol.

A minha Companhia esteve sempre em campanha, sempre no mato, durante 21 meses, e eu, portanto, 20.
Viemos para Mansoa para descontrair um pouco. Era normal e acontecia, se não com todas, com a maioria das Companhias que tivessem estado em zonas de intervenção complicada e difícil. Os últimos 4-5 meses eram passados em zonas mais soft. Assim era para acontecer; só que, a guerra estala aí também. Começam as emboscadas na estrada Mansoa-Bissau (cheguei a fazer esse trajecto num Volkswagen (vulgo carocha) alugado em Bissau, com mais dois Furrieis da 816), e a guerrilha assenta arraiais em Jugudul, Quibir, Date, Bindoro e até Porto Gole.

A guerra na altura chegava às portas de Bissau.

DC 6 estacionado em Bissalanca
Foto retirada, com a devida vénia, do Site Especialistas da BA12

Os DC 6 vinham para a frota militar depois da TAP os considerar obsoletos ou desactualizados, dizia-se.
Era um avião, agora militar, destinado a carga. Não sei se na TAP era esse o serviço ou se foi adaptado.
O espaço interior (excepto, claro, o cockpit) era todo aberto com dois rudimentares bancos corridos e com assento de lona, quase em todo o comprimento e um de cada lado encostados à fuselagem, o que permitia-nos viajar sentados virados uns para os outros. Vínhamos poucos no entanto.

Antes de subir reparei no avião e fiquei com a impressão de um avião já velho com a tinta comida ali e acolá e algumas amassadelas. Mas as hélices rodavam.

Mais impressionado fiquei quando entrei e vi o estado da aeronave. Mais arrepiado fiquei quando a larga porta que servia, decerto, à passagem de grandes volumes, foi finalmente fechada… à marreta. E eu que fiquei mesmo à beira dela. Grande frincha na porta. Será que…

Um arrepio e logo um pensamento: Queres ver que me safei do mato e vou cair nesta geringonça.
Já estava a ver nos jornais a história do desastre.

Fizemos escala em Las Palmas. Estivemos ali cerca de 45 minutos num café-cantina também de militares, provavelmente de tropa espanhola. Fez-me raiva ver aquela malta fora de qualquer guerra, ali descontraída e alegre a beber o seu copo.

Quando pousei um pé, julgo que em Figo Maduro e depois de cerca de 16 horas de voo num avião pouco menos que assucatado, já alta madrugada, suspirei de alívio.
Agora sim, já não morro mais!

Depois de uma breve passagem pelo Hospital da Estrela - entrega, suponho, de papelada - fui de imediato para o “Texas” (Anexo do Hospital Militar da Estrela que ficava ali perto do Hotel Ritz, e na rua Artilharia 1). A noite já ia bem avançada e fui instalado numa camarata. Mas, que bom, estava safo e até parecia mentira.

Voltando ao princípio e à viagem propriamente dita do regresso:

Inserido num grupo de meia dúzia de evacuados, parto para Lisboa deixando a Guiné e os meus grandes amigos da 816. Ainda me recordo que fiz questão de gravar na minha mente a imagem que me era dado ver através de uma pequena janela do avião, pois seria essa a última visão da Guiné. Sem pestanejar, olhava para aquela terra a que eu jamais provavelmente voltaria. Olhava um ponto indefinido lá longe na mata e meditava, meditava… que sentido fazia a vida ali a ser vivida desta maneira? Perguntava-me a mim próprio.

Sim, tinha sido ali que eu tinha vivido quiçá o episódio mais cruciante e mais temeroso da minha vida, pelo menos até então. Foi ali que integrado na Companhia de Caçadores n.º 816, defendi, embora modestamente, a minha pátria. O avião começou então a ganhar velocidade e então via que me afastava daquela pequena parcela de território português, palco de uma guerra terrível, uma guerra de nervos - o inimigo está em todo lado, já ali do outro lado do arame farpado, e acoitado na mata -, de acção constante, (ali a guerra tem 24 horas por dia), uma guerra fria e traiçoeira – as minas, os fornilhos, as emboscadas aparecem onde menos se espera. Uma guerra em que os valorosos soldados portugueses eram a força, a coragem e a determinação personificadas. Valente o soldado português, pensei para cá comigo. Senti então o meu coração bater forte e instintivamente desejei, mentalmente, a maior sorte aos meus amigos que ali ficavam e ali continuariam a lutar e a sofrer, embora que, no caso dos da 816, só por algumas semanas mais.

O avião deixou então de pisar a pista e voou até se perder na penumbra da atmosfera. O meu olhar não despegou daquela mancha esverdeada raiada de traços de água um pouco por todo o lado, mancha que era a densa, diversa e sinuosa vegetação que caracterizava aquela terra e os traços largos de água que a inundam vastamente formando autênticos pântanos nas suas margens aquando das marés baixas (os tarrafos).

Deu para ver a silhueta da Guiné na sua parte ocidental. A imagem real que eu só conhecia no mapa e há pouco tempo, pois nos bancos da escola falava-se mais da Índia, de Angola, de Moçambique. Eu a ver do alto aquele palco. Um palco de horrores. O rio Mansoa, mais adiante o Cacheu, A verde vegetação que em tantos pontos nos obrigava a gatinhar ou andar deitados para a podermos contornar para progredir e pântanos que tantas vezes quase nos cobria de água e lodo ao os atravessarmos, sempre no encalço do inimigo. A lama dos pântanos e a água das bolanhas que nos encharcava o corpo de alto abaixo, a água que logo secava quando dela saíamos, a água que volta a envolver-nos e a encharcarmo-nos logo mais adiante. O camuflado de tanto molhar, secar e molhar ficava como um grosso papelão com uma capa de lama ressequida - quantos quilos de lama seca se transportava no corpo?!

O barulho de um crocodilo (segundo um nativo) algures quando metidos em água. E outras coisas…outras coisas. Tal como quando cheguei no Niassa, embora neste caso ao nível terrestre praticamente, viam-se ali e acolá colunas de fumo.
Agora estava certo que reportavam a acções de guerra e, aquela hora, princípio da manhã, eu agora sabia-o que os refúgios inimigos eram incendiados após o ataque.

Imaginei os meus camaradas naquela emaranhada floresta aos tiros, o frenesim dos radiotelegrafistas, os gritos dos comandantes, os feridos, os Alouettes (no meu tempo estes eram do modelo que transportava os feridos em macas no exterior, uma de cada lado do aparelho) ao encontro daqueles, e os T6 e já também os Fiat naquela altura, a descolarem para entrarem em acção e apoiarem a tropa em luta no terreno.
E eu já ali bem encima a deixar o Inferno e a afastar-me deste em boa velocidade.

Afinal estive ali perto de 2 anos. Despertei então daquele estado de absorção que me fazia alhear completamente da vida naquela altura, e recompus-me no assento do avião e, pronto, pensei, tinha acabado ali aquilo que mais parecia um sonho. Sim tudo pareceu um longo sonho,… ou pesadelo?

Um sonho que afinal até teve episódios agradáveis. A nossa juventude rebelde e irreverente procurava sempre criar momentos agradáveis nem que com isso custasse a este e aquele servirem de chacota ou de bode expiatório. Hoje uns, amanhã outros. Alguns murros por o meio também. Um sonho singular, e por isso mais aliciante? Contudo um “sonho” de grande importância na minha vida de homem na circunstância um cidadão português na condição de militar combatente. Sei lá o que dizer ou o que pensar? Talvez um pouco de tudo! A vida ali tocava as pontas.

Formatura em Brá aquando da despedida da Guiné. Destaco o nosso Primeiro Rodrigues, já falecido, segurando com firmeza o nosso Guião. Paz à sua alma. Em primeiro plano o nosso jovem nativo fardado à maneira, que veio com a 816 para a metrópole, quando tinha 8 anos. O nome de Mamadú ou Morés, este de alcunha, deu lugar a Jorge, hoje senhor Jorge e com 53 anos a viver em Riomeão

No mês seguinte, Fevereiro de 1967, foi com a maior alegria e com uma persistente lágrima no olho a querer deslizar, que abracei os meus colegas no cais da Rocha do Conde de Óbidos em Lisboa mal atracou o “Uíge”. O barco que os trouxe da Guiné.

O navio Uíge trouxe a Companhia 816 de volta à Metrópole em Fevereiro de 1967

No Uíge, à mesa, na Sala de Jantar dos Oficiais. Do lado esquerdo, o segundo contando de cá para lá e olhando para a câmara, é o Capitão (Grande Capitão como ainda hoje lhe chamamos) Luís Riquito que comandou a CCaç 816.

Ainda no Uíge, uma mesa dos Furriéis da 816

Depois ao desfilarem e eu cá de cima do terraço do edifício do cais, senti um calafrio percorrer-me o corpo todo, imbuído numa rara emoção. Disse instintivamente: ”Ali vai um grande grupo de militares”. Para toda esta gente (referia-me aquela grande multidão que invadia o terraço e zonas limítrofes) não passa de um grupo anónimo de militares qualquer, mas tinha sido efectivamente um grupo de homens que, chamado a intervir, fê-lo desde a primeira hora sem nunca virar a cara à luta ou a recear qualquer que fosse a missão ou o objectivo. Nunca em caso algum temeram o inimigo em qualquer que fosse a circunstância e nunca também regatearam qualquer esforço ou trabalho por muito árduo ou temeroso que ele fosse.

A emoção daquela gente que também chorava como à partida, mas agora com contornos diametralmente diferentes.

Aqueles homens podiam orgulhar-se de grandes cometimentos, mas eu sabia bem que aqueles soldados eram demasiado simples e humildes para deixarem-se mover por veleidades, quer de vaidades, quer de preconceitos.

Várias Companhias desfilavam na altura e entre elas a minha 816 e o meu olhar era um olhar de admiração e consideração. Porque a Companhia de Caçadores n.º 816 tinha feito um grande trabalho, de grande qualidade e importância na defesa do território português a que se dava o nome de Guiné.

O desfile acabou e o pessoal começou a acomodar-se nas viaturas.

Despedi-me dos soldados, dos meus colegas Furriéis e dos Oficiais.

Uma enorme sensação, um grande estado emocional tinha então se apoderado de mim, pois para além do mais, eu sabia que, concerteza, jamais voltaria a ver muitos daqueles camaradas, com quem compartilhei o bom e o mau, os momentos felizes e menos felizes, as lágrimas pela morte dos nossos camaradas mortos em combate, e os feridos, sim e os feridos, alguns mesmo muito, naquela odisseia que se prolongou por perto de 2 longos e inolvidáveis anos da minha vida e que me fizeram registar com muito empenho, entusiasmo e realismo em Páginas negras com salpicos cor-de-rosa.

Texto e fotos
Rui Silva
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 – P9192: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (16): Partida e viagem para a Guiné

Guiné 63/74 - P9486: Documentos (19): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte VIII): pp. 37/46



p. 37

p. 38



p. 39

p.40


p.41
p.42


p.43
p.44

p.45

p.46

Reprodução das páginas 37 a 46 do relatório da 2ª rep/CC/FAG, publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto".

Digitalização do documento: Luís Gonçalves Vaz (2012) / Edição das imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)




1. Continuação da publicação do relatório da 2ª Rep/CTIG, sobre a situação político-militar em 1974, documento esse que foi digitalizado pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande [, foto à direita], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74).

O relatório, datado de 28 de Fevereiro de 1975, é assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.

Publica-se hoje o ponto c (Situação interna) da segunda parte do relatório (B. Período de 25Abr74 a 15Out74), pp. 37 a 46 (Aspetos gerais).

Reforçamos, mais uma vez, a a posição dos editores face a documentos político-militares como este, que é a da recusa terminante de tomar partido, a favor de (ou contra)  a tese A, B ou C. A análise crítica desta documentação compete apenas aos nossos leitores, e muito em particular aos nossos camaradas que conheceram,  de perto (,porque estavam lá), o período terminal da guerra.

Índice do relatório [que tem 74 páginas]

A. Período até 25Abr74
1. Situação em 25Abr74
a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
(1) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
(2) Países limítrofes (pp. 5/8)
(3) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).
c. Situação interna:
1. Situação militar.
(a) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
(b) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
(c) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
(d) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
(e) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
(f) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)
2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).


B. Período de 25Abr74 a 15Out74
2. Evolução da situação após 25Abr74
a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)
(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)
c. Situação interna
(1) Situação militar
(a) Aspetos gerais (pp.37/46)

[Continua]
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Nota do editor:


11 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9473: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte VII): pp. 25/36







Guiné 63/74 – P9485: Louvores e condecorações (9): Sousa de Castro recebe Medalha Comemorativa da Campanhas de África (Luís Gonçalves Vaz)


1.   O nosso Camarigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), enviou-nos em 13 de Fevereiro a seguinte mensagem, dando-nos conta da medalha atribuída ao nosso Camarada Sousa de Castro, ex-1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74. 

Camarigo Sousa de Castro recebe Condecoração
Caro Luís Graça:

Descobri num Site (de Veteranos da Guerra), que o Major General Diretor da Justiça e Disciplina, fez finalmente "Justiça" ao camarigo Sousa de Castro! Deferiu o seu pedido de uma condecoração a que o mesmo SEMPRE TEVE DIREITO, a Medalha Comemorativa das CAMPANHAS da GUINÉ, 1971/74

A ele os meus parabéns e um Forte ABRAÇO.


Adeus e até o meu regresso
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Nota de MR:

Vd. último poste desta série em: 

22 DE AGOSTO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8695: Louvores e condecorações (8): José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, condecorado com a Cruz de Guerra no dia 10 de Junho de 1968 na, então, Praça do Município, Porto


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9484: Parabéns a você (381): 97° Aniversário de Clara Schwarz da Silva, mãe do nosso amigo Pepito, a nossa matriarca, a decana da nossa Tabanca Grande, a anfitriã da Tabanca de São Martinho do Porto



1. Não podia escolher melhor dia, o Dia dos Namorados, para fazer anos... E nada mais nada menos do que 97 !!! Que fantástica idade!!!

Acabámos, eu, a Alice e a Joana, de lhe cantar os parabéns pelo telefone (e o João, que estava de serviço no hospital, acaba de chegar, e manda-lhe também uma saudação especial).

Por outro lado,  com imensa alegria que também sabemos que a nossa amiga Dona Clara Scwarz da Silva está acompanhada, no seu dia de festa, na sua casa de Paço de Arcos, pelos seus 3 filhos,  Henrique, João e Carlos (Pepito)...

O Pepito veio, como todos os anos,  expressamente de Bissau para estar com a sua querida mãe. E nós, os editores, os membros da Tabanca Grande, os amigos e camaradas da Guiné, queremos também associar-nos à festa da família, testemunhando publicamente à Dona Clara a nossa amizade, estima e reconhecimento. Muitos parabéns por mais este ano de vida - e que vida, com qualidade de vida, com uma espantosa memória, com imensa sabedoria, com muito amor!... É um privilégio enorme ter uma amiga como ela na Tabanca Grande, além de ser também anifitriã da Tabanca de São Martinho do Porto. Esperamos cá estar para, todos juntos, no dia 14 de fevereiro de 2015,  celebrarmos os seus gloriosos cem anos!... 

Um xicoração do tamanho dos rios todos da Guiné e de Portugal! (*)

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Nota do editor:

(*) Vd. poste do ano passado > 14 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7780: Parabéns a você (216): 96° Aniversário de Clara Schwarz da Silva, nascida a 14/2/1915, uma cidadã do mundo, co-fundadora e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau, cuja presença na Tabanca Grande muito nos honra... (Luís Graça, co-editores, amigos e antigos alunos)

Guiné 63/74 - P9483: As Nossas Tropas - Quem foi quem (8): António Sousa Teles (1922-2006), ten cor art, comandante do BCAÇ 4514/72 (Cadique, 1973/74)

Poste resultante de vários comentários e trocas de mensages entre o Luís Gonçalves Vaz e o Paulo Santiago:

1. Luís Gonçalves Vaz [, foto à esquerda]:

Acabei de ler a confirmação de quem era o comandante de Cadique, pelo Paulo Santiago, como tal peço aos editores para colocar no poste da "estória do meu mano Pedro" a foto deste oficial [, à direita]... Em sua homenagem, pode ser?


Este distinto oficial, pelos vistos, era admirado e muito respeitado pelos seus soldados. Era um oficial "para toda a obra", tanto quanto sei, muito dinâmico e competente. Pelos vistos não era "fora do comum" um BCaç ser comandado por um ten cor de artilharia, segundo o camarigo Paulo Santiago.

Eu já recortei uma fotografia, que identifica o sr. tenente-coronel Sousa Teles, o de Artilharia.  isso não há duvidas, pois está bem nítido nas costas da fotografia, e pelo punho do meu falecido pai.   Pelo Eduardo Campos já tinmha sabido que "com a chegada em 20/06/73 da CSS/BCAÇ 4514, comandada pelo Ten Cor Sousa Teles, ficou o mesmo a partir dessa data, como comandante em Cadique". Tinha dúvidas era sobre a sua arma...

O Batalhão de Caçadores n.º 4514/72 foi obilizado no Regimento de Infantaria n.º 15, de Tomar, embarcou em Lisboa a 3 de Abril de 1973, chegando a Bissau a 9 do mesmo mês. Teve como Comandante o tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles e Segundo Comandante o major Eduardo César Franco Bélico Velasco, que viria a ser substituído no cargo pelo capitão de infantaria Jorge Xavier de Vasconcelos Mendes Belo, que era o Oficial de Informações e Operações/Adjunto da unidade.

Infelizmente, também acabei de saber que o tenente-coronel António Manuel Dias Falagueiro de Sousa Teles, que foi comandante de Cadique, já faleceu, em Lisboa, em 14/9/2006. Nascera, também em Lisboa,  em 4/10/1922, era pois do mesmo ano do meu falecido pai, Henrique Gonçalves Vaz. Tem dois filhos, o João, que é da minha idade e uma filha, Maria da Graça, que é professora. Dados da GENEALL.


2. Paulo Santiago [, foto à esquerda]

 Conheci os dois, ambos  ainda majores, e irmãos, um de Infantaria, 2º comandante do BCAÇ de Galomaro,o outro,de Artilharia, 2º comandante do BART de Bambadinca (batalhão a que pertencia o Mexia)[ BART 3873, Bambadinca, 1971/74].


Privei mais com o Sousa Teles,  infante. Com o artilheiro, pouco tempo, mas deu para perceber que eram duas personalidades muito diferentes, acho que já o escrevi tempos atrás. Verifiquei,através de um link do Luís Vaz,que o comandante de Cadique era o artilheiro, e pelo pouco que conheci,deveria ser um bom comandante.
Hoje tive a certeza que o ten-cor Sousa Teles, comandante do batalhão de Cadique,era de facto o artilheiro, António Sousa Teles, sendo que o irmão, de Infantaria, tinha como primeiro nome Arnaldo. 

Pela   foto publicada,tinha quase a certeza, que se tratava do Artilheiro. Os rostos são parecidos, mas o porte militar não engana,o Infante Sousa Teles era um civil mal fardado,se é que me entendes.

Quanto ao facto de um BCaç er comandado por um ten cor de Artilharia, nada de estranho, estive num BArt comandado por um ten cor de Infantaria (*).

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Nota do editor:

Último poste do blogue > 12 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9034: As Nossas Tropas - Quem foi quem (7): João Polidoro Monteiro, Ten-Cor Inf (cmdt do BCAÇ 2861, Bissorã, 1970, e BART 2917, Bambadinca, 1971/72) (Armando Pires / David Guimarães / Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P9482: Blogpoesia (178): No tempo em que eu colhia rosas nas covas do teu rosto... (António Graça de Abreu)




Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1970 > Fotos do álbum do nosso camarigo César Dias, ex-Fur Mil Sapador, CCS / BCAÇ 2885  (Mansoa e Mansabá,  1969/71)


Fotos: © César Dias (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Mansoa, 24 de Maio de 1973

Foi no tempo
em que o riso das crianças 
era azul como o mar 
que inventei no fundo dos teus olhos. 

Foi no tempo 
em que eras a princesa 
habitando o meu castelo, 
de pedra, vento e sol poente. 

Foi no tempo 
em que amanhecias luz dentro dos meus braços 
e a tua boca desenhava espirais de fogo 
nos meus lábios abertos à loucura. 

Foi no tempo 
em que eu colhia rosas na covas do teu rosto, 
esvoaçávamos por pinhais, montes e rios, 
e o teu corpo 
povoava as searas onde o trigo cresce. 

Foi no tempo 
em que o teu ventre soluçava 
em ondas rubras de alegria 
e viajavas na fúria doce do meu sangue. 

Hoje, a guerra, 
uma lágrima quente enevoando os dias.

In: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007.

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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P9481: Blogpoesia (177): Dia de S. Valentim - E se de repente o comércio reinventasse o Amor? (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa*, com data de 18 de Julho de 2011:

Meu Caro Amigo Carlos Vinhal
Começando a minha participação no Blogue neste ano de 2012 envio um poema alusivo ao dia de S. Valentim, que ainda não se comemorava na nossa juventude, mas que dá um jeitão, ao comércio... nos dias de hoje.
Não seja por isso, que a economia fique de rastos!
Eu... ofereço Rosas e... um abraço!
Felismina Mealha



Dia de S. Valentim

E se de repente o comércio
Reinventasse o Amor?

E se as flores oferecidas
Reinventassem o Amor?

E se as lembranças oferecidas
Trocadas nesse dia,
Com verdadeira alegria,
Se transformassem,
No dia da descoberta
Da verdadeira magia
Que tem de ter o Amor?..
Não, apenas, nesse dia, mas… sempre?

Se os cartões escritos,
Transmitissem lealdade,
Amor puro, de verdade
Nos versos que se escrevessem?

Milagres… aconteciam!
Milagres, que muitos queriam, que acontecessem…

E, eu então, queria rosas, rosas, onde eu visse a pureza,
A sinceridade imensa.
A beleza afinal, que existe no Amor real!
No Amor, que raramente agente encontra
e… quando o sente, nos mata e faz viver,
Nos aprisiona e liberta.
Nos encanta e amedronta, por ser tão raro de ver!

Queria então, nesse dia… Rosas!
Rosas lindas e formosas!
Que podiam ser cor-de-rosa
Por serer as Rosas do Dia.
Rosas, que ofereceria
A quem não encontrou ainda
O Amor na sua vida.

Felismina Mealha
Agualva, 14 de Fevereiro de 2012
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9257: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (8): Mensagens das nossas amigas tertulianas Felismina Costa e Margarida Peixoto

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9453: Blogpoesia (176): Em homenagem ao Arlindo Roda (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71): Os jogadores de xadrez (Ricardo Reis / Fernando Pessoa)

Guiné 63/74 – P9480: Álbum das Glórias (53): Agradecimento (Constantino Neves)





1.   O nosso Camarada Constantino (ou Tino) Neves, ex-1º Cabo Escriturário, da CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71, enviou-nos em 10 de Fevereiro de 2012 a seguinte mensagem.

Agradecimento


Camarigos,

Quero assim agradecer a todos os camaradas (Camarigos) e, em especial aqueles que me desejaram os parabéns de aniversário, com os seus comentários no blogue.

Pelo facto de haver algum tempo, que não envio nada para o blogue, não quer dizer, que não o visite com regularidade, e, por isso mesmo, resolvi enviar algumas fotos minhas  e  respectivas legendas.


Aniversário > Dia 8 de Fevereiro de 1970 > À civil, porque quem fizesse anos tinha tolerância de ponto e podia desfardar-se


Matando a fome (frango assado com molho de Chabeu)


Momento de lazer (cultivando-me)


Com o frio que tem estado por aqui  dá gosto ver esta foto (tirada no Quartel Velho de Nova Lamego, numa bomba defronte à minha caserna, refrescando-me com uma cafeteira que tinha um buraco por onde saía a água)


Nesta foto para mostrar que eu era valente



Encostado a uma Bonita e encima da "Flausina"


  Num jipe com canhão 


Início ou final de reforço (não me recordo ao certo), passado na vala. Com esteira e tábua por cima da vala para nos deitar-mos nela


Posto adaptado para metralhadora BREDA com tripé. Era o meu posto preferido. No tempo das chuvas foi colocada uma cobertura em colmo.

E por agora é tudo

Um abraço,
Tino Neves 
Cabo Escriturário, da CCS/BCAÇ 2893

Fotos: © Tino Neves (2007). Todos os direitos reservados.
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Nota de MR:

(*) Vd. último poste desta série em:


10 DE AGOSTO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8656: Álbum das Glórias (52): Ordem de Serviço N.º 43 do BCaç 2892, de 18 Fevereiro 1970 (Arménio Estorninho)


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9479: Da Suécia com saudade (35): Humildade cristã e....diálogos provocadores (José Belo).



Abisko: Coordenadas: 68°21′N 18°49′E.  País: Suécia. Município: Kiruna. Condado: Norrbotten. Província:  Lapónia. Fonte: Wikipédia > Abisko



1. Comentário de José Belo [, foto à esquerda,] enviado para a nossa caixa de correio:


Data: 13 de Fevereiro de 2012 13:35
Assunto: Humildade Cristã e....'Diálogos provocadores'.




Caros Editores:

 O extremo isolamento de se viver dentro do Círculo Polar Árctico e a 279 quilómetros da casa mais próxima, com temperaturas atuais e diárias de mais de quarenta graus negativos, nevões infindáveis e a demasiada  falta de luz solar envolvente, não torna a tão saudável passeata diária,  até à porta do vizinho para dois dedos de conversa mole,  algo de facilmente realizável.

É então que o computador surge como a máquina 'milagrosa' que por vezes aparenta ser. Em curtos segundos está-se na quente e fraternal Lusitânia (para os mais cínicos, talvez mais quente e fraternal quanto maior a adistância com que é observada, mas, esses,  nunca nunca terão vivido verdadeiramente longe!) ,em diálogos de 'vida ou de morte'  com Camaradas e Amigos totalmente desconhecidos,  não fora o termos em comum a...'bagatela' da guerra na Guiné.

Na busca de comunicação, contacto, camaradagem, memórias comuns, amizades, humor ,e não menos, tudo o que de culturalmente nos UNE, haverá por vezes exageros de entusiasmo participativo. Explicáveis, mas e de qualquer modo...exageros.

É demasiado fácil cair-se na busca de um 'diálogo provocador' talvez menos compreendido pelos que não fazem a mínima ideia do que é este extremo Norte do extremo Norte Europeu. É nestas alturas que, felizmente, uma certa humildade cristã bate à porta, mesmo dos não Cristãos como eu.  

Um grande abraço.
Abisko, Kiruna, Suécia, 13 Feb 2012 


[Foto acima:  Abisko, estação de caminho de ferro; fonte: Wikipédia > Abisko ]


[ O José Belo, para quem entrou agora na Tabanca Grande, é um senhor que vive para lá de Kiruna, no extremo norte da Suécia, e que no século passado foi Alf Mil Inf da CCAÇ 2381,Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70]. (*)




2. Comentário de L.G.:


Querido tuga, camarada e amigo Zé Belo:


Apetecia-me agora pegar numa garrafinha de aguardente do  vinho verde de Candoz, da amarelinha, de 60 graus (volume de álcool), numa salpicão (feito com vinho tinto verde!),  numas cebolinhas do talho (,tudo de Candoz), numa malga de azeitonas, num azeitinho de Moura, num queijinho de Azeitão,  num tintol do José Manel Lopes, da Quinta da Graça (Alto Douro Vinhateiro), numas ameijoas... com coentros ("Portuguese female small clams in garlic oil and coriander", vulgo Ameijoas à Bulhão Pato) - que eu acabo de comprar, vivíssimas, nos Frutos do Mar, Porto das Barcas, Lourinhã... e tomar o avião até Estocolmo e depois o comboio até Abisko e passar aí um fim de semana, no trecolareco, contigo e com as tuas renas... 


O frio e a neve (que eu não sei o que são, em Lisboa) convidam a estas pestiqueiras, tão ao nosso gosto de povo lusitano,  epicurista  como o Ricardo Reis e chão como o Alberto Caeiro, o "guardador de rebanhos", amigo do Fernando Pessoa... Não esqueço que cá vieste, há tempos, de propósito, à Tabanca do Centro, comer um cozidinho à portuguesa... (A conta, à moda do Porto, deu a módica quantia de 8 euros e meio; e foi aí que eu te conheci: e foi aí, em Monte Real, que me ofereceste uma pedra-talismã do círculo polar ártico)... 


Infelizmente, amanhã é mais um dia de aulas, reuniões, trabalho... Ah!, e é dia dos namorados e das namoradas! (Já nos rendemos também a estas americanices)... Mas aqui fica a sugestão e a confirmação - mais para as tuas renas do que para ti - de que nesta ponta da extrema ocidental da Europa ainda há pequenas coisas que valem a pena e dão sabor à vida...  E que nos vão alegrando. 


Mando-te também, para mostrares às tuas  renas, dois postalitos com o pôr do sol na minha aldeia (que fica a escassos quilómetros, a sul,  do Baleal da tua infância, ou do Baleal em que chegaste a pensar em comprar uma casa de verão)... 


Um xicoração para ti, que és um tabanqueiro muito estimado, eu direi mesmo único (ou pelo menos és o único lusolapão que eu conheço, considero e estimo). Volta sempre. Luís




Lourinhã > Porto das Barcas > 11 de fevereiro de 2012 > 19h06/19h07 > Pôr do sol sobre oceano atlântico no extremo oeste da Europa...


Foto: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


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Nota do editor:



Último poste da série > 28 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9412: Da Suécia com saudade (34): A doce nostalgia de uma terra… que já não existe (José Belo) 

Guiné 63/74 - P9478: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (49): Bula - Um acto de coragem

1. Em mensagem do dia 12 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), enviou-nos mais mais uma viagem à volta das suas memórias.



Viagem à volta das minhas memórias (49)


Bula – um acto de Coragem

Desde sempre tive e continuo a ter para mim que a situação e o momento podem fazer o herói, o covarde, o assassino.

Por Bula andávamos, tentando enganar o tempo da melhor forma que conseguíssemos, resguardando-nos o melhor possível numa tentativa de evitar ou pelo menos minimizar quaisquer atribulações que pudessem vir a inviabilizar um regresso a casa escorreito e em tempo.

Mobilizados para a guerra, no meu conceito sempre considerei negativo correrem-se riscos escusados, que pudessem colocar a integridade física ou psicológica em causa por meros momentos de usufruto mal pensados ou impensados, nascidos de muitas e diversas razões. Por inerência, não poucos riscos faziam já parte do nosso trabalho quotidiano.

É facto que não podíamos nem seria possível vivermos como reféns dum princípio desses, enclausurados numa redoma anti-risco a ver a vida passar do lado de fora. Claro que não, não era possível.

A vida devia seguir a sua normalidade - dentro da anormalidade imposta ou não - com os seus condimentos, os seus sabores, as suas cores… os seus dislates e extravasamentos… em salvaguarda da sanidade mental, mas com conta peso e medida, o que de todo nem sempre era conseguido.

Éramos à mesma animais sociais, só que parte integrante de um grupo a que foram acometidos deveres acrescidos diferentes que, bem ou mal, aceitamos e juramos cumprir o melhor possível, pese à custa de quaisquer sacrifícios. A Sociedade envolvente por quem devíamos zelar, isso esperava de nós.

Melhor ou pior tínhamos sido minimamente preparados física e psicologicamente para assumir esse papel do grupo e individual e colectivamente íamo-lo assimilando, mais ou menos natural e enraizadamente com maior ou menor intensidade, acabando por se tornar de certo modo instintivo em momentos de tensão e risco.

Na rua principal e frente à porta de armas em Bula, havia a bomba de combustível onde os veículos militares se abasteciam sempre que necessário. Um Unimog 404 (grande) estava a ser abastecido por um condutor da “Força”.

Empunhando a mangueira de abastecimento, se a memória me não falha, o Lamas abastecia o veículo com a gasolina e a dada altura - julgou-se que devido a uma descarga de electricidade estática - chamas irrompem do bocal da mangueira. O liquido vertido incendiado pega fogo ao pneu traseiro da viatura e avivando-se começa a alastrar sem controlo, por ela e pelo chão.

Apercebendo-se da iminência de um possível desastre causado pela eventual explosão dos depósitos, o pessoal nas proximidades não está de modas e dá às pernas para local mais “confortável”.

O Lamas, ao perceber o perigo iminente e alheando-se duma provável explosão, monta-se na viatura e arranca o mais velozmente possível com o rodado a arder, conseguindo fazer com que a deslocação do ar não permitisse que o fogo alastrasse ao depósito e acabasse por se extinguir.

Tudo bem quando acaba bem!

Os meus olhos tinham presenciado um momento que a meu ver fez um Herói, ainda que e ao que sei, sem o reconhecimento merecido, como tantos! Ficou isso sim, na memória de muitos o acto de altruísmo e coragem que aqui descrevo o mais fielmente que recordo, lamentando verdadeiramente a não certeza do nome do actor.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9354: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (48): Bula - estória de uma foto

Guiné 63/74 - P9477: Notas de leitura (333): Maria Helena Vilhena Rodrigues, mulher de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2012:

Queridos amigos,
No cumprimento desta missão temporária que me atribuí, sem qualquer mandato, de procurar repertoriar bibliografia que contribua para o conhecimento da Guiné, daquela guerra que vivemos, daquela gente tão amável que teima na sua liberdade, pesquei este texto que ajuda a compreender o Cabral agrónomo que transitou para revolucionário. Vários historiadores têm analisado esta faceta, Julião Soares Sousa deu-lhe realce, seguramente que esteve atento a esta entrevista.
Agora vou mudar de agulha e falar-vos de um livro que traz algumas curiosidades e novidades de certa monta “Os últimos guerreiros do Império”.

Um abraço do
Mário


Maria Helena Vilhena Rodrigues, mulher de Amílcar Cabral

Beja Santos

Na revista História de novembro de 1983 vem um artigo assinado por António Duarte “Amílcar Cabral visto pela viúva”, título de mau gosto, Maria Helena Vilhena Rodrigues foi a primeira mulher do líder do PAIGC, a viúva chama-se Ana Maria Cabral.

O que conta é o retrato humano que ela nos oferece do namorado, marido e lutador pela independência. O que ela aqui menciona vem já reproduzido noutros textos, na sua tese de doutoramento Julião Soares de Sousa refere abundantemente o seu depoimento.

Conheceram-se no primeiro ano do curso de Agronomia. Amílcar cedo se tornou popular, tanto como aluno distinto como pela sua simpatia. A aproximação fez-se no terceiro ano do curso, quando transitaram apenas escassos 25 dos 220 alunos iniciais. Ela recorda que Amílcar a ajudava muito nos estudos, ela sentiu-se muito atraída: “Achava que ele era uma pessoa extraordinária, com uma grande cabeça. Quando ele me pediu namoro, não recusei”. E adianta: “Admirava a sua maneira de estar na vida, de interpretar a vida. Apesar de ignorante de tudo o que se passava lá fora, eu interrogava-me muito sobre certos aspetos ligas à pobreza. Não entendia as razões das diferenças sociais… Serenamente e de uma forma clara, tudo isso o Amílcar me explicava”. Quando passeavam de mão dada, ouviam-se comentários, afloravam-se preconceitos. Maria Helena recorda que ele tinha sempre uma explicação, nunca perdia o controlo: “Eu vim de longe. É natural, sou diferente deles. Você é uma moça muito bonita que namora comigo. Compreende-se…”.

Passaram a viver no meio do operariado da zona de Alcântara. Indiferente às frases desagradáveis, Cabral dava lições de alfabetização à noite. Cabral confessou-lhe que queria regressar ao seu país depois de concluir o curso. Casaram-se em 1951, Maria Helena estava ligeiramente atrasada, ele apresentou trabalho sobre os solos e andou pela aldeia de Cuba no Alentejo, ela dedicou-se à botânica e pastos.

Nos últimos anos da faculdade, conta Maria Helena, ele passou a ser assíduo na Casa dos Estudantes do Império. Vivam com grandes dificuldades, ambos. Para arranjar tostões, dão explicações a alunos do liceu e faculdade. O casamento foi uma cerimónia simples, logo casados “Resolvemos ir comer bacalhau à Braz no café Colonial, na Avenida Almirante Reis”. Depois fizeram uma festa em que participaram Alda Espírito Santo, Julieta Espírito Santo, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, o grupo juntou-se em casa de Elisa Horta.

Maria Helena recorda como conheceu Marcelino dos Santos e participou no entusiasmo que Amílcar Cabral tinha por futebol. Fala das suas leituras e do carácter do seu companheiro. Partem para a Guiné-Bissau, é aqui que vai nascer a primeira filha do casal, Iva. Vão permanecer três anos na Guiné-Bissau, Amílcar vai ficar a conhecer a Guiné de lés a lés, tudo graças ao recenseamento agrícola. Ambos adoecem e regressam a Lisboa. Ele trabalha temporariamente na brigada fitossanitária, em Santos, Maria Helena entrega finalmente a tese. Os professores de Agronomia arranjam trabalho para Amílcar e ele vai para Angola. Ela acompanha-o em 1957, fica como professora em Luanda e no Lobito. Nesse ano têm já casa na Avenida Infante Santo, em Lisboa. Data dessa época a vigilância da PIDE, como ela diz: “Em 1959, com Amílcar em Lisboa, sentimos que estávamos a ser vigiados. Havia sempre gente à porta, carros que nos seguiam… Nessa altura, já tinha saído para fora vários companheiros de Amílcar, entre eles Marcelino dos Santos e Mário Pinto de Andrade”.

Estamos em dezembro de 1959, Cabral viaja até Paris. É daqui que ele lhe envia uma carta a Maria Helena em que lhe comunica que não volta, tem o seu caminho a seguir. Maria Helena parte para Paris, Cabral pede-lhe para regressar a Lisboa mas, logo a seguir defende que Maria Helena e a filha devem abandonar Portugal. Sem alarde, ela abandona o país do ano seguinte, nessa altura já havia uma ordem de captura contra ela. Vai para Paris com a filha, ficam ali 8 meses. Cabral partira para Londres, já estava em plena atividade. Depois passa por Paris a caminho de Conacri. A vida do casal torna-se muito atribulada, Cabral, para sobreviver em Conacri trabalha como técnico agrícola, não tem dinheiro para pagar a habitação onde vive. Depois Cabral arranja uma casa que virá a ser a sede do PAIGC. Foi à porta dessa casa que ele será assassinado, na presença da Ana Maria Cabral, na noite de 20 de Janeiro de 1973. Maria Helena vai trabalhar como professora de liceu em Conacri, Cabral deixa o trabalho para se dedicar exclusivamente à luta de libertação.

Maria Helena recorda: “Vivíamos praticamente só com o que eu ganhava no liceu. Era uma vida difícil. Tanto mais que estava para nascer a nossa segunda filha, Ana. Eu gostava muito de estar em Conacri porque todos ali eram meus amigos. Entretanto, tinham chegado, também, o Luís Cabral, o Aristides Pereira e a mulher, a Dulce Almada e o Abílio Duarte. E, mais uma vez, tive me separar do Amílcar. Ele achava que eu devia ter o bebé onde houvesse condições. Em Conacri não havia hospitais. Fui para Rabat”.

Seguem-se as opções de fundo, ambos vivem muito longe um do outro, Cabral achava que Maria Helena não devia fazer parte do PAIGC, depois do nascimento da filha, ele achou que ela não devia regressar a Conacri. A distância pesou no que virá a ser a separação do casal em 1966. Ela é omissa nesta entrevista, vários historiadores adiantam que tinham sérias divergências ideológicas. Cabral irá casar com Ana Maria, Maria Helena, em Rabat, casa com Henrique Cerqueira, ajudante de campo do general Humberto Delgado no exílio. Cerqueira irá ser muito badalado em Portugal, depois do 25 de Abril por ter escrito o polémico livro “Acuso!”, sobre o caso Delgado.

E ela termina dizendo: “O PAIGC ainda fez um esforço para salvar o nosso casamento. Convidaram-nos para passar umas férias na União Soviética, mas o Amílcar não quis ir… Foi assim”.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9468: Notas de leitura (331): O Boletim Geral do Ultramar (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9470: Notas de leitura (332): Quatro obras de autores africanos com interesse para a história recente de Cabo Verde e da Guiné-Bissau (Nelson Herbert)