segunda-feira, 19 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9626: Notas de leitura (343): Testemunho, de Filinto Barros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 17 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Em duas circunstâncias diferentes tive a possibilidade de conviver e conhecer a personalidade de Filinto Barros, recentemente desaparecido. O Eng.º Filinto diplomou-se em Portugal, esteve, após a independência da Guiné-Bissau associado às atividades dirigentes, no PAIGC e no governo. Trabalhei na sua dependência em 1991, num projeto de cooperação relacionado com a defesa do consumidor. Em Novembro de 2010, na recolha de elementos para a conclusão do livro “A Viagem do Tangomau”, conversámos longamente. Pude avaliar a sua cultura, a sua sensatez, o seu humanismo.
Deixou um romance admirável “Kiakia Matcho”. O livro “Testemunho” é inacreditável como publicação, é impossível que tenha sido revisto pelo seu autor, um intelectual que dominava com perícia a língua portuguesa. E no entanto as suas análises, justificações e comentários são de uma real importância para entender a Guiné-Bissau. Sobretudo após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980. Para os estudiosos, mesmo sendo uma leitura penosa, passou a ser uma referência obrigatória.

Um abraço do
Mário


Confissões e justificações de Filinto Barros

Beja Santos

O livro “Testemunho”, de Filinto Barros é uma edição de autor, porventura a derradeira obra do antigo dirigente do PAIGC publicada em vida. Há uma enorme dificuldade em entender se o antigo dirigente político concedeu uma sucessão de entrevistas ou elaborou memórias avulsas sobre quatro temas em que foi participante seja como governante, observador político ou dirigente ativo.

Os temas abordados são do maior interesse para a história da Guiné-Bissau pós-independência. É deplorável que o autor não tenha revisto a edição, cheia de erros de toda a natureza, Filinto Barros era um homem culto, comunicava num português irrepreensível, não há página deste livro que não esteja polvilhada de gralhas, faltas de concordância, a pontuação no seu lugar. Isto quando estamos perante um testemunho que irá entrar na História.

O primeiro texto prende-se com os acontecimentos do golpe de Estado de Novembro de 1980. Filinto Barros critica a escolha de Luís Cabral para o cargo de presidente do Conselho de Estado, após a independência unilateral, por se tratar de um cabo-verdiano, era uma questão de jus sangue. Refere uma entrevista que o leitor não sabe qual que Luís Cabral, certamente no exílio, terá dado acerca dos acontecimentos do 14 de Novembro. Diz taxativamente: “Se há um responsável pelo golpe, Luís Cabral deve ser apontado pelo ambiente de intrigas que implantou, tentando inverter as hierarquias saídas da luta”. Mais adiante recrimina a discriminação praticada pelos dirigentes cabo-verdianos para tomarem o vértice do aparelho do Estado. Considerando que Amílcar Cabral, a propósito da unidade Guiné-Cabo Verde, fizera uma aposta corajosa ao criar uma nova entidade que englobava as duas realidades herdadas do colonialismo, atribui ao seu desaparecimento e à incapacidade dos seus herdeiros de prosseguir uma dinâmica criativa que levasse a cada um dos dois Estados a ser gerido pelos autóctones, devia-se ter optado rapidamente por uma federação de dois Estados. Nessa perspetiva, o 14 de Novembro pode ser encarado como uma retificação. Volta a acusar Luís Cabral, considerando que para este líder o adversário principal era o crioulo guineense.

Uma nova chuva de críticas vai agora impender sobre Nino, este tratou de consolidar o poder rodeando-se dos seus incondicionais. A governação de Nino, na sua ótica, foi um profundo desastre, continuando a implantar pequenas fábricas sem estudos de impacto, sem questionar se o país reunia condições em termos de matérias primas e uma mão-de-obra apta para garantir a sua rentabilidade. Nino continuou a praticar os erros de Luís Cabral que procedeu a uma implantação selvática de pequenas unidades febris. Filinto Barros pretende analisar o porquê dos seus insucessos. Diz mesmo que a sua análise procura determinar até que medida as ações levadas a cabo depois de 14 de Novembro de 1980 prejudicaram ou beneficiaram o país no quadro de industrialização iniciada por Luís Cabral. Passa em revista o Complexo Agro-industrial de Cumeré, a NHAI – Unidade de Montagem de Veículos, a fábrica de leite Blufo, o projeto Volvo, a Socotram – unidade de corte e processamento de madeira, o fabrico de plásticos, Titina Silá, uma fábrica de sumos e compotas, uma fábrica de colchões de espuma, a Dicol, a Guimetal, a Cerâmica de Bafatá, a Folbi – unidade de folhados e contraplacados de madeira, aponta gestão danosa, cegueira nos pareceres do Banco Mundial e FMI, muita corrupção, muita irresponsabilidade política sobretudo uma enorme incompreensão sobre o que devia ter sido uma liberalização gradual na transição de uma economia estatizada para as regras livres do mercado.

No segundo texto, o antigo governante pretende defender-se sobre a polémica questão dos lixos industriais. Narra as diligências efetuadas para apurar da possibilidade da transformação dos resíduos industriais provenientes da Europa reelaborando-os com adubos e material de construção. Denuncia as agiotas, queixa-se de oportunismos de vários colegas delatores. Justifica-se, dizendo que estava consciente dos efeitos nefastos dos resíduos tóxicos, deplora as forças do obscurantismo e a intelectualidade de meia-tigela da região. Sentiu-se obrigado a desistir do processo e a dar por encerrado todo o assunto.

No terceiro texto tece considerações sobre o II Congresso extraordinário, realizado na Base Aérea, em 1992. Comenta: ”Foi um congresso terrível, em que se deu a separação entre os políticos e as Forças Armadas, o congresso no qual o PAIGC deixou de ser considerado a força política dirigente da sociedade. Todos soubemos que o congresso foi manipulado por certa gente, que se aproveitaram da incapacidade da maior parte dos congressistas analfabetos ou semianalfabetos, induziram-nos com vários argumentos incluindo a solidariedade tribal. Ninguém de pele clara conseguiu passar! A partir daí, a história do Partido foi a história de uma série de complôs para afastar muita gente, sobretudo os preferidos do Nino e sempre o Malã Bacai Sainhá se aproveitou, pôs-se no lugar certo! Até que acabou por ficar com o partido como queria!”.

E estamos chegados ao texto fundamental, a Guerra Civil de 1998. Fala no tráfego de armas, na imperícia governamental no tratamento da questão, nas extensões crescentes nas FARP como causas do levantamento armado encabeçado por Ansumane Mané. Entende que o VI Congresso do PAIGC foi um congresso desunião que se estendeu ao descontentamento no seio dos militares, era um descontentamento que se prendia ao estatuto de carreira de promoções e ao tratamento que Nino fazia da instituição militar, manipulando-a a seu belo prazer. Como o texto seguramente que não foi revisto, até se pode pôr a hipótese de fazer parte de um conjunto de entrevistas ou de apontamentos escritos não organizados, a seguir Filinto Barros fala do assassinato de Nino e regressa a outro tipo de considerações que tem a ver com o pretenso golpe de Estado atribuído a Paulo Correia e que levou à execução de vários dirigentes. Considera que estes acontecimentos constituíram uma profunda humilhação da etnia balanta com repercussões que chegam à atualidade. Refere o seu protagonismo no Conselho de Estado, em 1986, e quais as opiniões que se manifestaram a favor ou contra a pena de morte. A narrativa tem foros de tragicomédia, Filinto Barros escalpeliza o livro “Ordem para matar”, de Quebá Sambu, para pôr em causa a sinceridade dos seus argumentos. Acha que Paulo Correia não foi tão inocente quanto protestou, que Viriato Pã era um verdadeiro tribalista e que os fuzilamentos foram um dano irreparável para o PAIGC e para o país inteiro, acabou por colocar a etnia balanta contra o PAIGC, passou a viver-se numa atmosfera de vingança tribal. Isto dá-lhe oportunidade para invocar outras purgas e ajustes de contas, invoca o nome do comandante André Gomes que morreu na prisão, sobre ele recaía a acusação de ter sido o acusador de Osvaldo Vieira, Lay Seck, um alto dirigente, faleceu na prisão logo após o 14 de Novembro, refere outros nomes de gente que sofreu sevícias terríveis. Este texto é depois dirigido para atuação de Kumba Yalá, outro dirigente que lançou o país no atraso e na miséria. O livrinho de justificações vai culminar numa exortação aos seus colegas de trincheira a participarem na tarefa de ajudar a esclarecer a verdade dos fatos passados.

Trata-se de um documento que não pode ser doravante ignorado, apesar da sua leitura ser penosa e da organização do textos ser altamente deficiente. Filinto Barros não merecia uma publicação destas, uma vergonha editorial.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9613: Notas de leitura (342): O Boletim Geral do Ultramar (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9625: Memória dos lugares (178): Sobre a ponte da estrada Canchungo - Cacheu, ao Km 6 (Carlos Schwarz/Pepito)

 

1. Mensagem e fotos do Engº Agrº Carlos Schwarz, Pepito sobre a ponte da estrada Canchungo - Cacheu, ao Km 6, enviada em 18 de Março de 2012 ao nosso Camarada Luís Graça.

Luís,

Contributo para o esclarecimento da controversa ponte da estrada Canchungo - Cacheu, ao Km 6.

A ponte existe mesmo

A ponte vista de outro ângulo
  Está localizada mesmo ao lado da estrada
A 600 metros de distância fica a ponte melhorada, no local onde sempre existiu
 Imagem do rio

abraço
pepito

__________
Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

29 DE FEVEREIRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9547: Memória dos lugares (177): Canquelifá, a ferro e fogo, fevereiro / abril de 1974 (José Marques)

 

domingo, 18 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9624: Em busca de... (185): Pedido de informações e fotos do Sold Cond Fernando Alves Tavares (Cristina P)


1.   A nora do nosso falecido Camarada, Fernando Alves Tavares, ex-Sold Cond, de que mais nada sabe, além de que esteve na Guiné entre 1972 e 1974, solicita-nos através da seguinte mensagem, a divulgação de um pedido/apêlo, junto do pessoal da nossa tertúlia e demais visitantes do nosso blogue, e eventual prestação para o seu e-mail de toda e qualquer informação e, ou, foto dele que alguém possua e lhe a(s) possa enviar.



Boa tarde!

Desejava saber se alguém conheceu um soldado de nome Fernando Alves Tavares, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974, era motorista e oriundo de Vale de Cambra.

Era o meu sogro e já faleceu, mas eu gostava, se possível obter mais informações e/ou fotos, pois só temos uma foto sua e a caderneta militar.

Já agora envio em anexo para ver se ajuda.

Agradeço qualquer informação para o meu email:
mad_cris@hotmail.com

Desde já agradeço a atenção dispensada.
Com os melhores cumprimentos,
Cristina P

 Na foto, o Soldado Condutor Fernando Alves Tavares, está de cócoras do lado esquerdo  
__________
Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

24 DE FEVEREIRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9525: Em busca de... (184): Finalmente uma notícia do Armando do Hospital Militar de Bissau 73/74 (Luís Gonçalves Vaz)


Guiné 63/74 - P9623: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (2): De Bissau para Mansambo

1. Segundo capítulo do trabalho do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), intitulado O tempo que ninguém queria:


O TEMPO QUE NINGUÉM QUERIA (2)

DE BISSAU PARA MANSAMBO

Lá voltei de novo ao aeroporto de Bissalanca, só que desta vez a viagem era mais curta, apenas até Bafatá. O avião que nos levou era um velho Dakota com bancos de madeira como se fosse uma carroça, à chegada estavam viaturas militares que nos levaram até Bambadinca, onde se encontrava a CCS do meu batalhão, o "3873", depois mais uma mudança de viatura, desta vez até Mansambo, onde já se encontrava a minha companhia, a "3493".

À chegada, para além da nossa Companhia estava a que íamos render. Se a confusão era grande, para mim era ainda maior, pois não conhecia lá ninguém, ao contrário dos meus futuros camaradas que estavam juntos há já alguns meses. A única coisa boa que me aconteceu nesse dia, foi receber a correspondência que entretanto me tinha sido enviada para o SPM, Serviço Postal Militar, que já na metrópole nos tinha sido distribuído.

Mansambo City

Foto: © Torcato Mendonça (2012). Todos os direitos reservados

Estivemos alguns dias com os “velhinhos” para preparar a rendição, ao fim dos quais chegou a vez de assumirmos os cargos que até ali tinham sido deles. Para mim não foi nada fácil, ver aqueles que partiam, e pensar no tempo que ainda faltava para que nos acontecesse o mesmo, se é que viria a acontecer…

Os primeiros dias foram de uma tristeza enorme e difícil de explicar; recordo-me de um dos primeiros serviços que fiz, foi segurança à fonte, onde íamos buscar a água com que abastecíamos o aquartelamento para uso diário, que ficava a cerca de duzentos metros do arame farpado que circundava as nossas instalações, mas para fazer esse trajecto era necessário proceder à picagem do caminho todos os dias pela manhã, tendo em vista detectar alguma mina que a coberto da noite o IN lá pudesse ter colocado.

Ao chegar junto da fonte, cinco ou seis homens ficavam por ali a fazer segurança enquanto outros dois andavam com um unimog, o famoso "burrinho" a transportar água para o aquartelamento. Eu estava triste pensando em quase tudo... e não encontrava nada que me levantasse o ânimo, por momentos ocorreu-me a ideia de escrever qualquer coisa… escrevi a seguinte frase: tem calma, ainda és novo e o tempo há -de passar; frase que sempre me acompanhou, e que eu li vezes sem fim durante o tempo que estive na Guiné.

Na minha Especialidade de Condutor, tinha como função principal o transporte de pessoal, as viagens maiores eram as que fazíamos em coluna a Bafatá, onde íamos com regularidade uma vez por semana, normalmente buscar entre outras coisas, duas vacas que eram consumidas pelo pessoal da Companhia, eram animais de pouco peso, e outra coisa para nós não menos importante, que era o correio, naquele tempo, a única forma de ter noticias da terra, da família e dos amigos. Eu era um dos que recebia muita correspondência. 

Recebi cartas e aerogramas escritos todos os dias em que estive na Guiné, ainda que muitos chegassem no mesmo dia; também eu, durante o tempo que lá estive escrevi todos os dias para a minha esposa, quando recebia correspondência, respondia com uma carta, os outros dias escrevia aerogramas. Para outras pessoas de família e para alguns amigos também escrevia mas só aerogramas. Havia também quem ao longo do tempo de permanência em África raramente recebesse correspondência, quando chegava o momento da distribuição todos se aproximavam, mas para alguns, em vez de alegria era um momento de acrescida tristeza, pois correspondência para eles não havia.

As viagens de transporte de pessoal aconteciam também quando elementos nossos iam participar em operações fora da nossa zona, assim como fazer segurança aos que passavam na picada na zona de Mansambo, em especial às colunas de abastecimento que iam de Bambadinca ao Xitole, e regressavam ao fim do dia, enquanto não regressassem tínhamos de estar algures na picada na missão de segurança que nos era destinada.

Estávamos ainda há poucos meses em Mansambo, fomos fazer segurança a um dos “maiores” que naquele dia ia passar pelo sector leste, a nossa missão foi andar por umas tabancas, para nós desconhecidas, algures entre Bafatá e Nova Lamego. Chegámos já noite à tabanca onde fomos dormir… se no inicio muitas eram as coisas difíceis de suportar, a sede para a maioria de nós era a maior. Quando saíamos do aquartelamento, o cantil ia sempre cheio, mas não era necessário muito tempo para que ficasse vazio. 

Ao chegarmos ao sitio onde passamos a noite já ninguém tinha água, nem sabíamos onde a podíamos encontrar, valeu-nos o chefe da tabanca, que conseguiu um alguidar grande cheio de água onde quem quisesse tinha que beber lá dentro, parecíamos uma manada de animais com a cabeça dentro do alguidar, mas mesmo assim foi a melhor coisa que nos podia ter acontecido naquele momento.

Quando saíamos de Mansambo, durante cinco ou seis quilómetros na frente do pessoal que seguia a pé e das viaturas, iam três ou quatro picadores tentando descobrir alguma mina que pudesse existir na picada, o que nem sempre conseguiam, eram momentos de grande tensão em particular para os condutores, durante esse tempo de picagem, só o condutor seguia na viatura, porque tinha que ser, senão nem ele lá ia… as minas anti-carro eram demolidoras, pobre daquele que tinha o azar de conduzir o veiculo que as accionasse, principalmente se ela rebentasse do lado do motorista.

O aquartelamento de Mansambo, naquele tempo em que a nossa Companhia lá esteve, de Fevereiro de 1972 a fins de Março de 1973, não era considerado muito mau, atendendo ao que acontecia em quase todo o território da Guiné.

Certamente não pensam assim… o Furriel Ferreira, que seguia numa viatura na picada de Candamã que accionou uma mina e ele ficou sem um pé, ou o Silva do 2.º Pelotão que estava para vir de férias dentro poucos dias, e mais outro de quem já me não lembro o nome, que ficaram cada um sem um pé ao accionarem minas anti-pessoal. 

Durante o tempo em que lá estive, só uma vez fomos flagelados à distancia, onde o IN utilizou o morteiro 82, eu e mais cinco condutores estávamos nesse momento com o carro dentro dum grande buraco, que terá sido feito a quando da construção dos abrigos pelas companhias que nos antecederam, a carregar terra para levarmos para a oficina, estávamos a fazer uma pausa e todos a beber uma cerveja, a popular bazuca que era uma cerveja grande, creio ser de seis decilitros, quando ouvimos o som de disparo de um morteiro, uma saída. 

Fizemos alguns segundos de silêncio, e logo ouvimos mais três saídas, estávamos dentro do buraco mas este era demasiado grande, e como tal menos protegidos, saímos em direcção ao abrigo do nosso morteiro 81, que ficava ali próximo, que logo respondeu ao fogo inimigo. Eu fui o ultimo a sair do sitio onde nos encontrávamos, pelo tempo passado depois de termos ouvido a primeira saída, tive um pressentimento que não teria tempo de chegar ao abrigo, voltei para traz e deitei-me dentro do buraco de onde estávamos a tirar a terra, talvez tenha sido essa decisão que me permite estar agora aqui a escrever; uma das primeiras granada a rebentar, foi precisamente no local que nós tínhamos de passar, e eu era o ultimo, provavelmente não teria tempo para alcançar o abrigo, o espaldão do morteiro. Acabado o bombardeamento, ficou apenas o susto, pois não provocou quaisquer danos, a não ser os psicológicos. Quando as coisas acalmaram e fomos ver o local dos rebentamento de algumas granadas que caíram dentro do arame, ficamos assustados com os cortes feitos no chão pelos estilhaços.

No dia seguinte na rádio do PAIGC divulgaram a noticia da flagelação, informando que para além de vários danos provocados nos terem terem destruído um abrigo… Depois desse ataque não mais nos foram visitar, a não ser colocar as terríveis minas… os atiradores faziam saídas apeadas, patrulhamentos, quase todos os dias, nós os condutores, só saíamos quando o serviço de condutor assim o exigia. Para além do nosso serviço de Especialidade, no aquartelamento fazíamos também reforços durante a noite. Até ao fim de Março de 1973, foi assim a minha vida.

Antes no verão de 1972 vim de férias à Metrópole. A viagem de Mansambo até Bissau foi demorada, de coluna até Bambadinca onde estive três dias à espera de transporte, até que tive boleia numa avioneta que me levou até Bissau, de todas as viagens que fiz por via aérea foi a que menos gostei, onde estive mais três dias à espera do voo TAP que me trouxe até à Metrópole, onde passei um mês de férias. Férias… não sei se será a definição correcta, pois mesmo estando cá, o pensamento estava sempre no dia do regresso, que em breve aconteceria a terras de África.

No abrigo dos condutores tínhamos um faxina, era um miúdo da tabanca, que a troco de uns pesos nos ia buscar a comida à cozinha lavava a loiça e varria o abrigo, a quem eu prometi levar uns sapatos quando fosse de férias; durante o tempo em que estive na Metrópole, os meus camaradas mandaram o Serifo embora, para ele a chatice maior não era ir embora, o pior é que o Fireira, como ele me chamava, provavelmente já não lhe dava os sapatos; mas não, assim que cheguei, mandei-o chamar à tabanca e dei-lhe os sapatos novos, coisa que ele com treze ou catorze anos de idade nunca tinha tido.

No dia seguinte, o Serifo na companhia de mais três meninos da tabanca, com alegria e a felicidade estampada no rosto, vieram levar-me uma galinha, momento que jamais esquecerei, e certamente o Serifo também não, dentro do possível sempre procurei respeitar os nativos como pessoas iguais a todos os demais. Recordo-me de certo dia um grupo de condutores ter tirado um cabrito, que era de alguém de uma tabanca por onde passaram. Fui convidado para ajudar a comer o petisco mas recusei-me a participar. Era para mim uma forma de protestar ainda que em silencio contra um acto com que eu não concordava. Passados alguns dias, o dono do animal queixou-se ao Comandante da Companhia, tendo este ordenado o pagamento do valor do animal a quantos o tinham comido.

Em Mansambo todos os militares tinham uma lavadeira, que a troco de alguns pesos, moeda da Guiné, lavavam-nos a roupa e passavam-na a ferro. A Califa era a menina que me lavava a roupa, tinha só catorze anos, mas já estava vendida a um homem com cerca de quarenta.

(Continua)
____________

Nota de CV:

(*) Vd. primeiro poste de 15 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)

Guiné 63/74 - P9622: Ser solidário (121): Campanha Gramáticas e Dicionários de Língua Portuguesa para as EVA - Escola de Verificação Ambiental

1. Reproduzido da página da AD - Acção para o Desenvolvimento, os nossos amigos e parceiros da Guiné-Bissau:


A Campanha Gramática para Escolas, lançada pela ONG Afectos com Letras [, Associação para o Desenvolvimento Para Formação, Saúde e Educação, com sede em Pombal], começou a ser ouvida. Chegaram as primeiras encomendas: Maria da Graça Parracho e F. Maria e Castro enviaram-nos 5 gramáticas.



Vão ser enviadas para a Escola de Verificação Ambiental (EVA),  de São Domingos, no norte do país. E depois divulgaremos as fotos da entrega!


Um OBRIGADA,

Isabel Levy Ribeiro (isabel.levy@gmail.com)
Coordenadora da Rede Eva

2. Comentário de L.G.:


As gramáticas de língua portuguesa, bem como os dicionários,  são os livros mais apreciados e apetecidos na Guiné-Bissau, por professores e alunos das escolas, e em especial das EVA - Escolas de Verificação Ambiental, criadas e dinamizadas pelos nossos amigos da AD, sob coordenação da nossa tabanqueira Isabel Levy Ribeiro, engenheira agrónoma, portuguesa, mulher do guineense Pepito.


Alguns de nós têm gramáticas e dicionários a mais em suas casas, alguns destes livros estão já fora do mercado (com o novo acordo ortográfico) mas para os nossos amigos da Guiné-Bissau, que querem aprender e melhorar o português, são uma oferta muita valiosa... Por extensão: enciclopédias, compendios de história, clássicos da literatura, etc.


Amigos e camaradas, solidários com a Guiné-Bissau: Podem usar o endereço postal da AD e   e enviar uma encomenda postal até 2 kg (livros, brinquedos ou roupas). Esta via tem-se mostrado muito segura, de acordo com a nossa própria experiência, e a confirmação da AD.

Os CTT têm um tarifa especial para Guiné-Bissau, Timor e São Tomé e Príncipe, que prevê um preço para correio económico internacional até 2kg de 2,98€.



 ONG AD – Acção Para o Desenvolvimento


Caixa Postal 606
Bairro de Quelelé
Bissau
República da Guiné-Bissau


Email da AD - Acção para o Desenvolvimento: adbissau.ad@gmail.com

_____________


Nota do editor:


Último poste da série > 7 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9454: Ser solidário (120): Tabanca de Matosinhos e Camaradas da Guiné (José Teixeira)

sábado, 17 de março de 2012

Guiné 63/74 – P9621: Convívios (404): No dia 3 de Março de 2012 ocorreu o VI Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos (Carlos Vinhal)

No passado dia 3 de Março, realizou-se o VI Convívio dos ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos.

Do programa fazia parte uma pequena homenagem, no cemitério de Sendim, com a deposição de um ramo de flores junto ao Memorial aos tombados, do nosso Concelho, na Guerra Colonial.
O temporal desabrido que se fez sentir desde manhã cedo em Matosinhos fez com que apenas cerca de uma vintena de camaradas comparecessem no local.

A cerimónia foi presidida pelo senhor Ten Cor Armando Costa do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes que se fez acompanhar do Sargento-Chefe José Neto e dos Sargentos Ajudantes Carlos Osório e Joaquim Oliveira.

Os toques de clarim alusivos foram executados por um elemento dos Bombeiros Voluntários de S. Mamede de Infesta. 

Aqui estão imortalizados os nossos camaradas matosinhenses que tombaram em campanha em Angola, Guiné e Moçambique

Momento em que o nosso camarada José Oliveira lia uma oração. À esquerda da foto o nosso tertuliano Ribeiro Agostinho

Momento de silêncio e recolhimento em memória dos camaradas cuja vida foi precocemente ceifada pela guerra. À direita da foto o Ten Cor Armando Costa.

Acabada a cerimónia e a chuva para o resto do dia, o pessoal, em deslocação para o restaurante, fez uma breve paragem junto à Câmara Municipal para a tradicional foto de família, que pelo mesmo motivo, a chuva, contou com a presença de cerca de metade dos participantes no Convívio.

Na fila da frente, da esquerda para a direita: o Silvério Lobo da Tabanca de Matosinhos; o meu colega de escola Carlos Cardoso e José Soares. No grupo mais à direita: O Vice-Presidente da Câmara, Dr.  Nuno Oliveira e os camaradas José Oliveira; Amândio Rodrigues; Carlos Pinto Azevedo, nosso tertuliano, e um camarada que não consigo identificar.

Seguiu-se depois o almoço num Restaurante de Matosinhos, com 70 participantes, de que ficam estas imagens:

Vista parcial da sala

Momentos de reencontro que se querem renovados ano a ano. Foi o caso de José Fernando Santos Ribeiro (CCS/BCAÇ 2912), à direita, e o camarada Manuel Passos (Pel Rec/CCS/BCAÇ 3872)*.

O Convívio manteve-se pela tarde fora, culminando com uma animada sessão de karaoke proporcionada pelo José Soares.
No próximo ano voltaremos.

Texto de Carlos Vinhal
Fotos de José Fernando Santos Ribeiro e Ribeiro Agostinho

____________

Nota de CV:

(*) Preciosa informação do camarada Juvenal Amado

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2012 > Guiné 63/74 – P9617: Convívios (324): XIII Convívio da CCAÇ 3549, dia 31de Março, em Vizela /Guimarães (José Cortes)

Guiné 63/74 - P9620: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (7): Ainda a propósito do Acordo de Cacine, de 29 de julho de 1974 (Luís Gonçalves Vaz)

1. Ainda a propósito do poste P9602 (*)... Texto do nosso tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, com data de ontem:

Agora poderemos perceber o interesse de relatórios, como o primeiro que dei a conhecer, o do Sr. Major Tito Capela da 2ª Rep/CCFAG.


É claro que esse relatório fala nesta reunião na sua página 56, o denominado Acordo de Cacine de 29 de Julho, que,  juntamente com o Acordo do Cantanhez de 15,16 e 17 de Julho, segundo o mesmo relatório, "foram bastantes profícuos para o bom andamento de todo o processo de descolonização da Guiné".


(Excerto da pág. 56 do relatório)


Agora gostaria de chamar a atenção que este documento, em parte estará "autenticado", de acordo com dinâmica que os nossos "comissários" conseguiram imprimir na altura. Mas este documento (, acta de reunião, )  não foi de certeza "produzido" por nenhuma Repartição do QG/CCFAG [ Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, criado mais tarde, em meados de agosto de 1974]...

Este tipo de documentos surgiram de negociações que decorreram entre o encarregado do Governo [, Carlos Fabião, aqui na foto, à esquerda, em 1973, major, comandante das novas milícias] , e a direção do PAIGC,  não entre o Comando do CTIG e do PAIGC! Entre estes últimos, houve apenas reuniões para tratar da entrega de aquartelamentos e do processo de retirada (Missões militares!!!).

Por coincidência, nesta província da Guiné, o Governador acumulava o cargo de Comandante Chefe... Entendem-me? Na parte de negociações políticas com o PAIGC, que foram em Argel e no Chão da Guiné também, mas aí o governador Carlos Fabião foi apenas acompanhado por oficiais do MFA (nossos "comissários políticos" na Zona).

Quanto a negociações no âmbito militar, o brigadeiro graduado Carlos Fabião, era acompanhado pelo brigadeiro Galvão de Figueiredo e pelo seu, único na altura (Comando Unificado), Chefe do Estado-Maior, coronel do Corpo do Estado-Maior, Henrique Gonçalves Vaz, nomeadamente nas reuniões para entrega dos aquartelamentos da Ilha de Bissau, com os comandantes Bobo Keita e Gazela.


Resumindo e "baralhando"... este documento que é aqui apresentado, tem todo o "aspecto" de ser verdadeiro, mas é de cariz cívil, e relativo a  acordos políticos, e não de reuniões de cariz militar. Neste aspeto, não misturamos as "águas": os dois processos foram distintos, e assim decorreram até ao final, pelo menos na Guiné Portuguesa.

Grande Abraço,

Luís Beleza Vaz (**)
______________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)


(**) Último poste da série > 17 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9619: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74 (6): A propósito da autenticidade da ata da reunião de Cacine, de 29 de julho de 1974, entre uma delegação das NT e um delegação do PAIGC, onde se decidiu da sorte dos nossos camaradas guineenses (António J. Pereira da Costa)

Guiné 63/74 - P9619: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): A propósito da autenticidade da ata da reunião de Cacine, de 29 de julho de 1974, entre uma delegação das NT e um delegação do PAIGC, onde se decidiu da sorte dos nossos camaradas guineenses (António J. Pereira da Costa)

1. Texto de António J. Pereira da Costa [, Tozé, para os camarigos,], elaborado a pedido dos editores. Tem data de 14 do corrente, e é relativo ao assunto versado no poste P9602 (*):

Camaradas (**):


Este documento parece-me o rascunho da acta da reunião [, em Cacine, entre uma delegação portuguesa chefiada pelo brig grad Carlos Fabião e uma delegação do PAIGC]. Parece-me ser "autêntico", isto é, produzido em 29 de julho de 19744. Não estando assinado, é difícil ir mais longe.

Como nele se vê, são tratados diversos temas e não apenas a questão do Batalhão de Comandos Africanos.


O PAIGC parece querer assumir o controlo do Batalhão e saber, de antemão, que a FLING não é nada mas interessa-lhe que ela seja qualquer coisa...

É evidente o clima de desconfiança reinante no Batalhão. Uns ainda pensavam que o PAIGC estaria disposto a integrá-los na sociedade e a esquecer o sucedido. Daí a referência aos cursos de formação profissional acelerada (impossíveis, como se sabe). Outros adivinhavam que isso não sucederia e que maus tempos estavam para chegar.


O PAICG assume realmente que alguns elementos do Batalhão eram socialmente irrecuperáveis. Para além do Marcelino [da Mata] (***) [, aqui, à esquerda, em foto do nosso camarigo José Casimiro Carvalho],  não há mais nomes, talvez porque tinha havido uma reunião como os oficiais do BCmds e o Partido não se quereria referir a eles abertamente.

Contudo, como se vê, não há a menor intenção do PAIGC de que os constituintes do BCmds fossem considerados como portugueses, o que implicaria a sua expulsão imediata do país e, mais que provável, perda de nacionalidade.

Por mim, e doa a quem doer, o PAIGC agiu de má fé. Ao pretender desarmar o BCmds queria simplesmente anular uma muito possível rebelião (muito sangrenta, mas destinada ao fracasso), atitude que se pode considerar como normal numa força política que ascende ao poder, descobrindo que agora é que os seus problemas iam começar, a sério.

Numa segunda fase trataria - como o fez - de os eliminar, social ou mesmo fisicamente. Não creio que "a população" estivesse interessada em hostilizar ou maltratar o pessoal do BCmds. A generalidade da população tinha mais em que pensar do que andar à "caça ao comando". Só excepcionalmente poderiam surgir situações de violência entre elementos do BCmds e pequenos grupos ou elementos isolados da população.

Para mim, esta foi uma consequência (sempre previsível) da "guineização da guerra". Em qualquer situação semelhante, há sempre uma boa parte da população de um país que está na oposição à força vencedora, ou porque "colaborou com o inimigo" ou "recebeu apoio dele". São os vencidos das guerras civis ou os colaboracionistas. Mesmo quando há uma "reconciliação" (e tantas tem havido), há sempre "dificuldades de integração" que a historiografia normalmente esquece, por não merecer investigação e ter pouco valor como tema para a literatura...

Finalmente acho estranhíssimo que este documento tenha sido encontrado no emissor da Buraca da Rádio Renascença [, dinamitado por forças da CCP 121, em 7 de novembro de 1975]. Como terá ele ido lá parar? Com que fim? Simples curiosidade do possuidor que, depois, sentiu os dedos a queimar e largou? Foi bom que não se tenha perdido. Creio que o AHM [, Arquivo Histórico Militar,] deverá ser depositário deste e doutros documentos similares que por aí andam.

Quando penso na quantidade de arquivos das companhias e batalhões que hoje não conseguimos localizar, pergunto-me para onde poderão ter ido. Posso admitir que a documentação das ultimas unidades se possa ter "perdido" ou ter sido elaborada com muito menos cuidado, mas relativamente às mais antigas, não entendo. De posse dessa documentação poderíamos desenvolver estudos que nos permitiriam reconstituir coisas tão complexas como a evolução táctica no "nosso" sector. Enfim procuremos...

Um Abraço e peço desculpa por me ter alargado
António José Pereira da Costa

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

(**) Último poste da série > 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9612: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (5): Lista de oficiais CEM do QG do CTIG (Luís Gonçalves Vaz)

(***) De acordo com Carlos Fabião no seu depoimento sobre a descolonização da Guiné, de 11 de abril de 2002, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida, Marcelino da Mata, embora comando, não pertencia formal ou organicamente ao Batalhão de Comandos Africanos (Fabião refere-se a dois BCmds, certamente por lapso, ao julgamos saber): 

(...) Manuel de Lucena: Portanto, as milícias viviam no seio das populações. Mas Spínola também fez comandos especiais negros.

Carlos Fabião: Sim, sim, mas esses comandos é uma coisa à parte. Tropas africanas havia: primeiro a guarnição normal, eram quatro companhias de caçadores. Tudo o resto era reforço. Tínhamos quatro companhias de caçadores normais. Tínhamos dois batalhões de
comandos africanos, tínhamos uma bateria de artilharia.

Manuel de Lucena: Os dois batalhões de comandos africanos eram tropa especial?


Coronel Fabião: Tropa especial. E então havia uma outra tropa muito mais especial, que eram gajos que combatiam à paisana e em grupos muito pequeninos, comandados pelo Marcelino da Mata, de quem eu sou muito amigo. O Marcelino da Mata, que era um
guerreiro como eu nunca vi, pegava em quinze homens e ia com eles. Estava aqui um acampamento, e a gente dizia assim: «Vocês vão ser lançados aqui, destroem o acampamento e fogem para ali. Ali estão os helicópteros a recolher. Quem não chegar, não chegou». O Marcelino ia com os seus homens, desembarcavam aqui, entravam
por aqui, limpavam isto tudo, depois iam para ali, os helicópteros iam chegando. Esta era a tropa especial para acções especialíssimas. Iam à República da Guiné com a maior facilidade, como um tipo vai aqui à esquina beber café.


Luís Salgado Matos: A logística dessa tropa era a dos comandos africanos?


Carlos Fabião: Era. Havia um posto de comando que orientava aquilo tudo, que era o Marcelino da Mata. Não. Era o Almeida Bruno e o António Ramos. Depois, eram as tropas especiais, eram companhias de caçadores com indivíduos vindos da metrópole.(...)

Guiné 63/74 - P9618: Parabéns a você (393): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9606: Parabéns a você (392): António Batista, ex-Sold At da CCAÇ 3490 / BART 3872, prisioneiro do PAIGG (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Guiné 63/74 – P9617: Convívios (403): XIII Convívio da CCAÇ 3549, dia 31de Março, em Vizela /Guimarães (José Cortes)





1.  O nosso Camarada José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74, solicita-nos a divulgação do programa da próxima festa anual da sua companhia.


__________

Nota de MR:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P9616: Os nossos seres, saberes e lazeres (43): João Crisóstomo, um português das Américas..., mas também de Torres Vedras, de Porto Gole e do Enxalé... (Eurico Mendes, Portuguese Times, 9 de fevereiro de 2011)



The Portuguese Times: Semanário, publicado em New Bedford, Mass, USA.  Edição nº 2068, de 9 de fevereiro de 2011.


(Artigo sobre o nosso camarada João Crisóstomo, reproduzido com a devida e a indicação da fonte: Copyright © 1997/2001 The Portuguese Times. Autorizada a reprodução de artigos publicados nesta página desde que mencionada a origem)

As cruzadas de João Crisóstomo, o mordomo ativista de New York
por Eurico Mendes



Nos romances policiais de antigamente, o mordomo era sempre o principal suspeito e a regra confirma-se na exposição These are my People! The Story of Aristides de Sousa Mendes patente até finais de março no Holocaust Memorial and Tolerance Center de Nassau County, em Long Island, NY.


O suspeito da iniciativa é João Crisóstomo [ foto à direita,], português residente em New York há 35 anos, mordomo de profissão e, nas horas vagas, militante de causas nobres: as gravuras rupestres de Foz Coa, a independência de Timor Leste, a memória de Aristides Sousa Mendes e, presentemente, a independência do Sahara Ocidental, a antiga colónia da Espanha na África Ocidental que Marrocos e Mauritânia resolveram repartir.


Nasceu em Torres Vedras, numa família católica que lhe deu nome de santo. São João Crisóstomo, esclareça-se, foi bispo de Constantinopola e ergueu a voz contra os flagelos sociais ficando conhecido como João Boca-de-Ouro. 

Chegou a andar no seminário decidido a tornar-se mordomo de Deus, mas acabou por servir outros amos, a começar pelo Estado português. Fez a guerra colonial na Guiné Bissau, alferes da CCaç 1439, que esteve no Enxalé, na confluência do rio Corubal com o Geba.


Resolveu depois conhecer mundo trabalhando na hotelaria. Andou por Inglaterra, França e Alemanha, melhorava os conhecimentos de inglês e francês e cogitava voltar a Portugal e tornar-se rececionista num hotel, o que viria a acontecer na década de 70, mas no Rio de Janeiro, onde tirou um curso de hotelaria na Pontifícia Universidade Católica e trabalhou na receção de um hotel.

Por sugestão de um professor, chegou um dia a New York e matriculou-se na Cornell University. Tencionava regressar ao Rio de Janeiro, onde já tinha a sua base, mas em 1975 soube que Jacqueline Kennedy Onassis procurava mordomo, ofereceu os seus serviços e ficou. A única exigência de Jackie foi, uma vez que Francisco é outro dos nomes de Crisóstomo, chamar-lhe Frank em vez de John, uma vez que já chamava John ao filho.


João Crisóstomo talvez não fizesse ideia disso, mas quando o contratou a ex-primeira-dama já estava familiarizada com as qualidades de trabalho dos portugueses. Foi criada na vitoriana Hammersmith Farm, em Newport, RI, onde a maioria dos pescadores, agricultores e empregados domésticos eram portugueses. O primeiro marido, John Fitzgerald Kennedy, também cresceu com portugueses.

Diz-se que o famoso capitão Manuel Zorra, algarvio de Olhão que ficou na história de Provincetown, no Cape Cod, ensinou John Kennedy a velejar a pedido do pai dele, Joe Kennedy. Por outro lado, ainda como senador, John Kennedy foi decisivo no destino de
milhares de portugueses ao conseguir fazer aprovar o Azorean Refugee Act, que permitiu a imigração de milhares de açorianos desalojados pela crise vulcânica dos Capelinhos, na ilha do Faial, em 1957.

Crisóstomo considera uma experiência extraordinária ter trabalhado para Jackie e reconhece que aprendeu com ela a lutar pelas causas em que acredita. "A determinação de Jacqueline influenciou-me muito, contudo ela nunca teve influência nos movimentos que lancei, mas o filho, John-John, teve".

Jacqueline sempre foi denodada. Nos anos 60, em Washington, conseguiu evitar o desaparecimento da histórica Lafayette Square, parque que fez inicialmente parte da Casa Branca. Nos anos 70, em New York, empenhou-se contra a demolição do Grand Central Terminal, a estação de comboios na Rua 42 com a Park Avenue e contra alterações urbanísticas no Colombus Circle.


Ao lado do seu amo, como Alfred Pennyworth, o mordomo do Batman ou Hobson, mordomo dos filmes Arthur, magistralmente interpretado por John Gielgud, Crisóstomo esteve ao lado de Jackie na campanha pelo Grand Central Terminal, tomou-lhe o gosto, passando a dedicar os tempos livres a lutar por causas em que acredita e a primeira foram as gravuras rupestres de paleolíticas de Foz Côa.


Há 20 mil anos, o homem gravara milhares de desenhos representando cavalos e bovídeos nas rochas xistosas do vale do Côa, afluente do rio Douro, no nordeste de Portugal e o governo, chefiado pelo atual presidente, Cavaco Silva, propunha-se construir uma barragem e submergir as gravuras. Crisóstomo ficou indignado e enviou cartas ao New York Times e ao secretário-geral da ONU, Butros Ghali, a explicar o que se passava em Portugal, mas decisiva terá sido a carta entregue a Rupert Murdoch, o empresário australiano (naturalizado americano) com jornais e redes de televisão nos EUA, Reino Unidos e Austrália. Com uma fortuna de 6,3 biliões de dólares, Murdoch pode ter muitos mordomos e os de New York são portugueses e amigos de Crisóstomo.


"Foi simples, entreguei a carta aos meus amigos e pedi-lhes que entregassem ao patrão. Nos EUA, Murdoch é dono do Wall Street Journal, New York Post e Boston Herald, mas, uma vez que se tratava de um caso num país da Europa, preferiu utilizar o seu principal jornal europeu, o Times londrino, que publicou um artigo intitulado Portugal tem que parar com o vandalismo do século XX".


Denunciado na imprensa internacional, o escândalo das gravuras tornou-se um dos assuntos mais mediáticos desse final de ano de 1994. O Comité de Arte Rupestre na UNESCO considerou que Foz Côa a "maior estação paleolítica ao ar livre da Europa, senão do mundo", o governo de Cavaco Silva acabou por não tomar nenhuma decisão antes das eleições de 1995 e o novo primeiro-ministro, o socialista António Guterres, suspendeu a construção da barragem.


Se Foz Côa é hoje a maior mostra de arte rupestre paleolítica ao ar livre, deve-se em parte a João Crisóstomo.

A cruzada seguinte foi a autodeterminação de Timor Leste. Crisóstomo criou o LAMETA (Movimento Luso-americano para a Autodeterminação de Timor-Leste), do qual era presidente e que publicava um boletim fotocopiado. Promovia manifestações frente às Nações Unidas, em New York, em que participavam imigrantes portugueses e Constantino Pinto, o atual embaixador timorense em Washington e que era ao tempo estudante na Brown University, em Providence, RI.

A LAMETA deu uma ajuda à diplomacia portuguesa na campanha para convencer o presidente Bill Clinton a pressionar a Indonésia para aceitar a realização de um referendo organizado pelas Nações Unidas, que teria lugar em 1999 e no qual 80% da população votou pela indepêndencia.

Durante essa luta Crisóstomo conheceu Anne Treseder, advogada de San Francisco que integrava o ETAN (East Timor and Indonesia Action Network) e que lhe falou pela primeira vez de Aristides de Sousa Mendes. Treseder, que tem escrito em várias publicações sobre Portugal e Cabo Verde, passou a interessar-se pelos judeus em Portugal quando conheceu Carlos de Sousa Mendes, neto de Aristides Sousa Mendes.

"Para ajudar Timor-Leste, impunha-se conseguir o apoio da imprensa. Ora, grande parte da imprensa dos EUA está nas mãos de judeus e, para conseguir o apoio deles, Anne Treseder sugeriu-me que lhes falasse de Aristides de Sousa Mendes e o cônsul acabou por se tornar uma causa apaixonante para mim", esclarece João Crisóstomo.


No começo da II Guerra Mundial, Aristides era cônsul de Portugal na cidade francesa de Bordéus e, de 16 a 23 de junho de 1939, contrariando instruções do governo português, concedeu vistos a 30 mil refugiados, dos quais 12 mil judeus, possibilitando-lhes chegar a Portugal e escapar aos horrores dos campos de concentração nazis.


Sousa Mendes foi demitido e morreu na penúria em 1954, em Lisboa e os seus 12 filhos, que tinham imigrado para os EUA e Canadá, iniciaram um movimento internacional pela reabilitação da memória do pai. Em 1961, Sousa Mendes foi homenageado em Israel com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: foram plantadas 20 árvores em seu nome no Jardim dos Justos entre as Nações, que recorda não só as vítimas do holocausto, mas também aqueles que ajudaram os judeus durante esse horrorosa perseguição.

Presentemente maitre (responsável pelo serviço de refeições) de um banco novaiorquino, Crisóstomo é tão bem sucedido na vida profissional como tem sido como ativista. Aliás, os contatos que a profissão proporciona, com altas personalidades da finança, da politica e do jornalismo, têm facilitado a outra atividade como defensor de causas.


O quartel-general é a sua própria casa, o equipamento resume-se ao telemóvel, fax e computador e o resto é questão de empenho em persuadir todos os que possam ajudar. É um dos vice-presidentes da Fundação Internacional Raul Wallenberg, um diplomata sueco que, durante a II Guerra Mundial, com a colaboração do cônsul suiço Carl Lutz, conseguiu mandar 55.000 judeus húngaros para a Suiça e poupá-los ao holocausto.


Depois da libertação de Budapeste, as tropas soviéticas prenderam-no e Wallerbeng morreu na prisão. Fascinado pela figura de Aristides Sousa Mendes, Crisóstomo promove anualmente uma iniciativa para "mostrar o herói português aos americanos". Há dois anos, promoveu a exposição Visas for Life, evocando Aristides de Sousa Mendes e outros diplomatas cuja ação permitiu salvar também milhares de judeus do holocausto: os portugueses Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho e os brasileiros Luis Sousa Dantas e João Guimarães Rosa, o autor do romance Grande Sertão: Veredas. Além de médico e um dos maiores autores brasileiros de todos os tempos, Guimarães Rosa foi também diplomata, iniciando esta carreira como cônsul-adjunto em Hamburgo, Alemanha (1938-1942), onde ele com ajuda da esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, emitiu mais vistos do que as cotas


legalmente estipuladas e possibilitou que muitos judeus fugissem para o Brasil. Depois da guerra, o escritor e a esposa mereceram o reconhecimento do estado de Israel. Aracy é mesmo a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto em Israel.


O ano passado, assinalando a passagem dos 70 anos da emissão de vistos, Crisóstomo organizou a exposição do livro de registos do consulado de Bordéus no Museu da Herança Judaica de New York. Este ano é a exposição no Holocaust Memorial and Tolerance Center de Nassau County inaugurada no passado domingo com a presença de António Rodrigues, que veio expressamente de Portugal. Trata-se de um colega e amigo de Crisóstomo, colaborador habitual das suas cruzadas.

Rodrigues era mordomo do filho de Jackie, John F. Kennedy Jr. morto a 16 de julho de 1999 quando o seu pequeno avião de recreio se despenhou no Atlântico, num acidente em que perderam também a vida a sua mulher, Carolyn Bessette Kennedy e a cunhada, Lauren Bessette. O jovem casal tinha dois animais de estimação, o gato Ruby e o cão Friday que foram separados depois da trágica morte dos donos. O gato foi adotado por um amigo em New York e o cão foi levado por António Rodrigues para Portugal, onde morreu há anos.


As cruzadas tornaram-no conhecido e Crisóstomo foi um dos participantes da série Portugueses no Mundo dedicada a New York e que passou recentemente na RTP. Falou do Grande Central Terminal, onde iniciou a carreira de ativista e do Strawberry Fields, praceta entre o Central Park e a Rua 72 Oeste, frente ao Dakota Apartments, onde o cantor e compositor John Lennon foi assassinado no dia 8 de dezembro de 1980. A praceta, a reproduzir em calçada um mosaico da cidade italiana de Pompeia, foi desenhada por Bruce Kelly, arquiteto chefe do Central Park, mas a execução foi de calceteiros cedidos pela câmara municipal de Lisboa.

E é este o retrato à la minuta de João Crisóstomo, um português na América e que gosta de mostrar aos americanos a cultura e a história do seu povo. Se, por exemplo, Crisóstomo for apresentado a alguém e disser que a sua língua materna é o português, acrescentará de
imediato: "É o quinto idioma mais falado do mundo".
____________________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9599: Os nossos seres, saberes e lazeres (42): Saltar de pára-quedas, um sonho realizado depois dos sessenta(Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P9615: Blogoterapia (201): De Nova Iorque com saudade e camarigagem (João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/66)

1. Mensagem,   com data de 14 do corrente, do nosso camarada nova-iorquino (perdão: natural de Torres Vedras, vivendo em Nova Iorque)  João Crisóstomo, ex-Alf Mil, CCAÇ 1439 (Exnaxlé, Porto Gole, Missirá, 1965/66)

Assunto: Hello....

Caro Luis Graça,

Foi muito bom  poder falar contigo ao telefone. Embora não tenhamos estado juntos ao mesmo tempo  na Guiné ,  verifico que esta  é para ti o mesmo que para mim;   de certa maneira um paradoxo,   algo de muita saudade,   apesar da muita dor e recordações  a esse tempo  associadas.

 Depois de falar contigo,  falei  também (ao  telefone)   com  uma dúzia de camaradas, da minha CCaç 1439, com o Henrique Matos e até consegui falar com o Beja Santos.  Ainda não consegui falar com o Figueiredo que está organizando o encontro em Viseu,  a 26  de Maio.

Mantenhamo-nos em contacto e trocamos as informações e pormenores  conforme delas tivermos conhecimento.

Obrigado pelo teu  tempo e pelas fortes  emoções que  não pude deixar de sentir ao falar contigo. A lembrança da  Guiné faz-me sempre isso.

Um abraço grande  com muita amizade ,
João
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9489: Blogoterapia (200): O Macaréu que vence o rio mas não o anula  (Joauim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P9614: Notícias de Carlos Cordeiro: Estou vivo e de boa saúde

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Cordeiro* (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), Professor na Universidade dos Açores, com data de 13 de Março de 2012:

Caríssimos Carlos e José Câmara,
Só mesmo para vos mandar um abraço.
Tenho andado aqui metido com a biografia de Machado Santos e não olho a mais nada, pois o encomendador anda constantemente a puxar-nos as orelhas. No fim de Março será mesmo entregue.
Entretanto, tenho... o resto para fazer. É a vida, como dizia o outro.

A semana passada foi à minha antiga Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, onde estudei e leccionei. Pediram-me para ir falar sobre açorianos na guerra do Ultramar, pois o tema que a escola escolheu como projecto de escola (acho que é assim) é precisamente sobre a aquela guerra.

Foi interessante, pois os alunos (eram dos anos mais avançados) foram muito interventivos. Foi emocionante para mim, pois colocaram lá uma selecção de fotos de antigos alunos mortos na guerra. Tinha lá a de um meu antigo colega de escola e de turma. Era daqueles estudantes muito indisciplinados e que saiu quase directamente para a tropa. Gostava muito dele. É o primeiro de cima à direita. O último de baixo também à direita foi o primeiro açoriano que morreu lá; morava na minha rua.


No fim do mês haverá outra sessão do ciclo de conferências (a última foi de mão cheia, conforme foto). Desta vez será também uma colega da Universidade, a Prof.ª Doutora Gabriela Castro. Título: "Que promessa?". Ela é da área da Filosofia e vai falar-nos do sentido das promessas que fazíamos ao partir, à
família, etc. e depois a mudança que as circunstâncias trouxeram para estas promessas. Falará também no significado das promessas religiosas feitas por nós e pela família (geralmente as mães) para nós cumprirmos.
Ela também é uma belíssima comunicadora e espero que os camaradas continuem a aderir.

Trabalhamos sempre com prata da casa. Talvez um dia nos abalancemos a voos mais altos, por exemplo, um colóquio. Mas isto com calma.

Um abraço amigo aos dois do
Carlos Cordeiro
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9427: Agenda Cultural (185): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (10): Intervenção da Prof. Dra. Célia Carvalho, dia 3 de Fevereiro de 2012 no Anfiteatro B da Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P9613: Notas de leitura (342): O Boletim Geral do Ultramar (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 13 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Mais algumas anotações sobre a versão edulcorada de uma guerra exclusivamente ditada por gente que atacava e que prontamente retirava, obrigando as Forças Armadas a um policiamento incessante. Não sendo prodigiosa estas técnicas de ocultação, a verdade é que não era possível dimensionar o ecrã da guerra, quais os efetivos, as dificuldades e, sobretudo, onde estava o inimigo e qual a sua massa específica. Muitas vezes, era pelas notas oficiosas que se ficava a saber que o conflito se estendia para lá das fronteiras. Mas a neblina informativa estava bem montada, entre “nós” e os “outros” a distância podia ser enorme ou uma pura ficção.

Um abraço do
Mário


A guerra da Guiné no Boletim Geral do Ultramar (3)

Beja Santos

Não é de mais insistir que o Boletim publicado pela Agência-Geral do Ultramar* não é fonte de surpresas e achados sobre a evolução da guerra da Guiné. O Boletim era uma publicação oficiosa, veiculava os discursos dos governantes, noticiava eventos, encerrava doutrinação ideológica, havia recensão de obras e muita informação, até mesmo notas de ministérios. É, no entanto, um bom barómetro para se aferir o que o regime pretendia transmitir como corrente de pensamento: não existia guerra, existia uma agressão do exterior; as ações combativas tinham um termo eufemístico, eram policiamento contra um terrorismo que ameaçava populações; é deliberadamente esbatida a fronteira entre o político e o militar, quando um ministro visita uma povoação é recebido em delírio, vitorioso, aparecem sempre ali uns militares, há umas reuniões misturadas com inaugurações, etc. E durante anos deu-se uma imagem de brandos costumes e de uma enorme tenacidade a expulsar bandoleiros que acidentalmente voltavam como num movimento de eterno retorno.

Entra-se agora no ano de 1967. Estamos em Fevereiro, e chega a Bissau o ministro da Defesa Nacional, General Gomes de Araújo. Endereça uma saudação aos guineenses: “Nesta hora de luta imposta do exterior”. E tece um elogio: “As Forças Armadas e todos os que com ela colaboram nesta missão sagrada têm-na cumprido brilhantemente”. O ministro, surpreendentemente, não se confina às viagens da praxe: visita o Leste, incluindo Madina do Boé e Beli; almoça em Bambadinca e segue depois para Jabadá; no dia seguinte deslocou-se a Tite, Bedanda e Bolama. Depois, a 15, no percurso para Mansabá e Farim, “teve ocasião de sobrevoar diversas obras em curso”. Presumivelmente por meios aéreos, visitou Guidage, Ingoré, Ingorezinho e S. Domingos. A 16, esteve em Cutia, Mansoa, Biambe, Bula “onde assistiu ao regresso de elementos que recorriam de uma ação e ouviu um relato sobre a situação. Chegou a Lisboa a 20, onde discursou: posso transmitir ao país que o moral das tropas é extremamente elevado e que a consciência da missão é perfeita e que o espírito de determinação é invulgar”. E deixa bem claro: "na Guiné não houve nem há insurreição, nem sublevação. As populações, sempre que atacadas pelos terroristas, acolhem-se ao abrigo das Forças Armadas”. Nesse mesmo mês é conferida posse ao novo secretário-geral da província da Guiné, Dr. José Manuel Marques Palmeirim.

Em Abril, graças à TAP que instituíra o Prémio Governador da Guiné, estão de férias na Metrópole o Alferes de 2.ª Linha Samba Ganha Baldé, régulo de Joladu, o Guarda de Polícia Administrativa Calilo Sibedé e o Marinheiro Fuzileiro Especial Amândio Rodrigues Coelho. Em 19 de Maio, Salazar recebe os desportistas do Ténis Clube de Bissau que vieram jogar para a Taça de Portugal. Os jornalistas logo apontam a vontade indómita dos guineenses superarem com serenidade a fúria destruidora dos terroristas a Sul do estrangeiro.

Em Junho, são contemplados com o Prémio Governador da Guiné o Soldado Manuel Aires da Costa, o Guia Auxiliar Chefe Malan Djassi e o Caçador Aleu Mari.

Em Julho, o Governador Schulz veio a Lisboa e discursa: “O inimigo tem sido batido e tem sofrido pesadas baixas humanas e em material em todas as zonas da Província onde aparece. Enquanto o inimigo persistir nos seus traiçoeiros e cobardes ataques às populações, que de forma alguma querem esta guerra, nós ali estaremos para o bater, até que definitivamente seja expulso e nenhum resto nas terras da Guiné”. Fica-se também a saber que o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa vai promover a realização do Concurso Científico e Literário, contemplando ciências exatas (Prémio Honório Barreto), ciências especulativas (Prémio Edmundo Correia Lopes) e literatura (Prémio Sena Barcelos).

Em Setembro desse ano, temos uma nova nota oficiosa do Ministério dos Negócios Estrangeiros por causa da violação da fronteira senegalesa. Mais uma vez, é tudo um embuste, um delírio de gente maldosa. A explicação é bem simples: “Na noite de 5 para 6 de Agosto último alguns elementos terroristas, vindos de território senegalês, atravessaram a fronteira com a província portuguesa da Guiné e atacaram a povoação de Cossolol Catetia. Neste ataque, os terroristas utilizaram morteiros, metralhadoras pesadas e pistolas-metralhadoras. A população reagiu em legítima defesa. As Forças Armadas Portuguesas, em consonância com as suas instruções permanentes, não ultrapassaram os limites do território nacional".

E assim chegamos a 1968. Logo no primeiro número, Amândio César escreve sobre o Natal na poesia portuguesa e quanto à Guiné ilustra com um poeta combatente, Armor Pires Mota e este seu poema:

Natal nos corpos caídos,
Varados pela metralha:
Jovens de olhos turvos de sangue
E angústia de metralha.

Natal nos olhos vencidos
Dos homens que fogem as ruas
As esquinas e as luas
Com medo da sua sombra.

Natal na selva entre pássaros e serpentes,
(O Menino gosta de meninos negros,
Mas nem sabem que Ele existe!).

Natal para as crianças nuas,
De mãos sujas de brincar,
Brincando nas mãos e nos olhos
Um sonho triste.

Natal nos corpos caídos,
Varados pela metralha:
Jovens de olhos turvos de sangue
E angústia de mortalha.

Natal de granadas no seio
E morte nas mãos acesas,
Não Natal!

O Almirante Thomaz visitou em Fevereiro a Guiné, viajou a bordo do paquete “Funchal”. De acordo com o boletim, a comunidade islâmica trata o presidente da República como o emir de todos os portugueses. Um fula desabafa para um jornalista: “Se os portugueses se fossem embora, ainda tínhamos de continuar a guerra, até acabar com o último fula: isto é o que afirmam os terroristas”.

Em 28 de Março, temos uma nota do Ministério da Defesa Nacional a propósito de uma avioneta, que, devido a uma avaria, tinha aterrado em Aldeia Formosa, tratava-se de um bimotor de fabrico russo com matrícula da República da Guiné, transportava seis passageiros, todos de nacionalidade maliana, pertenciam à delegação da República do Mali à conferência dos estados confinantes com o rio do Senegal. A nota é intimidatória: “Em mais de uma ocasião alguns grupos de terroristas, baseados na República da Guiné capturaram em território da província cinco militares portugueses, entre os quais o 1.º Sargento António de Sousa Lobato, e levaram-nos para aquele país onde os têm conservado num regime que se tem de classificar de cárcere privado. O governo português determinou o internamento do referido avião e dos tripulantes, e declara que estes só serão entregues quando forem libertados os cinco militares portugueses”.

Em Abril, na maior das discrições, Arnaldo Schulz termina a sua comissão de 4 anos. Salazar vai nomear o novo Governador e Comandante-Chefe, alguém que traz uma áurea de prestígio de Angola.
A era de Spínola vai começar.

(Continua)
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9468: Notas de leitura (331): O Boletim Geral do Ultramar (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9598: Notas de leitura (341): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (5) (Mário Beja Santos)