1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 3 de Julho de 2013:
Estimados caros amigos Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro:
Recebam um grande abraço e os maiores votos da continuação de uma boa forma para a sustentação deste querido Blogue.
Rui Silva
A propósito de médicos militares na Guiné
Ultimamente tem-se “falado” no Blogue de médicos incorporados nas tropas na Guiné e então fez-me lembrar um episódio; episódio que tem o valor que tem, ou que lhe queiram dar.
Não indico, por razões de princípio e óbvias, os nomes dos principais protagonistas: Médico psiquiatra no Olossato e Furriel com a cisma do “Paludismo crónico”.
A minha Companhia era das ditas independentes. Independente de quê, não cheguei a saber. Era, era bem dependente do Batalhão. Primeiro do BArt 645 os “Águias Negras” (águias com 3 cabeças!) e depois deste vir embora passou para a alçada do BCaç 1857.
Um e outro com sede em Mansoa. Zona de Ação: Oio, ou grande parte deste.
As Companhias ditas independentes eram assim como Companhias bastardas e ao que parecia as mais sacrificadas, para fazer jus ao epíteto. As do próprio Batalhão eram mais protegidas. Isto era o que bem parecia e o que se dizia. Terá sido bem assim? Bom, que a minha Companhia era quase sempre o Grupo de Assalto…
Não, não. Não pretendo fazer juízos de valor, e então lembrar-me dos que andaram por exemplo na operação Tridente, dos que estiveram em Guileje, Guidage, na fase final da guerra, entre outros lugares… Irra (!) por bons sítios ainda andei eu, afinal.
A minha Companhia não tinha médico próprio e, em Bissorã, quando estávamos ali com a 643 (Companhia de BArt 645) julgo que ali havia um clínico permanente e que pertencia ao efetivo do Batalhão. Não tenho a certeza porque, felizmente, não tive necessidade dos seus préstimos, isto em cerca de 5 meses que a Companhia 816 ali esteve.
No Olossato onde a Companhia 816 trabalhava já sozinha, a visita do médico era esporádica, mas, mais ou menos regular, convenhamos.
A messe dos Furriéis no Olossato. As portas da fachada, são as do refeitório e a primeira janela do lado esquerdo é a do meu quarto, onde ficava com mais 3 camaradas. Ali, no refeitório, comia-se menos mal, escreviam-se os aerogramas, ouvia-se a toda a hora o Roberto Carlos (quase sempre “Quero que todo o mais vá pr’ó inferno”) e jogava-se a batota à noite, e às vezes com batatada pelo meio (só ameaços).
Foto do álbum fotográfico do meu amigo José Augusto Ribeiro, ex-Furriel mil. da 566, que aqui reproduzo com a devida vénia.
E por falar de saúde, aqui se ilustra e se interroga se estávamos a tratar da saúde ou a dar cabo dela. Depois das “operações vaca” não faltavam uns miolos fritos bem regados com cerveja (bebia-se tipo trompete). Era um pitéu que acontecia muitas vezes e ao meio da manhã. E tão bem que sabia! Dimais! Travessa e pratos da época: alumínio engelhado. Copos? não me lembro!
Estávamos então uns poucos de Furriéis na nossa messe no Olossato quando chega um Furriel camarada, da consulta no médico.
Perguntamos-lhe então qual era o problema.
- “O que é que o médico disse?”
- “Ele respondeu que isto passava, que, do que eu me queixo, ele anda bem pior, mas que não dá importância, que isso passa”.
- “Disse-lhe que me doía a barriga e ele aponta-me o sítio: “É aqui.?” “É mesmo aí Sr. Doutor”, ao qual ele me reponde: “É exatamente como eu, ando aí com umas dores…, mas, nem ligo, é melhor não tomar nada, que isto passa.”
- “Bom, como vi que o médico afinal ainda andava igual ou pior do que eu, vim resignado”.
Aqui então é que se despoletou a discussão.
- “Oh(!) caramba!!,” - disse outro após aquela queixa e ulterior resultado:
- “Ele também disse que andava pior do que eu. Queixei-me das costas e após algumas perguntas sobre outros sintomas ele diz-me”:
- ” Olhe, eu também ando exatamente como você e não me queixo. Isto passa.”
Outros ratificaram o diagnóstico/ terapêutica quase taxativo do médico, sobre os seus casos, e chegamos à conclusão que era uma boa maneira psicológica de tratar os pacientes. Podia era não chegar. Não havia drogas, o que dava um certo conforto, e o pessoal queixoso esquecia o seu mal.
- “Afinal quando o médico se queixa mais do que eu…”. Nem sequer sinal dos tais comprimidos que “saravam tudo”.
Aqueles comprimidos brancos de cerca de um centímetro de diâmetro que eram dados dois, embrulhados num papel, que nos davam na tropa na metrópole. Os comprimidos LM. Estava ali tudo neles, o que era preciso para curar, tudo (ou quase tudo).
Na Guiné não dei por eles. Os micróbios, fungos, parasitas e outros seres microscópicos que por ali andavam eram bem outros e mais variados (à la carte).
-
“Porque é que estes seres não são visíveis para que a gente possa dar conta deles antes que eles nos “cosam?” - como dizia um camarada meu, ajuntando que era um defeito da natureza.
Curiosa a imagem seguinte e legenda subsequente obtida e aqui reproduzida, com a devida vénia, do Blogue
http://bart1914.blogspot.pt
Por que foi que deixaram de fabricar os comprimidos "LM"?... Acudiam a tudo - diarreias, cefaleias, bicos de papagaio, panaríssios, enjoos, malária, gripes, tremideiras, eu sei lá mais o quê?
Após alguma pesquisa viemos a saber que o médico ali no Olossato era um Psiquiatra.
Bom, de Psiquiatra também precisávamos e não era pouco, pois os neurónios da malta não andavam bem sincronizados, naquela situação, mas precisávamos mais alguma coisa da medicina, obviamente. E então de erupções na pele havia para todos os gostos. Logo as virilhas com a “flor do congo” à cabeça. Manga de erupções cutâneas, em forma de borbulhas de rosetas, de manchas, etc.
Aqui, os enfermeiros, com o 1214, também resolviam boa parte dos problemas de pele. Os alérgicos à tintura de iodo (raros), às vezes ficavam era ainda bem pior. O Ásterol era bom mas dava para chamar
“oh da guarda!!”
Só que o 1214 não sarava tudo, o que era na pele, claro.
Mas que o Dr. Psiquiatra diagnosticou e
“terapeuticou” muita gente, à custa de
“boas palavras” e com (no mínimo) razoáveis resultados, lá isso foi uma boa verdade.
Tive um colega meu (julgo que o único caso do foro), que cismou que tinha o Paludismo crónico. Chegou a acordar-me alta madrugada com o
“Simpósium terapêutico” na mão a apontar-me os sintomas do Paludismo crónico. E que era isso mesmo que tinha.
Os sintomas, que o livro preconizava, coincidiam precisamente c’os dele, isto na sua maneira de ver, claro. Chegou a comprar um termómetro e a andar com ele no bolso.
Um dia, em Bissau, andávamos juntos a passear, quando a certa altura dei por a falta dele ao meu lado. Olho para trás e ele estava encostado a uma árvore a medir a temperatura na axila.
Ao ler, olha para mim e diz-me:
-
“Vês? Há pouco tinha 37.2 e agora já tenho 37.4. Vês? É uma característica do Paludismo crónico: oscilação da temperatura. Estou f…..”
Sei que após algum tempo recuperou, não sei se foi o aludido Psiquiatra que o curou. Se calhar até foi!
Passem bem!
Rui Silva
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Nota do editor:
Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2013 >
Guiné 63/74 - P11820: Os nossos médicos (63): O dr. Sousa Fernandes, o VCC de Guileje, era de Coimbra e infelizmente já nos deixou em 2000 (José Crisóstomo Lucas)