quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13743: Os nossos médicos (80): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (12): Até a Maria Turra dizia que o antipalúdico Pirimetamina, do Laboratório Militar, fazia mal à tusa...


Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > BCAÇ 3872 (1972/74 > Saltinho > O jovem alf mil med Rui Vieira Coelho no Rio Corubal, no Saltinho, em 1973. O Saltinho era o aquartelamento mais distante do Setor L5, sendo abastecido através do Setor L1 (Bambadinca)... Os abastecimentos eram desembarcados no Xime, e depois as forças do BCAÇ 3872 tinham que atravessar todo o território do Setor L1; Xime - Bambadinca - Mansambo - Xitole - Saltinho. O troço Xime-Bambadinca já era asfaltado (c. 10/12 km)... O pior eram os restantes 60/70 km...

 Foto: © Rui Vieira Coelho (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

1. Resposta,  a um comentário de LG. (*), enviada pelo  Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74) [, foto acima, em 1973, no mítico Rio Corubal, no Saltinho]


Data: 16 de Outubro de 2014 às 01:30

Assunto: Desidratação


Na Guiné pedia aos operacionais para não se esquecerem de tomar um anti-palúdico do Laboratório Militar, de nome Pirimetamina,  ás quintas e domingo,para evitar as crises palúdicas, que por vezes tomavam características graves como o Paludismo Cerebral.

Por vezes sentia-me a pregar aos peixes como Santo António, pois o pessoal achava que se tomassem os comprimidos teriam alterações negativas no seu desempenho sexual.

Enfim,  boatos que corriam em surdina entre os operacionais e que prejudicavam o desempenho da operacionalidade dos grupos de combate, das companhias e dos Batalhões .

A Maria Turra na emissão da Rádio do PAIGC utilizava por vezes o prejuízo que acarretava a toma de determinados medicamentos pelos nossos militares, explorando psicologicamente o temor fazendo com que os boatos se tornassem realidade tentando agravar a saúde psicológica e física das nossas forças. A contra-informação era uma realidade e uma arma poderosa da guerrilha também a ser explorada.

A pressão sobre os profissionais de saúde era grande e por vezes a desconfiança era a má conselheira, fazendo no meu caso pessoal com que tomasse os comprimidos na frente do pessoal na altura das refeições, para anular os boatos que pudessem persistir.

Nas crises palúdicas o tratamento era feito com Resochina em soro polielectrolítico e aplicação endovenosa e dava sempre uma incapacidade de alguns dias, sobrecarregando os colegas e diminuindo a capacidade operacional do grupo de combate a que pertenciam ou levando á substituição por outro pessoal o que moral e eticamente era reprovável no caso de serem feridos em combate.

O meu Gin Tónico pela manhã tinha o efeito de,  além de me sedentar, desentupir a gorja e também como medicamento visto a água tónica ter Quinino,  outro anti-palúdico.

Pela noite depois do jantar lá vinha o wisky com água Perrier, para acompanhar um bom bate papo no alpendre da messe de oficiais fazendo correr o tempo até chegar o grupo de combate que diariamente saía para patrulhamento. Só depois de ter a certeza que todos tinham chegado bem,  é que eu me recolhia para dormir depressa, pois acordava sempre pelas 6 horas da manhã, seco como as palhas á espera de um novo Gin para me restaurar a esperança de que esse dia seria muito melhor que o anterior.

Um abraço do Rui Vieira Coelho

Enviado do meu iPad

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Nota do editor:


Comentário de Luís Graça:

Meu caro Rui:

 (...) Quanto às tuas preocupações de médico com o risco de desidratação do pessoal em operações no mato... Em Bambadinca nas messes de oficiais e sargentos, a distribuição dos pacotinhos de sal e da pastilha de quinino estava assegurada pelo pessoal de serviço que punha a mesa ... Mas as praças, será que não se esqueciam frequentemente de tomar as "pastilhas" ? Os nossos soldados tinham mesmo que se desenrascar...

Já não me recordo com que frequência se tomava o medicamento para a prolilaxia do paludismo... Já não me recordo do nome... Já quanto ao "comer sal" todos os dias ao almoço, tornou-se um hábito saudável... Hoje é um das coisas que evito, o sal, o acúcar e a gordura...

Em todo o caso, a nossa alimentação era desiquilibrada... À boa maneira portuguesa, procurávamos fazer uma boa refeição ao almoço... E o resto era petisqueira, para quem podia... O pior era quando andavámos no mato: aí rapava-se fome, mas a tensão era grande, e a preocupação com o regressar são e salvo ao quartel amigo mais próximo inibia-nos de sentir fome... Um homem pode passar vários dias sem comer, mas não sem beber... Gerir 2 cantis de água para um operação de 2 dias era dramático... Por isso fazíamos a guerra de noite e de madrugada...

A desidratação e a perda de peso eram dois grandes problemas com se defrontavam os operacionais como eu... Cheguei a perder 4 a 5 kg. numa só operação... Por sistema, não levava ração de combate, mas apenas fruta e às vezes um frasquinho de uísque...

Gosto de gin tónico mas na Guiné preferia a água (filtrada) com uísque ou o uisque com água de Perrier. Pequenos luxos que nos ajudaram a sobreviver. Mais difícil era o "desmame", depois de passarmos à peluda... Hoje não bebo (ou só raramente bebo) um uísque. Na Guiné tinha outro sabor, outro encanto (...)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13742: (Ex)citações (239): "Desenrascanço" (António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72,. enviou-nos a seguinte mensagem.


Caro Magalhães, se entenderes que este desabafo escrito ao correr da pena e sem qualquer pesquisa mas em resposta ao desafio do Luís Graça ao qual preferi "fazer uma declaração de voto" `perante a cruzinha que pus na sondagem, então publica se o restante corpo editorial concordar.

Abraços para todos os tabanqueiros em geral e em particular para vocês, homens que aguentam o blog de pé!

Camaradas,

Há já muito tempo que não participo no blog do Luís Graça ainda que, de quando em vez, ou o procure ou ele (blog) esbarre em mim e me desperte a natural curiosidade.

Hoje foi uma dessas vezes e o tema "desenrascanço" na sondagem de opiniões sobre a sua existência, mereceu uma reflexão da minha parte.

Perdi já uma certa dinâmica no manuseamento deste blog e não procurei muito.

Limitei-me a seguir uma referência e dei de imediato com um post meu onde, explicitamente, escrevo sobre essa nossa "nobre capacidade" ...

Passados todos estes anos e arrefecidos os ímpetos mais aguerridos que nos fizeram falar sob a influência do "ressaibiamento" de quem passara todo aquele tempo na defesa de interesses que salvaguardavam os dos políticos mas que se esqueciam literalmente dos que buliam com a vida das pessoas (falo das populações, claro), passado todos esses anos, dizia, aqui estou a corroborar o que na altura escrevi e a constatar que os homens do poder não aprenderam nada com a história pois continuam com o mesmo paradigma do quero-posso-e-mando deixando por esse mundo fora um rasto de destruição física e social que em nada faz prever algo de bom para as próximas dezenas de décadas ...

Costuma dizer-se que o povo é inteligente e não se deixa enganar mas eu tenho opinião diferente.

O povo (até porque as maiorias se comportam como carneiros) não goza desse epíteto e a prova provada aí está! Após anos de (des)governação vêm as eleições e, como que por milagre, a intoxicação intelectual revolve as mentalidades e o povo volta a votar nos mesmos !!

Muitas vezes com a desculpa de que os outros não podem fazer melhor ... Mal por mal, aguentemos os que já cá estão, dizem ....

Claro que, com o tempo e com a força das armas, vão emergindo novos "mentores", concebidos à luz daquela velha máxima de que, no reino dos cegos, o cego dum só olho é rei !

É o desenrascanço na sua fase plena !

Conclusão: o desenrascanço que nos diversos TO e que no da Guiné em particular se estabeleceu desde o 1º momento, é indiscutível pois aparece em consequência das incompetências superiores .

Li alguns artigos de autores que estudaram e tentaram fazer comparações (níveis de resiliência dos soldados à má nutrição, às condições de habitabilidade e fundamentalmente ao tempo de missão) entre a guerra na Guiné e no Vietname e foram conclusivos ao afirmarem que só o povo português aceitaria e suportaria tais condições quase sempre com um sorriso nos lábios, umas apalpadelas nas mulheres que os combatiam e com as quais, quantas vezes!, viriam a procriar e até a casar, não se apercebendo de quão infame era a sua situação.

Enfim, desenrascavam-se !

Depois vinham as dotações militares e aí era um fartar vilanagem !!!

Pelotões que enfrentavam o inimigo com deficiente armamento ...

Viaturas cujas manutenções eram verdadeiras e constantes hemorragias de dinheiro .....

Cadeias de comando que "preparavam" operações em cima dum mapa da região que desconheciam por completo ....

Comandantes que, face a emboscadas onde as nossas tropas caíam, preocupavam-se prioritariamente em saber dos danos materiais e só depois dos humanos ...

Enfim, desenrascámo-nos !
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Nota de M.R.:

Vd. também o poste: 


Vd. último poste da série em: 

Guiné 63/74 - P13741: Os nossos médicos (79): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (11): A água, a água da bolanha de Galomaro, a água de Lisboa, as pastilhas de sal, a cerveja, o uísque, o gin tónico, as bajudas... e os operacionais que nos guardavam as costas









Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro > BCAÇ 3872 (1972/74 > A bolanha de Galomaro...

Fotos do álbum do ex-alf mil médico Rui Vieora Coelho, disponíevis na página do grupo (fechado) do  Facebook Galomaro, destino e passagem (Criado em 23/3/2011, e editado pelo Rui Vieira Coelho,   tem já  cerca de 90 membros, pretendendo  "convergir  pelo trato afectivo todos os ex-militares que permaneceram em Galomaro, na Guiné-Bissau, ou por lá passaram em trânsito").


Fotos (e legenda): © Rui Vieira Coelho  (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. Mensagem,  enviada por IPad, do nosso camarada Rui Vieira Coelho, médico reformado, ex-alf mil médico BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518 (Galomaro, 1973/74) [, foto acima, em 1973, na bolanha de Galomaro]


Data: 12 de Outubro de 2014 às 17:45
Assunto: Água


Caro Luís:

O bem mais precioso para os operacionais da Guiné. Antes de cada operação pedia aos camaradas que iam para o mato, para tomarem umas pastilhas de toni-hidratantes (cloreto de sódio,  o vulgar sal das cozinhas) e seguidamente beberem água esterelizada ou umas cervejolas que em princípio toda a malta preferia.

O sal fazia reter a água,  diminuindo a sede e portanto o consumo da mesma. Mas se a operação fosse longa, até como muito bem dizes,  " até o mijo se bebia".  Nunca vi mas em quanto permaneci no CTIG as descrições sucediam-se e não eram poucas.  Como tu gostava do meu uísque com água Perrier que vinha do Senegal, ao fim do dia e de manhã eu não passava sem beber o meu Gin com água tónica (tem sempre quinino).

Ás refeições acompanhava sempre com uma cervejola.

Mas tive o privilégio de,  como médico do Batalhão,   estar quasi permanentemente na CCS ou então nalguma companhia, em  Dulombi ou Cancolim, onde as condições,  embora não fossem das melhores, nada tinham  a ver com o inferno que todos os operacionais passaram não só pela falta de água, mas pelo isolamento, pelos perigos constantes que espreitavam de qualquer lado, pelo clima psicológico e meteriológico que os rodeavam, pelo temor de um ataque de uma emboscada, mas no fundo sempre com a esperança de um bom regresso sem qualquer mazela ou ferimento.

A chegada à base surgiam as graçolas, os risos, as anedotas, uma refeição quente após uma chuveirada para limpar o corpo e a alma das agruras passadas, parecendo já esquecidas.

Nunca me deitei enquanto não chegavam os grupos de combate das missões de patrulhamento a que diariamente estavam sujeitos, inteirando-me de qualquer situação anómala  que tivessem tido e se necessitavam da minha intervenção .

O  comandante e o major das operações igualmente assim como o capelão (Padre Nuno), o aferes das transmissões (engº Mário Vasconcelos), o alferes tesoureiro (economista Veiga), o capitão da companhia do Dulombi (eng Pires). Todos solidários com quem vinha do mato e que nos guardava as costas e a quem devemos a nossa integridade física.

Obrigado,  pois,  a todos os Operacionais  da Guiné

Rui Vieira Coelho
ex-Alf Mil Médico dos Batalhões 3872 e 4518
Galomaro, Guiné 1973/1974

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Guiné 63/74 - P13740: Agenda cultural (341): Apresentação do livro do Prof. Doutor Valentino Viegas, "Goa, O preço da identidade", dia 21 de Outubro de 2014, pelas 15h00 horas, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras (Manuel Barão da Cunha)

C O N V I T E

Apresentação do livro do Prof. Doutor Valentino Viegas, "Goa, O preço da identidade", dia 21 de Outubro de 2014, pelas 15h00 horas, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras.


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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13721: Agenda cultural (340): Tributo ao pintor lourinhanense Estêvão Soares (1914-1992): uma belíssima homenanagem dos seus filhos e da terra que o viu nascer, há 100 anos... Um notável aguarelista, um apaixonado por África, suas paisagens, suas gentes

Guiné 63/74 - P13739: Efemérides (176): A primeira Operação da CART 494 foi em 11 de Outubto de 1963 (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 9 de Outubro de 2014:

Caro Amigo
Junto envio, em anexo, um pequeno artigo sobre o assunto em epígrafe.

Um abraço amigo
Coutinho e Lima


Primeira Operação da CART 494 – 11OUT63 

A primeira Operação da CART 494, em Ganjola (Norte de Catió, que tinha sido ocupada em 17SET63), a que foi dado o nome de “ ALVORADA”, realizou-se no dia 11 OUT 63.

Na véspera foi presa uma mulher de etnia balanta, que vagueava nas imediações do aquartelamento, com evidentes sinais de desequilíbrio mental. Interrogada, declarou que o IN se encontrava instalado na tabanca Ganjola Dabenche (mais conhecida por Ganjola Velha), a mais próxima do quartel.

Imediatamente foi planeada uma operação, cuja missão era desalojar o IN e incendiar a tabanca.
Às primeiras horas da manhã de 11OUT, iniciámos a aproximação ao objectivo, verificando-se que o IN se furtou ao contacto e, juntamente com a população, internou-se no mato.
Foram incendiadas cerca de 100 moranças e recolhidos vários documentos.

 Ganjola. Vd. Carta de Catió 1/50.000

Ao regressar ao quartel, fomos surpreendidos com um numeroso número de vacas (em número de 52), que levámos à nossa frente, o que foi particularmente difícil, porque houve necessidade de fazer passar as vacas, uma a uma, por uma pequena ponte sobre um braço de rio, enquanto que a bolanha à volta, estava totalmente alagada, por virtude da chuva. O que nos deu mais trabalho foi um grande touro reprodutor, que, seguramente, pesava mais de 500 quilos.

O esforço dispendido por todo o pessoal foi muito grande, não só com a recolha das vacas, mas porque as bolanhas que tivemos que atravessar, além de ser novidade, estavam completamente alagadas, sendo frequente verificar elementos enterrados até à cintura, tendo que ser ajudados para sair dessa situação.

Um ensinamento tirado foi a utilização das botas de borracha por alguns militares na operação, o que se verificou totalmente inadequado nas bolanhas.

Chegados ao quartel, improvisamos uma cerca de arame farpado, para evitar que as vacas fugissem. Com o imprevisto e agradável reabastecimento, passámos a abater uma rês por semana, o que melhorou de maneira muito significativa a nossa dieta alimentar: bifes com batata frita, carne assada no forno construído por nós, jardineira e cozido à portuguesa, quando recebíamos frescos de Catió.

O magarefe da Companhia, Soldado Atirador Armando Macedo Marques (o Sintra, por ser natural desta localidade), passou a trabalhar mais, para o bem comum.
Esta Operação, se tivesse recebido o nome, após a sua realização poderia ser denominada “Recolha imprevista de vacas”.

Possuidores desta manada, não mais tivemos problemas com a alimentação, permitindo-nos até dispensar algumas reses a Catió. A nossa grande desilusão foi termos que deixar o magnífico touro, que estava reservado para o Natal, que já foi passado em Gadamael.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Coronel de Artª. Ref.
Ex-Comandante da CART 494 (63/65)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13701: Efemérides (175): O Curso Caldas Xavier da Academia Militar iniciou-se há 50 anos (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P13738: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (12): Viagens pelo Norte de Espanha: Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Prossegue a viagem pelo Norte de Espanha.
Tive o palpite que Logroño traria surpresas. E trouxe mesmo. Não está nas principais rotas turísticas, não compete com Granada, Sevilha, Ávila ou Toledo. Tem uma harmonia soberba entre a urbanização moderna e o casco histórico. O povo é simpático, os estrangeiros deambulam aos magotes, são os peregrinos de Santiago, vêm fazer os trilhos do caminho francês. A arquitetura religiosa é valiosíssima, há para aqui a imagem de um tímpano medieval que nos deixa assarapantados. E que deliciosos são os vinhos de Rioja!

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (12) 

Em Logroño, e já a pensar nas catedrais de Burgos e León

Beja Santos

A viagem de Bilbau até Logroño faz-se lindamente de comboio, primeiro são os maciços pétreos, não sei se espinhaços ou se cordilheiras, são rochedos que às vezes intimidam o passageiro, parece que vão rolar lá das alturas. E quando toda esta pedra desaparece, o comboio anda na berma do Ebro, são campos extensos, nunca vi tanto milho, até que os vinhedos tomam conta da paisagem, abeiramo-nos da comunidade autónoma de La Rioja. Sai-se numa estação de caminho-de-ferro moderna e logo se entra em quilómetros de habitação, só mais tarde me apercebi do facto que a cidade de aproximadamente 160 mil habitantes mais que duplicou dos anos 1970 para cá. Arrumados os pertences, percorrem-se avenidas largas e sempre perguntando onde é o casco histórico, é esta a razão da visita, ver os peregrinos de Santiago de Compostela, procurar duas ruas afamadas em todo o mundo onde se comem tapas e se bebe o supremo néctar da região. O calor é sufocante, a temperatura inusual, a rondar os 30 graus. Começa-se a ver referências ao General Espartero, vê-se mesmo que é um ícone da terra. À noite fui retirar referências deste Baldomero Espartero, Príncipe de Vergara, Duque da Vitória, Duque de Morella, Conde de Luchana e Visconde de Banderas, Regente do Reino durante a menor idade de Isabel II, fixou a sua residência em Logroño e aqui morreu em 1879. Ainda não sei que no dia seguinte lhe vou visitar a casa onde terei uma das maiores surpresas desta viagem, o museu de La Rioja é surpreendente, depois direi porquê. Chegámos ao casco histórico e estamos na concatedral de Santa Maria de La Redonda, tem duas imponentes torres gémeas do século XVII, o interior é faustoso, e por detrás do altar podemos ver uma crucificação atribuída a Miguel Ângelo.


Entardece, já estou ambientado aos horários espanhóis, o estômago pode muito bem esperar pela hora da ceia, depois logo se vê o que há de tapas e de néctares de La Rioja. E vai-se deambulando até à igreja de São Bartolomeu, iniciada no século XII. O tímpano da fachada principal é esmagador, mais a mais esta construção tem uma excelente torre em estilo mudéjar. Meu Deus, que beleza de tímpano, vejam lá se eu não tenho razão, se este estilo protogótico não conclama o sopro do divino:


E agora a última visitação, antes de ir aos comes e bebes. Chama-se Igreja Imperial de Santa Maria de Palacio, construída entre os séculos XII e XIII, estava em obras, encerrada, fica aqui a imagem da torre sineira, mais imponência não se pode ter:


É no casco histórico de Logroño à noite que se percebe a intensidade da sua restauração noturna. Há duas ruas que constam dos roteiros dos viajantes de todo o mundo: a San Juan e a Laurel. O movimento é febril, as bodegas iluminadas e ruidosas prometendo tapas e pinchos a preço módico, tal como o preço do Rioja a copo. É uma tentação não andar a petiscar tortilha, croquetes, coisas do fumeiro, daquelas lojas emanam odores convidativos, as ardósias que nos convocam com iguarias e preços de ucharia são fartas. E por ali se anda, é uma deambulação de feira, nada de tão belo e inesperado no senso gastronómico se suspeitava. E aqui fica a recordação de uma dessas ruas icónicas, para que conste dos possíveis roteiros de quem amavelmente acompanha esta viagem:


Agora vou à deita, o tempo finalmente esfriou, nem ligo o televisor, vai por aqui uma histeria descomunal com as manifestações da Catalunha, vi em Bilbau muitas bandeiras da Escócia, felizmente que no nosso terrunho só somos surpreendidos episodicamente pelas diatribes do Alberto João Jardim, quando quer desviar as atenções. Começo o dia pelo museu de Rioja, depois as muralhas e as pontes, a seguir comida de Rioja e regresso à estação ferroviária, a meio da tarde sigo para Burgos.


É um pequeno museu, mas com uma organização primorosa. Aproveita a estrutura do Palácio de Espartero, aqui viveu o tal ícone com a sua mulher Jacinta Martínez Sicilia, depois de se ter retirado definitivamente da política em 1856. O museu foi ampliado em 2003, tem salas dedicadas à Pré-História, ao período da romanização de Rioja, chega à pintura dos séculos XIX e começo do século XX. Impressionou-me a museografia, sugestiva, didática, apelativa, devorei tudo do princípio ao fim. Fixei-me numa pintura antiga, num quadro de São Francisco e o irmão Leão, saído da oficina de El Greco e acima de tudo, à má fila, captei um São João Baptista do século XIII, que me encheu as medidas:




Volto às ruas de Logroño, captei mais imagens, uma delas ficou muito boa, a da fachada do museu. Passeei-me de novo junto da igreja de São Bartolomeu, desta vez consegui apanhar a torre mudéjar, num românico sóbrio, do mais bonito que vi. Segui para a rua Vieja, a zona dos peregrinos, passei pelo Centro de Cultura da Rioja, uma intervenção moderníssima num edifício que me pareceu às moscas, passei a ponte de ferro sobre o Ebro, do lado de lá desfruta-se uma bela panorâmica de Logroño. O tempo passa, o estômago está a dar horas, Logroño convenceu-me, small is beautiful, recupero os meus pertences, sigo para a estação, vejo mais peregrinos estrangeiros que demandam Santigo, agora vou a ler o que me espera em Burgos e Léon. Depois conto, está prometido. E aqui seguem as últimas imagens de Logroño, seguramente que convenceram os últimos vacilantes de que Logroño é um refrigério para a alma e para os olhos:





Agora é que me despeço mesmo, ficaria mal comigo se não vos mostrasse a fachada de uma casa senhorial na rua Vieja, temos a mania que só cá é que deixamos arquitetura esplendorosa em ruínas, pois este palácio aguarda melhores dias, resignado. Oxalá que na próxima visita a Logroño ele já esteja reabilitado, nem que seja um hotel de charme… Até à próxima!
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13708: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (11): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau é muito Bilbau, e ainda bem. E sigo para Logroño

Guiné 63/74 - P13737: Ser solidário (166): SOS, Ébola!... Uma epidemia que tem dIne ser levada a sério, só podendo ser prevenida e combatida por todos, a começar pelos mais ricos...

Micrografia electrónica do vibrião do vírus Ébola.
Cortesia de CDC - Centers for Disease Control and Prevention,
USA
1. Recorte de imprensa > Público > 14/10/2014, 10h26 [... com a devida vénia]:


OMS diz que ébola "é uma crise que põe em causa a paz e a segurança internacional"


(...) Margaret Chan, directora-geral da OMS, não poupou palavras para avisar sobre as consequências do ébola em países com um tecido social e um sistema político frágeis, como os da África Ocidental, onde a epidemia já fez mais de 4000 mortos: “Nunca vi uma crise de saúde ameaçar a própria sobrevivência de sociedades e governos em países já muito pobres. Nunca vi uma doença infecciosa contribuir tão fortemente para potenciais estados falhados.”

Chan declarou que o número de casos de infecções pelo vírus do ébola – que já ultrapassaram 8000, segundo dados da OMS – estavam a crescer exponencialmente nos países mais afectados – Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa.

(…) Enquanto a atenção internacional se centrava nos poucos casos fora de África, Margaret Chan falou do “perigo das cada vez maiores desigualdades sociais e económicas”: “os ricos têm o melhor tratamento, e os pobres são deixados a morrer.” (…)

A desigualdade, continuou Chan, nota-se no investimento das farmacêuticas, que sem incentivo económico para vacinas ou outros medicamentos para o ébola, que apareceu há 40 anos, não desenvolveram produtos.

Mas os riscos de negligenciar os cuidados de saúde em países pobres são evidentes “quando um vírus mortífero e temido atinge os que não têm nada e fica descontrolado e todo o mundo fica em risco”. (…)

Ainda que a situação seja muito grave, Chan diz que “o pânico está a espalhar-se mais depressa do que o vírus”. E citou uma estimativa do Banco Mundial dizendo que “90% dos custos económicos vêm de esforços irracionais e desorganizados do público para evitar a infecção”.

Enquanto isso, sublinhou, “o mundo está mal preparado para responder a qualquer emergência de saúde pública grave e ameaçadora”. (…)

Fonte:  Público, 14/10/2014, 10h26

2. Para saber mais, consultar o sítio da Direção Geral de Saúde, Ministério da Saúde, Portugal:


(..) Um surto de Doença por Vírus Ébola decorre na Costa Ocidental de África desde fevereiro de 2014.

A infeção resulta do contacto direto com líquidos orgânicos de doentes (tais como sangue, urina, fezes, sémen). A transmissão da doença por via sexual pode ocorrer até 3 meses depois da recuperação clínica.

Uma vez que o período de incubação pode durar até 3 semanas é provável que novos casos venham ainda a ser identificados.

O risco para os países europeus é considerado baixo. No entanto, impõem-se medidas de prevenção que se detalham nos documentos abaixo publicados. (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13656: Ser solidário (165): Estou desesperada, conto com a vossa ajuda para encontrar o meu querido irmão Nivaldo Biagué Fortes, de 16 anos, desaparecido de Bissau há 4 meses (Hondina Cabral Fortes, guineense, enfermeira, São Carlos, São Paulo, Brasil)


Vd. também poste de 1 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13454: Ser solidário (162): SOS, Ébola!... Recomendações para viajantes com destino a regiões afetadas por doença por vírus Ébola (Portugal, Diretor-Geral de Saúde)

Guiné 63/74 - P13736: (Ex)citações (239): Ainda sobre as circunstâncias da morte do cap mil inf Rui Romero (1934-1966), comandante da CCAÇ 1565, que acorreu a 2 metros de mim (Artur Conceição, ex-sold trms, CART 730, Jumbembem, Bissorã e Bissau, 1964/66)


Guiné > Zona Oeste > Setor O2 > Farim >Jumbembem > CCAÇ 1565 (1966/68) > 10 de julho de 1966 > Helievacuação do cap mil inf Rui Romero > Na foto da evacuação importa também identificar o 1º Cabo Enfermeiro Fernando Teixeira Picão colocado do lado esquerdo da foto em calção e camisa (já falecido), e ainda do mesmo lado e logo a seguir o 1º Cabo radiotelegrafista Guilherme Augusto Leal chagas, natural de Elvas; do lado direito em tronco nu e calção, junto ao Heli o Furriel, Manuel Júlio Vira, natural de Setúbal, (já falecido em 2003).

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]




Cap mil inf Rui Romero, de pistola Walther P38,
à cintura
1. Resposta do Artur Conceição, técnico de informática, aposentado, da Direção Geral de Viação, residente na Damaia, Amadora, ex-sold trms, CART 730 (Bissorã, Jumbembem e Bissau, 1964/66), ás perguntas que lhe enviámos  ontem, a propósito da morte do cap mil inf Rui Romero (1934-1966) (*)

Meus caros:

Não tenho muito mais para acrescentar àquilo que já foi escrito e dito, apenas quero clarificar alguns pormenores. (**)

A primeira questão prende-se com a marca da arma de fogo. Era uma pistola Walther? É muito provável que sim, uma vez  que era a arma de defesa usada pelos oficiais e os detentores de algumas especialidades, designadamente enfermeiros e pessoal de transmissões.

A porta do espaço reservado ao comando, descaída para o lado esquerdo, dava para um corredor aberto e era tapada com um reposteiro. A cama do senhor capitão Romero estaria colocada a cerca de 3 metros dessa entrada e com a cabeceira voltada para o lado esquerdo.  No sentido oposto, (pés com pés), e com um bom espaço entre ambas, ficava a cama do comandante da CART 730.

O senhor capitão Romero estava caído no chão, e não estava nem de bruços nem de costas.

A pistola Walther, P38, de 9 mm, de origem alemã, foi
adoptada pelas nossas Forças Armadas, em 1961, como
pistola 9 mm Walther m/961, vindo substituir a Parabellum.
Foi desde logo utilizada na guerra colonial em África.
Fonte:Cortesia da Wikipedia
Em relação à parte do corpo atingida , penso não ter dúvidas de que foi a cabeça, mas convém esclarecer de que eu não entrei no espaço, Isto é,  não passei da já referida porta. Fotos no chão, correspondência em cima da cama e arma no chão deu para ver.

O local exacto da cabeça onde foi o disparo não posso garantidamente afirmar. O choque, para mim, foi  brutal... e as reacções nem sempre são "normais".

Em relação a ter deixado algo escrito,  não me parece. Se tal tivesse acontecido estaríamos perante um acto premeditado que também  não me parece que tenha sido o caso. Inclino-me sim para uma tentação espontânea, um gesto repentino.

Respondendo ao José Câmara (**), não me parece, dadas as circunstâncias, de haver qualquer hipótese de acidente. E de homicídio então nem pensar. A versão que ficou entre todos foi a de suicídio.

Agora vamos à parte mais fácil. Em relação ao 1º cabo cripto, ele encontra-se de frente numa foto existente no blogue  (**)  e está  identificado nessa outra foto. Recordo-o como uma jóia de moço, bastante reservado, talvez pela sua especialidade. Não sei onde vive, sei que era natural de Portalegre. E já agora mais uma "dica" que só terá interesse para melhor o localizar se essa for a intenção. Pertencia nessa época a uma religião designada  de Sabatistas.

À pergunta "quem tirou a foto",  não sei responder.

Artur Conceição
Em relação ao meu capitão, estive com ele pela última vez, em Lagos num almoço convívio do Batalhão 733. Sei que mora na Rua António Saúde,  em Benfica.  porque ele me informou, não tenho mais nenhum contacto. Era cliente da Pastelaria Califa e de uma loja de óculos que existe ao lado.

Penso que o corpo do cap Romero seguiu para Bissau porque não vejo porque razão iria para Farim.

Salvo melhor opinião, penso que nesta época os helicópteros tanto levavam os feridos como os mortos.


Finalmente queria também fazer uma pergunta ao Carlos Silva (***): que tempo medeia entre cada uma das fotos que mandaste?

Alguém estragou o espaço onde era a minha cama, e quando a foto foi tirada estava à chuva....!

Ao dispor. Um abraço

Artur António da Conceição (****)

Damaia, Amadora



Guiné > Bissau  >    23/6/1966 > Em primeiro plano, o cap mil inf Rui Romero, cmdt da CCAÇ 1565 (1966/68) > Guarda de honra ao gen Carrasco.

Foto: © Ana Romero  (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

______________

Notas do editor:

(*) Questões postas ao Artur Conceição, em email de ontem

Artur: Queres responder ou comentar ou acrescentar algo mais ? 

(i)  A arma utilizada foi pistola Walther ? 

(ii) Como estava caído o corpo ? No chão ou na cama ? De costas ou de bruços ? 

(iii) Que parte do corpo foi atingida ? 

(iv) O capitão deixou algum papel escrito ? 

(v) Haveria alguma hipótese de ser "acidente", como sugere o José Câmara (que está nos EUA) 

(vii) Qual a versão que correu de imediato no quartel ? 

(viii) O cabo cripto, o "Fininho",  que está na foto, de costas, com o quico na mão, ainda vive em Portalegre ? 

(ix) Quem tirou essa foto ? 

(xi)  O corpor seguiu para Bissau ou Farim ?

(x) O teu antigo capitão está contactável ? A Ana Romero pode falar com ele ? 

Ab. Luis

(**) Vd. poste de 13 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)

(***) Vd. poste de  14 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13735: Memória dos lugares (275): Jumbembem, ao tempo da CCAÇ 2548, 1969/71 (Carlos Silva)

(****)  Último poste da série > 13 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13728: (Ex)citações (238): Água da Bolanha... quem a não bebeu ?! (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13735: Memória dos lugares (275): Jumbembem, ao tempo da CCAÇ 2548, 1969/71 (Carlos Silva)


Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 1 > Vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco; a primeira, era  a messe conjunta e quartos dos alferes; a segunda, era o quarto do capitão e quartos dos furréis; e a uma outra, que era era o que restava da antiga tabanca demolida  no tempo da CART 2548.




Guiné > Região Oeste > SO2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 2548/BCAÇ 2879 (1969/71) >  Foto nº 2 > A parada e as 2 casas, messe à esquerda;  e a do capitão e furriéis,  à direita  onde se vê a janela do quarto do Carlos Silva.

Fotos (e legendas): © Carlos Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]



1. Mensagem, de ontem, do nosso amigo e camarada Carlos Silva, jurista, ex-fur mil arm pes inf,  CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879,Jumbembem, 1969/71), membro da Direcção da ONGD Ajuda Amiga 

Assunto: Poste  P13729 - Cap Rui Romero (*)

Luís

Aqui vão 2 fotos de Jumbembem, onde se pode ver a zona principal do aquartelamento:

Foto nº 1, a preto,  vista do lado W/E caserna grande, arrecadação e secretaria, do lado esquerdo  3 casas com chapa de zinco:

(i) A 1ª,  messe conjunta e quartos dos alferes;

(ii) A 2ª , quarto do capitão e quartos dos furréis;  a cabeceira da minha cama encostava à janela que se vê;

(iii) E outra era o que restava da antiga tabanca demolida no meu tempo, pois construímos uma cidade nova...

Ao centro era a parada que se estendia até às árvores.

Na foto nº 2,  a cores, tirada  de um slide, vê-se bem a parada e as 2 casas, messe à esquerda e a do capitão e furriéis à direita  onde se vê a janela do meu quarto.

Presentemente apenas existem estas 2 casas.




Guiné > Região do Oeste > Setor O2 > Farim > Jumbembem > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74) > 1974 > Parada do quartel e chegada de um helicóptero com o correio.

Foto: © Fernando Araújo (2010). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

Na foto publicada do Fermando Araújo,  que esteve lá a seguir ao batalhão que me foi render, vê-se as 2 janelas da secretaria/arrecadação viradas para a parada.

Nesta foto as 2 janelas são para W para o lado do refeitório.

Na minha foto colorida, anº 2, vê-se as 2 casas,  sendo que a da esquerda está afastada 10 mts da casa da arrecadação/secretaria.

A casa da esquerda era messe, zona das esteiras e sala de convívio com janela, os quartos ficavam atrás. Casa da direita,  em frente à bandeira,  a porta do quarto do capitão e a janela que se vê era onde encostava a cabeceira da minha cama. A parada era tudo que se vê, mas no tempo do Artur  Conceição (1964/66) e no início da minha estadia,  existia a tabanca velha que encostava ao meu quarto e prolongava-se até aos mangueiros e estrada Farim- Jumbembem-Cuntima.

Podes publicar para ajudar a compreender. (**)

Um abraço
Carlos Silva

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13729: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (88): Revivendo, 48 anos anos depois, a tragédia de Jumbembem, a morte do cap mil inf Rui Romero, da CCAÇ 1565, em 10/7/1966 (Ana Romero / Artur Conceição)

(**) Último poste da série > 9 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13711: Memória dos lugares (274): As estradas (cortadas) de Bissorá-Biambe e Bissorã-Encheia, em plena região do Oio (Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, 1969/71, e presidente da direção da Ajuda Amiga)

Guiné 63/74 - P13734: Tabanca Grande (448): Ana Romero, filha do cap mil inf Rui Romero (Portalegre, 1934 - Jumbembem, 1966)



Rui António Nuno Romero (Portalegre, 1934- Jumbebem, Guiné, 1966)

Foto: © Ana Romero (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]



1. Mensagem de 11 do corrente, da nossa leitora e, a partir de agora, nossa grã-tabanqueira,  n.º 669, Ana Romero, filha do saudoso cap mil inf Rui Romero (1934-1966):

Luís:

Desculpe,  mas acabei por ser apanhada na emoção pelas vossas palavras (*), que nem deixei mais informações sobre mim.

Moro em Telheiras, Lisboa (...). Sou engenheira electrotécnica, pelo IST - Instituto Superior Técnico, e trabalho  numa multinacional.

Tal como mencionei anteriormente, sou casada há 24 anos, tenho uma filha - Joana, de 19 anos, solteira, estudante do 2.°ano de Ciências Forenses e Criminais no ISCSEM.

Já falei à minha irmã Isabel sobre esta troca de mails que temos feito e,  se me autorizar, ceder-lhe-ei os seus contatos pois também ela tenta perceber os fatos poucos claros na época.

Mais uma vez muito obrigada pelas prontas respostas. Tal como ontem solicitou, envio umas fotos do pai e da família na altura. Envio também uma minha atual. Envio em 3 mails devido ao tamanho das fotos.

2. Comentário de L.G.:

Já transmiti, pessoalmente, à Ana Romero o nosso pesar e a nossa solidariedade pela tragédia que atingiu a família, há 48 anos. O cap mil inf Rui Romero, 1.º comandante da CCAÇ 1565, com 4 meses de Guiné, deixou duas filhas menores. A Ana tinha 1 ano. E hoje, passados 48 anos, ela quis saber a verdade sobre as circunstâncias da morte do seu pai e nosso camarada. Recorda que "o avô era militar (sargento-ajudante), nunca comentou a morte do meu pai"...

Na época, os jornais noticiaram, de acordo com o comunicado do Serviço de Informação Pública das Forças Armadas [, vd. recorte, à esquerda], que o cap Nuno Romero morrera "por desastre" no TO da Guiné. "Acidente com arma de fogo" é a causa oficial da morte. Talvez até para proteger a família, acrescenta a Ana.

Até à data, o único testemunho, escrito e oral, que temos é o do nosso camarada Artur Conceição, ex-sold trms, da CART 730 (1964/66), unidade de quadrícula em  Jumbembem, e que o pessoal da CCAÇ 1565 (1966/68) ia render.

Para que não haja quaisquer dúvidas sobre a natureza e as circunstâncias da tragédia, o Artur Conceição, técnico ide nformático reformado da Direção-Geral de Viação, de 71 anos, residente na Damaia, Amadora, e membro de longa data da nossa Tabanca Grande, confirmou-me, mais uma vez, e com novos detalhes a sua versão.  A Ana Romero mostrou interesse em falar com ele um dia destes. Da parte do Artur, ela tem toda a liberdade de lhe telefonar quando o entender.


Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1964/66) e CCAÇ 1565 (1966/68) >  Domingo, 10 de julho de 1966 > Um dia trágico: pormenor da evacuação do cap mil inf Rui Romero, na foto a ser transferido para a maca do helicóptero Alouette II... A enfermeira paraquedista era a Alf Maria Rosa Exposto.

Foto: © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]

Segundo a última conversa que tive com o Artur, em Jumbembem não havia pista de aviação. O correio era largado às quintas-feiras, de avioneta. Acabada de chegar a Jumbembem, a CCÇ 1556 só recebeu o primeiro correio, no domingo, 10 de julho de 1966. Veio diretamente de Farim, por coluna auto.

O correio dos oficiais era separado dos restantes. Daí o cap mil Romero estar a abrir e a ler o correio no seu gabinete e quarto que partilhava com o comandante da CART 730, o cap art Amaro Rodrigues Garcia, hoje cor art ref, residente em Benfica, Lisboa.  Os militares da CCAÇ 1565, os "periquitos", estavam a ler o seu correio na parada. E o Artur Conceição estava, a 2 metros,  no gabinete de transmissões, de cerca de 15 metros quadrados, que era partilhado com o centro cripto. O 1.º cabo cripto era o "Fininho", o alentejano de Portalegre (por sinal, conterrâneo do cap mil Romero), de seu nome completo Florival Fernandes Pires.

Na altura em que se ouviu o disparo, o "Fininho"  não estava no centro cripto.  A 6/7 metros de distância ficava o bar/messe de oficiais.  O Artur foi  primeiro a correr e a ver o cadáver do capitão, ensanguentado, estendido no chão, de lado, com a cabeça virada para os pés da cama, fardado com as calças por dentro das botas. Essa imagem ficou-lhe para o resto da vida, bem como as cartas e as fotografias das filhas pequenas, espalhadas pelo chão.

Segundo o Artur, o capitão terá sacado da pistola Walther, que estava em cima da cabeceira, e disparou um único tiro na testa.  Imediatamente a seguir, apareceu o cap art Garcia. Foi mandada uma mensagem para Bissau, encriptada, a pedir uma  evacuação Ypsilon.  Na foto acima, o malogrado capitão Romero é  transferido da maca do quartel para a maca do helicóptero, um Alouette II. A enfermeira era a alf Maria Rosa Exposto. O corpo foi levado para Bissau. O funeral realizou-se em Lisboa, no dia 13 de agosto, do Hospital Militar Principal para o Alto de São João.

A Ana Romero, aceitando de pronto e de bom grado o meu convite, passa a integrar a nossa Tabanca Grande (**). É uma forma, nobre, e um grande exemplo de amor filial, de homenagear o seu pai e nosso camarada. Seja bem vinda, Ana, apesar das tristes circunstâncias que a levaram a chegar até nós.

Como já tive ocasião de lhe dizer, pessoalmente, ao telefone, em casos como este,  o nosso único móbil ou motivação é  a busca e a partilha da verdade a que têm direito as famílas dos nossos camaradas que morreram na Guiné, no cumprimento do seu dever... As famílias, e  nós próprios, seus camaradas... partilhamos memórias e afetos. E temos, de resto,  contribuído para levar algum conforto e paz de espírito a diversas familias que não souberam, na realidade, como morreram os seus entes queridos: esposo, pai, avô... E alguns não voltaram à pátria, nem mesmo num caixão de chumbo.


Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, na IAO (presume-se) antes de embarcar para o CTIG


Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero,   a caminho do TO da Guiné. T/T Uíge, 24 de abril de 1966.


Fotos do álbum de família: Em casa, 1/3/1965, a esposa do cap mil inf Rui Romero com as duas filhas, a Isabel e a Ana (com 1 mês de idade)



Fotos do álbum de família: o cap mil inf Rui Romero, com a esposa e a filha mais nova, na praia, o verão de 1965 (presume-se)


Fotos do álbum de família: A Ana com a mana Isabel (seis anos mais velha),. A família vivia (e vive) em Lisboa.

Fotos: © Ana Romero (2014). Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]
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Notas do editor:

(...) Olá, Luís! Foi com enorme alegria que recebi o seu mail, bem como aquele que encaminhou para o Artur [Conceição]. Já enviei o pedido de amizade para a Tabanca Grande Luís Graça [, página do Facebook,] e também aderi ao blog Luís Graça & Camaradas da Guiné.

É claro que autorizo a publicação da minha mensagem. Esta noite vou arranjar a foto do pai e enviá-la-ei, juntamente com uma minha. (...)



(**)  Último poste da série > 24 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13644: Tabanca Grande (447): Egídio Avelino Lopes, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Bissalanca, 1966/67)... É o nosso grã-tabanqueiro n.º 668

Guiné 63/74 - P13733: (In)citações (69): Amigos das ONGD Ajuda Amiga e Tabanca Pequena, é importante abrir poços, mas se a água não for "Iagu Sabi", a população abandona-os (Cherno Baldé, Bissau)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > O fur mil at inf Arlindo Roda, apurando a sua técnica de beber "iagu di bolanha, manga di sabi"...

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P13728 (*)

Caros amigos,

Esta água de bolanha de cor de leite e sabor ligeiramente adocicado era muito utilizada e, de certa forma, bem apreciada pelas populações nativas que eram obrigadas a passar a maior parte do tempo no mato (nos campos de lavoura, guarda do gado ou nos trabalhos da bolanha).

No entanto ela bem podia ser apelidada de água assassina, pelos graves prejuízos que causou e ainda continua a causar na saúde dos Guineenses.

Para quem não saiba, informo que uma grande proporção dos doentes que, através das juntas médicas, procuram tratamento especializado no exterior, sobretudo em Portugal,  tem a ver com doençaas dos rins e muitos acabam por lá ficar, porque não temos no país condições para a necessária hemodiálise que o sangue precisa com regularidade para sua purificação.

Em recentes análises de sangue que eu mesmo realizei, por razões profissionais, informaram-me que tenho uma elevada concentração de creatinina, que é uma amostra de possíveis problemas de rins devido a acumulação de impurezas.

Felizmente, para mim, não há muitos motivos para alarme, pois que já ultrapassei a casa dos 50, que é o limite máximo da esperançaa de vida de um Guineense.

Ao pessoal da Ajuda Amiga [e da Tabanca de Matosinhos] quero alertar que, sendo importante a criação dos poços melhorados de água potável para melhorar as condições de saúde das populações, não é menos importante a qualidade da mesma, pois se não for "bebível" (Iagu Sabi), o mais provavel é que seja abandonado pelas mesmas populações que, aparentemente, careciam da mesma. Para o Guineense a água tem que ser Iagu Sabi com um gosto especial para os seus paladares.

Com um abraco amigo,
Cherno Baldé (**)
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Notas do editor:


Guiné 63/74 - P13732: Os nossos médicos (78): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (10): As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 3872 - Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72 - Mansoa, e Cumeré, 1973/74), com data de 9 de Outubro de 2014:

Do meu posto retransmissor, e por solicitação do camarada Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico, reencaminho a sua descrição sobre as colunas Galomaro-Saltinho, agora, isentas do pó e da ansiedade que sempre as acompanhavam.

Um abraço colectivo e as nossas saudações a todos.
Mário Vasconcelos



MEMÓRIAS DO DR. RUI VIEIRA COELHO*

10 - As recordações surgem e as saudades de todos os lugares e gentes também

Rui Vieira Coelho

Por várias vezes integrei a coluna de abastecimento à nossa Companhia do Saltinho. Era a mais longínqua da sede do Batalhão, a mais complexa sob o ponto de vista logístico e a mais difícil sob o ponto de vista operacional, pela quilometragem a percorrer, pela segurança às picadas por onde passávamos e pelo apoio até da Cavalaria com dois esquadrões, um das velhas Panhards e outro de Chaimites a escoltar a alternância de camiões Civis e Militares.

De Galomaro para Bafatá, lá seguia a nossa coluna por uma picada sobejamente conhecida por todos nós os da CCS onde transitavam diariamente colunas a nível de Grupo de Combate que faziam a ligação da sede com a localidade "Princesa do Geba", para trazer e levar Correio, peças e acessórios para a Ferrugem desempanar os Unimogs ou as Berliets avariadas, e para saborear um bom bife com batatas fritas no Restaurante das Libanesas regados com umas cervejolas bem geladinhas.

De Bafatá para Bambadinca e para o Xime já seguíamos enquadrados pelos Homens da Cavalaria, por uma estrada já asfaltada e o andamento era veloz e sem sobressaltos.



Um Grupo de Combate seguiu para o Xime a proteger dois camiões militares que foram carregar cunhetes de Munições e outro material militar como rações de combate, fardamento, armas, pneumáticos e material Rádio para comunicações.

O trabalho de descarga das barcaças vindas de Bissau processava-se com rapidez com as gruas do Pelotão de Intendência a transferir todo o material para os camiões, enquanto eu aguardava meditando por que razão estava naquele lugar, neste teatro de Guerra inimaginável a não ser por todos aqueles que como eu cumpriam o Serviço Militar Obrigatório.

O pior era depois de Bambadinca na picada para Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole, até ao Saltinho. A coluna ficava então medonhamente grande com mais camiões civis e militares carregados com mantimentos e elementos da população civil, aproveitando para se deslocar, para as diferentes Tabancas perto de Companhias e Destacamentos, dando até certo ponto um sentido de protecção e segurança de possíveis emboscadas, minas quer pessoais quer anti-carro.

A tensão visível nos rostos dos nossos camaradas e a apreensão com o imprevisto e o oculto, o inimaginável vindo de qualquer lado, com o empoeiramento vermelho do pó da picada que se entranhava por cima do fardamento, rostos e tudo o que se mexia, envolvidos por uma floresta de capim que não deixava ver um palmo à frente do nariz, o que aumentava a insegurança que todos vivíamos, uns mais que os outros. E assim fomos até Mansambo, onde alguns carros civis e militares e o Esquadrão de Panhards da Cavalaria, nos abandonaram a caminho desta Companhia do Batalhão de Bambadinca.

A coluna ficava ligeiramente mais pequena, mas todos nós sentíamos-nos mais pequenos, mais sós, mais impotentes, sem nada dizer a nossa expressão tudo dizia.
Mesmo assim a coluna continuava grande e lá íamos com redobrada cautela, bem escoltados mas com "cagaço" (pelo menos eu) do que pudesse acontecer.
E por fim chegamos à Ponte dos Fulas, sobre o Rio Pulom, afluente do Rio Corubal, de vital importância para as colunas de abastecimento para o Xitole e Saltinho.

O destacamento da Ponte dos Fulas era qualquer coisa do outro mundo, um amontoado de adobes e tijolos, bidões, abrigos cavados na terra, valas, chapas de zinco, um forno de barro feito, chuveiros com bidões como depósito, um alpendre tosco que servia de refeitório, sala de convívio, mais ao lado um atrelado com depósito de água e um Grupo de Combate que o habitava, isolados, uns barbudos, outros carecas rapadas, de camisas abertas, calções esfiapados, uns com quicos, outros sem eles, calçavam uns botas outros xanatas.

Deste grupo uma secção permanecia no Torreão de vigia à Ponte, cerca de turnos de 24 horas que iam alternando com as outras secções. Milhares de garrafas vazias de cervejas encontravam-se a circundar a ponte e as margens do rio encostadas umas às outras em continuidade com um fio condutor que as segurava. Se algo, alguém ou um animal tocasse no fio ou nas garrafas, estas batiam umas nas outras e facilmente poderiam localizar o intruso pelo tilintar, tornando vulneráveis aos focos de luz direccionada para o local e às rajadas que se lhe seguem.

Este destacamento distante 3 quilómetros do Xitole, era abastecido diariamente pela Companhia mas mesmo assim era um verdadeiro inferno permanecer dois meses naquele lugar até serem substituídos por outro Grupo de Combate. Os seus sorrisos e a amabilidade demonstrada era compensada pela generosidade dos passantes que compreendiam o isolamento daqueles camaradas, e os mimavam com algumas grades de cervejas e outras necessidades evocadas em passagens anteriores.

A ponte era uma passagem estratégica no xadrez político, militar e logístico e muito se deve a todos os que permaneceram naquele lugar, contribuindo para o bem estar de todos os outros camaradas que permaneciam neste Teatro de Operações. Bem hajam pelo vosso sacrifício em prole de todos nós.

Lá seguimos mais 3 quilómetros até chegarmos ao Xitole onde fomos recebidos pelo Comandante da Companhia, um Capitão Miliciano e pela sua esposa que o acompanhou durante toda a comissão. Uma verdadeira Mulher de Armas que pelo seu exemplo arrastou para o Xitole várias outras mulheres, esposas de outros militares em comissão no local, e que deram um toque feminino aos refeitórios, messes de graduados e sala dos soldados com melhorias substanciais no rancho e outros paparicos para que todas contribuíram .

Fomos obsequiados com bebidas bem frescas, uns salgadinhos, boas palavras e boas maneiras para sedentar o corpo e a alma de todos nós.

Mais pequena ficou a coluna, mas o objectivo já estava bem perto, o Saltinho. Enquadrados pelas Chaimites e com segurança montada ao longo da picada lá chegamos ao Aquartelamento, comandado pelo Capitão miliciano de seu nome Lourenço.

O local era paradisíaco para fim de percurso e deleitei-me olhando a água revolta nos rápidos entre os rochedos, a ponte com seus arcos em betão, as piscinas naturais, a vegetação envolvente o marulhar das águas e o seu espelhado reflectindo o Sol que nos cobria de paz e sensação de bem estar e de repouso de guerreiro bem merecido.










Fotos - Saltinho: © Rui Vieira Coelho

Após uma boa refeição e alguns momentos de lazer lá tivemos o regresso, um verdadeiro filme ao contrário, todas as mesmas caras e sensações de pernas para o ar, a juntar ao medo de voltar à rotina dos dias agridoces porque todos nós passámos na Guiné.

As recordações surgem e as saudades de todos estes lugares e gentes também.

Rui Vieira Coelho
ex- Alf Mil Médico 025622/67
Guiné 1973
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Nota do editor

(*) Vd. poste anterior de 13 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12977: Os nossos médicos (76): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (9): O PAIGC no tempo do presidente Luís Cabral, perpetrou fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos"

Último poste da série de 22 de Abril de 2014 > Guiné 63/745 - P13019: Os nossos médicos (77): Capitão médico QP António Vieira Alves, estomatologista e subdiretor do HM 241, Bissau, 1967/69 (Paulo Alves / J. Pardete Ferreira)