domingo, 4 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15199: Libertando-me (Tony Borié) (37): Tirar férias na guerra

Trigésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 29 de Setembro de 2015.




Tirar férias na guerra

O comandante Luís sugeriu algo importante, não é um simples “explicar de vida na guerra”, é mais, consoante a história de cada um, podemos analisar muitas mais coisas, como por exemplo os militares solteiros sem namorada, poderiam vir à então Metrópole, no conceito de ver a família ou amigos, os solteiros com namorada, talvez fosse isso tudo, mais o amor, os casados sem filhos, era isso tudo, mais passar tempo com a esposa, os casados com filhos, era isso tudo, mais ver e abraçar os seus descendentes, enfim, o seu estado civil tinha muita influência nessas decisões e, os que não tinham pai, mãe, esposa ou namorada, com certeza não tinham lá muita vontade de vir de férias à então Metrópole, sabendo que tinham que regressar de novo à zona de guerra, como era o caso do Curvas, alto e refilão.

Depois havia os outros, que o motivo de não virem à então Metrópole, eram os seus recursos financeiros, este talvez fosse o motivo mais importante e em maior número, havia aqueles que se habituaram ao ambiente de África, de cativeiro, àquela muito pequena comunidade de “irmãos de guerra”, onde algumas vezes tirando “férias na guerra”, por um dia ou umas horas, trajando civilmente com roupa emprestada por companheiros, a que chamávamos “roupa da comunidade”, era um pequeno grupo de amigos, dois, três, quatro ou cinco e, também decidiam vir para Bissau ou mesmo para Bolama, na altura pacífica e com praias que só os naturais conheciam, talvez por um período de uma semana no máximo. Também havia aqueles que única e simplesmente tiravam licença fora das suas tarefas e por lá ficavam no aquartelamento, vadiando pelas tabancas, bebendo álcool e fumando cigarros não muito recomendáveis, nos quais nós éramos incluídos, porque talvez derivado à nossa falta de formação escolar e recursos financeiros, entre outras coisas, entendíamos que não devíamos fazer planos para viagens dessas, pois os nossos planos eram muito curtos, eram planos até ao próximo sábado à noite, quando se levava a “bajuda” amiga e querida ao cinema ao ar livre, que existia na sede dos Balantas, lá em Mansoa.


De um modo ou de outro, a condição financeira, a educação escolar, portanto, a patente militar ou o seu estado civil, eram muito importantes nessas decisões, nós por diversas vezes viemos a Bissau acompanhando companheiros que viajavam nos aviões militares, ficando nós a pensar como seria agradável viajar para a civilização, mas muitas vezes não tinham lugar no referido avião, então ficávamos em Bissau por um ou dois dias, vagabundeando pelos cafés e dormindo no aquartelamento da base dos pára quedistas onde o “Zargo” nos proporcionava cama, bebida e comida.

Naquele tempo havia uma curiosidade, que a nós nos fazia ficar algo excitados, era o pensamento de estar num lugar exótico, onde as pessoas trajavam motivos também exóticos, com savanas, pântanos, casas cobertas de colmo, num clima de calor infernal com chão de terra vermelha, em algumas áreas consideradas zonas perigosas, que eram zonas de guerra e, passado umas horas, estar na civilização de Lisboa, isso fazia alguma confusão que nos excitava.

Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15166: Libertando-me (Tony Borié) (36): ...tal e qual uma árvore centenária

Guiné 63/74 - P15198: Inquérito "on line" (2): resultados preliminares (n=129): a tendência era para a malta se casar "logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir" (48% das respostas)

1. Resultados preliminares (n=129, às 8h00 de 4/10/2015)


[foto à esquerda; "Casados de freso e ao fresco"... Praia da Areia Branca, 26/8/2015, foto de LG]





1. Já era casado quando fui para a tropa  > 15 (11%)





2. Casei-me durante a tropa, antes de ir para a Guiné  > 6 (4%)


3. Casei-me na Guiné, por procuração  > 2 (1%)


4. Casei-me durante a comissão, quando fui de férias à metrópole  > 5 (3%)


5. Casei-me logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir  > 63 (48%)


6. Casei-me só mais tarde, dois a cinco anos depois de vir da Guiné  > 31 (24%)


7. Casei-me muito mais tarde (mais de cinco depois)  > 6 (4%)


8. Nunca me cheguei a casar  > 1 (0%)



Votos apurados: 129
Dias que restam para votar: 3 (até 4ª feira, dia 7/10/2015, 12h30)


2. Comentário do editor:

A taxa de resposta não é má: já ultrapassamos  a centena... Ainda faltam três dias... Mas estão a chegar poucas históriis e fotos (*)... Eu sei que é preciso o consentimento informado das nossas Marias... Afinal, a gente casou-se  com elas... E, em muitos casos, para o "resto da vida",,,  

Faço votos para que os nossos casais possam comemorar as bodas todas a que temosos direito; as de prata, de ouro e de platina...O que nos tempos que correm, é já uma raridade.. A taxa de divórcio em Portugal era de 0,9 (em 1963) e, passados 50 anos, é de 70,4 (em 2013). Trocado por miúdos: em cada 100 casamentos, mais de 70 acabam em divório (Fonte: Pordata).

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Nota do editor:

Vd. postes de:

4 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

2 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15190: História de vida (40): Casei-me, em 31/7/1966, nove meses depois do regresso da guerra; quinze dias depois, embarquei no paquete Império, a caminho de Angola onde trabalhei como professor primário e quadro bancário (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil, CART 566, 1963/65)


Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]


Data: 4 de outubro de 2015 04:47

Caros Camaradas

Vai mais uma e talvez interessante, muito embora já tenha abordado esta situação. Agora com novos elementos. Por exemplo no meu Processo Individual vê-se nitidamente ter terminada a minha vida militar ali. O traço de cima para baixo isso indica.

Um abraço,
Mário Vitorino Gaspar


2. História de Vida > Só me Casei Depois de Vir da Guiné

por Mário Gaspar

Cheguei da Guiné a 6 de novembro de 1968 e passei à disponibilidade a 28.

Comecei por responder a anúncios de trabalho, fui a entrevistas de algumas empresas. Sabia o que queria e rejeitei aquelas que não me interessavam.

Fui contactado por uns serviços do Exér­cito que funcionavam na zona do largo da Estefânia, em Lisboa, devido a possíveis doenças tropicais. Queixava‑­me de problemas intestinais, mas não encontraram sinais de qualquer doença depois de ter feito exames, não só aos intestinos como às fezes.

Duas empresas me motivaram, a primeira
a Regisconta – “Aquela Máquina…” – como vendedor. Fui aprovado na primeira fase e as condições eram óptimas. Quando os dois possíveis indivíduos a contratar estavam eliminados, tinha pela frente 10 perguntas de Cultura Geral. Não sabia quem era o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não fui admitido. [Na altura, era o gen António Vitorino da França Borges, nomeado pelo Governo].

Em segundo lugar estava a DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA. Após Testes Psicotécnicos sou aprovado e tenho pela frente a entrevista que convenço, entro ao serviço a 27 de janeiro de 1969 como possível Lapidador de Diamantes.

Havia que fazer um estágio de 9 meses, mas assinei o con­trato em maio, quando o estágio terminava em setembro, portanto muito antes da data prevista, visto ter obedecido às pretensões desta grande empresa.

Resolvido a questão do emprego decidi casar-me com uma das madrinhas de guerra. Tive o cuidado de resolver, antes as responsabilidades com aquelas que assumira compromissos.

O acto realizou-se na Igreja de São João de Brito no dia 29 de junho de 1969, em Lisboa. No dia do casamento, no altar, no final do dis­curso do padre, ouvi o seguinte: 
– Acabo de casar o morto vivo!

Estranhei, mas logo esqueci aquela frase. Quando fui buscar o Registo de Casamento à Igreja, o Sacristão entrega-me a Caderneta Militar, resolvo abri-la e assusto-me. Dado como morto.

Leio na Caderneta Militar, numa das páginas: – 1967, “Desembarcou em Bissau em 17 de janeiro (1967), desde quando conta 100% de aumento de tempo. Morto em 12 de outubro (…)” e noutra folha: "Baixa de serviço em 12/10/1967 por Falecimento". 

Senti um arrepio percorrer‑­me o corpo. 



Fotocópias da minha morte na Caderneta Militar: Baixa de Serviço 
“Por falecimento” e “Morto”

A caderneta militar desliga‑­se da minha mão trémula. Volto a folheá‑­la. Resolvi ir à minha Unidade Mobilizadora. Na Secretaria fui atendido por um major, que depois de ler o que lhe estendia para as mãos, me respondeu:
– Não faz diferença nenhuma!
– Não faz a si mas faz‑­me a mim! – Respondi‑­lhe.

Venho a saber que o furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana falecera



Como se vê a morte do Vitor José Correia Pestana coincide com minha: "12 deoutubro, em Gadamael", por "acidente com arma de fogo".

Terá existido um engano. Não existe informação desde 28SET67 o que indica que estou MORTO

A partir do meu casamento sou conhecedor da minha morte a 12 de outubro de 1967.

Só me casei depois de vir da Guiné. Terminada uma comissão em que estive em contacto com a morte, regresso e a morte continua no meu trajecto.

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano Atirador e de MA



Na minha Caderneta Militar, não existe informação desde 28 de setembro de 1967 o que indica que estou... MORTO!

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
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Guiné 63/74 - P15196: Parabéns a você (969): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Ap AP da CART 2732 (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15191: Parabéns a você (968): Carlos Alberto Prata, Coronel Inf Ref (Guiné, 1973/74) e Hélder Valério Sousa, ex- Fur Mil TRMS do STM/CTIG (Guiné, 1970/72)

sábado, 3 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15195: Agenda cultural (428): "Festival 6 Continentes", realização do Lions Clube da Lusofonia, dia 17 de Outubro pelas 21h30, no Auditório da Cooperativa de Habitação Económica "SETE BICAS" - Senhora da Hora - Matosinhos (Jaime Machado)

1. Mensagem do nosso camarada Jaime Machado (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) com data de 2 de Outubro de 2015:

Caro Camarada e Amigo Carlos Vinhal 
Mais uma vez venho à tua presença com um pedido de publicação no Blogue. 

Desta feita venho solicitar-te o favor de fazeres a divulgação por todos os nossos Camaradas do espetáculo Festival 6 Continentes que o Lions Clube da Lusofonia vai realizar no dia 17 de Outubro próximo pelas 21h30 no Auditório da Cooperativa de Habitação Económica "SETE BICAS" (Rua Padre António Porto - Senhora da Hora - Matosinhos) o qual nos foi gentilmente cedido para o efeito. 

Remeto em anexo o suporte informativo do espetáculo do Festival 6 Continentes, que tem como objetivo a promoção e defesa da Língua Portuguesa e das diferentes culturas Lusófonas pelo Mundo.

O bilhete de ingresso no espetáculo terá o preço simbólico de 2,5 euros por pessoa.
Para compra de bilhetes, por favor contactem pelo telem 967 409 449 ou jmrodrigues47@gmail.com

Aceita as nossas melhores Saudações Lionísticas. 
Um abraço
Jaime Machado


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Nota do editor

Último poste da série de 3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15194: Agenda cultural (427): Início do 14.º Ciclo das Tertúlias "Fim do Império" com a apresentação dos livros "Dois Amigos, Dois Destinos" e "De Bragança a Macau", no dia 8 de Outubro de 2015, pelas 15h00, na Messe Militar, Praça da Batalha - Porto (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P15194: Agenda cultural (427): Início do 14.º Ciclo das Tertúlias "Fim do Império" com a apresentação dos livros "Dois Amigos, Dois Destinos" e "De Bragança a Macau", no dia 8 de Outubro de 2015, pelas 15h00, na Messe Militar, Praça da Batalha - Porto (Manuel Barão da Cunha)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66, com data de 2 de Outubro de 2015:

Caríssimos camaradas e amigos,
No próximo dia 8, começa o 14.º ciclo das tertúlias «Fim do Império», no Porto, na Messe Militar, na Praça da Batalha, 15h00, 120.ª tertúlia em quase 7 anos (ver anexo)...

Deverão participar o General Chito Rodrigues, Presidente da Liga dos Combatentes, e os autores. Esperamos ter o gosto de os ver.

Fiquem bem,
MBC.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 -P15155: Agenda cultural (426): "Desesperança no chão de medo e dor": novo llivro com meia centena de poemas recentes do escritor e jornalista guineense Tony Tcheka (n. Bissau, 1951)... Sessão de lançamento, hoje, 6ª feira, às 17h00, na Mala Posta, Odivelas (metro Sr. Roubado)... Apoio da RDP - África

Guiné 63/74 - P15193: Convívios (714): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh SR 2199, a realizar no próximo dia 10 de Outubro de 2015, em Fátima (Luís de Sousa)

1. O nosso Camarada Luís de Sousa (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2797, Cufar, 1970-72), enviou-nos uma mensagem datada de 30 de Setembro de 2015, anunciando o próximo encontro do pessoal da sua Companhia e do Pel Canh SR 2199:


Caro Vinhal, 
Aqui me tens mais uma vez a solicitar a publicitação de mais um almoço-convívio da CCAÇ 2797 e Pelotão de Canhões S/Recuo 2199 que prestaram serviço em Cufar em 1970/72. 

Terá lugar em Fátima, no próximo dia 10 de Outubro no restaurante D. Nuno, desta vez com organização do ex-Furriel Vieira, telemóveis: 919 301 884 e 917 610 379. 

A concentração far-se-á junto à Capelinha das Aparições a partir das 10 horas. 

Preço de repasto: 25€ 

Muito obrigado, e saudações amigas
Luis de Sousa
ex-Soldado TRMS
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15181: Convívios (713): O XII Encontro do pessoal da CCAÇ 4540 realizou-se no passado dia 19 de Setembro em Sangalhos (Vasco Ferreira)

Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Alcídio Marinho (Porto, Miragaia), o porta-estandarte da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).


Foto: © Manuel Resende (2011). Todos os direitos reservados.




Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Rosa Marinho (Porto, Miragaia), empunhando com elegância, firmeza e determinação o estandarte dos Capacetes Verdes (réplica do original).


Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.




Guiné > Mapa geral da província > Escala de 1/500 mil  > 1961 > Detalhe: posição relativa de Sinchã Jobel, a norte de Bambadinca e a noroeste de Bafatá...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Mensagem de Alcídio Marinho [ ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)]


Data: 25 de setembro de 2015 às 16:09

Assunto: A aestruição da tabanca de Sinchã Jobel


A DESTRUIÇÃO DA TABANCA DE SINCHÂ JOBEL


Como já referi noutro comentário, quando estive no Enchalé, de outubro de 1963 a janeiro de 1964, fizemos diversos patrulhamentos a Mato Cão, a Sucuta, mas a Sinchã Jobel só fomos 2 vezes e eu pessoalmente só uma vez. 

Duas semanas antes do natal de 1963, fomos a Mato Cão que não deu em nada pois os turras descobriram-nos e fugiram, na direção de Sucuta, fazendo fogo de longe sem nenhum efeito. 

Na semana seguinte, resolvi fazer uma patrulha apeada, com 5 soldados, 1 cabo e comigo, junto ao rio Geba, subindo em seguida, para norte em direção à estrada Geba-Saliquinhé-S. Belchior-Flora-Porto Gole. Começamos a ouvir um barulho, pum-pum, parei a malta e fomos ,o cabo e eu, verificar o que se tratava e vimos um grupo de turras a fazer um buraco no chão para montar um fornilho. 

A malta queria atacá-los mas conferindo as cartucheiras deles, elas estavam vazias, só tinham o carregador da G3 e granadas nem vê-las. Determinei:
- Fiquem calados, esperando que eles se fosse embora. 

Assim, eles montaram o fornilho e foram embora. Claro que assistimos,  parecia que estavamos a ver um filme, 10 individuos armados com 2 PPSH (costureirinhas), 2 espingardas(?), várias pistolas e um a montar o fornilho. Eles estavam atentos ao ruidos de carros, só e apenas. depois vimos eles seguirem pela estrada, descontraidos, descendo a encosta, atravessaram o pontão, pela recta de Saliquinhé e subiram a picada para Sucuta junto ao ribeiro que levava muita água (estávamos fim da època das chuvas). 

Fui, em seguida, ao fornilho, desatei o cordão de algodão (mias de 6 metros), deixando-o ficar lá como estava, retirei o detonador do disparador, peguei num prego (que utizava nas armadilhas) enterrei-o no chão e apertei-o novamente o cordão, com um nó. Seguimos para o quartel, para almoçar e todos os soldados tiveram fazer um reforço à Benfica.

No dia 24 de Dezembro, às 5.30 horas carregamos três vacas na GMC, para vendermos, uma para o BCaç 507, outra para o Esq Cav 385 e, outra para o mercado de Bafatá e uma perna da tinha ficado para nós, para a nossa Companhia.
O preço era 900 pesos. Na bolanha do Enchalé, havia para cima de 200 vacas.

Tomamos a estrada, seguindo no meu jipão, de pé, escrutinando a estrada. Quando chegamos em frente ao sitio do fornilho, desci, fui ver o mesmo e estava como quando o havia deixado. Segui a pé e olhando para junto ao pontão, um pouco mais à frente, a terra estava mexida e com uma pequena nuvem de vapor de água. Alto para todas a viaturas, e toca a fazer a segurança nas bermas da estrada.

Desloquei-me ao local e com a minha faca de mato, comecei a retirar muito devagar a terra e lá apareceu a mina nti-carro. Voltei junto do alferes Cardoso Pires
- Pires,  é uma mina!

- Marinho,  e agora?

- Agora, o Condez (furriel miliciano) que estenda para mais largo a segurança e eu vou levantá-la, para não fazer barulho.

Peguei na corda, com cerca de 8 metros, que trazia sempre no jipão e voltei para a mina. Alguns soldados queriam ir para junto de mim, mas eu não deixei,

Continuei, a retirar a terra de cima e dos lados para ver se estava armadilhada, mas não estava. Atei-a no puxador , estendi-a, puxando de esticão, retirei a mina.

Esperei 5 minutos,  e rodando o prato no sentido contrário do relógio, retirei o detonador, e a mina ficou desactivada. Tapei o buraco com a terra e as viaturas passaram junto dele, para que, se viessem ver, os rodados estavam fora do local da mina e eles não mexeriam na terra, esperando que alguém passassem por cima.

Seguimos para Bafatá e tratamos de tudo, regressando cerca das 13.30 horas. Chegamos entretanto à entrada da tal reta - Saliquinhé, Com os meus soldados subi a encosta, para vigiar, continuando a coluna na referida reta, mas,  na subida da encosta, começou o tiroteiro. Com um tiro furaram a coxa a um soldado. Eram 14.30 e a emboscada durou até ás 18 horas.

Mais tarde, contarei as peripécias dessa emboscada

Como montava armadilhas, resolvi fazer uma que tivesse um poder de destruição enorme

Assim, numa mala de cartão castanha, preparei a armadilha. Utilizei trotil e C4, corpos de granadas desactivadas e serrados, pregos (galeotas), bocados de panelas de ferro fundido e parafusos. Arranjei na Mecânica uma mola e esferas de rolamentos.

Alcído Marinho, foto atual... Um dos nossos
"veteraníssimos"...Um, camarada que tem muitas
histórias por contar...
Na mala enchi com o C4, fiz um buraco onde coloquei a esfera de metal e a mola ficou em obliquo. No aro no fundo da mola atei um terminal do detonador eléctrico, o outro terminal liguei-o ao terminal duma canoa de pilhas de um rádio.

O outro terminal da canoa ficou com a ponta no meio da circunferência no fundo da mola. Assim, se mala se mantivesse direita e ao alto nada acontecia, no entanto de a virassem, a esfera saia do buraco, entrava na mola e nada a parava, indo embater com o outro terminal completando a explosão.

Fechei a mala com a chave e levei-a para a berma da estrada no cimo da encosta, para Saliquinhé, onde a deixei como se alguém se tivesse esquecido dela.

Ficamos internados no mato à espera. Cerca da 11 horas apareceu um grupo de turras,  passaram junto ao fornilho e um viu a mala, tentou abri-la, mas o comandante, um cabo-verdiano, disse-lhe qualquer coisa e começaram a descer rapidamente a encosta, verificando o local da mina, seguindo pela reta, e chegando ao fim, começaram a subir para Sucuta e Sinchã Jobel.

Ficamos a ver o grupo, e o transportador da mala, com ela na mão, dançava, e eu pedia a todos os deuses para que ele não virasse a mala, para não explodir.

Já era quase meio dia e nós olhavamos na direção de Sinchã Jobel, à espera da explosão.

Então ouvimos distintamente uma grande explosão seguida de outras, que duraram mais de um quarto de hora, seguramente.

Voltamos, então, para o quartel, e foi um falatório, contando por todos, para o Alferes, outros furrieis e os outros camaradas que não tinham visto o fumo, mas tinham ouvido as explosões

No dia 26 vieram de Bafatá, outras forças e fizemos uma batida mas não chegamos a Sinchã Jobel, no entanto, apanhamos diverso material e detivemos vários guerrilheiros que, reportaram no Batalhão, que a tabanca havia sido totalmente destruida, com dezenas de mortos.

Explicaram que o portador "da carta a Garcia",  isto é a armadilha, havia sido levada para a morança  do paiol e,  ao tentarem abri-la, ela explodiu, e por simpatia todas as munições. Por isso nós ouvíamos explosões e tiros, eram as munições e os sobreviventes a fazer fogo, pois pensavam que estavam a ser atacados

Assim, foi destruida a tabanca de Sinchã Jobel

Alcidio Marinho 
CCaç 412

Cumprimentos

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Guiné 63/74 - P15191: Parabéns a você (968): Carlos Alberto Prata, Coronel Inf Ref (Guiné, 1973/74) e Hélder Valério Sousa, ex- Fur Mil TRMS do STM/CTIG (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15172: Parabéns a você (967): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15190: História de vida (40): Casei-me, em 31/7/1966, nove meses depois do regresso da guerra; quinze dias depois, embarquei no paquete Império, a caminho de Angola onde trabalhei como professor primário e quadro bancário (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil, CART 566, 1963/65)





Cerimónia de casamento , em 31 de julho de 1965, do José Augusto e da Adriana...

Fotos: © José Augusto Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Texto enviado hoje, às 0h14 pelo José Augusto Miranda Ribeiro (ex-fur mil da CART 566, Ilha do Sal - Cabo Verde, Outubro de 1963 a Julho de 1964, e Olossato - Guiné, Julho de 1964 a Outubro de 1965; professor do ensino básico, reformado, que vive em Condeixa):

Camarada amigo, Luís Graça:

Regressei da Guiné no dia 1 de novembro de 1965 e fui colocado como professor na Escola do Magistério de Coimbra. 

Casei-me nove meses depois, do regresso da Guiné, no dia 31 de Julho de 1966 (*). 

Partimos para Angola 15 dias depois do casamento, no Paquete Império e fui trabalhar como professor em Sá da Bandeira, onde nasceu o meu filho João, que tem agora 48 anos, casado há já 20 anos, mas não tem descendentes.

Em 1968, saí de Sá da Bandeira e fui para Luanda, a 1100 Km,  trabalhar no Banco de Angola, para dar oportunidade à minha mulher de tirar o curso do Magistério. Teve a nota de 17 valores, que nunca ninguém ultrapassou. 

Regressei de Angola em 1975 e voltei a trabalhar como professor em Condeixa, até à aposentação em 1999. 

Em Luanda nasceu a filha Helga que tem agora 43 anos e 3 filhas. A Carolina tem 17 anos e está no 12º ano e pretende ser arquiteta, a Matilde tem 13 anos e frequenta o 8º ano e, por fim a Filipa faz dois anos no próximo domingo. Sou um "avô babado"  e, com muito gosto, sou também o taxista delas todas, e da avó Adriana,  que nunca teve nenhum acidente, mas deixou de conduzir desde que lhe foi aplicada, há 4 anos, uma prótese, na anca direita. 

Desculpa, Luís Graça,  ter roubado o teu tempo a ler parte da "história da minha vida". (**)

Um abraço. José Augusto Miranda Ribeiro

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Notas de leitura:

(*) Vd. poste de 2 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15188: Inquérito "on line" (1): "Camarada, casaste antes, durante ou depois da guerra ?"... Respostas aceitam-se, até ao dia 7, 4ª feira, às 12h30

(...) Também podem contar histórias do vosso casamento e mandar fotos... Referimo-nos, naturalmente ao primeiro, que é o que tem graça, o casamento antes, durante ou depois da Guiné... 

A pouco e pouco vamos conhecendo melhor o perfil sociodemográfico do "camarada da Guiné"... que hoje tende a ser, tipicamente, um avô e até bisavô babado. (...)


(**) Último poste da série > 24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15152: História de vida (39): Voltar finalmente, não mais rico mas diferente (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P15189: Notas de leitura (762): “Morto em Combate”, de António Silveira, publicado na Caminho Policial, Editorial Caminho, 1990 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
Afinal, aquele morto em combate, que até merecia ser medalhado, foi vilmente abatido pelas costas, executado por um capitão com a consciência embotada. Releva a figura suprema da obra, o alferes Sobral, detetive, bravo contra-guerrilheiro e justiceiro.
Trata-se de um livro policial, o único que eu conheço, sobre a temática da guerra colonial. Tem um momento alto, a operação em que se realizará um ajuste de contas, preparado metodicamente a frio por Sobral. Fala-se na picada Zemba-Santa Eulália. E Calunga Samba. Estamos na terra dos Dengos.
A Casa da Mariquinhas acompanha o romance do principio ao fim, obsidiante.
Não sendo extraordinário, nem coisa parecida, é uma agradável surpresa, não vos posso esconder.

Um abraço do
Mário


Morto em combate: a literatura policial e a guerra colonial

Beja Santos

Tanto quanto me é dado saber, é a única incursão da literatura policial no contexto da guerra colonial. “Morto em Combate”, de António Silveira foi publicado na Caminho Policial, Editorial Caminho, 1990. Escreve-se na contracapa: “Único prémio literário do género em língua portuguesa, o já consagrado Prémio Caminho de Literatura Policial é atribuído de dois em dois anos é um livro inédito. Por vezes, o júri, pela qualidade da obra, recomenda outro livro para publicação. Foi o caso, com toda a justiça, de Morto em Combate. Com ele, António Silveira dá um contributo importante não só para o romance policial português mas também para a literatura tem como pano de fundo a guerra colonial. É doloroso, mas necessário, acrescentar que, quando o júri se reuniu e recomendou esta obra, António Silveira, vítima de acidente de viação, se encontrava em estado de coma. Não chegou a saber que o seu livro, o seu primeiro livro iria ser publicado”.

Estamos na terra dos Dembos, em 1970. O Capitão Miliciano João Soares, da CCAÇ 2509, andava na mata com dois pelotões. Pela primeira vez, ouvem-se versos do fado A casa da Mariquinhas, na sede da unidade, será uma constante de toda a obra. O operador de rádio comunica que a força está a ser atacada e há mortos, os oficiais vão aparecendo. A força atacada entretanto regressa. “As circunstâncias em que ocorreu o ataque eram simples. De volta da antiga Fazenda de Pedro Afonso um tiro de pistola acertara no Segundo-Sargento Simão, o quinto ou sexto da fila. O tiro atingiu a base da coluna vertebral. Na região dos tomates para ser mais exato. No dizer do Capitão Miliciano João Soares a bala de 9mm destroçara os ossos da coluna e da bacia. E isso o capitão devia saber, pois intercalava períodos de estudo de medicina com outros de serviço na tropa, em períodos de crise financeira mais aguda”. O autor vai-nos apresentando os diferentes alferes desta CCAÇ 2509. O capitão quer celeridade no processo do Simão, considera que o segundo sargento deve ter uma medalha a título póstumo. Vê-se que António Silveira não era grande apreciador dos oficiais superiores: “O tenente-coronel era um homem boçal, de óculos, com o cabelo à escovinha já todo grisalho”. E descreve a mesa dos oficiais, mesa única, comprida, com o comandante do batalhão à cabeceira: “De cada lado ficava o major, o de operações à esquerda, o segundo-comandante à direita, depois dois capitães, o da CCS e o da companhia de caçadores. O comandante da CCS era um capitão oriundo da classe de sargentos, a sua preocupação enquanto a reforma não chegasse era aumentar a sua coleção de selos e construir engenhocas eletrónicas. Logo a seguir vinha o tenente Portela da secretaria de batalhão, também do serviço geral, magro, quase esquelético, homem com uma certa cultura. Seguiam-se os alferes da CCS: Salgado das Transmissões, Martins do Material, Sousa da Administração, Coelho dos Sapadores, Faustino do Pelotão de Reconhecimento e de Informações. Medeiros, o padre-capelão, andava em missão de evangelização por algumas das outras companhias, normalmente a que estava numa zona habitada ou mesmo pelos cabarés de Luanda. Na outra cabeceira pontificava o tenente miliciano (ou amador como ele preferia) médico. Magro, brincalhão de resposta fácil. Ladeavam-no os alferes da CCAÇ 2509: Gama, Sobral, Silva e Nunes e o comandante do pelotão de morteiros de 81mm. Albuquerque, com os seus compridos bigodes, que tratava o comando do batalhão e da CCS com uma espécie de altivo distanciamento”.

O Alferes Sobral quer saber mais pormenores do ataque, começa a fazer as suas investigações. O Silva, que ia no patrulhamento onde morreu Simão, dá a sua versão. Sobral apercebe-se que há ali uma história montada, alguém preparou a cilada a Simão, prossegue os seus interrogatórios. Deixa de ter dúvidas, houve um crime. Sobral conversa com o Major Laranjo e o Tenente Portela, dá-lhes conta das suas cogitações:
- "Durante a caminhada para a antiga Fazenda de Pedro Afonso o nosso Capitão Soares escolheu local próprio para efetuar a emboscada que tinha planeado ao sargento. O local foi bem escolhido. A mata é densa. A antiga picada faz uma curva e desce para o ribeiro onde um pseudo-guerrilheiro se pode emboscar desenfiado do fogo das armas de tiro tenso. As outras não são utilizáveis. A companhia passou provavelmente as duas noites junto das ruínas da fazenda. Na manhã do terceiro dia regressaram pelo mesmo caminho. O risco nem era grande, de facto, a zona não é habitada, só sítio de passagem. Ao chegar ao local previamente escolhido o capitão fez a encenação de coxear. Passou o Cabo Rui para a frente e ele pôs-se atrás. O facto de ser o segundo permitiu que o cabo se distanciasse o suficiente para se emboscar e fazer o papel de atacante. Foi para isso que o básico serviu, para fazer de cortina para o resto da companhia. Assim um básico assustado seguia o vulto do seu capitão, para os lados não devia ver mais que uma mancha verde indistinta. Mas entre eles e o pelotão, à cautela, ainda estava o condutor. Também era para isso que ele lá estava”.

Sobral procura descobrir o motivo. Simão andava a fazer a conferência do armamento pouco antes de “morrer em combate”. Far-se-á uma nova conferência, tinham desaparecido armas, para Sobral é inequívoco que o capitão fizera a venda daquele armamento a fazendeiros para pagar dívidas dos bródios em Luanda. E como sabia que eram a fazendeiros? É Sobral quem responde: “Vê-se pelas armas em falta. Mauser para a caça. Walter para defesa pessoal, FBPs para terem nas fazendas. Nada de G3 para a guerra a sério. O Simão deve ter-se posto a fancos. O capitão contou-lhe umas histórias quaisquer, mais já não serviam. O Simão devia andar a chateá-lo para resolver a situação”.

A trama desenvolve-se. O Major Laranjo é colocado em Luanda. O capitão apercebe-se das diligências de Sobral, prepara-lhe também uma cilada. E vamos ter uma operação que é o ponto alto da obra, Sobral prepara os seus homens, previne-os de como é que o capitão irá procurar agir. Na sede do batalhão, em Zemba, ficam dois grupos de oficiais divididos: os oficiais superiores, que esperam que Soares limpe o sarampo a Sobral, e o grosso de oficiais milicianos, conhecedor da manobra que Sobral gizara para neutralizar Soares e os seus homens. E aqui o policial torna-se num policial de ação, é a vez do feitiço se voltar contra o feiticeiro, no Batalhão 3033 aguardam-se notícias no decorrer da operação. Feita justiça entre militares, começa a guerra a sério, com gente da UPA e do MPLA, Sobral dá provas de liderança e de bravura no combate. E tal como Soares fizera, dá uma versão dos acontecimentos irrebatível. Ficaram para trás os momentos de equívoco que se estabelecera em Zemba para saber qual tinha sido o oficial que morrera em combate. Como um justiceiro, Sobral põe condições aos oficiais superiores para a natureza do seu relatório: “Os senhores podem arquivar o relatório, esquecê-lo, não tocar mais no assunto. Pretendo apenas que o Sargento Simão fique ilibado de qualquer responsabilidade pela falta do material. Quanto à sua morte, nada podemos fazer para julgar os culpados, fica arrumado por natureza”. E tudo isto se passa sob a zoada da voz de Amália que vem dum rádio transistorizado:  
“… Pois dar de beber à dor é o melhor 
Já dizia a Mariquinhas…”.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15167: Notas de leitura (761): “Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde”, de André Álvares d’Almada (1594) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15188: Inquérito "on line" (1): "Camarada, casaste antes, durante ou depois da guerra ?"... Respostas aceitam-se, até ao dia 7, 4ª feira, às 12h30



Lourinhã > Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira > 14 de dezembro de 2014 > ADL - Associação para o Desenvolvimento da Lourinhã > Exposição de fotografias antigas > Escola primária da década de 1960 > Mapa de Portugal Insular e Ultramarino > Detalhe: Guiné

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados-


A. Mensagem enviada ontem ao pessoal da Tabanca Grande,  especialmente dirigida aos "camaradas da Guiné":

Está em marcha mais uma "sondagem", ou melhor, "inquérito on line" (ou em linha, ou seja, com resposta direta no blogue, no canto superior esquerdo). Tecnicamente, só é possível fazer uma pergunta de cada vez...

A votação termina 4ª feira, dia 7, por volta do meio dia...

O que os editores desta vez querem saber é quando é que a rapaziada se casou: se foi antes, durante ou depois da Guiné...

Temos ideia que soldados e cabos se casavam mais cedo do que os sargentos e oficiais milicianos... Alguns já iam casados para a Guiné, e até com filhos, ou esperando filhos... Um ou outro de nós casou-se durante as férias... Ou até por procuração... Alguns,  felizardos,  tiveram a esposa na Guiné, uma parte do tempo ou até durante toda ou quase toda a comissão... Mas a maior parte casou-se depois do regresso a casa, logo nesse ano ou no ano a seguir, até cinco anos depois... Um ou outro foi mais retardatário, casando-se já próximo dos 30 ou até mesmo trintão... 

 De facto, quase todos nós entrámos no mercado de trabalho, depois do regresso da guerra, muitos já trabalhavam, alguns de tenra idade... Uma parte de nós continuou os seus estudos, ou emigrou, tendo casado mais tarde... E alguns provavelmente terão ficado solteiros...

A resposta que se quer é simples, factual e... anónima. Ninguém fica a saber quem se casou aos 18, aos 20, aos 25, aos 30... E até quem não se casou...

 Vamos a isso ? Também podem contar histórias do vosso casamento e mandar fotos...  Referimo-nos, naturalmente ao primeiro, que é o que tem graça, o casamento antes, durante ou depois da Guiné... 

A pouco e pouco vamos conhecendo melhor o perfil sociodemográfico do "camarada da Guiné"... que  hoje tende a ser, tipicamente, um avô e até bisavô babado...

 Segundo a Pordata, da Fundação Manuel dos Santos, há diferenças de mais de cinco anos na idade média ao primeiro casamento, quando se compara o já longínquo ano de 1960 (26,9 anos de idade, em média, para o sexo masculino) com os nossos dias (32,1 anos de idade, em média, para os rapazes)...

Grosso modo, a malta hoje casa-se muito mais tarde, quando se casa... tanto rapazes como raparigas (estas, aos 24,8 anos de idade, em média, em 1960; e aos 30,6 anos de idade, em média, em 2014)... A vida e as condições de vida mudaram muito: veja-se, por exemplo, a esperança média de vida, ao nascer: era de 60,7 anos para os rapazes, e 66,4 para as raparigas em 1960; aumentou significativamente, sendo em 2013 de 77,2 e 83,0, respetivamente.

Obrigado a todos, em meu nome e dos demais editores. Esforcem-se por serem felizes, que bem o merecem.

Luís Graça


B. Resultados preliminares (com um total de votos de 62 à 1h00 de hoje):


1. Já era casado, quando fui para a tropa > 8 (12%)


2. Casei-me durante a tropa, antes de ir para a Guiné > 3 (4%)


3. Casei-me na Guiné, por procuração > 0 (0%)

4. Casei-me durante a comissão, quando fui de férias à metrópole > 1 (1%)

5. Casei-me logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir > 32 (51%)

6. Casei-me só mais tarde, dois a cinco anos depois de vir da Guiné > 15 (25%)

7. Casei-me muito mais tarde (mais de cinco depois) > 1 (1%)

8. Nunca me cheguei a casar > 1 (1%




Votos apurados: 62 [até às 1h de 2/10/2015]
Dias que restam para votar: 5 [até dia 7, 4ª feira, às 12h30]

Guiné 63/74 - P15187: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XIV: As cheias de Bambadinca na época das chuvas


Foto nº 1


Foto nº 2



Foto nº 2 A


Foto nº 2 B


Foto nº 3

Foto nº 3 A

Foto nº 3 B


Foto nº 4


Foto nº 4 A

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Época das chuvas > c. 1968/69 > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) > Pequenas inundações na zona ribeirinha da povoação.


Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação do álbum fotográficos do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852) (*).

[foto atual à esquerda; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]


A ordem de publicação não é a da sequência cronológica, mas sim a do conteúdo: são imagens (de "slides" digitalizados) que nos chegaram, sem legenda... Estas imagens são da época das chuvas (1968 ou 1969), sendo provavelmente da mesma altura em que foram tiradas as fotos do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), contemporâneo do Jaime Machado.

Vemos uma coluna logística, a chegar a Bambadinca (foto nº 2), vindo muito provavelmente de Bafatá. Na coluna é visível a presença de uma viatura Daimler (fotos nº1 e 2). A coluna estava atravessar a baixa ribeirinha de Bambadinca. É possível que sejam fotos diferentes, porque numas o fotógrafo vem, numa viatura, no sentido ascendente (fotos nºs 1, 2 e 4) e noutras no sentido descendente (foto nº 3).

Nalgumas fotos é visível um dos ícones de Bambadinca, a fonte, cuja contrução era de 1948.

Talvez o fotógrafo depois nos possa ajudar a legendar melhor estas magníficas imagens. No tempo das chuvas, recordo-me que era habitual haver pequenas inundações na zona fluvial de Bambadinca. O rio Geba Estreito transbordava. Por outro lado, o quartel e o posto administrativo (cujo acesso se fazia por uma rampa relativamente íngreme, visível  na foto nº 2) ficavam num pequeno morro ou planalto, rodeado de bolanhas... Na época das chuvas, era mais fácil a acumulação de água nas zonas baixas, e nomeadamente na margem esquerda do rio. Havia sempre pequenas inundações na zona ribeirinha, afetando algumas moranças e casas de comércio. No entanto, não impedia o trânsito de viaturas.

A chegada das chuvas, por volta de meados de maio, era sempre uma festa para pequenos e graúdos. Ia até meados de novembro. Os meses de maior pluviosidade eram o julho e o agosto. Aumentava também, nesta época, o risco de paludismo.

2. Esclarecimento do Jaime Machado, em 2/10/2015, 14h34

 Caro Luis


Estas fotos foram todas tiradas em setembro de 1969,  em plena época das chuvas.

Regressavamos de uma coluna a Bafatá.
Reconheço-me de costas nas fotos 2 e 2A com boina castanha e sentado numa Daimler.

A loja dp Zé Maria era à esquerda na direcção do quartel mais ou menos a meio da reta, a do Rendeiro era à direita de facto [entre a fonte a rampa de acesso ao qrartel].

Abraço

«Jaime

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes

1. Parte XV de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 30 de Setembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XV

ME-14-04

Um ano e pouco depois da formação dos grupos, a sangria continuava, uns incapacitados e outros a acabarem as comissões. 
Dos 4 grupos iniciais ficaram dois, os que tinham alferes, os Diabólicos e os Vampiros. Os que sobraram dos Apaches e dos Centuriões foram repartidos pelos outros dois grupos. 
Dos outros dois chefes de grupo, um seguiu o seu caminho, psiquiatria primeiro, baixa a librium e triptyzol, às vezes com água, outras vezes não, até que teimou em pedir alta. Foi convalescer para Guilege, na altura um dos sítios mais aquecidos da Guiné. O camarada de Brá acompanhou-o a Bissalanca, beberam uma água no bar do aeroporto à espera do embarque no Dornier. Amigos e companheiros de quarto durante meses despediram-se, sem palavras, com um abraço. 
Quando lá chegares diz qualquer coisa! 
Dois ou três dias depois dizia-se em Brá que tinha sido bem recebido pela NT e pelo IN também, que logo na noite da chegada não quis faltar, convidando-o a assistir e a participar na festa, metido nos buracos até acabarem as comemorações. 
Continuava assim o seu percurso, só lhe faltava mudar o líquido, o que parece não ter demorado muito. 
A permanência dele por lá não foi fácil, como se calculava. E quando a comissão foi dada por terminada, no aeroporto em Bissalanca não era capaz de falar, só abanava a cabeça, a chamada para o embarque na TAP, o abraço do camarada e amigo, lá ia ele sem o saco de viagem. E quando subia as escadas para o avião, parece que não queria deixar aquela terra, escorregou, ainda desceu um ou dois degraus desamparado, a amarrar-se a um dos corrimões, a hospedeira a tentar dar-lhe a mão, o camarada a respirar melhor quando a porta do avião se fechou. O outro alferes adoeceu quase logo no início da actividade operacional do grupo, ficou de baixa, embora se ocupasse na instrução física, em que era bastante competente. O sargento Mário Dias chefiou o grupo até chegar a vez dele acabar a comissão e os Apaches mantiveram um desempenho excelente. 

O capitão continuava a sua saga, endireitá-los a qualquer custo. Assim não estranhava que não estivesse nada satisfeito, mas mesmo nada, com a comunicação que a PM lhe tinha apresentado naquela manhã. Um jipe dos comandos com seis gajos dentro, a entrar por um campo de mancarra, junto ao hospital? Que é isto? Estas brincadeiras ainda não acabaram? Não quero mais histórias destas aqui! 
Estendeu-lhe a participação da PM assinada pelo comandante, Capitão Matos Guerra. Trate de averiguar o que se passou. 
Mudando de assunto, amanhã tenho tarefa para si. Vai levar a Nhacra o 1.º Cabo Pinto. 
Quem, meu capitão? 
A D. Cecília Supico Pinto do M. N. F., parece que agora quer que que lhe chamem 1.º Cabo Pinto e vem com a D. Renata, também da organização. 
O que vai fazer? Vai escoltá-las até Nhacra, deixá-las lá. Amanhã passam cá a manhã, mostramos-lhes as instalações, almoçam connosco, pega no seu grupo e leva-as a Nhacra. Depois regressa. 
Foi mesmo assim, no dia seguinte entre duas Mercedes, o 14-04, já recomposto, foi entregar as senhoras ao pessoal de Nhacra.

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Partir mantenhas1

Temos aqui um guia apanhado aos terroristas e outro daqui, um caçador nativo, bom conhecedor da região e homem da nossa confiança, o tenente-coronel de óculos chegados à ponta do nariz, cócegas no mapa com o pingalim. 

Deixaram Aldeia Formosa pelas 15 horas daquela tarde, dois grupos de combate de uma companhia de caçadores atrás, mais um pelotão de milícias, uma Fox à frente, outra a fechar a coluna. 
Estava prevista a chegada à base de ligação, Saala Delta, pelas 18h30, deixar aí o apoio, e começar a progressão rumo ao objectivo, que deveria ser alcançado ao alvorecer. Segundo a ordem de operações, os grupos de combate da companhia de apoio deveriam estacionar, emboscados na estrada, frente a Nhantafará. 
Paragens, algumas demoradas, devidas a problemas com uma das viaturas e alguns atascamentos atrasaram a caminhada. Saala Delta só foi atingida pelas duas da madrugada. 
Pararam, chamaram o intérprete, falaram com um guia, depois com o outro. O guia IN dizia não conhecer a estrada, o caçador que estávamos mesmo, mesmo, em Saala Delta, um soldado das milícias que já passou, que talvez seja para trás. Melhor esperar pelo acordar do dia, progredir depois. 
Por volta das cinco, o grupo reiniciou a progressão, companhia para trás, emboscada. A certa altura, de um momento para o outro, o tal guia apanhado aos terroristas ajoelhou-se e não quis continuar. Bem se insistiu, tentou saber-se o que se passava, nada. Embora tivessem perdido tempo a tentar resolver o assunto não ficaram com dúvidas que estavam no rumo certo, que o objectivo estava próximo. Prosseguiram com cautelas redobradas até que avistaram, recortadas na neblina, duas ou três barracas. 
Duas equipas destacaram-se com o guia, o tal caçador da inteira confiança do comandante do batalhão. Enquanto os dez homens procuravam dispor-se em linha, com os olhos no acampamento, deixaram de prestar atenção ao caçador. E quando o soldado guineense que o acompanhava se lembrou dele ainda o viram, mas a desaparecer entre as casas de mato.

Na mesma altura, como se estivesse tudo combinado, aparece o PCV2 às voltas em cima deles, a solicitar indicação de posição.
Uma rajada foi disparada sobre os intrusos. Ataque imediato à tabanca mesmo em frente, alguns guerrilheiros com armas nas mãos e população a correrem, cada um para seu lado, todos misturados, mulheres e crianças aos gritos.
Os atacantes a recolherem as crianças, as mães, os anciãos e o IN a esgueirar-se de qualquer maneira, a disparar sobre aquela gente toda, sem contemplações.
Nada mais havia a fazer, só tirar dali as pessoas e procurar abrigo. A pouco mais de cem metros, foram disparados roquetes para a zona do abarracamento. E pelo mesmo caminho, com os civis à frente, dirigiram-se ao reencontro da companhia de apoio. Uns quilómetros depois ainda se ouviram alguns rebentamentos, vindos da mata do acampamento que tinham deixado a arder.

Quatro mulheres, 6 crianças, 3 velhos, uma pistola Seska, cinco calças de caqui, duas camisas, um par de polainitos, três barretes, seis bornais, três almotolias de óleo, três centenas de cartuchos de calibres diversos, caixas de fósforos do Ghana, suspensórios, recipientes de material de limpeza, portas-cartucheiras Simonov, calças civis, prospectos "Faúlha", documentos em marabú, uma revista francesa sobre África, quatro exemplares de "O nosso primeiro livro de leitura", cadernos escolares de Augusto Sanco, exemplares de jornais "Libertação", foi tudo, meu tenente-coronel.

Uma aselhice que, afinal, acabou por trazer algum benefício ao batalhão. Sem que ninguém se apercebesse, as duas equipas a organizarem-se para o ataque, e o guia de toda a confiança do tenente-coronel a ir “partir mantenhas” com os parentes que tinha no acampamento do PAIGC. 
Alguém do batalhão disse mais tarde que o comandante tinha recebido a informação que o guia morrera durante a fuga, nas proximidades do acampamento. 
A Fox à frente, luzes no máximo, os picadores a pé a abrirem caminho à coluna, o regresso interminável a Buba, os olhos a fecharem-se-lhes de cansaço e sono, uma sensação de frustração que nem visto. 
Depois, no cais, em Buba, continuaram a dormitar, à espera da lancha para Bolama. 
Chegaram já quase à noite, àquela cidade do passado. Parada nos tempos, mesmo assim uma beleza. 

Bolama, Hotel Turismo. Imagem do blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné. A devida vénia.
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Notas
1 - Cumprimentar
2 - Posto de Comando Volante, ou PCA, Posto Comando Aéreo, normalmente em Dornier

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Buba, outra vez3

“Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabe-se que o mesmo itinerário se encontra minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois nele já foi accionada uma mina a/p. O acampamento de Buba Tombó serve de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e corta a estrada em Buba e Fulacunda. Não há guia para o acampamento, apenas guias conhecedores da zona”.

Quinze homens do grupo de comandos saíram de Buba pouco passava das 21h00, iniciando a progressão pela estrada na direcção de Buba Tombó. A cerca de três quilómetros desta tabanca, local indicado por um dos guias da zona, tentaram entrar na mata através de várias pontuadas. Sem sucesso. Visibilidade zero, lua escondida e vegetação densa. Decidiu-se aguardar o amanhecer, entrar na mata e procurar um caminho para o acampamento.
Já com a mata em frente, a estudá-la com os olhos, com uma pequena bolanha a separá-la, surgiu a parelha de T-6. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível. As frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento do grupo! Estabelecida uma ligação verificou-se que os indicativos também não estavam certos.
Os T-6 começaram a picar sobre a mata, deviam ter avistado algo com interesse, e o grupo que já se encontrava muito próximo abrigou-se o melhor que pôde. Com as frequências e os indicativos alterados não havia a certeza de quem estava a falar com quem e os pilotos dos T-6 decidiram afastar-se.
O grupo de comandos torneou a bolanha e, não encontrando carreiros de acesso ao acampamento, foi-se internando na mata até avistar um elemento IN que disparou uma longa rajada de PPSH, atingindo um milícia, conhecedor da zona que os acompanhava, gravemente no ventre. Com os intestinos pendurados, uma equipa ficou a prestar-lhe o socorro possível, enquanto as outras duas se lançaram na direcção do guerrilheiro. Apareceram as barracas, recolheu-se o material que foi possível transportar, o de menor interesse destruiu-se. O acampamento era constituído por duas casas com 12 camas numa e 8 noutra e defendidas por abrigos cavados no terreno à volta.

Abrigos com disposição idêntica a esta. Foto na net.

Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi transportado numa maca improvisada, a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento, sem consequências para o grupo, já a retirar pela mata.
Viram os T-6 a sobrevoá-los quando já se encontravam a caminho de Buba.
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Nota
3 - Operação "Olinda", Buba

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Vamos ser independentes 

Naquele fim de tarde, quando, vindo da Amura, descia a rua em direcção à Sé, viu o pai da Teresa, de calção, no pequeno jardim, a tratar da relva e das flores. Aliás, viram-se um ao outro ao mesmo tempo, um a desviar os olhos para o outro lado, para uma montra de uma casa de fotografias, o pai mais demorado, a endireitar-se, sacho na mão, talvez a magicar, se calhar é aquele o tipo que anda atrás da Tesa.

Sé de Bissau

Lá em baixo, acabada a missa da tarde, Teresa, véu dobrado numa mão, braço na mãe, ia começar a subida da rua para casa quando o viu. E agora, perguntou-se ele.

A mãe conhece-te de vista, já te viu da janela mais que uma vez, uma tardinha perguntou-me até se te conhecia. 
Sei lá, mãe, um militar qualquer, como hei-de saber, queres que lhe pergunte o nome, porque está a passar na rua? 
Que atrevida que estás, Tesa, julgas que tenho os olhos fechados? 
E se nós mudássemos a conversa, mãe? 

Uns tempos mais tarde viu-me a falar contigo, junto ao jipe. Quando me viu voltar a correr, fez-se desentendida, desceu para o jardim, para a minha beira, eu calada, com o livro na mão. Desconfiei da chegada tão repentina, fiz de conta que não entendi, falou-me da carta da tia de Santo Antão a dizer que vinha passar um tempo connosco. Fiz-me ausente, desinteressada, ah sim, quando? 
E não me largava, a perguntar-me como iam as aulas. 
Tentei evitar até não poder mais, a mamã não saía dali, sempre com perguntas. 
Sim conheço-o, tem mal, mãe? 
Que não, desde que eu lhe contasse tudo, que tivesse cuidado, que vocês, militares longe das famílias, saudosos das namoradas, estavam aqui de passagem, só queriam divertir-se. 
Um dia que calhe eu apresento-to, está bem mamã? E arrumei os livros e o assunto.

Mais coisa menos coisa, a conversa terá sido assim, contara-lhe ela, dias depois.

Rua de Bissau. © Foto do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.

De saída da missa, então, de braço dado com a mãe, mudou de passeio e subiam a rua, ele a olhar para o chão, como quem não quer a coisa, até ficarem frente a frente.
A mãe Benilde, um amigo, as mãos estendidas.

A mamã gostou de te conhecer, acha-te simpático, é verdade! Que pareces atinado.
É, depende dos dias e dos momentos, também acho, agora simpático, como as aparências enganam, se ela te conhecesse melhor! Mas gosto de estar contigo, embora haja coisas que nos separam.
O quê? Esta guerra! Nem entendo porque te envolves assim tanto. Porquê?
Porque sou soldado!

Na guerra mostramos quem somos. Em combate não há capitães, sargentos ou alferes, somos todos soldados. Soldados com as caras sujas, olhos muito abertos, o crepitar das metralhadoras, balas a riscarem a noite, rebentamentos surdos dos morteiros, ouvidos a zunirem, pó a cair com folhas de árvores, gritos, sangue nas fardas rasgadas, nó na garganta, a sensação de não estar nem vivo nem morto, confusão, o silêncio, os soldados e as fardas lavadas, os emblemas a brilharem ao sol, os tambores a rufarem, o clarim a tocar aos mortos, o frio pela espinha, os jipes, os camiões, as lagartas dos carros de assalto, o barulho dos helis.

Não sei, Teresa, sei lá!
Não sentes uma ponta de remorso pelo que andais a fazer? Custa-te a entender a luta deste povo? Nem sequer te interessa o assunto!

Claro que estamos a fazer tropelias, não o devíamos fazer, não é para isso que estamos aqui. Ficamos fora de controlo, às vezes. Lutamos pelo gosto da luta. Gostamos disto, desta adrenalina. Mas odeio a guerra, esta ou qualquer outra. Não quero morrer, nem quero que os outros morram. Mas, por mim, não a vamos perder. 

Não respondes?
Um assunto muito pessoal, só teu? Para outras conversas és íntimo comigo, porque é que esta é diferente, tens outras vidas de que não queres falar comigo?
Obrigo-te a estar aqui?
Quando vai ser, não sei. Já estivemos mais longe. Eu era menina, andava para aí no 3.º ano, quando tudo começou a sério. Até 63, tirando o caso do Pijiguiti4, ao que ouvi dizer, era só conversa. Nem me lembro de alguma vez ter ouvido falar em independência.
Depois a história passou a escrever-se de outra forma. Foi pena, mas para trás tem sido sempre assim, não se consegue quase nada a bem, é pena, mas é assim. Já pensaste no que farias se fosses guineense ou cabo-verdiano? Alistavas-te no partido ou no colonialismo?
Olha, não vai ser já já, vai demorar ainda uns anos, mas tenho a certeza que a nossa bandeira vai subir no mastro do palácio, lá em cima na praça, e eu vou estar no meio do povo, a vê-la ao vento. Podes crer! As minhas aulas vão andando, obrigada!

O barulho dos ramos das árvores e um mocho ou uma coruja lá para trás, dos lados do cemitério, os dois sentados na espreguiçadeira que mal dava para um.
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Nota
4 - Manifestação de trabalhadores do porto de Bissau em 3 Agosto de 1959. A repressão causou mais de 50 vítimas segundo o PAIGC e 16 segundo as autoridades de então.

(Continua)
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Nota do editor

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