segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15487: Efemérides (205): Imposição de Medalhas Comemorativas aos Combatentes, dia 8 de Dezembro de 2015, no Regimento de Infantaria 13 de Vila Real (Fernando Súcio)

1. No passado sábado, na Tabanca dos Melros, o nosso camarada Fernando Súcio, que foi Soldado Condutor do Pel Mort 4275, Bula, 1972/74, disse-me que já tinha recebido a Medalha Comemorativa das Campanhas, requerida há algum tempo. 
Porque, lembrou-me o Fernando, tinha sido eu que o ajudei no requerimento, pedi-lhe que me enviasse algumas fotos da cerimónia, levada a efeito no passado dia 8 de Dezembro de 2015, no RI 13 de Vila Real, a fim de serem publicadas no nosso Blogue.

Mensagem do Fernando datada de 13 de Dezembro de 2015:

Amigo Carlos, 
Como o prometido é devido, aqui vão as minhas fotos relativas à imposição da minha Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné.
O meu muito obrigado pela tua preciosa colaboração. 

Os meus votos de Boas Festas para todos os camaradas da Tabanca Grande. 
Fernando Súcio


Parada do RI 13 - Guarda de Honra e os Combatentes a quem iriam ser impostas as Medalhas Comemorativas das Campanhas

Convívio entre militares e ex-militares após a cerimónia

Fernando Súcio no RI 13, Unidade Militar do seu Distrito

Mais uma foto para a posteridade


2. Comentário do editor:

A propósito desta cerimónia, relativa ao nosso camarada Súcio, lê-se, principalmente no Facebook, e ouvem-se alguns camaradas, após receberem a sua Medalha, dizerem que finalmente lhes foi concedida a Medalha Comemorativa das Campanhas. Nada mais errado. As Medalhas foram-nos atribuídas no fim de cada Comissão de Serviço, só que as mesmas nos foram sonegadas durante dezenas de anos. Muitos de nós nem sabíamos que tínhamos direito a recebê-las.
Não deveria ser necessário requerê-las, antes sim, ser-nos perguntado em tempo útil se as queríamos receber ou não.
Tenho incentivado todos os Combatentes que conheço a solicitá-las porque é a derradeira cerimónia a que temos direito antes de morrer. E acredite quem ainda não as recebeu, que normalmente as cerimónias de imposição tem muita dignidade, aquela a que temos direito pelo nosso passado de combatentes por Portugal.

Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15431: Efemérides (204): 1º de dezembro de 1640: 0 hino da Restauração cantado pelo Coro dos Mineiros de Aljustrel e tocado por 27 bandas de todo o país, em Lisboa. na praça dos Restauradores

Guiné 63/74 - P15486: Notas de leitura (788): “Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Mais uma edição de autor, mais um regresso à memória com toques de romance, narrativa histórica, poesia, considerações pessoais.
Uma comissão que começa em Bula e chega a Gadamael-Porto. Há para ali sonhos, gente que está disposta a ficar e fazer agricultura, os sonhos evaporam-se com a aspereza da guerra. Há uma observação obsidiante em que os guineenses barafustam com a presença cabo-verdiana, o registo não fica bem esclarecido. Muito mais memória sobre o que vai na cabeça das pessoas do que nos afazeres da guerra. Um registo que é uma operação de boa vontade e um hino à camaradagem.
Nada mais a dizer.

Um abraço do
Mário


Geração de 70, época das chuvas, por A. Santos Silva

Beja Santos

“Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014, é a história de uma comissão que nos faz supor, assim pensa o autor, um romance, tem páginas em prosa e poesia, tudo começa na Gare Marítima de Alcântara, o navio Niassa parte a 25 de março para a Guiné. Regista-se o que se passa no cais de embarque, depois os embarcados vão estabelecendo conversa. Adverte o autor quando apresenta as personagens que atravessam a narrativa: “António, Augusto e Domingos Djaló são nomes fictícios, mas existiram e representam o nome dos jovens das gerações que foram apanhados pela guerra de África. Designamos de geração de 70, porque foi o ano em que embarcaram António e Augusto”. Assim se chega ao cais do Pidjiquiti, viaja-se para o quartel de Brá, entabula-se conversa com o condutor da GMC que fala do baga-baga e avisa que ninguém se deve esconder atrás dele debaixo de fogo. É uma conversa instrutiva em que fala de bolanhas e da agricultura em geral. O condutor apresenta-se: Armando Arafã Mali, descendente de mãe Mandinga e pai marinheiro português. No dia seguinte o narrador calcorreia por Bissau, a vertente dos ensinamentos não pára, fala-se de rebenta-minas, picadas e os perigos que reserva o primeiro destino, Bula. Estamos numa época bastante estranha, há quem diga que a guerra vai acabar, e de repente tudo parece virar-se do avesso, fala-se na morte de majores que estariam a negociar o fim da guerra. Começam os patrulhamentos e as colunas de abastecimento. E saltamos deste possível romance para as cogitações do autor que entende dever explicar ao leitor um pouco da história de Portugal e o que é que África representou para a Monarquia, Primeira República e Estado Novo. Faz considerações altamente críticas sobre o que vê na Guiné. Um exemplo: “Fora de Bissau e um pouco por toda a Guiné, havia um corpo de milícias, uma espécie de exército de segundo plano, mal equipado e mal armado que colaborava com o exército regular, fazendo patrulhas de reconhecimento, fornecia guias para as operações cujos objetivos eram difíceis de encontrar e serviam de intérpretes dos vários dialetos existentes. Estes homens do povo recebiam um salário e isso representava uma melhoria nas condições de vida, pois nas tabancas não havia qualquer emprego e só as mulheres trabalhavam na agricultura. A existência deste corpo de milícias parecia não incomodar o PAIGC”. Oxalá alguém, entretanto, tenha explicado a Santos Silva o que eram efetivamente as milícias.

Uma outra preocupação do autor é uma Guiné que dispõe de uma classe média, gente que até vive confortavelmente na guerra, são sobretudo cabo-verdianos e comerciantes de países limítrofes. E soltamos de novo para o romance, a unidade militar de que fazem parte António, Augusto e Domingos Djaló é encaminhada para as obras da estrada que vão de Mansabá a Farim. António, que é o alferes, fala aos seus homens, explica-lhes o intuito da missão: “Na tática militar encetada pelo nosso General Spínola, a construção de estradas tem prioridade e esta assume particular importância; depois de pronta, permite a ligação asfaltada de Bissau a Farim. Até ao final da construção, cabe-nos organizar os camiões que transportam os trabalhadores nativos que tratam de desmatar as margens da estrada”. O alferes dá ainda mais informações: de como picar para evitar as minas sobretudo as antipessoais, os horários, a relação de combate. Domingos Djaló vai ensinando crioulo aos seus camaradas. Augusto entretanto vai a Bissau a uma consulta e começa a questionar-se: o que é que eu faço aqui? Sente-se indesejado, lança um piropo a uma miúda e o namorado disse-lhe: "não estás na tua terra e aqui só atrapalhais, ide para a vossa terra”. O PAIGC dá sinal de vida ali muito próximo do K3 e ficamos a saber uma coisa do outro mundo: "o K3 foi implantado para interromper um corredor usado pelo PAIGC, trilho que dá acesso ao interior da selva, local onde se diz que Nino Vieira tem o seu estado-maior na região do Morés”. O autor por vezes filosofa: “Quando se pensa numa guerra, quando se fala de uma guerra, quem fala e quem ouve, pensa apenas em pessoas. Mas uma guerra não envolve apenas pessoas. Envolve mais, muito mais; envolve pessoas, casas, árvores, rios, mares e muito mais. E animais”. E, mais adiante: “Na guerra nem tudo é trágico, na tristeza, no desânimo e no medo também há lugar para a alegria, divertimento e para a esperança. Sem isso, a guerra transformava-se num manicómio e o cérebro na sua imensa e ainda desconhecida capacidade não permite que tal aconteça”.

Felupes de Cassolol, fotografia tirada da revista “O Mundo Português”, Abril de 1936

Besna Baldé de Mansabá merece destaque, jogou no Futebol, Clube do Porto, na Académica de Coimbra, no Barreirense, no Tavira, no Chaves, no Santo Tirso. Defende uma autonomia regional sob bandeira portuguesa, do género Açores e Madeira (coisa incrível, trata-se de matéria que só veio a debate público depois do 25 de abril), uma região autónoma governada por gente da Guiné. E há alguns amores de permeio, como os de Maria Sofia Elisabete Pereira da Silva, professora, filha do Reitor da Universidade de Bissau, que anda em derriço com Djaló. Esporadicamente, os rancores aos cabo-verdianos imiscuem-se no texto, e como aparecem desaparecem. António é vítima de uma mina anticarro na estrada de Mansabá-Farim, em abril de 71, felizmente sem consequências graves. Em junho marcham para o sul, vão para Gadamael-Porto, desembarcam em Cacine e depois fazem a viagem pelo rio. São referidos os ataques a Guileje, os patrulhamentos. Temos depois uma operação de reconhecimento à região de Sangonhá, Mamadu Segunda é o guia da operação. Atacados por uma força do PAIGC, é o grupo de Mamadu quem prontamente reage, esse grupo terá dois mortos e três feridos. E regressam ao Cumeré, e depois o Carvalho Araújo deixa-os no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, em 2 de janeiro de 1972. Vão até Lamego, fazer o espólio, noite alta, com as estradas cheias de neve metem-se a caminho do Porto, separam-se em S. Bento, é um momento de recordar que ao autor também é poeta: “Será que esta viagem tem regresso?/ Que o cais de chegada é o de partida?/ Que as águas que navego e não conheço,/ são águas conhecidas por viagem tida”.

Santos Silva polvilha a sua obra de ilustrações e notas históricas e recolhe testemunhos de alguns dos seus camaradas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15477: Notas de leitura (787): "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra", de Albano Dias Costa e José Jorge de Campos Sá-Chaves, ex-alf mil da CCAÇ 413 (1963/65)

Guiné 63/74 - P15485: Feliz Natal / Filis Natal / Merry Christmas / Feliz Navidad / Bon Nadal / Joyeuz Noël / Buon Natale / Frohe Weihnachten / God Jul / Καλά Χριστούγεννα / חַג מוֹלָד שָׂמֵח / عيد ميلاد مجيد / 聖誕快樂 / С Рождеством (1): José Belo (Suécia) / João Crisóstomo (EUA)


Lisboa > Natal 2015 > Praça do Rossio


Lisboa > Natal 2015 > Praça do Município

Fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381
 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá 
e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref 
e vive na Suécia há 4 décadas 
11. O nosso amigo e camarada José Belo mandou-nos ontem a mensagem de Natal, a seguir transcrita [e quis também compartilhar connosco um lindíssimo vídeo, disponível no You Tube: Christmas - Santa Lucia Sweden (clicar aqui)]

Estamos por aqui em plena festa da [Santa] Lúcia e a tradição manda compartilhá-la com os Amigos.

Näo sendo de modo algum religioso, tenho que reconhecer que é uma bonita e simples maneira de lutar contra a escuridäo envolvente dos infindáveis Invernos locais.

Votos de um Feliz Natal e Bom Novo Ano,  com um grande abraço
do José Belo.



12. Comentário de LG: 


Zé, força para ti, um xicoração fraterno dos "tugas" que ainda teimam em viver, por aqui,  à beira mar plantados...


21. Mensagem de 23 do passado mês, do nosso nova-iorquino amigo e camarada João Crisóstomo (que também  me telefonou, como ele gosta de fazer, mais do que escrever emails, pedindo-me que mandasse a todos os amigos e camaradas da Tabanca Grande um abraço fraterno e festivo dele e da Vilma; prometei visitar-nos em janeiro de 2016):

Meus caros,
A época de Natal, na realidade já de vento em popa em Nova Iorque desde alguns dias, começa oficialmente amanhã com o tradicional “Thanksgiving Day”. Para mim é época muito especial ainda porque é nesta altura que teimo em contactar os meus amigos - primeiro por telefone se possível - , a não ser que outros motivos, como agora, me forcem a outros meios mais bargantes e eficientes.
Portanto um grade abraço de bons votos de Natal e Feliz Ano Novo também para vocês e para todos os nossos comuns amigos, camaradas da Guiné.

Aproveito para enviar cópias de algo que acho actual e de certa maneira acho relevantes: a inclusão e atribuição de “Houses for Life” à Casa do Passal, de Aristides de Sousa Mendes, tanto mais significativa quanto, nesta altura em que vivemos o grande problema de refugiados, lembramos os 75 anos do “Dia deConsciência”, o acto de Aristides de Sousa Mendes que em situação idêntica em 1940 salvou a vida a tantos refugiados então. 

E também (já que o comandante Malhão Pereira, da “Sagres", e sua esposa passaram e viveram na Guiné durante vários anos), um recorte de jornal sobre a sua visita a Nova Iorque e uma recepção que lhes dei em minha casa.

Um abraço grande para vocês, os vossos queridos e amigos comuns,
João e Vilma Crisóstomo


22. Comentário de LG:

João, é bom saber de ti e de Vilma.  Obrigado, em nome da Tabanca Grande, pelos vossos votos calorosos votos de Bom Natal e Ano Novo. Espero poder abraçar-vos no próximo mês de janeiro de 2016. Até lá, tudo de bom para vocês e demais amigos da diáspora lusitana em terras do tio Sam. Em relação aos recortes que nos mandas, prometo publicá-los muito proximamente, noutras séries.

Guiné 63/74 - P15484: Parabéns a você (1000): José Vargues, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 733 (Guiné, 1964/66)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15478: Parabéns a você (999): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)

domingo, 13 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15483: Libertando-me (Tony Borié) (47): É Dezembro, vamos ao Norte

Quadragésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




É Dezembro, vamos ao norte

É Dezembro, aproximam-se as festas de Natal, vamos a caminho do norte, vamos para os estados de Pennsylvania e Nova Jersey, viajamos no nosso carro utilitário, não na “caravana”, pois a neve e o frio para estes lados, não convida a “acampar”. A estrada rápida número 95 é terreno plano com longas rectas, por vezes passamos a poucos quilómetros do Oceano Atlântico, outras no interior. Paramos aqui e ali, até que o trânsito fica mais lento, alguma construção, abrem-se novas vias, que podem ser usadas alternadamente para norte ou para sul, que são abertas consoante o trânsito o determina, começando a surgir placas de sinalização com a palavra Washington, D.C., que é a capital dos USA e, para quem não sabe, D.C. é a abreviatura de Distrito de Colúmbia, onde a cidade está localizada, no entanto, a cidade tanto pode ser conhecida como Washington, D.C. ou simplesmente Washington, que foi formada com território cedido pelos Estados de Maryland e Virgínia, por volta do ano de 1847, todavia a região que fora cedida pela Virgínia foi devolvida, fazendo parte atualmente do Condado de Arlington, que é onde está localizado o Cemitério Nacional de Arlington, motivo que nos fez parar, pois era um local que queríamos visitar. Dezenas de vezes por aqui passamos, quase nem reparamos, mas desta vez parámos, queríamos visitar o Cemitério, mais conhecido por ser o cemitério militar dos USA, fundado no antigo terreno da Casa de Arlington, que era o palácio da família da esposa do comandante das forças confederadas da Guerra Civil Americana, General Robert Lee, Mary Anna Lee, descendente da mulher de George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos da América.

Para quem quiser, viajando pela estrada rápida número 95, desviando-se para oeste, pode atravessar a cidade, passando na Avenida Pennsylvania, vendo os edifícios famosos, cujas imagens correm o mundo nos meios de comunicação, pois o Cemitério fica do outro lado do Rio Potomac, que corta a cidade, perto dos prédios do Pentágono. Na sua área, com várias centenas de acres, estão enterradas mais de 300 mil pessoas, veteranos de cada uma das guerras travadas pelos USA, desde a revolução americana até à actual Guerra do Iraque. Os corpos dos mortos antes da Guerra da Secessão foram para lá levados, após o ano de 1900.

Algumas das personagens históricas mais famosas estão enterradas em Arlington, mas o local mais popular entre os visitantes é o Túmulo ao Soldado Desconhecido, onde os restos de três soldados não identificados da I Guerra Mundial, Guerra da Coreia e Segunda Guerra Mundial, são guardados perpetuamente por uma Guarda de Honra do Exército, cuja cerimónia de troca de sentinelas é um evento bastante procurado pelos visitantes. Nós emocionámo-nos ao ver as imagens de alguns monumentos da parte dedicada à guerra do Vietname, é muito parecida com as imagens que nós, combatentes da guerra da Guiné, passámos por aquelas savanas e pântanos, que nos estão gravadas para sempre na nossa memória.


Já no regresso, voltámos a passar por dentro da cidade, que foi escolhida para capital, pois no início da independência dos USA não havia uma capital fixa e as reuniões do Congresso eram feitas em diferentes cidades, mas por volta do ano de 1783, houve um motim durante uma reunião do congresso na cidade de Filadélfia, o que forçou os congressistas a saírem da cidade, que ficou conhecido como “Motim da Pennsilvânia de 1783”, onde as autoridades locais se recusaram a enfrentar o motim e, a necessidade de uma capital independente dos estados, foi discutida no mesmo local quatro anos depois. No entanto, a Constituição não estabelecia o local específico onde seria o distrito, claro, houve logo um conflito de interesses entre as regiões norte e sul para estabelecer a sua localização. Os estados do norte preferiam a capital numa das grandes cidades do país, localizadas ao norte, enquanto os estados do sul favoreciam uma capital mais próxima de seus interesses, onde usavam o trabalho escravo, sobretudo nos trabalhos agrícolas. Houve negociações, onde foi proposta a federalização das dívidas contraídas ao longo da guerra de independência pelos estados, onde os estados do sul já haviam pago a maior parte das suas dívidas. Assim, o acordo foi a federalização das dívidas em troca da localização da capital num estado do sul, onde, por volta do ano de 1790, deu ao então Presidente Americano, George Washington, o poder de escolher o local onde seria construída a nova capital americana.

Logo no ano seguinte, George Washington escolheu uma área de 259 km² na margem do Rio Potomac, onde a vila de Georgetown estava localizada, que, talvez por coincidência, ficava a escassos quilómetros da sua casa, pois vivia em Mount Vernon, Virgínia.

Já vamos longe, mas não queremos terminar sem mencionar uma questão controversa na nova capital dos USA, que era a escravidão, pois a capital Washington, estava localizada na Região Sul dos USA, onde o uso de escravos era intensivo. Dizem alguns historiadores que foi com o trabalho dos escravos que muito da cidade foi construída, incluindo as estruturas governamentais e vias públicas, mas a grande parte do país era contra a escravidão, especialmente a população dos Estados do norte e, só por volta do ano de 1850, uma lei federal proibiu o comércio escravo em Washington, no entanto, a escravidão seria definitivamente abolida pelo Presidente Americano Abraham Lincoln só em 1863, quando a guerra Civil Americana havia já começado dois anos antes. Proprietários de escravos que decidiram ficar do lado da União Nortista, composta por estados que apoiavam a abolição da escravidão e leais ao Presidente Americano, foram recompensados com 300 dólares por cada escravo libertado.

Companheiros, já vamos longe, deixemos os cemitérios e os escravos em paz, continuemos para norte, tendo quase a certeza de que não regressaremos ao sul sem parar em Nova Jersey, na histórica cidade de Newark, o bairro do Ironbound, visitar o “Portuguesa” Ferry Street, comprar bacalhau, azeite ou castanhas, ver os restaurantes e padarias portuguesas, não querendo falar outra vez na Gracinda, aquela das tranças, que adorava vestir de preto, já com os dedos das mãos tortos, de montar os esqueletos dos colchões, lá na “fábrica dos colchões” onde trabalhava, que diziam que “mandava” no seu marido, o Manuel Murtosa, que era encarregado, mas na linguagem emigrante, era “puxa” na construção, que dizia que a Inês, uma rapariga portuguesa espanholada, que praticamente vivia na Ferry Street e, na boca da Gracinda, fazia favores aos homens honrados e trabalhadores, era mesmo o “diabo em figura de gente”, uma tentadora, com aquele corpinho jeitoso, fazia com que os homens perdessem todo o seu tempo livre na Ferry Street, agora usava pinturas, fumava, fazia a permanente e usava uns óculos à “Hollywood”. Um dia o seu Manuel apareceu em casa a cheirar a tabaco, e ela, a Gracinda, mulher honrada e respeitadora, que nunca falou da vida de ninguém, não sabia porquê, aquele cheiro a tabaco, tudo isto, porque ela, a Inês, aquela espanhola que parecia portuguesa, trabalhava na “fábrica dos óculos”, e lá, segundo o seu parecer, era tudo uma “putaria”, ou então quando se lastimava que, o António Serrano, vítima de um acidente, pois entrou com o seu carro para debaixo de um camião, era quase uma hora da manhã, quando vinha do trabalho, na “fábrica do cobre”, depois de fazer dois turnos seguidos, morreu a uma quarta-feira, e já tinha quase 30 horas de “overtime”, lá na companhia onde trabalhava e, agora a Rosa, a viúva, anda por aí a “dá-lo e a gastá-lo”, até já foi à Flórida, ao parque do Walt Disney, com aquele “garoto” com quem anda agora metida.

Enfim, era a Ferry Street do nosso tempo, em que a filha dos nossos vizinhos do segundo andar, que também eram de origem portuguesa e, sempre diziam que a sua filha era irreverente e mal educada, pois ela, era a segunda geração de emigração portuguesa, não apreciava roupas escuras, xailes, tranças no cabelo, grandes bigodes, vinho, carne de porco salgada, couves e pão caseiro, adorava coca-cola, hamburgueres e batatas fritas e, pela manhã, ao cimo das escadas, quase sem roupa interior, esticando os braços para o céu, nos falava em inglês, sorrindo:
“what a beautiful day, let's enjoy it”

Tony Borie, Dezembro de 2015
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15451: Libertando-me (Tony Borié) (46): O Bairro de Ironbound, Newark, N.J. - USA

Guiné 63/74 - P15482: Blogpoesia (427): No meio da Ponte (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

1. Em mensagem de 9 de Dezembro, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este poema com o título "Desterrado"


Desterrado…

Quando voltarás, amigo?
Te espero no mesmo cais, amigo,
Donde partiste há tanto tempo.
Nunca mais soube de ti.
Minha esperança é que estejas bem
E um dia regresses.

Já pouco falta a ambos…

Voltas que a vida tem.
Te coube a ti este passo duro,
Naquela hora do começar de tudo.
Quando o sonho é rei
E eterno o tempo.

Sei que ias para o Sul,
Lá nos confins do mar.

Foste tentar teu fado.
Como se um desterro.
Era assim a lei.
Onde faltava tudo…

Berlim, 9 de Dezembro de 2015
8h55m

Joaquim Luís Mendes Gomes
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15450: Blogpoesia (426): No meio da Ponte (Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728)

Guiné 63/74 - P15481: Agenda cultural (446): Lançamento do livro "Marinha de Guerra Portuguesa – do Fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”, de Pedro Lauret, 4ª feira, dia 16, no Museu da Marinha, às 18h. Apresentação a cargo do alm Fernando Melo Gomes e dr. Artur Santos Silva






1. Mensagem de 11 do corrente, do nosso camarada, Pedro Lauret, cmdt mar e guerra ref, grã-tabanqueiro da primeira hora (, em termos de antiguidade, é membro da Tabanca Grande desde 20 de junho de 2006):

Caro Luís Graça,

No próximo dia 16 de Dezembro vai ser apresentado o livro da minha autoria com o título “Marinha de Guerra Portuguesa – do Fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”.

Apresentarão o livro o Almirante Melo Gomes e o Dr. Artur Santos Silva.

Gostaria muito de contar com a tua presença. Caso entendas ser adequado gostaria que difundisses o convite pelo nosso blogue.

Abraço,.
Pedro Lauret


2. Sinopse: A Marinha de Guerra Portuguesa – do fim da II Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974 é um retrato que percorre três décadas em que se registaram mudanças de grande significado em Portugal e na sua relação com a comunidade internacional. Nesta obra é documentada de forma exaustiva a evolução da Armada a partir de 1945 – da missão à política, aos navios e seus equipamentos, à organização, aos processos, às telecomunicações, aos estudos hidrográficos. Para os militares, mas também para o público em geral, esta é uma obra de referência e de consulta obrigatória para conhecer de uma forma mais aprofundada este período da nossa História.




3. Sobre o autor:

Pedro Manuel Cunha Lauret de Saldanha e Albuquerque nascido em Lisboa a 23 de janeiro de 1949, capitão-de-mar-e-guerra na situação de reforma.

Entre 1960 e 1967 efetua os estudos secundários no Liceu Camões, em Lisboa, onde é dirigente da Ação Católica, participando nas movimentações estudantis que nesses anos ocorreram.

Ingressa na Escola Naval em 1967, terminando o curso de Marinha em 1971.

É um dos fundadores, em 1970, de uma organização politica clandestina de Oficiais da Armada de oposição ao Estado Novo. Em setembro de 1971 inicia uma comissão na Guiné, como oficial imediato da Lancha de Fiscalização Orion, exercendo uma intensa atividade operacional até agosto de 1973, tendo participado no início das operações conhecidas pelo cerco a Guidage em maio de 1973, e participado nesse mesmo mês e seguinte nos acontecimentos Guileje, Gadamael. 

Em outubro de 1973, já na Metrópole, efetua, com outros oficiais, a ligação ao Movimento dos Capitães por designação de um grupo de oficiais da Armada. Faz parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas e outros importantes documentos – em conjunto com Vítor Alves, Melo Antunes, Franco Charais, Vítor Crespo e Almada Contreiras.

Após o 25 de Abril integra o gabinete do almirante Pinheiro de Azevedo, chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional. Faz parte da Comissão Coordenadora do MFA Armada, da Assembleia do MFA Armada e da Assembleia do MFA Nacional. Em 1981 frequenta e termina uma pós graduação em Estratégia e Organização no Instituto Superior Naval de Guerra.

Em 1986 passa à reserva e depois à reforma, iniciando atividade empresarial no âmbito da engenharia e consultoria informática.

Membro fundador da Associação 25 de Abril, integra atualmente a sua Direção. Coordenou a equipa que produziu o site da Associação 25 de Abril e o site Guerra Colonial. Coordenou a obra Os Anos de abril, coleção de oito volumes produzida para o Grupo Cofina e editada em 2014.

Atualmente dirige um projeto de investigação histórica designado «Marinha: do fim da Segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974». Foi agraciado pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Fonte: Texto e foto: Cortesia de Verso da História


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 >  Nesta foto vemos o  Pedro Lauret (então 2º ten), imediato da LFG Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Rio Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem ele faria a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante", escreveu ele…

O 1º ten José Manuel Baptista Coelho Rita, já falecido,  foi comandante do NRP [, Navio da República Portugesa,] Orion, de 7/12/1970 a 15/10/1972.

Foto: © Pedro Lauret (2006). Todos os direitos reservados.

_____________

sábado, 12 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15480: Os nossos seres, saberes e lazeres (131): A banda Xaral's Dixie, de Minde (Ninhou), na Lourinhã com Fredericos de cópio terraiozinho judaico e de um planeta ancho que há-de vir com muita maqueda (Votos de Bom Natal e Feliz Ano Novo, em minderico)


Lourinhã > 12 de dezembro de 2015 > Animação de rua com a banda Xaral' Dixie, de Minde (ou Ninhou, terra do concelho de Alcanena, até há pouco isolada, localizada numa depressão fechada entre os Planaltos de Santo António e de São Mamede, em pleno Maciço Calcário Estremenho, e cujos habitantes falam o minderico, desde o séc. XVIII, sendo inicialmente um socioleto, um código linguístico ou "calão" falado por um grupo restrito, os fabricantes e comerciantes das mantas de Minde; a freguesia de Minde tem hoje cerca de 3300 habitantes; há outra variante do minderico, a de Mira de Aire; a língua, ameaçada de extinção, está ser objeto de medidas de preservação e revitalização; quem tiver curiosidade, pode consultar aqui o Dicionário Minderico).

E a propósito, quem quiser "postar" uma mensagem natalícia em minderico pode usar a seguinte fórmula:

"Fredericos de cópio terraiozinho judaico e de um planeta ancho que há-de vir com muita maqueda. Do/a carranchano/a (nome)” [Sugestão de Minde On-line: Natal minderico]

Vejam também aqui a página deste grupo que veio animar o comércio tradicional da Lourinhã, num sábado ainda soalheiro de fim de outono, com o Natal à porta... 


Vídeo (3' 12''). Alojado em You Tube > Luís Graça... Gravação e reprodução com a devida vénia ao grupo,  a quem desejamos Bom [Cópio] Natal [Terraizinho Judaico]  e Melhor Ano [Planeta Ancho] Novo...






________________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezenbro de 2015 > Guiné 63/74 - P15436: Os nossos seres, saberes e lazeres (130): Um dia na Berlenga, a pensar no princípio do mundo (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15479: Manuscrito(s) (Luís Graça) (72): "Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus amigos têm sido campeões em tudo" [Álvaro de Campos)

1. Um dos poemas mais doridos e pungentes da literatura portuguesa de todos os tempos...

Pô-lo-ei no meu poemário,
para levar comigo,
quando eu morrer
e fizer a atravessia do rio Caronte...
Na eternidade terei todo o tempo do mundo
para ler os livros que não li em tempo útil,
fixar e dizer em voz alta
os poemas que não sabia de cor
quando tinha idade para o fazer,
enfim, completar o "puzzle" (esburacado) da memória,
percorrer os rios, rias, braços de mar e lagoas da Guiné
que munca cheguei a percorrer de canoa...
E por aí fora:
há um lista interminável de tarefas,
mais ou menos heroicas,
ou mais ou menos mesquinhas,
que  ficam por fazer cá em baixo... 

Na eternidade, enfim,
vou ter todo o tempo do mundo
que na vida real nunca cheguei a ter...
É o que me prometem na agência de viagens
que oferece expedições
à tal terra donde não se regressa...

Na eternidade,
vou poder vingar-me das bravatas dos outros
e dos desaforos do  brutamontes que povoava a minha infância,
das esparrelas em que caí,
dos contos do vigário que me impingiram...

Na eternidade,
poderei dar-me ao luxo de me rir do otário
que sempre fui na vida terrena....

Na eternidade serei um príncipe!

... É a minha leitura, assim de repente,
do "Poema em linha recta",
do Álvaro de Campos / Fernando Pessoa... (LG)
_________________

Álvaro de Campos | POEMA EM LINHA RECTA


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


In Poesia, Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002



________________

Nota do editor:

Último poste da série > 29 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15420: Manuscrito(s) (Luís Graça) (71): o país onde os nossos pais nasceram, cresceram, amaram, casaram, viveram, trabalharam e morreram... e que nós herdámos


Guiné 63/74 - P15478: Parabéns a você (999): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15471: Parabéns a você (998): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15477: Notas de leitura (787): "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra", de Albano Dias Costa e José Jorge de Campos Sá-Chaves, ex-alf mil da CCAÇ 413 (1963/65)

1. Mensagem do nosso camaradada, de Torres Novas,  Carlos Pinheiro [, ex-1.º cabo trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70]


Data: 11 de dezembro de 2015 às 15:09
Assunto: Nos Celeiros da Guiné - Memóriasde Guerra


Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra


Caros companheiros, camaradas e amigos

Tomei hoje conhecimento, através de mão amiga, da edição do Livro com o titulo em epígrafe, obra de Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, com prefácio do general António Ramalho Eanes e edição da Chiado Editora.

Ainda não o li tudo, nem mais ou menos, mas já li o suficiente para o poder classificar como um dos melhores livros que retrata passagens das Guerras de África.

Sem qualquer tipo de interesse, permitam-me que vos recomende a leitura desta magnifica obra que foi conseguida pelos autores com a ajuda do Arquivo Geral do Exército e do Arquivo Histórico Militar que disponibilizaram para consulta toda a documentação relativa às unidades em que a CCAÇ 413 esteve integrada, da Viúva do Comandante da Companhia pela documentação disponibilizada, relativa à actuação da Companhia na Guiné e a muitas outras entidades,  sem esquecer os ex-combatentes da CCAÇ 413 que facultaram fotografias, documentos e testemunhos pessoais.

Esta obra é dedicada pelos autores "À memória dos camaradas da CCAÇ 413 que não envelheceram, tombados na Guiné, no cumprimento da missão de serviço que lhes foi imposta, o Ataliba Pareira Faustino, o Francisco Matos Valério, o José Gonçalves Pereira, o José Basilio Moreira, o José Rosa Camacho, o José Pereira Rodrigues, o José Ramos Picão e o Joaquim Maria Lopes, em relação aos quais carregamos a culpa de continuarmos vivos".

Permitam-me ainda que transcreva uma pequena passagem do Prefácio, com o titulo "Metamorfose dolorosa":

 "Encontros anuais que pretendem ser festa, mas que, no fundo, são de mágoa, mágoa sentida pela incompreensão do País, do Exército, dos seus próximos até, pelos sacrificios, pelo tempo passado na Guiné que, não tendo morto neles a esperança, matou muitos dos seus sonhos, muitas das suas certezas, muitos dos percursos de vida almejados. Não aceitam nem conseguem aceitar, ainda, que os tenham mandado para a guerra com desfile, fanfarra e discursos patrióticos, e que os tenham "descartado" depois da guerra, desembarcando-os discretamente, condenando-os a uma quase "clandestinidade social", sem reconhecimentoi público, sem apoio psicológico para os que dele careciam, sem apoio médico especializado para todos mas em especial para aqueles que na guerra se perderam e não mais conseguiram econtrar motivação e sentido suficiente para a vida.

Não constitui este não reconhecimento, esta preversa negligência, excepção na nossa vida histórica... Lembre-se, a propósito, a razão intemporal que terá levado o grande Padre António Vieira, em 1669, a afirmar: "Se serviste à Patria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devieis, ela o que costuma".

Se com este pequeno escrito consegui motivar os meus amigos para a leura do livro, fico satisfeito. Se não o consegui, paciência.
´
Um abraço para todos,

Carlos Pinheiro



2. Ficha técnica

Título: Nos Celeiros da Guiné
Editora: Chiado Editora, Lisboa
Data de publicação: Maio de 2015
Número de páginas: 382
ISBN: 978-989-51-2859-4
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Preço de capa: 16 €


Sinopse

A guerra é, para o combatente, uma metamorfose dolorosa, de enorme custo, de insuportável sofrimento, em que se morre um pouco com a morte de cada camarada. Metamorfose, sim, mas em que a fase final é um recomeço da vida, já sem sonhos, já desgastado e, mesmo, frustrado pela incompreensão dos sacrifícios sofridos.

E se os cínicos lhes perguntarem porque não abandonam a guerra, os olhos dos combatentes, marejados de lágrimas, respondem: quem pode abandonar, trair um camarada irmão, sobretudo o que morreu por nós, também?

Sentindo-me um irmão ex-combatente, destes ex-combatentes da CC 413, entendi não os abraçar com uma frase para a capa do livro, como me pediram, mas, sim, abraçá-los com este manifesto despretensioso, pequeno, mas sentido manifesto de solidariedade.

António Ramalho Eanes

Fonte: Chiado Editora, com a devida véniagoogle+

3. Sobre os autores:

Albano Dias Costa nasceu em 1939, em Luanda, tendo-se licenciado em Letras e em Direito pela Universidade de Coimbra.

Em 1963, com a especialidade de sapador de Infantaria e com o curso de explosivos, minas e armadilhas, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano atirador.

Desmobilizado em Maio de 1965, regressou à Faculdade de Letras de Coimbra, onde apresentou a dissertação “O Crioulo da Guiné, uma Abordagem Etno-Linguística,” preparada a partir das notas que coligiu naquela ex-colónia, e onde foi também co-autor do “Curso de Língua Portuguesa para Macuas,” solicitado pelo Estado-Maior do Exército para o ensino do português aos soldados Macuas de Moçambique, depositado no Arquivo Histórico Militar.

Licenciado também em Direito, enveredou pelo exercício exclusivo da advocacia, no Porto, como profissional liberal e como assessor jurídico em organismos do Estado.

José Jorge de Campos Sá-Chaves nasceu em 1937, em Lisboa.

Licenciado em Educação Física, fez estudos curriculares de Mestrado em Ciências da Educação, na UTL [Universidade Técnica de Lisboa]

Leccionou, durante mais de duas décadas, nos ensinos básico e secundário.

Por concurso público, foi colocado no CIFOP da Universidade de Aveiro como docente para a orientação da Formação em Serviço.

Desempenhou, durante oito anos, funções como Vice-presidente e Administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade de Aveiro, tendo sido nomeado representante do Conselho de Reitores no Conselho Nacional da Ação Social no Ensino Superior.

Aposentado, ingressou na Fundação João Jacinto de Magalhães como responsável pelo Gabinete Editorial.

Como militar, frequentou o CEPM e estagiou no CIOE. Mobilizado em Julho de 1962,  integrou a CCAC 413 cumprindo missão, como Alferes Miliciano, na antiga Província Ultramarina da Guiné.

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15476: Notas de leitura (786): “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15476: Notas de leitura (786): “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Foi pela mão do nosso confrade Carlos Silva que tive acesso a esta surpresa, creio tratar-se de uma revelação de jovens escritores guineenses.
Continuo sem entender como não é possível podermos comprar livros da Ku Si Mon Editora, tanto quanto sei a única editora guineense, devíamos encontrar uma forma de procurar vencer esta barreira. "IMF no Palácio do Governador" é uma bem magicada história, possui um bom manejo dos ingredientes de livros destinados a adolescentes.
Vamos ver os romances que se seguem.

Um abraço do
Mário


Uma bonita surpresa dos mais jovens escritores guineenses

Beja Santos

Trata-se de um romance de aventuras de adolescentes, não escapa aos autores, vê-se claramente, as influências desses mestres da literatura juvenil tipo Enid Blyton e Isabel Alçada e Ana Magalhães. Mas é um livro guinéu, os jovens chamam-se Abibo, Alexandro, Jéssica, Katia, Ramatulai, Shakira… Tudo começa em meio estudantil, Abibo interpela Alexandro acerca da Missão Impossível, assim começa a organização de um grupo de investigadores. Esta é a primeira aventura e intitula-se “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011.

São jovens irrequietos, gostam de namoriscar, pregar partidas, sair em grupo. Os dois promotores enviam uma mensagem a futuros agentes, propondo-lhes fazer parte do grupo de investigação secreta e IMF na luta contra o crime, e propõem uma reunião numa sexta-feira no liceu, claro está uma reunião secreta. Comparecem Alexandro, Abibo, Faly, Aua, Noémia, Ramatulai, Fai, Zé Pedro e Mercedes mas Noémia avisa que vai ter com um amigo de nome Rayner ao Café Santa Luzia, dali a pouco. Ficam todos entusiasmados em fazer parte do IMF (Impossible Mission Force, ou Força de Missão Impossível) que tem a finalidade de investigar todo o tipo de crime. E começa o mistério:  
“Era quase de noite quando numa rua escura, meio abandonada, surgiram Noémia, Aua, Ramatulai, Faly e Zé Pedro. O destino era o café Santa Luzia, cujas traseiras ficavam naquela rua e a parte da frente numa outra rua, enorme e iluminada por candeeiros”. Uns ficam escondidos, outros vão entrar no café. Começa a haver indícios de ação policial: “De súbito na rua surgiu uma carrinha preta com os faróis apagados. O condutor devia conhecer muito bem a rua para andar assim às escuras. Parou mesmo em frente da porta das traseiras do café, e paralelamente aos rapazes. Estes permanecerem quietos a observar. Dois homens saíram do carro. O que vinha a conduzir era baixo e magro, o outro era alto, também magro. O que viera a conduzir abriu o porta-malas”. Tecem-se várias hipóteses, pretende-se saber quem é esse tal Rayner por quem a Noémia parece embeiçada.

Um grupo de jovens investigadores vai aventurar-se nas ruínas do Palácio do Governador, as visitas estão proibidas mas Noémia pede a Rayner, que trabalha para uma empresa turística, que autorize um grupo de amigos a acompanhá-lo numa visita ao palácio quando ele lá for com turistas, Rayner acede. Há espaços que se podem visitar, outros estão vedados ao público, jovens andam intrigados, vão tirando fotografias, Rayner avisa que o piso superior está selado, mas Abibo e Alexandro decidem desobedecer e sobem à socapa ao andar superior. Abrem uma porta, há lá uma figura humana que se precipita para os jovens numa gritaria horrorosa. Fogem mas prometem voltar. Mais tarde, examinando as fotografias tiradas, vêm um vulto numa janela, num compartimento onde não tinham entrado. Formam-se dois grupos para ir vigiar novamente o café de Santa Luzia, um dos jovens intromete-se na cozinha e ouve falar num carregamento de caixas.

Estamos já no Natal, os jovens montam vigilância ao Palácio do Governador, numa ocasião vêm passar dois homens que entram numa casa de banho pública junto do Palácio e desaparecem sem deixar rasto. Os jovens investigam e descobrem um fundo falso: “Empurraram a parede e esta deslocou-se para dentro revelando um túnel escuro. Afinal era uma porta de madeira que ali se encontrava, era uma obra de mestre, acabaram por entrar”.

Como é bem próprio da literatura juvenil, já estamos numa fase da ação quase explosiva, vai haver muitas aventuras dentro do Palácio, jovens presos, há jovens que enfrentam os meliantes, há lutas e muita balbúrdia no Palácio do Governador, os bandidos são presos pela polícia. Chegou a calma aparente, é preciso criar uma atmosfera para a próxima história: “Depois do sufoco passado no Palácio do Governador, os agentes sentiam-se todos recompostos e prontos para outra aventura. O novo ano chegara cheio de felicidades e estavam no primeiro dia de aulas”. Alguém chega com o jornal, contém uma notícia muito intranquila, os chefes da quadrilha fugiram da esquadra, como fora possível?

É uma história bem contada, possui os condimentos próprios, capítulos bem organizados, e é uma história africana, indicada para adolescentes dispostos a certas emoções fortes, como se exemplifica com uma passagem vivida naquelas peripécias dentro do Palácio: “Estava de novo na sala da lareira. Juntamente com os outros. De súbito, estes desataram a correr. Tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. Os pés não lhe obedeciam. O suor escorria-lhe pelo corpo todo, por causa das chamas que cresciam à sua volta. As labaredas tinham envolvido a figura que aí estivera sentada. Mas esta não gritava de dor, pelo contrário, gargalhava aos gritos, como se desejasse arder. Enquanto olhava apavorado para as chamas, uma serpente tinha-se arrastado até aos seus pés, envolvendo-se neles. Tentou soltar-se, mas de nada serviu, a serpente era forte. Gritou e nada. Estava molhado dos pés à cabeça. O pavor lhe ardia no peito, e o cérebro latejava. – Ajudem-me! Tenho de me soltar! – gritou. Dos outros não havia sinais”.

Mais um indício de que a literatura guineense procura o seu rumo, a sua identidade, ganhar um público. É pena não termos acesso às obras da Ku Si Mon Editora e às obras literárias de Adulai Sila, seguramente o nome mais representativo da atualidade das letras guineenses. É pernicioso manter esta distância, esta falta de intercâmbio editorial, é um entrave para a lusofonia. É a cultura e a amizade entre guineense e portugueses que ficam a perder.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15463: Notas de leitura (785): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Vitorino Gaspar)

Guiné 63/74 - P15475: Inquérito 'on line' (22): Dois terços dos respondentes admitem que já caíram (ou foram tentados a cair) no 'conto do vigário", alguma vez na vida (civil e/ou militar)... Mais respostas dos nossos leitores precisam-se até 2ª feira, dia 14, de manhãzinha...

Amigos/as e camaradas:

A altura é má... É já Natal por todo o lado, há excesso de ruído, luzinhas, estrelinhas, anúncios, desperdícios, tentações, consumismos, stress, excitações, musiquinhas, futilidades, guloseimas, embrulhos, lixo, barbas postiças de pais natais,  brinquedos a mais e brincadeiras a menos, e sobretudo gigantescas máquinas de marketing comercial a funcionar... por mor do PIB nosso de cada dia...

O essencial da mensagem natalícia, essa, perde-se... num mês e num ano em que importantíssimas, dramáticas, decisões estão a (ou têm de) ser tomadas pelos grandes deste mundo, os grandes dos países ricos e dos países pobres, para ainda irmos a tempo (, se tivermos tempo,) de salvar a nossa "casa comum", o planeta azul, seriamente ameaçado com as alterações climáticas induzidas pelo bicho homem...

Mas todo o mundo adora o Natal, dizem, e não passa sem ele ... Ontem como hoje, no "mato" ou na "cidade"... Afinal, a vida é circadiana, andamos sempre à volta do mesmo....E todos os anos, felizmente, há Natal, sinal de que a vida continua e que nós ainda estamos por cá, prontos para gastar mais um par de botas e arrancar mais doze folhas do calendário...

No nosso blogue, a vida (de)corre, mais calmamente, com mais um inquérito de opinião que só serve para "aquecer o ambiente" (, no bom sentido da expressão...)  e pôr-nos em contacto uns com os outros. 

O tema foi lançado pelo Juvenal Amado, o mais recente escritor (encartado) da Tabanca Grande, com livrinho já aí está à venda nas lojas da Chiado Editora. (Recorde-se o título: "A tropa vai fazer de ti um homem")... E acarinhado pelo Valdemar Queiroz, rapaz da praça do Chile a quem um marinheiro de Alfama quis contar um esfarrapado conto do vigário a bordo do avião da TAP, aquando da vinda de férias à "metrópole", aí p'or volta de 1969 ou 1970...

Publicam- se abaixo os primeiros resultados da nossa inquirição "on line", à qual tinham respondido uns escassos 25 leitores, até ontem á noite...

Até segunda feira de manhã, todos os otários e... vigários podem responder, usando para o efeito o cantinho superior esquerdo do blogue... E se tiverem histórias, mandem também que a gente publica, não "contos do vigário" comotambém "contos de Natal"...

A Tabanca Grande e os seus bons irãs, acocorados no alto do poilão, agradecem... Bom fim de semana, bom humor e melhor ânimo para as festas que aí vêm.. Os editores.

[Ilustrações: aerograma do Movimento Nacional Feminino, edição do natal de 1967.]
____________________

INQUÉRITO DE OPINIÃO: "SIM, JÁ CAÍ (OU FUI TENTADO A CAIR) NO CONTO DO VIGÁRIO" (RESPOSTA MÚLTIPLA)


1. Sim, pelo menos uma vez, na vida civil > 8 
(32%)

2. Sim, pelo menos uma vez, na vida militar > 4 
(16%)

3. Sim, mais do que uma vez, na vida civil > 6 
(24%)

4. Sim, mais do que uma vez, na vida militar > 2 
(8%)

5. Não, nunca caí (ou fui tentado a cair) > 5 
(20%)

6. Não sei / não me lembro > 4 
(15%)


Votos apurados: 25 
(100%)
Dias que restam para votar: 3 [até dia 14/12/2015, 2ª feira, pela manhãzinha...

_______________

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15474: Agenda cultural (445): Melech Mechaya, novo DVD "Ao vivo no CCB", edição especial, limitada, numerada e autografada... Uma sugestão (quente) para prenda (certa) de Natal!




1. Página oficial dos Melech Mechaya, banda de música portuguesa, do género "Party Klezmer", criada em 2006, com músicos de Lisboa e Almada : João Graça (violino); Miguel Veríssimo (clarinete); André Santos (guitarra); João Novais (contrabaixo); Francisco Caiado (percussão).

Influências: Klezmer, Música Árabe, Música Balcânica, Música Cigana, Jazz, Tango, Fado,,.

Vd. vídeos no You Tube > Melech Mechaya

2. Lê-se na página do Facebook dos Melech Mechaya


 Wdição especial limitada, numerada e autografada! 

Não há melhor prenda de Natal do que esta!

"Melech Mechaya eletrizaram o CCB" - Ardinas.pt

"Melech Mechaya levaram ao CCB um espectáculo de grande qualidade" - Hardmusica.pt


Pré-encomendas em www.melechmechaya.com (edição limitada a apenas 100 unidades)

Preço único: 15 € (Inclui IVA e portes de envio para Portugal).


3. João Graça é nosso grã-tabanqueiro,com 90 referências no blogue.

É o violinista dos Melech Mechaya. Os Melech Mechaya têm, na Tabanca Grande, alguns fãs, já de longa data, em Lisboa, no Porto, em Estocolmo, em Bissau... O João Graça esteve na Guiné-Bissau, de 5 a 19 de dezembro de 2009, tendo oferecido cinco dias suas férias para prestar cuidados médicos à população de Iemberém. E deixou-nos aqui algumas belíssimas fotos dessa jornada.



Guiné-Bissau > Bissau > 17 de Dezembro de 2009 > Bairro popular, não identificado, onde viviam os músicos do grupo Super Camarimba de quem o João Graça se tornou amigo, depois de visitar a a famosa tabanca de Tabatô,  a "catedral" da música afromandinga da Guiné >  "È de pequenino que se torce... o violino", parece querer dizer ao João Graça o grande cantor lírico, em ponto pequeno, que aparece no grupo, ao centro... A Guiné-Bissau, terra de grandes músicos, não tem um Conservatório Nacional de Música... Quarenta anos depois do fim da guerra colonial e da independência "de jure" da Guiné-Bissau, o que é Spínola e Amílcar Cabral, se fossem, vivos, poderiam dizer a estes miúdos ?

Foto: ©  João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legenda: LG]

_____________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1

1. Parte XXV de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXV

Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1

Depois de um curto período de adaptação em Braga junto da família, e sem outros motivos que o prendessem, Black resolveu esquecer tudo. Mudou-se para a terra dos Beatles, casou com uma inglesa de uma família estabelecida no comércio, não quis ficar no negócio, enveredou pela carreira de vendedor internacional, os filhos a nascer em Manchester, quando deu por si, estavam do tamanho dele. Nunca perdeu o contacto com alguns amigos de Braga, até que se decidiu pelo regresso. Vive só numa linda quinta em Vila Verde, nos arredores de Braga, onde de vez em quando é visitado pelos filhos e neta. Voltaram a encontrar-se em 2015, 50 anos depois de terem partido para a Guiné no “Alfredo da Silva”. Um reencontro inesquecível.

O Tenente Tomé da PM que o encontrou na Amura numa manhã de Janeiro de 1965, continuou a carreira, fez várias comissões, foi Ajudante de Campo em Moçambique do General Kaulza de Arriaga, o da operação “Nó Górdio”, meteu-se a fundo nos Abris todos até Novembro, enveredou pela política, foi secretário-geral de um partido da extrema-esquerda, deputado uma série de anos até se retirar. Muito tempo em major foi promovido a coronel depois de tudo sossegado.

Voltou a cruzar-se com o Leite, o alferes apanhado à mão em Sare Bacar, em finais dos anos 60, na Norma, uma empresa que prestava serviços de recrutamento e selecção, quando casualmente se encontraram para os psicotécnicos para a refinaria da Sacor em Leça da Palmeira. Depois voltaram a ver-se no Porto, na rotunda da Boavista, ambos já casados e com filhos. A última vez que se encontraram foi em meados de 80, em Braga, ia o Leite ao volante de um Mercedes.


O Capitão de Cuntima, deu-se a conhecer a muitos portugueses naquela fotografia1 do 25 de Abril em que aparece ao fundo com a mão na cabeça, numa das ruas da baixa lisboeta, aquando da sua rendição ao Major Jaime Neves e ao Capitão Salgueiro Maia. O poder revolucionário de então não esteve com contemplações, passou-o à reserva.

Chegou a ser director desportivo de um dos grandes da capital. Depois de terem regressado da Guiné viu-o de relance, em Lisboa, para os lados do Areeiro, os cabelos brancos, o resto quase na mesma.

O médico açoriano, aquele de Cuntima, foi para Coimbra, especializou-se, regressou a Angra, foi durante muitos anos o único médico a cuidar dos ouvidos, do nariz e da garganta dos açorianos. Reformou-se, mas há poucos anos ainda passava as tardes no consultório de Angra. Encontraram-se duas ou três vezes, uma delas em Angra.

O Didi! Quase uma dezena de anos sem o ver, pensou que devia ter regressado para os Brasis, lá para o Leblon dele. Uma manhã, já depois do tal Abril, viram-se frente a frente no Porto, no Hospital de S. João. Estás doente? Não, venho falar com um médico que está a tratar um parente meu.

Combinaram encontrar-se num daqueles dias na avenida da Boavista ainda mais uma vez. Dentro do carro de um deles, estiveram a pôr em dia acontecimentos passados e não é que a certa altura da conversa voltaram a trocar-se de razões por causa de um caso em Cuntima? Passou-lhes depressa o amuo, foram tomar um café ao Orfeusinho da rua Júlio Dinis. Um abraço, pá! Até sempre, Didi!

O BCav 490 continuou a encontrar-se todos os anos. Muitos encontros depois telefonaram a convidá-lo para o próximo encontro. À hora marcada, lá estava em Montemor-o-Novo. E o Didi não vem? O Didi morreu o ano passado.

O Coronel Fernando Cavaleiro, Coronel com letra grande, o melhor "alferes" do Batalhão de Cavalaria 490, não aceitou o método de escolha política para promoção ao generalato, passou à reserva como Coronel. Chegou a regressar à Guiné, para chefiar uma comissão de inquérito a um acidente com uma jangada que vitimou dezenas de militares no Corubal. Nos tempos que se seguiram ao 25/4, acusado de ter sido o promotor da manifestação da maioria silenciosa ao General Spínola, foi fechado a sete chaves em Caxias.

Num dia de Março de 2008 localizou-o num lar das Forças Armadas, em Oeiras. Vivo, o Coronel Cavaleiro? Ó meu caro senhor, o Senhor Coronel está aqui para as curvas, respondeu-lhe do outro lado do fio, o bem disposto telefonista.

Quer falar com ele? Aguente aí um pouco, faz favor, que eu vou ligar para o quarto. Atendeu uma voz de senhora. Sou um ex-alferes do BCav 490, estive em Cuntima. O meu marido deve estar no 1.º piso, sentado a ler um livro numa mesa com as cartas, à espera que apareçam parceiros para o bridge. É sempre assim, no fim do almoço.

E no dia seguinte em Oeiras, no IASFA (Instituto Acção Social das Forças Armadas), ainda não eram 14 horas, lá estavam eles, o Miranda e o Raimundo, os dois da operação “Tridente”, e o que o localizou, os três às voltas, a subirem e a descerem escadas, o senhor Coronel esteve agora aqui, procurem-no no 1.º piso. Uma sala, numa mesa ao fundo, de costas para a janela, talvez para melhor ver as cartas e as caras dos parceiros, um senhor que lhe pareceu ser ele, é o nosso Coronel. Nada que se parecesse com o Tenente Coronel que conhecera nos meados dos anos 60. Mas era mesmo ele, o Coronel Cavaleiro, talvez mais baixo uns centímetros e mais leve do que naqueles tempos. Sorriso gentil nuns olhos com manchas, ar algo débil, o Coronel de pé à frente de jovens de 60 e muitos anos. Sou o Miranda, meu Coronel, o Como, Farim, Comandos. Eu sou o Raimundo, o foto-cine da operação “Tridente”, as imagens que o Joaquim Furtado tem passado na Televisão fui eu quem as filmou. Meu Coronel, eu trabalhei poucos meses consigo, estive em Cuntima, na 489 do capitão Pato Anselmo. Pois, vocês têm que falar mais alto, o dedo apontado para um ouvido. A Guiné, bom, a Guiné foi uma doença que se entranhou em nós, Coronel Cavaleiro. Quarenta e tal anos depois voltámo-nos a descobrir uns aos outros, almoçamos uma vez por mês, falamos das nossas vidas de agora e da que levámos naquelas terras.

O Coronel, que naqueles anos media para aí um metro e oitenta e pesava seguramente oitenta quilos, à frente do trio visitante era o mais pequeno e mais magro. Estou com 70 e poucos quilos, eu que pesava 80 e tal, também estou com 91 anos, é altura de ter um pouco de cuidado. Leio, jogo bridge, ando um pouco a pé, olhem, ando aqui a ver os dias escorrer. Netos? Oito filhos, muitos netos, bisnetos, não me perguntem quantos.

Sim, vi na TV a Guerra do Furtado, só não entendi porque é que não transcreveu integralmente a carta, aliás muito pequena, que nós apanhámos a um mensageiro, aquela em que o Nino dizia que já não tinha nem gente nem população para aguentar a guerra no Como.
Sempre lúcido até morrer no verão de 2012, com 94 anos.

O Fininho, do bar de oficiais de Cuntima, meteu-se no negócio de electrodomésticos. Durante a década de 70 frequentava a zona do Carvalhido na cidade do Porto, ao volante de um Mercedes azul eléctrico. Continuou magrinho durante uns anos mais, agora está mais cheio e mais baixo. Nunca falta às reuniões anuais do 490.

O Tenente Capelão, o do Dornier ferido, passou à peluda, andou pelos Brasis, regressou a Portugal, deu aulas num seminário, tomou conta de uma paróquia, baptizou, casou e foi enterrando os paroquianos até chegar a vez dele.

Pois os vivos acabam por se encontrar, é só uma questão de os procurar. Temos que nos encontrar todos outra vez, nem que seja a última coisa que a gente faça.

É só uma questão de pedir ao Fonseca as direcções.

O João Parreira marcou um encontro para um almoço, na outra banda. Quando o barco atracou no Barreiro, figuras de cabelos brancos juntaram-se. O Mário Dias, o Valente pequeno e uma figura alta, de óculos, o Miranda, o lendário Miranda, conhecido também por Lejaune, uma figura da BD da Legião Estrangeira. O Miranda regressou à metrópole em Agosto de 65. Depois de um mês de férias foi para Moçambique e por lá viveu os conturbados tempos pré-independência. Depois deu às-de-vila-diogo, foi para a Rodésia. Também aqui sopraram outros ventos, nova retirada, desta vez para Lisboa. Com o jeito para a BD sempre na ponta do lápis.
Abraçaram-se todos, puseram as memórias em dia, descobriram coisas que tinham acontecido entre eles, que nem sonhavam. Depois mantiveram-se em contacto, trocaram fotos, livros, ideias daquele tempo. Até que um dia, sentado na cadeira da dentista, o telemóvel assinalou a chegada de uma mensagem.

Já cá fora, abriu a caixa das mensagens, era do Miranda a dizer que acabava de ser internado no Amadora-Sintra.

Que está aí a fazer, Miranda? Um cancro na bexiga, dizem eles. Vou ser operado amanhã.

O Tony Ramalho, estudante de medicina em 1963, foi mandado apresentar-se em Mafra para efectuar a recruta, após a qual foi destacado para a EPC em Santarém, onde tirou a especialidade das Panhard. Logo a seguir, que o tempo urgia, foi mobilizado para a Guiné como alferes miliciano, recebendo como missão dar instrução a naturais da então Província, organizando-os em companhias de milícias.

Companheiros assíduos, sempre que coincidia estarem em Bissau, na esplanada do Bento e nos jantares à mesma mesa do Hotel Portugal, falavam dos contrastes. A guerra ainda no princípio, mas já na brutalidade em mortos e estropiados pelas minas, armadilhas, emboscadas e flagelações, enquanto os olhos se perdiam nas maravilhosas paisagens, a presença de Portugal de mais de 400 anos praticamente ausente no interior da Província, de tal forma que, em certos locais, julgavam ser os primeiros brancos a pisá-los e a vê-los. António Ramalho, que perdera a mãe muito cedo, prometera-lhe que havia de ser médico. Fiel à promessa e ao seu desejo pessoal preparou-se para o ser. Quando regressou ao Porto deixou a música, amarrou-se aos books, não parou enquanto não se formou. Foi clínico geral, abriu consultório, especializou-se em Pneumologia, foi um dos autores do Programa Nacional contra a Tuberculose, dirigiu o serviço de Pneumologia de uma das unidades hospitalares do grande Porto, ainda há anos mantinha o lugar cativo no Dragão onde ficava mais tempo de pé que sentado, a vibrar com os golos do seu clube de sempre, e em 1975 ainda teve tempo para ser médico do Boavista do Pedroto. Já depois de reformado ainda o viu nas televisões, a falar nos cuidados a ter com o aparelho respiratório e a lutar contra o tabaco.

Em 2013 publicou as suas memórias daqueles anos. Deu-lhe um título actual “Guiné Mal Amada, o Inferno da Guerra”.

O Marcelino da Mata voltou a pegar na G3 no tempo do Governador Spínola. Fez um grupo especial de naturais da Guiné, o processo de promoção por distinção que tinha sido suspenso foi retomado, num ápice passou de cabo a sargento, cruzes de guerra incluídas, quase sem saber ler e escrever que a guerrilha exige outras habilidades. 

Em Abril de 74 estava em Lisboa e por cá ficou. Quando o filme de Abril estava a ser rodado queixou-se de que tinha sido torturado por “educadores da classe operária” no famoso RALis. Considerado como um dos militares mais condecorados por feitos em combate, aparece, às vezes, em cerimónias oficiais e em convívios.

Muitos anos depois, uma filha a estudar em Londres, quis saber mais sobre o pai, que lhe tinham dito que se apanhassem o Marcelino na Guiné o metiam num forno a arder. Dias depois recebeu a resposta.

"Conheci o seu Pai, então 1.º Cabo do Exército, em Maio ou Junho de 1965, em Brá, um aquartelamento do Exército Português a meia dúzia de quilómetros de Bissau, na estrada para o aeroporto de Bissalanca. Era um jovem com bom aspecto, ar de reguila, enérgico. Optou pelo Estado Português e como militar combateu o PAIGC, o Partido que encabeçava a luta armada. Foi a decisão que tomou, tal como milhares de Guineenses e, por isso, passou a ser um inimigo do PAIGC.

Fez parte dos primeiros Comandos que existiram na Guiné. Participou em inúmeras batalhas em praticamente todo o território. Foi sempre um militar muito valente e, por isso, várias vezes condecorado, desde a Cruz de Guerra (várias) até à Torre e Espada. O 25 de Abril encontrou-o acidentalmente em Lisboa, a independência veio logo a seguir em Setembro de 1974 e o seu Pai, tal como vários militares que se distinguiram na luta, ficou com a vida em perigo.

Muitos dos que lá ficaram foram fuzilados e ele escapou-se e fez muito bem porque se lá tivesse ficado já não era vivo há muito. Penso que hoje, com tanto tempo passado, se ele regressasse ao chão que o viu nascer, nada lhe aconteceria. Mas as previsões são apenas previsões, nunca se sabe o que poderia suceder. Quanto a essa história do forno, pode ser só isso, uma história apenas.
Podíamos estar aqui a falar do seu Pai o dia todo e, se calhar, ainda nos esquecíamos de muita coisa."

O Jamanca, o Sisseco, o Justo Nascimento, o Tomás Camará, o Bacar Jassi, o Bacar Mané e tantos outros envolveram-se a fundo na guerra contra o PAIGC. No fim, quando a paz foi assinada, ficaram-se por aquelas terras, confiaram nas promessas que lhes fizeram, não quiseram sair da Guiné. De qualquer maneira, abandonados às sortes. O PAIGC do Luís Cabral, o Presidente de então, prendeu-os. Uma rajada para o peito de cada um, nalguns casos com direito a assistência, a bater palmas, entusiasmada. Os cadáveres foram exumados quando Nino tomou o poder ao Luís Cabral, como a querer justificar o golpe da destituição.

"Acabo de ler depoimentos muito impressionantes que me fizeram recuar a minha infância em Xime, que você e muitos outros bem conhecem de outros tempos. Eu, com os meus quase 11 anos, e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado com um toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido. Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos dizer que foram lá fuziladas 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuziladas - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau que esteve na CCAÇ 12 no Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca.”
Extracto de uma carta de José Carlos Mussá Biai, naqueles anos menino residente no Xime.

O Sany, que lhe tratava do quarto e das roupas em Brá, depois de um episódio pouco claro em 1966, foi metido na prisão e expulso dos Comandos. Meses depois foi impedido de um capitão do QG. E para mal dele ingressou no grupo do Marcelino. Morreu em combate, esfacelado por uma granada.

O Kássimo, por feitos em combate ao serviço dos Comandos, ganhou um Prémio Governador, uma viagem à metrópole de uma semana. Antes de regressar à Guiné reencontraram-se no Porto, onde jantaram.

Depois, a vida dele levou grandes voltas. Em determinada altura foi destacado com os Comandos, Páras e Fuzos para Buba e terá sido combinado que os banhos nos balneários seguiam uma regra. Num dia, os primeiros eram os Comandos, a seguir os Fuzos e por fim os Páras. No dia seguinte, alterava-se ordem.

O Kássimo, num dia em que não tinha prioridade resolveu assumi-la. Seguiram-se empurrões, insultos, ameaças. Os camaradas não sabiam que com o Kássimo era preciso ter cuidado, muito cuidado. Foi à caserna, pegou na G-3 com o carregador metido, entrou pelos banhos e terá dito "vamos ver a ordem", antes de esvaziar o carregador da G-3, matando de imediato dois fuzos e um pára e causando um número indeterminado de feridos.

Detido, não há gente capaz de explicar os motivos que levaram à sua libertação. Os Comandos tudo fizeram para o desculpar, mas não o quiseram nas fileiras. Passou para o grupo do Marcelino. Tempos depois, envolveu-se numa rixa e matou um polícia (há quem fale em dois) em Bissau. Ninguém quer dizer também como é que se evadiu. Apareceu, já depois do 25/4, nas fileiras do PAIGC.

Depois, as informações divergiram. Uns diziam que, após novo sarilho com um dirigente da segurança do PAIGC, tinha aparecido morto. Outros, que tinha sido segurança de um importante elemento do PAIGC (da mesma etina) depois de ter eliminado dois (?) polícias e que terá desertado realmente para o PAIGC,. A informação, que parece ser mais fidedigna, diz que o António Kássimo está vivo e vive em Bissau, a trabalhar para uma empresa de um português.

Adulai Jaló foi dos primeiros Comandos. Esteve em Angola, onde participou num estágio, participou na operação "Tridente", na Ilha do Como, entre Janeiro e Março de 64, foi soldado dos GrsCmds "Panteras"(64/65) e "Diabólicos"(65/66) e fez parte do Batalhão de Comandos da Guiné até morrer em Morés, em 23/12/1971.

Um camarada africano relatou: "Uma operação da 1.ª e da 2.ª CCmds Africanos foi a Morés. Eu fiquei com um grupo de reserva no aeroporto de Bissalanca, à espera que algum grupo pedisse a nossa ajuda. No primeiro dia não aconteceu nada, mas o grupo do Mamasaliu Bari sofreu várias baixas e pediu reforço, porque não podia sair do local. Tinha o grupo reduzido e foi, então, que o meu grupo foi lançado de helis, com o objectivo de contactar o grupo do Demba Chamo Seca e formarmos um bi-grupo para tirarmos o Bari daquele local. Depois de seguirmos uma linha de cajueiros, em Morés, encontrámos um Grupo de Comandos chefiado pelo comandante da operação, que era o Capitão Zacarias Saiegh. (...) Fiquei junto ao capitão, ele disse que estava no local desde o meio-dia, à espera que os outros grupos se reunissem a ele. E que íamos dormir naquele local, que ninguém nem nada tirava os Comandos dali. Mas eu tinha dúvidas. Tínhamos tropa a mais naquele local, tanta que podia atrapalhar. Quando eu estava nos Comandos em Brá, no tempo dos comandos velhos, nós saíamos sempre em grupos pequenos e era mais fácil executar uma operação, havia menos barulho e menos riscos.

Também só dávamos tiros quando era pela certa. Quanto maior é o número de pessoal envolvido mais difícil a operação ter sucesso, sem baixas. E ensinaram-me naqueles tempo, nos Comandos em Brá, que sucesso era chegar de surpresa, atacar e retirar logo, com o material que apanhávamos.

Mas, desta vez não estava a ser assim e a nossa dificuldade maior estava na coordenação dos nossos comandos. Eu, nessa altura, estava a recordar essas memórias, quando ouvimos alguém a chorar, parecia criança. Cada vez que menino chora, Capitão Saiegh dizia para ninguém abrir fogo, que devia ser população a regressar para os acampamentos para arranjar comida para meninos. Logo aconteceu um soldado, chamado Jaquité, do grupo do alferes Tomás Camará, que trazia uma HK 21, com uma fita de balas muito comprida, que rolava no corpo durante o andamento. A HK 21 é uma arma que tinha um bipé. Ele tinha-a apontado para fora dos cajueiros e viu um grupo fardado que vinha na nossa direcção. Então, ele disse ao alferes Tomás Camará, "meu alferes, disse para não fazer fogo, vem ali um grupo armado na nossa direcção e agora?" O Tomás disse "se vem gente abre fogo" e ele fez uma rajada muito comprida para eles. Quando quis sair dali, para mudar de local, uma roquetada acertou-lhe em cheio, teve morte imediata. As morteiradas começaram a chover, umas atrás das outras, saímos todos dali, a correr em direcção aos cajueiros. Não sei como foi, tinha deixado as minhas cartucheiras no local onde estivemos deitados. E agora, tinha que ir buscá-las lá. Tinha que ser, voltei para trás.

Eu, antes de sermos atacados, perguntei ao Adulai Jaló do que é que ele achava de irmos dormir naquele local, onde o Capitão Saiegh tinha dito. O Adulai respondeu-me que era melhor, para não termos contacto com o IN durante a noite e não disse mais nada. O Adulai era um soldado muito corajoso, era de 1961, tinha combatido sempre na guerra desde o início. Conhecemo-nos em Farim, éramos da mesma etnia, os nossos pais conheciam-se há muito tempo. Era mais antigo nos Comandos que eu, foi um dos que foi para Angola com o Alferes Saraiva e outros. Nunca foi graduado porque era o indisciplinado número um em todo o Batalhão de Comandos. Nenhum comandante de grupo o aguentava mais que um mês.

Levavam-no ao comandante a dizerem que não o podiam comandar, o comandante de Companhia mandava-o para outro grupo e foi assim conhecendo quase todos os grupos, sempre a fazer as mesmas coisas. Até que um belo dia, o comandante da Companhia ficou com ele. Quando o capitão sai, ele sai com ele, é o guarda-costas do Capitão Saiegh. Quando o capitão não sai, se ele quiser também não sai. Por isso ele não foi graduado em nada e foi-lhe oferecido o posto de 1.º Cabo, para que os soldados o pudessem respeitar.

Quando cheguei ao local, o Adulai estava sentado ao lado do Capitão Saiegh e, depois de ouvir o drama de passar a noite naquele local, fui juntar-me aos meus colegas. Então, quando começou a chuva de morteiros, levantámo-nos para abandonar o local e, depois de recuperar as minhas cartucheiras, vi um corpo deitado à minha frente, que na precipitação de sair dali nem reparei quem era. Depois voltei atrás e vi que era o Demba Demo, guarda-costas de Sada Candé. Era um cadáver. 

Quando eu e mais companheiros, numa grande confusão, estávamos a sair da zona dos cajueiros, onde a chuva de granadas de morteiro continuava a cair, ouvi um gemido. A voz pareceu-me do Adulai Jaló. Quando eu andava à procura, perguntando quem era que gemia, ouvi a voz do Adulai, a dizer que era ele que estava ferido. Encontrei-o e ele estava sentado. Quando me pus a observar o que ele tinha, estava muito escuro, o PAIGC lançava de vez em quando very-lights para nos ver melhor, reparei que o Adulai tinha as pernas, dos pés às ancas, esfaceladas e partidas. Achei que ele não iria viver mais que uns minutos. "Não me deixem aqui", disse-me ele. "Não te deixo cá, ficas garantido, vou buscar reforço, para te levar para um local mais seguro". Corri para um colega meu e disse-lhe que o Adulai estava com feridas muito graves e que estava também um corpo perto dele, não descobri quem. Arranjei sete homens que vieram comigo até ao local, sempre a corrermos, e quando olhei para trás só estava um comigo, o 1.º Cabo Mussa Djamanca, da 1.ª CCmds. Então, ouvi alguém dizer-nos para levarmos o Adulai e o corpo do Demba Demo, enquanto iam procurar outro ferido que gemia também na zona dos cajueiros.
Para levarmos o Abdulai éramos 4 pessoas. Como os pés estavam desfeitos, não podíamos arrastá-lo pelo chão, duas pessoas pegaram nos braços e levámo-lo até debaixo de um mangueiro, onde estava o comandante, o Capitão Saiegh. Quando depositámos o Adulai no chão, com todo o cuidado, ele perguntou quando vinha o heli buscar os feridos. "Agora não pode ser, Adulai, só de manhã". "Coitados de nós, vamos morrer, não aguentamos."

Nós na altura, tínhamos três feridos deitados neste local. Eram eles, o Adulai Jaló, o Samba Bangura e o Male Fo, todos atingidos nas pernas. Como gemiam alto, pedi ao enfermeiro, que era um Comando também, chamado Samba Tala e pedi-lhe para dar umas picadas neles todos, para as dores. Jaló foi o primeiro a quem o enfermeiro deu uma injecção e ouvi-o dizer Ala Acbar, Ala Acbar, Ala Acbar. Quando acabou de falar em nome de Deus três vezes, calou-se de uma vez, boca e olhos abertos, olhando fixo. Notei que o Adulai já tinha morrido. Então, abandonei o local e fui ao encontro do Capitão Zacarias Saiegh".
____________

Nota

1 - Imagem da Net - Créditos ao autor que não consegui identificar

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15439: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIV Parte): "Regresso, dois anos depois" e "Tantos anos depois: por quê recordar?"