terça-feira, 29 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15911: (Ex)citações (306): A propósito da última troca de prisioneiros, em Aldeia Formosa, no dia 14 de setembro de 1974....Prisioneiros, não, "retidos pelo IN"...

Guiné > Bissau > HM 241 > 14 de setembro de 1974 >
Os últimos prisioneiros portugueses. 
Foto de Duarte Dias Fortunato
I. Os sete camaradas nossos que foram trocados por 35 militantes ou simpatisantes do PAIGC, presos pelas NT, não eram, segundo as autoridades militares portugueses da época, "prisioneiros de guerra"...  

Essa figura jurídica não existia... Não podia haver "prisioneiros de guerra" pela simples razão de que, para o regime de Salazar (e de Caetano),  Portugal não estava em guerra contra nenhum país estrangeiro. Tinha uma "guerra de subversão", nas suas províncias ultramarinas, apoiada por algumas potências estrangeiras, mas limitava-se a responder, para manter a paz e a ordem, contra os que, internamente, alimentavam essa guerra (*)...

Nessa medida, a Convenção de Genebra não se aplicava (ou não tinha que se aplicar, do ponto de vista legal) no TO da Guiné (e noutros teatros de operações, Angola e Moçambique)... Militar português capturado pelos nossos inimigos internos era classificado como "retido pelo IN"... Elemento subversivo ("terrorista")  capturado pelas NT devia ser tratado como um vulgar "preso de delito comum" (e entregue depois à PIDE/DGS, para obtenção de informações relevantes pata a "segurança interna")... Era, grosso modo, essa a  "doutrina vigente"...


II. Eis o que se escreve, sobre o tema Prisioneiros, no portal Guerra Colonial (1961-1974), desenvolvido pela A25A - Associação 25 de Abril... (Reproduzimos um excerto com a devida vénia):

(...) O facto de o regime português não reconhecer que se travava uma guerra nas suas colónias e de não atribuir o estatuto de beligerantes aos movimentos de libertação impedia que os militares portugueses tivessem a qualidade de prisioneiros de guerra, quando eram capturados.  Este assunto foi tratado, em 1967, em nota circular do Estado-Maior do Exército com o título: «Militares portugueses na posse do IN e elementos terroristas capturados», a qual estabelecia a seguinte doutrina:

"1. Tem vindo a verificar-se que os diversos partidos emancipalistas desenvolvem as mais variadas manobras no sentido de passarem a ser considerados como "beligerantes", oficializando assim a luta que se trava no Ultramar.

2. Um dos processos mais frequentemente usados tem sido o de solicitar para os terroristas capturados pelas nossas tropas as regalias que a Convenção de Genebra concede aos "prisioneiros de guerra". Por outro lado, e com o mesmo objetivo, esses partidos começaram a usar para com os militares portugueses em seu poder a designação de "prisioneiros de guerra", ao mesmo tempo que os seus órgãos de propaganda afirmam que lhes serão concedidas as garantias da mesma Convenção, como contrapartida.
Indivíduo suspeito, preso dpelas
NT.  Barro, 1968.
Foto de A. Marques Lopes (2005)

3. A fim de neutralizar esta manobra do inimigo, S. Ex.ª o ministro da Defesa Nacional, por despacho de 28 de junho de 1967, determinou que passassem apenas a ser usadas as designações que se seguem quer para elementos terroristas, quer para militares nacionais:

a. Terroristas caídos em poder das nossas tropas:

1) Ação - captura
2) Situação - sob prisão
3) Designação - preso

b. Militares portugueses em poder de elementos terroristas:

1) Ação - retenção
2) Situação - situação de retido
3) Designação individual - «retido pelo inimigo».

Assinava o general Sá Viana Rebelo, vice-chefe do Estado-Maior do Exército.  Curiosamente, esta circular era complementada com normas relativas ao «Procedimento a tomar no caso de ser retido», onde se afirmava no ponto d):  «Quando interrogado, o militar português apenas deve fornecer os dados a que é obrigado pela Convenção de Genebra: nome completo, posto, número e data do nascimento».

Capa da revista do Expresso, 29/11/1997

E acrescenta o  portal Guerra Colonial (1961-1974):

 (...) Embora seja pouco conhecido o número de militares portugueses prisioneiros, é possível adiantar os seguintes números e locais de prisão:

Na Guiné-Conacri, até 1970:  oficiais 1 (alferes); sargentos 2 (um sargento-piloto da Força Aérea e um furriel miliciano do Exército) ; cabos 4; soldados 15. Total 22.

Estes militares estiveram presos nos quartéis de Alfa Yaya e de Kindia, devendo-se-Ihes acrescentar um outro que foi colocado em Argel. Um soldado prisioneiro morreu em Conacri, tendo a sua morte sido comunicada diretamente à família por Carlos Correia, membro do Bureau Político do PAIGC, juntamente com uma fotografia do funeral. Ao todo, entre os que as Forças Armadas Portuguesas consideraram desertores e retidos, foram capturados e estiveram presos na Guiné cerca de 45 militares portugueses, dos quais três eram oficiais. (...)




Pormenor de um documento redigido pelo punho do próprio Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros (sic) que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Na altura eram seis , dos quais dois pportugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic): o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato (capturado em Piche, em 22/2/1971) tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"... O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc... 

Fonte: Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



III. O nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Vaz Gonçalves acompanhou o seu falecido pai, coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, no TO da Guiné, onde foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG),  sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.  Já aqui nos descreveu como, quando e onde foi feita a troca dos últimos  'prisioneiros', antes da transferência da soberania (**):


(...) Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado –Maior, implementaram os dispositivos de retração para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de outubro de 1974 na companhia do brigadeiro Fabião. Como tal, e ao realizar a biografia do meu falecido pai, coronel de cavalaria e do Estado/Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até à véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de setembro, em Aldeia Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de setembro a troca se realizou. Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o major de inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep do QG), o major de art Aragão, o capitão-tenente Patrício, o capitão de inf Manarte e o furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG).  Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos; Manuel dos Santos (Subsecretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).


Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (os soldados: António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Silva Batista, Manuel Ferreira Vidal;  e os primeiros cabos: Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau, e no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa." (...).

Portanto, essa troca de prisioneiros não foi feita em Bafatá, como parece sugerir o depoimento de Duarte Dias Fortunato ("Desaparecido em combate", revista da GNR, "Pela lei e pela grei", abril de 2000),  mas sim em Aldeia Formosa, tendo depois os 7 portugueses sido levados de avião até Bissau, onde foram observados no HM 241, antes de embarcarem no dia seguinte para a metrópole.

Andamos a tentar localizá-los.  Um deles, pelo menos, já faleceu, ainda recentemente, o nosso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016) [, foto à esquerda]

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Notas do editor:

(*)  Últino poste da série > 22 dce março de 2016 > Guiné 63/74 - P15888: (Ex)citações (305): A nossa Força Aérea viveu alguns dias de grande confusão com o aparecimento dos mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493)

(**) Vd. poste de 11 de dezembro de 2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15910: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte III



Foto nº 1 > De Piche, para Bafatá, num Cessna dos TAGP


Foto nº 2 > Dentro do Cessna


Foto nº 3 > Vista aérea de Piche [" (...) Era um quartel novo, com razoáveis instalações para a CCS e para mais duas companhias operacionais. Tinha água canalizada e gerador elétrico, As instalações do quartel incluíam trincheiras, base de fogos do morteiro 81, três peças 11,4 e as habituais casernas, messe, cozinha e posto de socorros, tudo rodeado por arame farpado, com a respetiva Porta de Armas" (...) , Mendes Paulo, maj cav, 1932-2006]


Foto nº 3A > Vista aérea de Piche: pormenor do espaldão do obus, valas e abrigos


Foto nº 4 > Vista aérea de Piche: outro ângulo


Foto nº 5 > Vista aérea de Nova Lamego, com as instalações militares em primeiro plano. O traçado da vila tem mão de urbanista português, foi feito a régua e esquadro, como Bissau, Bafatá, etc.


Foto nº 6 > Vista aérea do Rio Geba


Foto nº 7 > Uma tabanca à beira da estrada Nova Lamego - Bafatá


Foto nº 8 > Mais uma vista aérea do Rio Geba,  nas proximidades de Bafatá

 Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.

1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479,  mais tarde CART 11 e,  finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”, (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)] (*).

Trata-se do "álbum que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava". Desta vez são fotos tiradas num viagem de Cessna, dos TAGB, quando o Abílio Duarte foi de Piche a Bafatá para fazer o exame de condução automóvel. "As várias vistas aéreas que aparecem nesta reportagem foram tiradas neste avião". O Cessna, a caminho de Bafatá, sobrevoava Nova Lamego.

Eis como como o já falecido major de cavalaria  João Luiz Mendes Paulo (1932-2006) descrevia Piche deste tempo, no seu livro "Elefante Dundum" (citado por Beja Santos) (**)

(...) "Era um quartel novo, com razoáveis instalações para a CCS e para mais duas companhias operacionais. Tinha água canalizada e gerador elétrico, era bem melhor que Nambuangongo [, Angola].

O primeiro ataque foi para nos testar. Vieram pela pista de aviação com morteiros 82, RPG-7, metralhadoras pesadas e as inevitáveis Kalash e PPSH. Apesar de todas as recomendações anteriores, foi um festival de fogo de artifício.

As instalações do quartel incluíam trincheiras, base de fogos do morteiro 81, três peças 11,4 e as habituais casernas, messe, cozinha e posto de socorros, tudo rodeado por arame farpado, com a respetiva Porta de Armas.

A povoação de Piche envolvia o quartel do lado Sul e todo o perímetro da povoação era protegido por abrigos enterrados, 13 ao todo, em ligação com as trincheiras, com holofotes, metralhadoras e contacto via telefone e rádio para o posto de comando.

Em caso de ataque, só os tais abrigos da periferia abriam fogo, quando atacados diretamente ou à ordem, para alvos já referenciados”.

2. Comentário adicional do fotógrafo:

(,..) "A minha ida a Bafatá foi em meados de 1970 (, em abril), a minha Companhia estava a fazer reforço, em Piche, e recebi uma informação da nossa sede, em Nova Lamego, onde fazia a respetiva instrução automóvel, como a maioria da malta, de que tinha exame numa quarta-feira seguinte.

Falei com o Cap Pinto, e ele disse-me que não estava prevista nenhuma coluna a Gabú. A minha sorte foi ter aparecido, na segunda-feira anterior ao exame, a tal avioneta. O capitão fez o favor de me ajudar,  ao pedir boleia para mim.

  
Vista aérea de Bafatá: ao centro (1) , a avenida principal e igreja [, em frente, o edifício da administração colonial e, mais acima, o hospital local]..   
Foto de Humberto Reis (2006).




Quando cheguei a Bafatá, fui à messe do Esquadrão de Cavalaria, onde encontrei um colega também, do BNU, chamado Pascoal, que me arranjou comida e dormida, pois só vim novamente para Nova Lamego e depois Piche, quase uma semana depois.

O exame correu-me bem, fiz o ponto de embraiagem naquela calçada larga alcatroada, que vinha cá de baixo do rio, e que agora, pelas fotos atuais. é só buracos. Quanto às legendas, estão bem, que, como vocês dizem, na Guiné é quase tudo igual. Mais uma vez agradeço a vossa  disponibilidade, caros editores" (...).
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30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

Vd, também  27 de março de  2013 >  Guiné 63/74 - P11324: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte IX): Piche, vista aérea... E as valas onde se "despistou" o nosso camarada e amigo comum Renato Monteiro...

Guiné 63/74 - P15909: Blogues da nossa blogosfera (74): "Desaparecido em combate", entrevista com Duarte Dias Fortunato (ex-1º cabo at art, CART 3332, 1970/72), em 10/11/2012 ("Posts de Pescada", blogue dos alunos de comunicação social da Escola Superior de Educação de Coimbra)

1. O "Posts de Pescada" é um blogue que existe desde 2010, é um projecto realizado por estudantes de Comunicação Social, da Escola Superior de Educação de Coimbra.  

Foi lá que encontrámos esta entrevista com o nosso camarada Duarte Dias Fortunato, o primeiro prisioneiro de guerra português a voltar a ocupar uma cela da famigerada "Montanha", a prisão do PAIGC em Conacri, em 26/2/1971, três meses depois da Op Mar Verde (22/11/1970), na sequência da qual foram libertados todos os militares portugueses que lá estavam, na altura (26, ao todo).


Guiné > Bissau > HM (Hospital Militar) 241 > 14 de setembro de 1974 > Os sete ex-prisioneiros portugueses, libertados pelo PAIGC.  Foto do Duarte Dias Fortunato (que é o terceiro a contar da direita).  O nosso grã-tabanqueiro Batista é o primeiro da ponta, do lado direito.

Cortesia da revista da GNR, "Pela Lei e Pela Grei", edição de abril de 2000, onde vem inserido um artigo do Duarte Dias Fortunato, "Desaparecido em combate", e de que o nosso camarada Mário Beja Santos já fez uma recensão (*), reproduzindo também largos excertos. 

Na altura, em 2000, o Fortunato era sold inf da GNR, colocado no posto territorial de Quiaios, Figueira da Foz. Presumimos que já esteja reformado, e que continue a viver na Figueira da Foz. É natural de Pombal, Na Guiné era 1.º Cabo, estava em Piche, quando foi capturado em 22/2/1971,  na sequência de uma terrível emboscada, no decurso da Acção Mabecos, comandada pelo Maj Cav Mendes Paulo (**), e levado para a prisão "Montanha", em Conacri, onde deu entrada a 24/2/1971. [Sobre Mendes Paulo: oficial de operações do BCAV 2922, é autor do livro "Elefante Dundum", e faleceu em 2006; vd. recensão bibliográfica do Beja Santos (***)].

Em abril de 1972, juntou-se-lhe, ao Fortunato, o nosso saudoso António de Sousa Batista (1950-2016) e em junho o José António Almeida Rodrigues, que em 7 de março de 1974 irá conseguir evadir-se e chegar ao Saltinho. 

Depois da morte de Amílcar Cabral, os 8 prisioneiros portugueses foram transferidos para um "campo" algures no Boé Ocidental, perto da fronteira e junto à margem esquerda do rio Corubal, Depois da fuga do Rodrigues, os 7 são levados para o "outro lado" da fronteira, na província de Boké. Nas imediações do rio Kogon, relativamente perto da base do PAIGC, em Kandiafara, onde é-lhes construída um "barraca de madeira"... 

Chega finalmente a hora da libertação, sendo trocados por guerrilheiros, que eram prisioneiros das NT. Depois de 3 dias de viagem chegam a Bafatá (,segundo o depoimento do Fortunato, mas deve ter sido em Quebo/Aldeia Formosa, onde se fez a troca de prisioneiros) (****), a 14 de setembro de 1974, e dali seguem para Bissau, por avião militar. 

Gostaríamos de saber do paradeiro deste camarada e convidá-lo para integrar a nossa Tabanca Grande. Contamos com os camaradas da Figueira da Foz para o localizar e convidar... O Fortunato era 1.º cabo at art  da CART 3332 (1970/72), do 3.º pelotão.  Nesta operação também participou o nosso saudoso grã-tabanqueiro Luís Borrega (1948-2013), ex-fur mil cav MA, CCAV 2749 / BCAV 2922 (Piche, 1970/72).

[Entrevista com Duarte Dias  Fortunato]

(Reprodução com a devida vénia) (*****)

A Guerra do Ultramar vitimou muitos portugueses que nunca mais tiveram a oportunidade voltar para Portugal e estar com as suas famílias. No entanto existem vários ex-combatentes que conseguiram voltar e contar as suas histórias. Num número bastante mais reduzido ainda há portugueses que, para além de ex-combatentes, são também ex-prisioneiros de guerra. Duarte Dias Fortunato, de 62 anos, residente na Figueira da Foz, é uma dessas pessoas que conseguiu sobreviver a 43 meses de prisão na Guiné, e foi denominado o desaparecido em combate.

Posts de Pescada [PP]: - Como foi a sua reacção quando descobriu que tinha de ir para a guerra lutar por uma causa em que poucos acreditavam?

Duarte (D): - Como eu, todos fomos obrigados a ir defender as nossas colónias para África, a reação nunca pode ser boa visto que deixei a minha família para trás sem saber se algum dia os ia voltar a ver.

PP: - E quando lá chegou?

D: - Quando lá chegamos, deparamo-nos com uma situação que não estávamos a espera, os nossos números eram bastante inferiores e, pior, não conhecíamos o terreno.

PP: - Foram essas as razões para a nossa derrota?

D: - Sim,  são algumas, mas foi desde início uma guerra sem sentido, já todos os países da Europa tinham libertado as suas colónias, menos Portugal. E morreram assim pessoas a lutar por uma causa perdida.

PP: - Como foi capturado?

D: - Foi numa emboscada que nos fizeram na mata sem estarmos à espera, a maior parte conseguiu fugir, outros morreram, eu fui capturado. Naquele momento percebi que tinha perdido a minha liberdade e que me tinha tornado num simples prisioneiro à mercê do nosso inimigo.

PP: - Sentiu que a sua morte estava perto naquele momento?

D: - Sem dúvida,  pensei que os meus dias iam acabar por ali, mas de repente o comandante do grupo ordenou que não me fizessem mal, visto que eu não tinha vindo para a guerra voluntariamente mas sim obrigado, e que como eles eu era um ser humano.

PP: - Nesse momento o que pensou?

D:
- Muitas coisas me vieram a cabeça, ganhei um bocado de esperança em poder vir a ser libertado, e também perdi algum medo, mas eu vi nos olhos do resto do grupo a vontade que tinham em fazer me mal e de se vingarem, e isso bastou para me intimidar mais.

PP: - Então quando o comandante não estava por perto o que acontecia?

D: - Era constantemente agredido, vinham uns pontapés depois uns empurrões e passava o tempo todo assim.

PP: - Porquê "Desaparecido em combate"?

D: - Ninguém sabia o que me tinha acontecido, se tinha sido preso, se tinha fugido ou se tinha sido morto.

PP: - O que lhe custou mais nos 43 meses de prisão?

D: - Foi uma tortura a nível físico e mental, era espancado para lhes dizer onde era a nossa base, só comia arroz cozido sem sal, a solidão era muita, mas sem dúvida o que me custou mais foi a distância da minha família.

PP: - Que noticias tinham eles?

D: - A eles já tinha sido comunicado o meu desaparecimento, e com o passar dos anos acabaram por fazer o meu funeral sem qualquer esperança do meu regresso, ou de sequer estar vivo.

PP: - E você tinha essa esperança?

D:
- Bem, eu sonhava em um dia poder voltar para casa, para a minha mulher e para uma filha que tinha nascido pouco antes de partir para a Guiné, mas a esperança era pouca, a situação era bastante difícil.

PP: - Como foi quando soube que ia ser libertado?

D: - Certo dia apareceram uns guardas com uns rádios e diziam para nós "Tuga, tuga, Marcelo caiu", referiam-se ao 25 de Abril em Portugal.

PP: - Qual foi a sua reacção?

D:
- A alegria era imensa, só pensava na minha família, que os ia voltar a ver, que consegui superar 43 meses de prisão em condições miseráveis.

PP: - O que aconteceu depois?

D: - Fomos trocados por outros prisioneiros, tratados com cuidados médicos e levados para Portugal de avião.

PP: - Como foi quando chegou?

D:
- Quando cheguei, fui directamente a casa da minha irmã que tinha em Lisboa, ao baterem à porta dizendo que o seu irmão estava lá, ela gritou da janela que isso era impossível visto que tinha desaparecido na Guiné.

PP: - E quando ela reparou que era verdade?

D:
- Desmaiou, quem abriu a porta foi a minha sobrinha. Reparei que estavam de luto pela minha morte. Mas depois acabei por passar uns dias no hospital de Lisboa,  visto que me encontrava bastante fraco, tanto física como psicologicamente

PP: - O que pretende fazer com esta história?

D:
- Muito mais havia para contar, pois cada dia que lá passei foi de fome, sofrimento, morte e vida por um fio nos longos 3 anos e 202 dias que passei preso por uma causa injusta. No entanto,  já tenho uma espécie de livro que conta mais detalhadamente a minha história.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)

(**) Vd.  blogue A Guerra Nunca Acaba Para Quem se Bateu em Combate > 22 de fevereiro de 2011 > Guiné - Operação Mabecos , 22 de fevereiro de 1971

ACÇÃO MABECOS

Segunda-feira, 22 de fevereiro de 1971

- Ordem de operações nº 1, de 21 Fev. 1971 - Composição das forças: 1º, 2º, 3º e 4º PEL / CART 3332. 3º e 4º PEL /  CCAV 2749 ( BCAV 2922). Duas secções de milícias 249. Uma Secção de milícias 246, com Morteiro 60, e 30 granadas. Uma Secção Morteiro 81, 30 granadas. Artilharia Pesada: 4 Obus 11,4 com 160 Granadas, 2 Obus 14, com 100, 3 Obus 14 com 120 , e duas WHITE PEL/REC 2. 

- Objectivo. Posicionar-se próximo da fronteira, Rio Campa, junto ao Corubal, e bombardear posições IN na região de Foulamory (Guiné Conacri). (...)

(...) Rumaram ao objectivo. Já próximos, os "piras" do 3º GC CART 3332 passam para a testa da Coluna. E são vislumbrados à distância negros fardados. Uma consulta rápida para saber se ali havia segurança das nossa tropa... Não havia... Há que flanquear a progressão das tropas. Em continuo e, mal entrados no mato,, o  IN tenta o assalto. Abre-se a emboscada que,  de inesperada e traiçoeira e olhos nos olhos, é sufocante e tremenda. Há que se posicionar fazendo um recuo para se entrincheirar.

(....) Metralha intensa e violenta. Explosões que surpreendem, com fumo e pó que cegam. Tentativa de avanço do IN. Os "piras" do 3º GC CART 3332 defendem, ripostando, como podem a posição. Uma White cai numa cova e fica imobilizada:  a metralhadora encrava. A segunda White fica inoperacional, sem ter dado um tiro.  Há Unimogues semidestruídos. Feridos: alguns, com gravidade. O resto da força tinha ficado fora da linha de fogo. A 1ª secção do 3º GC já havia pago a factura: 3 mortos e um capturado em virtude da execução do flanqueamento. Anoitecia. O inimigo não abrandava a intensidade do fogo. Os nossos homens ripostavam. Entretanto os homens da Artilharia Pesada desengatam as peças de obus das Berliets e de imediato fazem tiro directo, sobre as copas das árvores em direcção à posição Inimiga. E silenciam - na, com mais munições.

A noite vai ser terrivelmente dramática. O inimigo, "manhoso", vai se aproximar, silencioso, para não ser alvejado. Vai ter oportunidade de assaltar e vandalizar os corpos feridos ou, já mortos, do 1º Cabo Costa e dos soldados Mota e Araújo. Os obuses batem a zona mais próxima com tiro tenso... No terreno os combatentes em trincheiras feitas com as mãos e facas do mato  não dormem. A manhã que tarda, sabe a poeira, pólvora, e a uma sensação estranha, que só quem viveu a guerra olhos nos olhos, sente. Para todos, era a segunda vez em menos de 15 dias. E ainda havia a lamentável e, dolorosa surpresa. Ninguém sabia, a já contada aqui.... Morte dos nossos 3 heróis e o desaparecimento do 1º Cabo [Duarte Dias] Fortunato. 

Surpresos, não queriam acreditar. Na acção de recuo posicional e, porque já de noite, não fora dada a falta destes elementos. Assim, era de espanto e derrota o semblante "negro" dos nossos heróis periquitos que juravam vingança (...).

(***) Vd. postes de;

30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

(****) Vd. poste de 11 de dezembro de  2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

(...) Relativamente à troca de prisioneiros no teatro de operações da Guiné (...), gostaria ainda de adiantar, com base no Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), autenticado pelo Chefe da 2ª Rep, o major de infantara Tito José Barroso Capela, classificado na altura como um Dossiê SECRETO, a saber:

De acordo com o previsto no Acordo de Argel, tudo se preparou (da parte dos Portugueses), para que a operação "troca dos prisioneiros" se efectuasse na data estipulada. Assim a 9 de Setembro [de 1974], seguiram de Bissau para a Aldeia Formosa os 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC), que no dia anterior tinham vindo da Ilha das Galinhas, e a comitiva das nossas tropas que os acompanhavam.

Esta era constituída por, a saber: 2ª comandante do CTIG, coronel tir CEM Santos Pinto; director do Hospital Militar, tenente-coronel médico Viegas; chefe da 2ª Rep do CTIG, major de inf Tito Capela e o comandante do COP5, capitão-tenente da marinha Patrício; major inf Hugo dos Santos; 1ª tenente da marinha Brandão, capitão de cav Sousa Pinto; capitão de cav Ramalho Ortigão e dois soldados da Polícia Militar.

Todos estes elementos foram transportados de Nord Atlas, comandado pelo capitão piloto-aviador Carvalho, que fez duas viagens entre Bissau - Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, o comandante Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estrangeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.

A permuta de prisioneiros não chegou a efectuar-se em 9 de setembro de 1974, em virtude do PAIGC não ter apresentado os prisioneiros das NT (nossas tropas), retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas (nacionais e estrangeiros) regressaram pelas 16h00 a Bissau,  tendo ficado em Aldeia Formosa o capitão-tenente Patrício com os 35 PG / PAIGC, que aí aguardaram até a chegada dos PG / NT.

Nesse sentido, o Encarregado do Governo da Guiné telegrafou à Direcção do PAIGC manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos prisioneiros de guerra  [PG] por parte do Partido. Em resposta, Luís Cabral apresentaria desculpas,  esclarecendo que a demora tinha sido devida "ao mau estado das estradas", não tendo sido possível por isso transportar os prisioneiros como fora planeado...

(...) Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (, soldados António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Siva Batista, Manuel Pereira Vidal; e 1ºs cabos Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau e,  no dia seguinte, dia 15 de setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa. (...)


(*****) Último poste da série > 19 de janeiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15638: Blogues da nossa blogosfera (73): No Blogue "Portugal e o Passado", A Agonia do Império, de Fernando Valente (Magro)

domingo, 27 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15908: Manuscrito(s) (Luís Graça) (80): Páscoa... ou quando a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Boa Páscoa para os nossos aniversariantes de hoje e para toda a Tabanca Grande!


O Natal e a Páscoa são datas incontornáveis, para nós, portugueses,  pelo menos os da nossa geração. 

É raro eu falhar, na Páscoa (e no Natal), a ida ao norte. Este ano, por um conjunto de circunstâncias, não me é possível lá estar. 

Mas não quis deixar de, à distância, me associar ao espírito festivo da Páscoa nas minhas tabancas do Norte... Acabei de fazer, de improviso, umas quadras que mandei, agora mesmo, quando a festa já está no ar... Sei que vou ter cartão amarelo por falta de comparência... mas espero que o árbitro releve a minha falta. 

Como este ano, por coincidência, há também 3 aniversariantes nortenhos da nossa Tabanca Grande (o Carlos Vinhal, o Eduardo Magalhães Rodrigues e a Maria Dulcinea) e   um ribatejano (o Armando Pires), quero partilhar convosco (ou "com vós", como se diz no Norte) esses versinhos, estendendo os meus votos de boa Páscoa a toda Tabanca Grande e demais homens e mulheres de boa vontade. 

Qualquer que seja o significado que a Páscoa possa ter para cada um de nós, há nela uma mensagem de sentido universal e intemporal: a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Mesmo sabendo todos nós, que o nascer e o morrer são os atos mais intrinsecamente solitários da vida humana...  LG


Para as famílias Soares e Carneiro,
seus convidados
e compasso pascal da Madalena...

Para os aniversariantes de hoje...

Para toda a Tabanca Grande...

Para todos os homens e mulheres de boa vontade...


Olha o compasso pascal,
Visitando a freguesia,
Nesta casa, é bom sinal,
Traz-nos a fé e a alegria.

Traz-nos a fé e a alegria,
Que todos bem precisamos,
É a Santa Páscoa o dia
Em que as forças renovamos.

Em que as forças renovamos,
Como seres humanos e cristãos,
Boas festas desejamos,
Pais, filhos, amigos, irmãos.

Pais, filhos, amigos, irmãos,
Vizinhos da Madalena,
Mais os de longe que aqui estão,
E quem não veio vai ter pena.

E quem não veio vai ter pena,
De neste ano faltar,
Mas fez esta cantilena,
Para com vós partilhar.

Para com vós partilhar
As coisas boas do Norte,
E a amizade reforçar
Com um abraço bem forte.

Lisboa, domingo de Páscoa,
27 de março de 2016, 10h30
Luís Graça

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Guiné 63/74 - P15907: Memória dos lugares (336): Cancolim, subsetor de Galomaro (Rui Baptista, ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, 1972/74) - Parte I


Foto 3 > Parada de Cancolim > Um quartel igual a tantos outros no TO da Guiné, feito pela engenharia militar.


Foto 4 > O pombal na parada de Cancolim (alguns pombos serviram de petisco; e a columbofilia também distraía)


Foto 9 > O fur Mil Jacinto e eu,  junto do famoso pombal de Cancolim


Foto 5 > Bissau > 26/12/1971 > Apresentação do Batalhão (o BCAÇ 3872) ao Com-Chefe, Gen Spínola) > Em primeiro plano o alf Mil Rosa Santos, já falecido há uns anos.


Foto 6 > Cumeré > 1/1/1972 > Passagem de ano >  À frente o alferes que nos abandonou e primeiro da última fila o capitão que também se foi.


Foto 7 > Cancolim > 23 de setembro de 1973 >  Trajando à civil, para esquecer a guerra: oficiais e sargentos: sentado: fur mil Oliveira; 1.ª fila,  da esquerda para direita: 1.º sarg Romana, fur mil Correia (Rodinhas), fur mil Silva (Russo), eu, capelão da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro), fur mil Silva, fur mil Peixoto, alf mil Andrade; em cima também da esquerda para a direita: fur mil Santos, alf mil Videira, alf mil Oliveira, fur mil Conde, fur mil Gaspar, fur mil Ferreira e fur mil Jacinto.

Fotos (e legendas): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. O Rui Batista, que mora em Póvoa de Santo Adrião, Loures, com 65 anos de idade, reformado, entrou para  a nossa Tabanca Grande em 9/12/2009. É lisboeta, sendo os pais oriundos de Arganil.

Segundo a sua apresentação, embarcou para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de dezembro de 1971 e desembarcou em Bissau, na véspera de Natal em 24 do mesmo mês. Passou o ano novo no Cumeré.

Regressou a Portugal no T/T Niassa que partiu de Bissau em 28 de março e chegou a Lisboa a 4 de abril de 1974.

Permaneceu, portanto, na Guiné 27 meses e alguns dias, sempre em Cancolim, "lá no fim do mundo"...  Há que retirar, diz ele, "o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau".

Nesse espaço de tempo, aconteceram "coisas que jamais poderei esquecer". Estas fotos (das muitas centenas que tinha e que lhe roubaram, uns tempos da sua chegada, do carro, no Portinho da Arrrábida...) falam um bocadinho dessa história:

Segundo ele, "a CCAÇ 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim, em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos: um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá; e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao nosso aquartelamento".

Nesse primeiro ataque, ele  teve "a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da secretaria, ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso".

Outro dos desaires que teve a companhia, foi "o abandono do capitão e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos, do meu pelotão" (que era o segundo, os "Vingadores").

O IN "não nos dava tréguas", e era "pouco o material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81)"... O assalto pelo IN ao destacamento e a captura de 2 homens nossos, o desaparecimento de um dos nossos soldados [, apanhado pelo IN, o José António de Almeida Rodrigues, que "para alguns de nós teria desertado"], juntamente com "as notícias de mortos no Saltinho e emboscadas no Dulombi", tudo isso contribui para que o desânimo se instalasse nas nossas tropas".

(...) "Com a substituição do Capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase 'salve-se quem puder'. Valeu-nos o reforço de um pelotão do Dulombi e a visita de alguns páras [do BCP 12,] para as coisas acalmarem em Cancolim."

 O resto é para relembrar num outro próximo poste. (**)
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Notas do editor;

(*) Vd, poste 3 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

(**) Último posto da série > 23 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15786: Memória dos lugares (335): As "viagens" a Madina do Boé e a Béli (Abel Santos, ex-Soldado da CART 1742)

Guiné 63/74 - P15906: Parabéns a você (1054): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Amiga Grã-Tabanqueira Maria Dulcínea




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Nota do editor

Último poste da série de  25 de março de  2016 >  Guiné 63/74 - P15898: Parabéns a você (1052): Rui Silva, ex-Sarg Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

sábado, 26 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)


Quadro - Lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971,  na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Dados obtidos a partir de documento manuscrito, da autoria  de Amílcar Cabral.  Fonte:  Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



1. No Arquivo Amílcar Cabral (*), não se encontra nenhuma referência ao José António de Almeida Rodrigues (1950-2016)  nem ao António da Silva Batista (1950-2016), por estranha coincidência, camaradas do mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), embora de companhias diferentes (o Batista, da CCAÇ 3490, Saltinho; o Rodrigues, da CCAÇ 3489, Cancolim). e companheiros de cativeiro (Conacri, Boé,  Boké), que vão morrer, no mesmo dia, e ambos com 66 anos, um na Régua, outro em Matosinhos..
.

 Há, no entanto,  fotos e documentos a relativos outros "prisioneiros de guerra" que estiveram com eles, na "Montanha", entre 1972 d 1974, a prisão do PAIGC em Conacri, e depois no campo do Boé: é  do caso do António Teixeira, da Lixa, Felgueiras; e do Duarte Dias Fortunato, de Pombal...

Estes nossos dois camaradas, os dois primeiros a serem apanhados e levados para Conacri, depois da Op Mar Verde (22/11/1970), constam de uma lista, manuscrita (com a letra do Amílcar Cabral!) em que se discriminam os seis prisioneiros, do PAIGC, que estão na "Montanha", em 1971 (em data posterior a agosto de 1971),  por nome, data de entrada, proveniência, acusação, data de saída e observações...

Sendo a lista do 2º semestre de 1971, ainda não poderiam constar os nomes do António da Silva Batista e do José António Almeida Rodrigues, capturados em abril e junho de 1972, respetivamente... Mas o que é interessante é o tipo de "acusação"... Há portugueses (2) e guineenses (4)... Não sabemos se, uns e outros, estavam misturados ou separados...

Sabemos que, depois do assassinato do Amílcar Cabral, em 20/1/1973, os 8 prisioneiros portugueses detidos na "Montanha" foram levados para a região do Boé Ocidental,  num "campo" junto ao Rio Corubal... donde iria fugir, de canoa, em 7/3/1974, o José António de Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 (Cancolim, 1972/74). Ao fim de nove noites e nove dias, conseguiu chegar ao Saltinho, devendo ter percorrido não mais do que 50 quilómetros,  pelo rio, segundo as nossas estimativas.

Dos guineenses da lista de prisioneiros, guerrilheiros do PAIGCum é "desertor", outro acusado é de "homicídio", um terceiro de "furto", e o último de ter "contacto com o inimigo"...

Os portugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic), são o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"...

As proveniências são diversas, não se percebendo bem se PAIGC disporia de diversos "campos de detenção  temporária" (ou prisões, mesmo que precárias), antes de os prisioneiros chegaram à "Montanha", em Conacri.... Ou se o termo proveniência tem a ver com o local de detenção ou aprisionamento no caso dos portugueses. Há referências a Ziguinchor (no Senegal), Norte, Madina do Boé, Boé Oriental...

O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc....

Recorde-se aqui, mais umas vez, os nomes dos últimos prisioneiros de guerra que foram entregues, em 14 de setembro de 1974 pelo PAIGC às NT (**):

(i) o nosso "morto-vivo" António da Silva Batista (1950-2016), da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;  [ex-1º cabo at art, CART 3332, 1972/74; capturado no subsetor de Piche, em 22/2/1971, na sequência de emboscada no decurso da Acção Mabecos]; (**)

(iv) António Teixeira, da Lixa, Felgueiras;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, de vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

Como escreveu algures o Manuel Carvalho, o José António Almeida Rodrigues foi um homem de grande coragem física, ao arriscar, com sucesso, a fuga... Se ele fosse considerado "desertor", nunca teria ido parar à "Montanha" nem muito menos ao "campo do Boé"... E muito menos ainda teria necessidade de fugir aos seus captores... Noutro país, a sua história, a sua fuga, daria um filme...




Documento manuscrito, pelo punho de Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


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Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07062.034.017
Título: Registo dos prisioneiros na "Montanha"
Assunto: Registo dos prisioneiros na "Montanha" [prisão do PAIGC em Conakry].
Data: 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Justiça Militar

Citação:
(1971), "Registo dos prisioneiros na "Montanha"", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40241 (2016-3-26)



(Foto reproduzida por Beja Santos no seu poste P14454, de 10 de abril de 2015. A fonte provável é o artigo "Desaparecido em combate", de Duarte Dias Fortunato, publicado na revista da GNR, "Pela lei e pela grei", nº de abril de  2000 (*) [Na altura, o Fortunato era soldado de infantaria da GNR e prestava serviço no Posto Territorial de Quiaios, na Figueira de Foz]


... E o António da Silva Batista (1950-2016), nesta foto,  deve o primeiro da direita, de bigode e de patilhas. Falta aqui o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), que conseguiu fugir do "campo de detenção" do Boé, do PAIGC, junto à margem esquerda do Rio Corubal, na parte ocidental da região do Boé, situado algures entre Gobige, Guileje e Madina do Boé, junto à fronteira, segundo as nossas estimativas.  

O "campo de detenção", pelas descrições do Batista e do Rodrigues, só podia ser na região de Tombali, junto ao rio Corubal e à fronteira (sul) com a Guiné-Conacri (por razões de segurança e logísticas), ou seja, em zona considerada "libertada", segundo a terminologia do PAIGC, mas sujeita aos bombardeamentos da aviação portuguesa.  

Depois da fuga do Rodrigues, em 7 de março de 1974, os prisioneiros foram levados para o outro lado da fronteira, já na República da Guiné, segundo o depoimento do Duarte Dias Fortunato, em 2000. Foi aí que  receberam a notícia do 25 de abril de 1974 (**). 

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de 


(...) Ao fim de dois anos, começaram a chegar mais prisioneiros [, à "Montanha", em Conacri]: uns capturados no posto de sentinela, outros que saíam do quartel para irem à caça e eram caçados. No final éramos oito. 

Um certo dia, mandaram-nos sair da prisão, fomos metidos num camião do PAIGC, ao fim de três dias chegámos a Madina de Boé [, ou à região ocidental do Boé]. Percebemos que estávamos a mudar para um prisão improvisada mas com muita segurança e ali permanecemos alguns meses. Aqui sofremos muito com a nossa aviação, que atacava frequentemente o local. Houve depois uma fuga [,em 7 de março de 1974, a do José António de Almeida Rodrigues,] e os prisioneiros foram deslocados para o lado da fronteira da Guiné Conacri. Quando chegámos a um local, junto de um grande rio, cujo nome nunca soube [, talvez rio Kogon, não longe da base de Kandiafara, província de Boké], ali acampámos. Construíram uma prisão de madeira onde ficámos instalados alguns meses.[até setembro de 1974...].


Certo dia pela manhã, apareceram alguns guardas com os rádios junto aos ouvidos e gritavam com júbilo “Tuga, tuga, Marcelo caiu. Independência, independência”. Através da rádio demos conta que em Portugal tinha havido um golpe de Estado.

No dia 11 de setembro, entregaram-nos vestuário dizendo-nos que no dia seguinte seguíamos em direção a Bafatá, a fim de sermos entregues por troca com outros prisioneiros. Ao fim de três dias chegámos a Bafatá. Embarcámos de seguida num avião militar, onde recebemos os primeiros cuidados médicos. (...) 

Guiné 63/74 - P15904: História do BART 3873 [Bambadinca, Sector l1, 1972-1974]. Parte II – Os problemas no CTIG logo em 1963 (Jorge Alves Araújo)

1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos a seguinte mensagem.



Caríssimos Camaradas,

Os meus melhores cumprimentos.

Independentemente de termos chegado ao CTIG nove anos após o início do conflito armado naquele território, constatámos a existência de problemas que já tinham sido identificados em 1963 pelo Coronel Louro de Sousa, então Comandante-Chefe militar.

Ainda assim, ousámos elaborar esta pequena narrativa relacionada com esse tema, divulgando algumas memórias gravadas pela experiência feita nos diferentes itinerários percorridos durante os anos de 1972 a 1974, mescladas com outros factos entre cá e lá.

OS PROBLEMAS NO CTIG LOGO EM 1963

- Memórias de cá e de lá -

1. – INTRODUÇÃO

As rotinas da minha continuada actividade operacional, constituídas por missões/ acções de obrigatória responsabilidade diária, têm-me impedido de dizer “presente no imediato” aos apelos do BTG, como eu gostaria que acontecesse. Mas, logo que a agenda o permite, lá vou ordenando algumas letras que funcionam, também, como “prova de vida”. Assim, o caso em apreço relacionado com o tema em título, ainda que com algum atraso, levou-me a optar por uma triangulação entre memórias pessoais de cá e de lá, contributos já divulgados no nosso Blogue e trabalhos de investigação que começam a surgir, com mais frequência, sobre esta problemática.

Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra na Guiné (1961-1964)”. 

O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu] continuará em aberto. 



Porém, o principal destaque recaiu na avaliação feita pelo Coronel Fernando Louro de Sousa, na qualidade de novo Comandante-Chefe da Guiné nomeado em finais de 1962 pelo Governo de Lisboa (Oliveira Salazar), mas que só em 20 de Março de 1963 chegaria a Bissau, dois meses depois do ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, considerado por todos os intervenientes [incluindo a literatura] como a data do início do conflito armado naquele território ultramarino. 


Seis meses após ter iniciado as suas funções, exclusivamente como Comandante-Chefe, apresenta em Lisboa, em 4SET1963, uma exposição da situação ao Conselho Superior Militar, enumerando um conjunto de problemas que dificultavam a resposta das NT ao esforço de contra-subversão, a saber: 

1. - Deficiente instrução das tropas e quadros;

2. - Deficiente equipamento das unidades no terreno;

3. - Falta de pessoal / insuficiência de efectivos; 

4. - Abastecimento (material, munições, víveres e água); 

5. - Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses; 

6. - Instalações inadequadas;

7. - Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole.

2. – ENTRE AS MEMÓRIAS DESSA ÉPOCA E AS MINHAS

A eclosão do conflito armado na Guiné que, mau grado, acabaria por ser o meu destino nove anos depois, na condição de combatente miliciano, tem lugar quando tinha somente doze, ou dez anos se considerar o início da insurreição armada em Angola, em 15MAR1961, realizada pela UPA [União dos Povos de Angola], desconhecendo por completo, na época, o que estava na génese de cada uma, apenas gravando o conceito “Guerra do Ultramar”, com que foi baptizado. Frequentava, então, o Liceu Camões, a segunda escola pública a ser construída em Lisboa, na Praça José Fontana, e inaugurada em 16OUT1909, sendo a primeira o Liceu Passos Manuel, em 1836, e que na sequência do «25 de Abril de 1974» passou a designar-se por Escola Secundária de Camões, mudança de nome verificada, aliás, em todos os Liceus existentes nessa época. 

Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, na Rocha Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.

Cais da Rocha (1963 / há mais de meio século) – Imagem (cinzenta como o ambiente) que se viria a tornar banal em Lisboa, uma vez que passou a ser repetida tantas vezes quantos os embarques dos contingentes com jovens milicianos (combatentes) realizados com destino a um dos três Teatros de Operações (Angola, Guiné ou Moçambique). E foram largas centenas. Era o momento da despedida reciproca e que para alguns foi para sempre… lamentavelmente. A partir de 1971, passou a ser utilizado, também, o transporte aéreo através da FAP, por ser mais rápido, cómodo e económico quando comparado com o marítimo (foto de autor desconhecido).

Entretanto, a avaliação provavelmente empírica de Louro de Sousa deveria ser reflexo daquele que terá sido o primeiro grande PROBLEMA que se colocou aos responsáveis políticos da época - os RECURSOS (quer os HUMANOS quer a competente LOGÍSTICA) - sempre imprescindíveis em qualquer organização, de que a MILITAR não é excepção, particularmente em contexto de guerra. E esses problemas não estavam resolvidos… nem nunca estiveram.

De referir que o conceito de logística, enquanto ramo autónomo da ciência militar, significa a arte do planeamento e da execução de movimentos e sustentação de forças. Nela se inclui um vasto conjunto de actividades complexas e interdisciplinares que vão desde a sua concepção e desenvolvimento; obtenção, recepção, armazenagem, movimentos, distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e abastecimentos e todas as actividades de apoio sanitário.


Por outro lado, as distâncias entre a Metrópole e cada um dos três TO, às quais se adicionam a inexperiência em relação ao modo como gerir, com sucesso, a natureza social e política do conflito e, ainda, à teimosia cega de não o resolver com bom senso, conduziram a uma maior exigência operacional dos efectivos aí destacados. Os recursos humanos e logísticos cresceram, por isso, ao longo dos anos, concomitante com as responsabilidades atribuídas aos jovens militares, fazendo recair sobre estes, desde o seu início, o ônus da manutenção de Portugal no continente africano em nome da Pátria, isto é, em nome da perpectuação do regime político vigente, se necessário com recurso da sua própria vida, como está plasmado na vasta bibliografia existente, quer seja nacional ou internacional.

Considerando que o conceito problema [contexto acima] faz parte, justamente, do nosso léxico do dia-a-dia [ex: tenho um problema; só temos problemas; arranjaste-me um problema; como resolver este problema; …] recupero aqui a definição do escultor e escritor italiano Bruno Munari (1907-1998) que nos diz: “todo o problema implica um certo saber do não saber, ou seja, antever, se terá ou não solução e para isso é preciso experiência” (in. Das Coisas Nascem Coisas, Lisboa. Edições 70, 1982, p. 39).

Durante a presença no CTIG (1972-1974), que decorreu entre os nove e os onze anos do conflito, reconheço a existência dos problemas caracterizados anteriormente por Louro de Sousa, por experiência feita da actividade operacional na minha Unidade Orgânica [CART 3494], ainda que admita serem de menor escala face ao esforço que naturalmente foi despendido para os minimizar ao longo do tempo uma vez que foram operacionalizadas diversas mudanças no terreno em função da reformulação das estratégias/tácticas propostas pelas sucessivas chefias militares nomeadas pelo Governo Central, mas sem grandes resultados.

Contudo, esse contacto directo com as várias realidades leva-me a ter uma percepção dualista, ou seja, NÃO e SIM, uma vez que eram distintos ou desiguais a natureza de cada um deles, bem como os contextos e locais onde se actuava, variando em função da geografia do terreno e da proximidade das linhas de fronteira, quer a norte quer a Sul, onde, nestas regiões, estavam sedeadas as principais bases do PAIGC. Esta localização facilitava-lhes a vida, e muito, pois ampliava o quadro de opções de mobilidade para realizarem as suas actividades de ataques e flagelações aos alvos seleccionados. Era também desigual a vida nas Cidades, nas sedes de Batalhão (CCS), nos Aquartelamentos e Destacamentos, e quanto mais no interior maior, levando-nos a (con)viver com o fenómeno da interioridade e com as situações adversas sem alternativas.

Outro problema, não menos importante, estava relacionado com o esforço que era necessário fazer para manter em funcionamento a rede da estrutura logística, sem a qual não teria sido possível suportar tanto tempo, por efeito dos insuficientes recursos locais e financeiros, ainda que uma parte dela estivesse a cargo de cada umas das Unidades por descentralização de competências.

Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica. Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar representou (creio) o Sport Benfica e Castelo Branco.

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”. 

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão” através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf. Art., como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325 narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “sou (fui) um dos intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras Marques). Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.

Nesse mesmo ano de 1973, quando estava já contabilizada uma década do conflito armado, o problema das instalações inadequadas mantinha-se, situação gravada nas imagens abaixo [para memória futura], de que é exemplo o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito na estrada Xime-Bambadinca. Este espaço fora ocupado a partir de 29MAI1969 pelo camarada Carlos Marques [ex-Fur.Mil da CART 2339], acompanhado por elementos do seu GComb, data em que a ponte aí existente [velha] foi danificada por elementos do PAIGC, história já narrada nos P12565, P12586 e P12734. Trata-se de um mero exemplo e não caso único, naturalmente, como se pode provar através do riquíssimo espólio existente no Blogue da Tabanca.

Recordo, nas fotos abaixo, esse tempo e esse espaço no cada vez mais distante ano de 1973. 


JUL’1973 - Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, com colchão, do mobiliário militar. Este buraco foi o meu “quarto” durante alguns meses… 

JUL’1973 – Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Imagem do condomínio fechado. 


AGO’1973 – Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Plano de água incluído no Destacamento da Ponte… Creio que o canoísta é o camarada José Sebastião.

SET’1973 – Imagem de parte da parada do Aquartelamento de Bambadinca, onde estava sedeado o comando do BART 3873 e da sua CCS, e que distava 4 kms do Destacamento da Ponte do Rio Udunduma (contrastes da/na guerra).

3. – UMA VISÃO HISTÓRICA SOBRE A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1974), POR PEDRO DA SILVA MONTEIRO (CAP.) 

Para concluir a presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do Ultramar”, destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática. 

A investigação em referência identifica, como questão central, em que medida a manobra logística de Portugal influenciou as operações militares nos três TO e contribuiu para a sustentabilidade da Guerra Subversiva de África, de 1961 a 1974.

Desta questão de partida inicial a investigação derivou para mais seis subtemas, a saber: 

a) - Qual a estrutura logística de Portugal antes e durante da guerra? 

b) - Que dificuldades sentiram os serviços de apoio logístico de Portugal e quais os maiores problemas verificados? 

c) - O que esperava o governo português do sistema logístico? 

d) - Quais as necessidades sentidas pelas forças em operações, e que abastecimentos foram fornecidos? 

e) - Que apoios logísticos recebeu Portugal do exterior? 

f) - Como é que os serviços de apoio logístico se adaptaram às exigências operacionais e que implementações foram feitas? 



Eis uma parte do resumo elaborado pelo autor.

Neste sugestivo trabalho de investigação encontramos algumas análises de dimensão histórica e política que ajudam a situar a problemática identificada por Louro de Sousa, em 1963.

Obrigado pela vossa atenção.
Com um forte abraço de amizade e muita saúde.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494 do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

9 DE DEZEMBRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15470: História do BART 3873 [BAMBADINCA, SECTOR L1, 1972-1974]. Parte I (Jorge Alves Araújo)