sábado, 26 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15903: (De)caras (40): Nove noites e nove dias em fuga, do Boé ao Saltinho, a "odisseia" do José António Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, Cancolim, 1972/74 (Depoimentos de José Manuel Lopes e Luís Dias)


Guiné > Zona leste > Setor L5  (Galomaro) > Cancolim > CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (1972/74) 
> Foto 12 > Saída para o mato dos Vingadores para mais uma patrulha (2.º Pelotão, o meu grupo de combate, sempre pronto para uma patrulha; ficámos com este nome porque quase sempre nos tocava ir em busca do IN após os ataques ao aquartelamento).

Foto do álbum do Rui Batista, ex-fur mil, CCAÇ 3498 (Cancolim, 1972/74).(*)


1. Mails enviados ontem, com mais esclarecimentos e informações sobre o cativeiro e a fuga do José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold at inf, CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1972/74) (**)



(i) José Manuel de Melo Alves Lopes [, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74, natural da Régua, conterrâneo, contemporâneo e confidente do fugitivo]:


A fuga do cativeiro [, em 7 de março de 1974,] foi por ele planeada com algum pormenor. Pediu para ir fazer as suas necessidades fisiológicas. E, segundo me parece, o local de cativeiro era perto do rio [Corubal] onde também se lavavam.

Com o tempo a atenção dos vigilantes foi abrandando e os oito prisioneiros (incluindo ele e o António Batista) eram deixados mais à vontade, o que ele aproveitou.

Uma canoa que se encontrava junto à margem foi o seu meio de transporte e a noite, que se aproximava, foi sua aliada, pois retardou a perseguição e lhe deu algum tempo decisivo para se afastar do local de presídio.

Não levava nada com ele, nem armas nem alimentos. Antes de amanhecer, escondia a canoa entre a vegetação e se refugiava numa árvore que lhe oferecesse as melhores condições de camuflagem e abrigo. Por duas vezes viu e sentiu passar por baixo dele os homens [do PAIGC] que o procuravam.

A sua alimentação foi a fruta que encontrou e algo a que ele chamava camarão que apanhava nas lamas [ou tarrafo] das margens do rio. [, Recorde-se que ele era caçador, tanto na Régua como em Cancolim].

Ao nono dia, encontrou dois nativos que trabalhavam numa bolanha e, quando sentiu confiança, contactou-os e eles o levaram [, de motorizada,]  até ao Saltinho que era já muito próximo do local onde os encontrou. 


Guiné > Zona leste > Setor L5  (Galomaro) > Cancolim > CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (1972/74) > 

Foto 1 > Aquartelamento de Cancolim [vd. mapa de Cansissé], a nordeste de Galomaro

Foto do álbum do Rui Batista, ex-fur mil, CCAÇ 3498 (Cancolim, 1972/74).

Fotos (e legendas): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


(ii) Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) [, foto à esquerda, empunhando uma pistola-metralhadora, a PPSH, a famosa "costureirinha"]

Sei muito pouco sobre esse camarada, dado que o mesmo pertenceu a outra companhia do meu batalhão - a CCAÇ 3489, instalada em Cancolim. (***)

O que sei foi de ouvir contar, ou seja, que o camarada não teria um comportamento normal, que teria um pouco de louco. Sabe-se que, em determinada altura, aquando de uma patrulha levada a cabo pelo seu pelotão, terá recusado sair com eles mas, mais tarde, com o seu grupo já no exterior, resolveu pegar no seu equipamento/armamento e sair do quartel, presumidamente, para uns, ir ter com o seu grupo, para outros, para ir em direcção a zonas do PAIGC. Ao certo não se sabe. 

Quando já estávamos em Bissau, para embarcar para Lisboa, soube-se que o mesmo se evadira/fugira e se apresentara no nosso aquartelamento do Saltinho. 

Oficiais do Batalhão (ao que julgo, o 2.º Comandante, o então Major Moreira Campos) foram falar com ele, no local onde estava preso, pois teria sido dado como desertor. Alguém contou que ele disse que se encontrava preso pelo PAIGC, juntamente com o Batista, da CCAÇ 3490 (, vítima da emboscada do Quirafo - foi assim que se soube que ele, afinal, estava vivo) e que, a determinada altura, alguém do  pessoal do PAIGC lhe disse que o seu batalhão já estava em Bissau e iria embarcar para a Metrópole por ter terminado a comissão. 

Foi então que decidiu "evadir-se", pois também achava que tinha terminado a sua comissão. Terá passado alguns dias no mato e descido o rio Corubal numa piroga, vindo mais tarde a alcançar o Saltinho. 

Havia quem acreditasse que o militar, em virtude de problemas psíquicos, teria mesmo desertado para o PAIGC, havendo mesmo alguns convencidos de que ele prestara informações sobre uma tabanca, onde pernoitava um pelotão da sua companhia e, quando ali estava o seu próprio grupo, o local foi atacado, conseguindo o IN penetrar na mesma e matar 2 elementos do grupo.

A verdade do sucedido será difícil de encontrar. Se, no próximo almoço de nossa companhia, estivesse presente o então 2.º Comandante, eu procuraria falar com ele sobre este assunto, mas como o convívio vai ser na zona centro é possível que ele não esteja presente (esteve no ano passado porque foi em Braga e ele vive na Maia).

Era importante conseguir chegar à fala com alguém da própria companhia e, se possível,  que pertencesse ao seu pelotão. Há um ex-furriel da CCAÇ 3489, que julgo fazer parte da Tabanca Grande, Rui Baptista [, foto à direita], que também acompanha o Facebook,  pertencendo ao Grupo Fechado de Galomaro, destino e passagem, que talvez possa dar melhores detalhes sobre esse camarada.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5466: Álbum fotográfico de Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872

(***) Vd.poste de 19 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8926: (Ex)citações (151): O Sold Rodrigues, prisioneiro do PAIGG (de Junho de 1971 a Março de 1974), pertencia à CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, que esteve em Cancolim (1971/74) (Luís Dias)

Guiné 63/74 - P15902: (De)Caras (39): homenagem ao saudoso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016), ao infortunado António Ferreira (1950-1972) e aos demais camaradas mortos no Quirafo, em 17/4/1972: republicação do conto do Mário Migueis da Silva (pseudónimo, "Leão da Mata") "O morto-vivo" (, originalmente publicado no JN, de 28/9/1985)


A fatídica GMC,,, Ainda lá estava em 2006! (*)
Foto de Paulo e João Santiago
O Morto-Vivo





Um conto
 de Mário Migueis 
Ferreira da Silva (*)

(Esposende)

JN, 28/9/1985 








O Mário Migueis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho (1970/72), bancário reformado, cartunista, artista plástico,  com morança em Esposende, viveu de muito perto a tragédia do Quirafo; este conto que ele mandou para um concurso literário do JN, em 1985, é também uma forma de exorcisar fantasmas e de render a devida homenagem aos mortos e aos vivos da CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a que ele esteve adido. 

No conto, o Batista é o Alfredo, de seu nome próprio, com a especialidade de transmissões. O António Batista, aprisionado pelo PAIGC, na sequência da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  era sold at inf.,  e a sua identidade foi trocada um outro camaarada morto, o António Azevedo. Outro camarada que morreu foi 1º cabo trms, António Ferreira, tendo deixado uma viúva, a Cidália, e uma filha órfã, que ele nunca chegou a conhecer. Com a ajuda da nossa amiga Cátia Félix, a família Ferreira conseguiu fazer o luto, ao fim de 40 anos, num processo que, na altura,  nos emocionou a todos. (*)

Justifica-se a republicação deste conto que retrata ou reconstitui, muito  bem, o clima de tragédia que se viveu, no quartel do Saltinho,  nesse já longínquo dia 17/4/1972, uma segunda feira, quinze dias depois da Páscoa....  

Nesta semana, em que os cristãos de todo o mundo, celebram um dos mistérios da sua fé, a morte e ressurreição de Cristo, este conto  é inspirador... Trata-se além disso de uma semana em que morreram, no mesmo dia, dois camaradas nossos que foram companheiros de cativeiro durante quase dois anos... Pertenciam ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), e não  estavam distantes, um do outro; um no Saltinho, na CCAÇ 3490; outro em Cancolim, na CCAÇ 3489. Estamos a referirmo-nos, respetivamente,  ao António da Silva Batista (1950-2016) e ao José António Almeida Rodrigues (1950-2016). O facto de terem morrido no dia,  ambos com 66 anos, não deixa de ser um estranha coincidência, daquelas que estatísticamente são explicáveis, mas que humanamente são difíceis de compreender e de aceitar (**).



"António Ferreira" > Homenagem do nosso camarada Mário Migueis 

ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira,
 morto durante a emboscado do Quirafo  > 
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). 
Todos os direitos reservadosnda


Nunca é de mais recordar os nossos camaradas da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho, mortos no Quirafo, naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972:

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima / Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira / Maia [Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista, que foi dado como morto,. e que também era de Moreira, Maia]
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá




Oito da manhã. De uma calma e radiosa segunda-feira, convidando a um bem disposto espreguiçar. Ora escorrendo, sonolento, ora escorregando, brincalhão, em pequenas e ridentes cataratas, o rio Corubal espelhava o já abrasador sol daquele dia.

Ainda com a última bucha do pequeno-almoço na boca, os piras do segundo pelotão chegavam e iam ocupando as duas viaturas, que, roncando, aguardavam o sinal de partida. Através de umas seteiras do seu abrigo, o olhar inquieto do furriel Simões esperava alguém. E, quando o soldado Batista se aproximou, baixou-se instintivamente, procurando esconder a sua envergonhada condição de observador furtivo.

Dobrado sob o peso do grande rádio de transmissões que lhe cobria todo o magro dorso, o Batista subiu, com certo esforço para uma das viaturas. Mentalmente, recordava a cena da noite anterior no posto de rádio:

Recorte do JN, 28/9/1985
 — Um minuto ou mais é a mesma coisa! A rendição do posto tem que ser feita à hora exacta e não é admitido quaisquer desculpas. Amanhã, vais tu com o grupo do Quirafo.

O furriel Simões parecia adivinhar-lhe os pensamentos. Na verdade, tinha sido estúpido ao castigá-lo tão duramente. Era necessário disciplinar os homens, é certo... mas o Batista até nem era mau rapaz. Era educado, respeitador... Bastaria tê-lo admoestado, talvez... Mas, enfim, agora nada havia a fazer.

Às cavalitas da velha GMC da frente, o alferes lançou um rápido olhar à retaguarda e deu ordem para avançar. O condutor não se fez rogado: pisando o acelerador com alegria, logo deixou para trás o arame farpado do aquartelamento, seguido de perto pelo burrinho, que, gingando e pulando a cada cova, não queria ficar para trás.

Do lado de cá das espessas núvens de pó, o Simões magicava. Aquele aspecto guerreiro dos homens, armados da cabeça aos pés, deixava-o, desta vez, preocupado. Arrependido da decisão que tomara em relação ao Batista, começou, de repente, a recear que o destino lhe reservasse alguma partida. Aquela picada que andavam a desmatar, lá prós lados de Boé, poderia, em sua opinião, ser um bico-de-obra dos graúdos.
— E se, por azar, acontecesse alguma coisa? E se caíssem numa emboscada? E o Batista?!... E se o Batista ficasse gravemente ferido ou até morto?...

A ideia de tal peso na consciência passou a assustá-lo e não pôde deixar de continuar a preocupar-se.
— Só estarei sossegado quando todos regressarem sãos e salvos.

Tentando dominar todo aquele pessimismo de circunstância, puxou de mais um cigarro. Mas foram nervosas aquelas chupaças profundas com que, cabisbaixo, se dirigiu para a messe. Escrevia para a família, quando ouviu o primeiro rebentamento. Estremecendo, distinguiu perfeitamente, na direcção do Quirafo, o matraquear contínuo das armas automáticas e os rebentamentos que se sucederam, galopantes.

Quando deixou de os ouvir, correu para fora. Apurou o ouvido, mas nada mais escutou.
—  Tudo tão rápido! Um minuto ou dois, no máximo... Que se teria passado?!... Emboscada?... Haverá baixas? Mortos?!...

A imagem sombria e triste do Batista passou-lhe diante dos olhos. Aturdido, sacudiu a cabeça, como quem quer acordar de um sonho mau. Já os grupos de intervenção partiam em direcção a Madina, quando o Simões correu para o posto de transmissões. Depois daquele tremendo choque eléctrico, que lhe percorrera o corpo todo, atormentavam-no agora a incerteza, o medo... Não queria acreditar no que lhe estava a acontecer.

Entraram em contacto com o destacamento de Madina, mas as primeiras notícias concretas trouxe-as, porém, um nativo, vinte minutos mais tarde. Viera correndo, a corta-mato, para avisar a tropa do Saltinho.
—  Morreram muitos! Prá'i vinte! Morreu tudo queimado!...

Simões sentiu-se desfalecer. Gemeu um "Meu Deus" e quis agarrar-se a alguém para não cair. As pernas, porém, dobraram-se-lhe pelos joelhos e tombou pesadamente no chão.

Visivelmente traumatizado no espírito, mas ileso no corpo, chegaria, pouco depois, o condutor da primeira viatura, que o acaso poupara a tão trágico fim. Nervosíssimo, deambulando de um lado para o outro, parecia não sentir-se ainda em segurança. Respondia, no entanto, a cada pergunta, a cada súplica.
—  Os que iam comigo morreram todos. Além de mim, o único que saiu vivo da picada foi o Batista. Vi-o correr, todo ensanguentado, pelo mato...

Quando o Simões recobrou a consciência e soube que o Batista, afinal, não estava morto, ganhou novo alento. Mas não almoçou. Nem jantou.
—  Onde estará o rapaz?! Por que não apareceu ainda? Serão os ferimentos tão graves que o impeçam de chegar ao Saltinho ou, pelo menos, a Madina, que fica a dois passos apenas do local da emboscada?!...

Às duas da manhã, só, num canto da messe, continuava a esperar que o Batista aparecesse ou desse sinal de vida. Lá fora, aparentemente indiferentes a toda aquela tragédia, os cangalheiros trabalhavam. O Simões, esse, desesperava. Cada martelada parecia querer rebentar-lhe os tímpanos e o sistema nervoso.

JN, 18/9/1974.. O Batista visitando a sua própria campa...
Mas controlou-se. E ele, que nunca fora muito de ir à missa, começou antão a rezar todas as orações que aprendera em criança. E entre cada oração, a súplica constante:
—  Ó Minha Nossa Senhora, fazei com que ele apareça! Não permitais que eu viva com tamanho remorso o resto da minha vida!...

E prometeu ir a Fátima, a pé.

Alvoreceu. Com o apoio de helicópteros, começaram as buscas, palmo a palmo, tentando localizar o homem. O Simões que nelas participava activamente, não se cansava nem se esquecia de orar em silêncio, renovando vezes sem conta a sua promessa de ir a Fátima. Mas o pobre do Batista não havia de aparecer. Nunca mais!... Nem vivo, nem morto...

Vinte meses após tão fatídico dia, o Simões descia a escada do avião que o trazia definitivamente para a metrópole. O seu semblante, carregado e tristonho, recordava agora, com mais intensidade ainda o desventurado Batista que, por sua culpa, morrera tão brutalmente. À sua volta, a companhia inteira cantava, gritava, dançava...
- Podia estar aqui agora, rindo e cantando como os outros!... Talvez com os pais, velhinhos, a esperá-lo lá no fundo!...

Ao imaginar a ternura daquele abraço impossível, duas grossas lágrimas lhe rolaram pela face. E sentiu, de novo, aquele tremendo nó seco na garganta, que lhe comprimia a alma.

Já depois da independência, quando, um dia, lhe perguntaram, lá no escritório onde trabalhava, se já tinha lido a história do "gajo que tinha sido dado como morto na Guiné e que acabava de regressar", arrepiou-se todo.
Inquieto, cheio de pressentimentos, não esperou pelo intervalo do almoço. Desculpou-se e correu a comprar o jornal:

"MORTO-VIVO DEPÔS FLORES NA SUA CAMPA",

Ainda na primeira página, a fotografia de um moço de bigodito. Curvado sobre uma campa. E na campa, uma lápide onde podia ler-se distintamente:

"À MEMÓRIA DE ALFREDO COSTA BATISTA.
FALECEU EM COMBATE NA PROVÍNCIA DA GUINÉ EM 17/4/72"

Dias depois, o Simões enfiou o seu velho camuflado da tropa e, terço na mão, soriso nos lábios, começou a caminhar em direcção a Fátima.

Fim

LEÃO DA MATA (***)

_______________


12 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo 

18 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4207: In Memoriam (20): Para o António Ferreira e demais camaradas mortos no Quirafo (Juvenal Amado)

sexta-feira, 25 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15901: (De)caras (38): Homenagem ao José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1972/74)... Nove noites e nove dias, em fuga, escondendo-se de dia no mato, por vezes vendo e sentindo as tropas IN que o procuravam e, de noite, descendo o rio Corubal até encontrar o nosso quartel do Saltinho... Desertor ? Louco ? Herói ? Proponho a sua integração, a título póstumo, na nossa Tabanca Grande (José Manuel Lopes, Régua)

1. Duas mensagens, com data de ontem, do José Manuel de Melo Alves Lopes, o Zé Manel da Régua, o nosso poeta Josema, vitivinicultor, duriense [, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74, foto à esquerda]

Régua, 24 de Março de 2016

(i) O José António [Almeida Rodrigues, 1950-2016] era, para a maioria, mais um louco que veio da Guiné. Um apanhado pelo clima, um problemático que se devia evitar.

Para mim e muitos dos nossos camaradas, que conheceram de perto as situações que viveu, nos tempos de guerra, e que mais tarde soubemos do seu sofrimento nas prisões de Conacri e do Boé, da épica fuga deste último local, numa canoa, rio Corubal abaixo!... 

Nove noites e nove dias, escondendo-se de dia no mato, por vezes vendo e sentindo as tropas IN que o procuravam e, de noite, descendo o rio até encontrar dois nativos que cultivavam numa bolanha perto do Saltinho e o levaram até ao quartel.

Sim, para nós, ex-combatentes, o Zé António também foi um herói, não reconhecido como tantos outros.
Quero nesta pequena homenagem que lhe fazemos, salientar o apoio da Tabanca de Matosinhos, o carinho e amizade que lhe dedicaram nos poucos convívios das Quartas-Feiras,  em Matosinhos, em que esteve presente.

Também um muito obrigado à Dona Jovelinda, da casa de acolhimento que o acolheu nestes últimos 8 anos, pela forma como o tratou e cuidou.

José António, descrever os momentos difíceis que viveste, as aventuras e agruras da tua vida não é fácil nem de contar nem de entender. Resta-nos procurar lembrar ao mundo as tuas memórias e honrá-las.

Sabes, José António? Ontem de madrugada, tal como tu, morreu também o António Batista, teu companheiro de prisão em Conacri e no Boé.

Até um dia,
José António


José António Almeida Rodrigues
 (1950-2016) 
(ii) Conheço a sua versão dos acontecimentos, pois quando da recolha de dados para procedermos a um pedido de um subsídio de prisioneiro de guerra, o mesmo foi recusado pois ele foi considerado desertor.

Estranhei o facto, pois ele foi tratado pelo PAIGC da mesma maneira que os outros prisioneiros, enquanto que, no caso dos desertores, o tratamento era diferente, eles conseguiam ser colocados em países que os escolhessem e que lhes davam asilo político.

Falei com ele e a sua versão foi de que, sendo ele um apaixonado pela caça (e já o era cá no Douro), saía com frequência para fora do aldeamento [, e aquartelamento de Cancolim,] para ir à caça. Da ultima vez que o fez, o seu grupo de combate tinha saído para uma missão. Quando regressou a Cancolim, foi duramente repreendido pelo capitão. Em resposta disse que, se eles tinham saído, ele também era homem para os encontrar!... E foi ao encontro do grupo, mas deparou primeiro com um bigrupo do PAIGC... Pensavam  ser os seus camaradas, só dando pela realidade quando estava no meio deles.

Perante tal situação, a justificação para um acto tão irreflectido era a versão da deserção. Tentei confirmar a esta sua versão com um elemento da sua companhia [, a CCAÇ 3489,] que me disse apenas muito vagamente que ele era um tanto louco, mas também que não podia afirmar que ele tinha desertado.

Por tudo aquilo que ele passou, pelas conversas e recordações que partilhamos, gostaria de propor que ele fizesse parte da lista  mortos da nossa Tabanca Grande.

José Manuel Lopes
  

2. Comentário do editor:

Há aqui uma proposta do Zé Manel Lopes, da Régua, o nosso poeta de Mampatá, que ajudou também o Zé António a sair da miséria em que se encontrava... A proposta é simples: admitir o Zé António como grã-tabanqueiro n.º 713, indo diretamente para o "talhão" onde estão os nossos mortos, na grande maioria combatentes, alguns dos quais entraram diretamente por este processo, ou seja, "post mortem", como se diz, ou seja, a título póstumo.

O Zé António partilhou, em vida,  a sua história connosco através do Zé Manel... Parece que os burocratas do exército o consideravam (ou chegaram a considerar) como "desertor", e não como "prisioneiro de guerra". Enfim, não temos acesso ao seu processo individual, e admitimos que a questão seja técnica e juridicamente complexa... De resto, quem é que se interessa hoje pela "honra e glória" de um pobre Zé Soldado que fez uma guerra já esquecida ?!...

A pergunta é: foi um desertor, foi um louco, foi um herói, ou foi um simples combatente como todos nós? Merece ser nosso grã-tabanqueiro? A sua odisseia, a sua história, a alguns de nós,  tocam-nos. O que é que os nossos amigos, colaboradores permanentes do blogue, "guardiões do templo", pensam sobre este caso? E os demais camaradas e amigos da Guiné? Todos têm uma palavra a dizer...

Aguardamos as vossas respostas.
Boa Páscoa, melhores amêndoas (doces).
Os editores.
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Era sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 192/74)... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

(**) Último poste da série > 21 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15880: (De)caras (36): Os bravos da Magnífica Tabanca da Linha: relatório de mais uma operação, a 24.ª (Texto de José Manuel Matos Dinis / fotos de Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P15900: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (36): quantos quilómetros terá feito, em 9 dias, o valente soldado José António Almeida Rodrigues, na sua fuga, desde o local onde era mantido em cativeiro, na região do Boé, até ao seu porto de salvação, no Saltinho ?


Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/ 500 mil > Pormenor: o percurso do Rio Corubal, assinalado a amarelo, desde a fronteira, na região do Gabu até ao Saltinho...  Ninguém nos sabe dizer ao certo qual o comprimento do maior rio da Guiné, desde a nascente, no Futa Djalon, na Guiné Conacri até à foz, no estuário do Geba, a seguir ao Xime... Já lemos 560 km, já lemos 450 km... A olhómetro, dois terços do seu sinuoso percurso devem ser na Guiné-Bissau... Do Saltinho até à fronteira devem ser uns 220/250 km... No mapa estão sinalizados aquartelamentos e destacamentos, alguns entretanto desativados no tempo de Spínola (Beli, Madina do Boé, Cheche, Xadina Xaquili, Quirafo...)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Uma das mais belas "piscinas naturais" do mundo... Foto do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Arlindo Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Na Guiné, que era(é) do tamanho do Alentejo, as distâncias não se mediam em quilómetros, mas em horas e dias... E se era penoso, andar de dia com temperaturas tórridas e 100% de humidade no ar!... 

Pelas cartas, em linha reta, parece tudo uma maravilha: de Bambadinca até ao Xitole, por estrada, deviam ser uns 45 km, mais 25/30, até ao Saltinho, faziam 70/75... Madina do Boé parecia estar a 65/75 km de Madina do Boé... Até Canjadude, seriam uns 25/30 km, e daqui até ao Rio Corubal (, que era atravessado de jangada, na margem esquerda ficava Cheche) eram mais uns 15/20... Daqui até Madina, era um "saltinho"... Mais uns 20/25 km... O que é isso, hoje, para quem está habituado a andar em autoestrada, de cu tremido ?

Digam-nos lá quantos quilómetros terá feito, a pé, em fuga, ao longo de uma das margens do rio Corubal (presume-se que a margem esquerda), do sítio, algures na região do Boé, onde vivia em cativeiro, até ao seu porto de salvação, o Saltinho, o nosso valente soldado José António Almeida Rodrigues (1950-2016) ?(*)

Na hipótese de no máximo fazer 10 km por dia, de madrugada e ao fim da tarde, o tal campo de prisioneiros não andaria muito da antiga Madina do Boé...  Não sabemos grandes pormenores da odisseia do nosso Rodrigues, a não ser que a fuga se dá na época seca, em março de 1974... Pode-se perguntar:
(i) em que altura do dia caminhava;
(ii) foi a corta-mato (o que nos parece improvável, não devendo ter nenhuma catana consigo para abrir caminho);
(iii) quantas horas descansava;
(iv) como se alimentava,  etc. Mas, sendo natural da Régua, ele estava pelo menos familiarizado com um rio, o  rio Douro... 

Sabe-se que caminhou, pelo mato, em contacto visual com o rio... No entanto, as  margens do rio estão cheias de obstáculos, a começar pela vegetação densa, o terreno, os afluentes do Corubal, etc... É possível que tenha também seguido alguns trilhos, mais recentes ou mais velhos... Também não sabemos se os seus carcereiros foram atrás dele... Nem o seu estado de saúde, físico, psicológico e mental... Mas a jornada diária deve ter sido terrivelmente penosa...

Enfim, o que nos dizem os peritos da Tabanca Grande, e sobretudo quem andou por aquelas paragens, sabe as cartas ou foi "ranger"? Toca a fazer essas contas, com vários cenários... (**)
____________

Notas do editor:

(*) 24 de março 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

(**) Último poste sa série > 18 de março de 2016  > Guiné 63/74 - P15875: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (35): antigo quartel de Jabadá Porto, setor de Tite, ou outros antigos quarteis das NT na região de Quínara: quem quer e pode ajudar a Inês Galvão, jovem doutoranda em antropologia que vai estar até junho na Guiné-Bissau ?

Guiné 63/74 - P15899: Recortes de imprensa (79): Uma "histórica" entrevista dada, em 18/9/1974, pelo António da Silva Batista (1950-2016) ao extinto "Comércio do Porto", quando regressou ao "mundo dos vivos" (Mário Miguéis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72; vive hoje em Esposende)


Comércio do Porto















PS - O António voltou a reatar o namora com a sua "Lola" (Maria da Glória, de Santa Cruz do Bispo, Matosinho), casaram e tiveram duas filhas. Vd. aqui texto do José Teixeira (*)

Recorte de imprensa (**), com a entrevista "histórica" que o nosso camarada António da Silva Batista (1950-2016) deu ao extinto "Comércio do Porto" aquando do seu regresso a casa, ou seja, ao "mundo 
dos vivos"... O seu caso, insólito, também foi tratado pelo "Jornal de Notícias" (JN), do Porto.  Foi este jornal que publicou, na sua edição de 18 de setembro de 1974, a foto mostrando o soldado António da Silva Batista a visitar a sua própria campa, depois do regresso do cativeiro... O título da notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide podia ler-se: "À memória de António da Silva Batista. Faleceu em combate na província da Guiné em 17-4-1972". (***)

Foi o Mário Migueis da Silva (ex-fur mil rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho, 1970/72) quem em 22/4/2009,  nos mandou este recorte de imprensa, com a reportagem feita pelo "Comércio do Porto". 


JN, 28/971985


O Mário Migueis da Silva, que estava no Saltinho e assistiu  de perto à tragédia do Quirafo, escreveu também um conto,  baseado neste acontecimento. Foi publicado no JN do dia 28 de setembro de 1985. Mais tarde, foi republicado no nosso blogue,  com a devida autorização da direção daquele jornal. Pode ser relido aqui (****).  

Foi a sua forma de homenagear este nosso querido camarada, o António da Silva Batista,  que acaba de  nos deixar para sempre, ficando todavia connosco a sua memória, a sua humildade, o seu sorriso tímido, a sua camaradagem,  e a sua passagem também pelas nossas vidas e pelas nossas tabancas.


Tabanca de Matosinhos > 2009 > O Batista e o Mário Migueis que, juntamente com o Paulo Santiago, muito contribuíram para o deslindar da verdade dos factos relativamente à trágica emboscada do Quirafo, um topónimo de trágica memória...

Em 17 de julho de 2007 ainda andávamos todos à procura do Batista: o Paulo Santiago, o Álvaro Basto, o J. Casimiro Carvalho... O Batista seria depois, logo a seguir, localizado pelo Álvaro Basto, através da lista telefónica... Encontraram-se na Maia, em 21/7/2007, eles os dois, mais o Paulo Santiago e o João Santiago... O Batista, que trabalhou no aeroporto de Pedras Rubras, estava reformado, e era membro da nossa Tabanca Grande.

Foto: © Álvaro Basto (2009). Todos os direitos reservados.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  24 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)

(**) Último poste da série > 4 de janeiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15578: Recortes de imprensa (78): Vicente Batalha, de alf mil cav, CCAV 1483 (CTIG, 1965/67) a cap mil, cmdt do Departamento de Fotografia e Cinema 3011 (Angola, 1972/74)

(***) Vd. poste de 23 de março de  2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

Guiné 63/74 - P15898: Parabéns a você (1053): Rui Silva, ex-Sarg Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

____________

Nota do editor

Último poste da série > 24 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15895: Parabéns a você (1051): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 24 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15897: In Memoriam (249): "No Dia da Minha Morte"... A história de amor que o António da Silva Batista (1950-2016) gostaria que eu vos contasse no dia da sua morte... (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos)






Recorte de jornal: O Comércio do Porto, 18 de setembro de 1974. Gentileza do Mário Miguéis (que nos mandou, em 22/4/2009,  o recorte completo com a reportagem). Este prestigiado jornal diário do Porto deixou de se publicar. Na foto acima, o "morto-vivo" António da Silva Batitsa (1950-2016), na sua terra, Maia,  prestando declarações ao repórter.  O texto da reportagem é de Helena Policarpo, e as fotos de Amadeu Botelho. A nossa gratidão a todos. Este também é um pedacinho da nossa história.


1. Mensagem do José Teixeira, um dos régulo da Tabanca de Matosinhos que tanto acarinhou o António da Silva Batista, no dia da sua morte "verdadeira (já que ele "morreu duas vezes"):

Texto com memórias que recolhi ontem, no velório do corpo do nosso infortunado camarada Batista, com valor histórico e afetivo, não lhe dei título e não sei se deva ser publicado, dado o seu conteúdo, mas vocês, editores, se entenderem que pode ser,  tudo bem!... Acho que o Batista iria gostar de "relembrar" esta história ou gostaria de a ouvir no dia da sua morte, contada por um amigo e camarada da Guiné... É uma bela história de amor que merece ser partilhada com os demais amigos e camaradas da Guiné, onde o Batista morreu uma vez e nasceu outra vez para a vida. (JT):

 - Sou eu! Não se assuste! Sou eu mesmo!
António da Silva Batista, sold at inf,
foto da caderneta militar

Foi assim que o António Batista se dirigiu à Camilinha, uma amiga da namorada que ele tinha deixado na Metrópole, mais propriamente em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, quando embarcou para a Guiné.
- Ó rapaz, não podes ser tu! Eu fui ao teu funeral! - respondeu-lhe a Camilinha, com o coração aos saltos.
- Sou eu mesmo e quero pedir-lhe um favor...
...

- Ele teve um “funeral” como nunca houvera em Crestins, Maia, ai se teve! - disse-me a Camilinha.

Toda a freguesia saiu para o acompanhar ao Cemitério de Moreira da Maia e fizeram-lhe uma campa bem linda. A mãe, coitadinha, não falhou nem um dia na sua visita à campa do filho, até ao dia em que ele lhe apareceu em casa.
- Era uma dor, ver a pobre mulher, magrinha, ela foi sempre muito magrinha, descalça, a fazer aquele caminho e olhe que ainda é longe! - disse um velhinho, que estava ao lado, velho amigo da família do António Batista.
- Pois ele chegou ao pé e a mim assim de surpresa e disse-me:
- "Camilinha! Vim falar consigo, porque sei que você é muito amiga da Lola e eu sei que ela gosta muito de si. Queria pedir-lhe para ir lá dentro e peça-lhe para ela vir consigo cá fora, mas não diga que sou eu que estou aqui".
Ele já devia saber que a Lola lhe guardou respeito enquanto ele esteve na Guiné, foi ao dito funeral quando foi dado como morto e entregaram o corpo à família, em julho de 1972. Depois de fazer o luto que ele lhe mereceu, partiu para outra. À data do seu regresso, em setembro de 1974, a Lola namorava para outro rapaz e estava em vias de casamento.

E continuou a Camilinha:
- Como ele me pediu, fui junto da Lola que estava sentada fora da porta ao sol, descalça, a conversar com umas amigas - era uma tarde de Setembro e estava um lindo dia de sol - e disse à Lola:
- "Anda comigo que está ali uma pessoa que quer falar contigo".
Ela calçou os chinelos e seguiu-me. Quando encarou com ele, ficou muda a olhar, a olhar,  e passados uns segundos correram um para o outro e ficaram ali abraçados. Foi lindo vê-los abraçados, se foi!

E prosseguindo:
- Foi um dia muito lindo, sabe! Ela tinha outro namorado, mas desfez o namoro e voltou para o “morto vivo”. É por este nome que toda a gente o conhece.... Ó Lola, como se chamava o teu marido?...  É que eu nunca sabia o nome dele - rematou a Camilinha -, sempre o conheci pelo “morto vivo”!...
- Chama-se António! António Batista!" - respondeu a Lola, ao meu lado.

A filha do António Batista ouvia em silêncio. As lágrimas teimavam em deslizar pela face, neste dia em que o António Batista faleceu de verdade, depois de um ano de intenso sofrimento.

José Teixeira
______________

Nota do editor:

Vd. os dois poste anteriores desta série >

24 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.

23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Era sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 192/74)... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.


José António Almeida Rodrigues (1950-2016): aqui, no almoço semanal da Tabanca de Matosinhos, em 12/10/2011, cortesia do blogue Coisas da Guiné, do A. Marques Lopes. Era natural do Peso da Régua, e teve no Zé Manuel Lopes, entre outros, um ombro amigo e uma mão solidária.  Companheiro de cativeiro do António da Silva Batista (1950-2016), morreu no mesmo dia, em Vila Real.


1. Mais um triste  (e estranha!) notícia: soubemos pelo Zé Teixeira e pelo Zé Manel Lopes (Josema), que morreu também, ontem, de manhã (?), o José António Almeida Rodrigues, natural da Régua... (Vd. também notícia  na página do Facebook do Zé Manel Lopes)

Estava há 3 meses hospitalizado, em Vila Real. De vez em quando o Zé Manel ia lá visitá-lo. Viveu uma vida de miséria, até que, ultimamente, conseguiu ter uma família de acolhimento. Foi igualmente acarinhado pela Tabanca de Matosinhos, que o chegou a ajudar materialmente. A única foto que temos dele foi tirada pelo A. Marques Lopes, numa das vezes que ele foi almoçar à Tabanca de Matosinhos, levado pelo Zé Manel.

Estranha coincidência: foi companheiro de infortúnio do Batista. E morrem os dois no mesmo dia, ou com horas de diferença. Quando estavam os dois, na região do Boé, decidiu fugir. O Batista não o quis acompanhar. Meteu-se numa piroga, andou vários dias à deriva no Rio Corubal... Acabou por conseguir chegar ao Saltinho (Vd. depoimento do Batista no vídeo abaixo)... 

Sobre ele diz o Juvenal Amado:

"Pertenceu também ao meu batalhão, à CCAÇ 3489, Cancolim, 1972/74, tal como o António da Silva Batista (, este da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho). Fugiu da prisão, indo ter ao Saltinho, já o BCAÇ 3872 se preparava para regressar a casa. A vida dele foi dura que esteja em paz finalmente".


2. O Zé Manel Lopes, seu conterrâneo, já nos contou aqui a sua triste história de infortúnio mas ao mesmo tempo de coragem, através de um poste e de troca de mensagens de correio (*):

O José António Almeida Rodrigues nasceu em 1950, na Régua.

Em Junho de 1971 assentou praça no RI 13, Vila Real, sendo três meses depois colocado em Abrantes para formar batalhão. Integrado [, não na 2.ª Companhia do BCAÇ 4518, mas] na CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, partiu para a Guiné na véspera de Natal desse ano.

"A sua Companhia foi destacada para Cancolim, dela faziam parte um alferes, natural de Lamego, que me disseram ser actualmente professor, e que não consegui ainda contactar, o alferes João Pacheco Miranda, atualmente correspondente da RTP no Brasil" - acrescenta o Zé Manuel Lopes.

Seis meses depois de chegar ao TO da Guiné, o José António é feito prisioneiro pelo PAIGC. O contexto em que foi apanhado ainda estava por esclarecer, segundo mail de 4 de março de 2011, do Zé Manel Lopes. "Tive conhecimento de várias versões e era importante saber a verdade dos factos para reabrir o processo dele".

É levado para Conacri. Em 1973, após o assassinato de Amílcar Cabral [, que foi em 20 de janeiro desse ano,] é enviado para a região do Boé, no nordeste da província portuguesa da Guiné. Com ele estavam mais 7 camaradas.

"Durante quase um ano a sua casa foi em Madina do Boé", diz o Zé Manel (Para sermos mais rigorosos, provavelmente, na região ou imediações, perto do Rio Corubal, já que o PAIGC nunca ocupava efetivamente os quartéis abandonados pelas NT, alvos fáceis da aviação).

Em 7 de Março de 1974, "aproveitando um momento em que a vigilância abrandou", o José António tomou a direcção do rio para tentar a fuga.

E se o intentou, bem o conseguiu. "Andou 9 dias ao longo do Corubal, até encontrar dois nativos que andavam numa plantação junto ao rio. Um deles, de motorizada, levou o José António até ao Saltinho. Depois foi transportado para Aldeia Formosa, para ser levado para Bissau. Como naquele tempos difíceis a via aérea já não reunia muitas condições de segurança, devido aos Strela, foi transportado em coluna até Buba e daí, de LDG, para Bissau".

No mail de 4/3/2011, o Zé Manel Lopes confirma: "Após 9 dias de fuga pelo mato ao longo do Rio Corubal, é encontrado por dois nativos que o levam até ao Saltinho"...  (Portanto, a fuga terá sido a pé, e não de piroga, o que seria mais arriscado...).

Confessa o Zé Manel Lopes, seu contemporâneo na Guiné [, foto  à esquerda,  ex-fur mil, CART 6250, Mampatá, 1972/74, ] que, "apesar de ser meu conterrâneo, na altura não o reconheci, quando tal me foi comunicado pelo cabo do SPM de Aldeia Formosa, Camilo, também natural da Régua".

E acrescenta: "Após o regresso em agosto de 1974, procurei saber da sua situação. Levava uma vida muito complicada, pois se tornou pouco sociável (como muitos de nós). Não teve uma retaguarda, ou seja, um suporte familiar que o protegesse. Os conflitos eram frequentes. Internado várias vezes, de onde fugia sempre que podia (tornou-se um hábito)"... Seria mais tarde colocado numa casa de acolhimento onde viveu os últimos anos da sua vida e onde era bem tratado...

Este antigo prisioneiro de guerra (, situação que o exército nunca lhe terá reconhecido,)  sobrevivia com uma pensão de incapacidade de apenas 246 €, o que de facto era insuficiente para o seu sustento, concluía o Zé Manel que aproveitava, na ocasião, para "agradecer publicamente à família que o recolheu, especialmente à D. Juvelinda, que com tanto carinho o tratava".

A revolta do nosso amigo e camarada Zé Manel vai mais longe: por incrível que pareça, até do miserável suplemento especial de pensão que anualmente era atribuído a antigos combatentes (150 € / ano), o José António apenas recebia 75 €, pois, como fora capturado com apenas 7 meses de Guiné, o tempo que passou, quase 3 anos, como prisioneiro, não lhe foi considerado!!!

Quem eram os seus companheiros de cativeiro ? Aqui vai a lista, segundo o Zé Manel:

(i) o nosso morto-vivo António da Silva Batista, da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;

(iv) António Teixeira, da Lixa;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, da Vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

 Acrescentava o Zé Manel Lopes no seu mail de 4/3/2011:

(...) Viveu até há muito pouco tempo em condições absolutamente miseráveis e numa situação psicológica deplorável. Contudo graças aos esforços do Magalhães,  um ex furriel que também esteve na Guiné e vivia perto da local onde ele habitava e que conseguiu sensibilizar a drª. Maria José Lacerda, vereadora da Câmara Municipal da Régua", através dos Serviços de Assistência Social conseguiu-se um lar de acolhimento para o José António.

(...) "Atualmente a qualidade de vida de José António é muitíssimo melhor. Já fui visitá-lo e de uma das vezes foi comigo o seu companheiro de prisão, o Batista, o nosso 'morto-vivo' da Tabanca de Matosinhos. Como foi bonito!"...

(...) "Contudo é preciso saber se é possível melhorar a reforma de José António, ou se tem direito a algo mais como ex-prisioneiro de guerra, pois com apenas 243,32 € por mês, só por muito boa vontade e graças ao elevado espírito de humanismo e solidário da senhora que tem o lar de acolhimento,  ele lá pode continuar. E quero aqui agradecer publicamente a essa senhora que tão bem tem tratado o nosso camarada e tanto tem contribuído para a sua recuperação. E, acreditem, pela primeira vez o vi feliz, bem tratado, a conversar, a sorrir e com sentido de humor, o que me deixou feliz também a mim.

(...) Também gostaria de organizar um encontro na Régua com os oito camaradas que foram prisioneiros na região do Boé. Deixo os meus contactos" (...)


3. Comentário do editor:

Como diriam os romanos, RIP - Requiescat in Pace, Zé António!... Que a terra da tua pátria te seja leve, pobre camarada, valente soldado!... (**)



III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74). Aqui se relata também a fuga do  José António, em março de 1974.

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
______________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 18 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8920: Banco do Afecto contra a Solidão (15): O caso do José António Almeida Rodrigues, ex-prisioneiro de guerra (entre Junho de de 1971 e Março de 1974): uma história de coragem e de abandono (José Manuel Lopes)

(**) Último poste da série > 23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

Guiné 63/74 - P15895: Parabéns a você (1052): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15885: Parabéns a você (1050): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

quarta-feira, 23 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos


Cópia da 2.ª via da caderneta militar do António da Silva Baptista (1950-2016)

Segunda via da caderneta militar do nosso camarigo António da Silva Baptista, emitida a 4 de Junho de 1987 (!), treze anos depois do seu regresso a casa, vindo do cativeiro...

Nascido a 15 de março de 1950, na freguesia da Moreira, concelho da Maia, foi incorporado no RI 13 a 26 de Julho de 1971, tendo passado à disponibilidade em 25 de Novembro de 1974...

O Baptista fez parte do lote de 7 prisioneiros portugueses (, pós-operação Mar Verde, de 22/11/1970), entregues pelo PAIGC às NT em 14 de Setembro de 1974, em Aldeia Formosa. Era sold at inf, pertenceu à  CCAÇ 3490 (Saltinho) do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74).

Imagem reproduzida, com a devida vénia, do blogue do nosso camarada Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné)...


António da Silva Batista, em 21/7/2007.
Foto de João Santiago (2007)
1. A notícia chegou-nos hoje de manhã pelo Zé Teixeira. O António  da Silva Baptista, o nosso querido "morto-vivo do Quirafo", acaba de nos deixar...  Desta vez, a notícia, infelizmente, é verdadeira!... É a sua segunda e derradeira morte! (*)

Vivia ultimamente com a filha, que tinha um café em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, e estava doente.  Já há muito que não aparecia na Tabanca de Matosinhos, às quartas-feiras. Sofria de cancro dos pulmões, facto que nunca partilhou com os amigos. Nos últimos dias a situação agravou-se até ao momento... Tem outra filha que vive na Alemanha.

O corpo está em câmara ardente na capela de Santa Cruz do Bispo.  O funeral é amanhã,  5.ª feira, às 15h45, na igreja matriz de Santa Cruz do Bispo, seguindo depois para o crematório de Matosinhos... Estes dados foram-nos dados e confirmados pelo Zé Teixeira e o Álvaro Basto (que sempre o acarinharam nestes últimos anos da sua vida; foram, de resto, o Álvaro Basto e o Paulo Santiago quem o trouxeram até à Tabanca Grande, em julho de 2007).

Ainda há uma semana, a 15 do corrente, a malta lhe tinha mandado os parabéns pelo seu aniversário, os seus 66 anos!... O nosso camarada e editor Luís Graça escreveu-lhe, com o seu sentido humor de caserna, o seguinte:

"Grande Silva!... Passaste, pelas minhas contas, dois aniversários natalícios, nas 'regiões libertadas' do PAIGC, em 1973 e 1974... Certo? Foste dado como morto pelas NT e 'enterraram-te vivo'...  Ao fim de dois anos e meio, 'ressuscitaste'... Não haverá muitas histórias como a tua, no decorrer da nossa guerra em África... O que mais te desejo é que gozes, o mais que puderes, este teu dia de aniversário... E que a saúde não te vá faltando. 
Um alfabravo fraterno, 
Luís Graça".

Uma quinzena de camaradas, só no blogue, tirando a nossa página do Facebook, tinham-lhe desejado votos de saúde, que era o que ele mais precisava.


Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa, depois do regresso do cativeiro. O título da notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "À memória de António da Silva Batista. Faleceu em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492 (Xitole, 1971/734), mora em Leça do Balio, Matosinhos.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.


2. Recorde-se que o  António da Silva Batista, ex-sold at inf da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, foi dado como morto na terrível emboscada do dia 17 de abril de 1972, em Quirafo, junto ao Corubal... Viria a ser libertado pelo PAIGC em setembro de 1974. A sua história  teve alguma triste notoriedade, até mediática, pelo insólito.  A RTP, por ex., no seu programa "Memórias da Revolução", chamou-lhe o "soldado morto-vivo", e associou-o às efemérides de setembro de 1974:

(...) O soldado António Silva Baptista, combatente na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial, no seguimento de um ataque do Partido Africano para a Independência da Guiné Bissau (PAIGC) a tropas portuguesas, foi dado morto pelas autoridades portuguesas, tendo a sua família realizado um funeral em sua memória. Em boa verdade, António Silva Baptista foi prisioneiro do PAIGC, tendo sido libertado em setembro de 1974. Esta história, devido à sua natureza caricata, alcançou bastante notoriedade em Portugal. (...)

Temos mais de quatro de dezenas referências (*) ao nosso camarada que agora nos deixa de vez.

O nosso pobre camarada morreu, de facto, duas vezes, tendo sido "vítima de um processo kafkiano", no dizer do nosso editor Luís Graça: primeiro, morreu, não fisicamente, mas militar e socialmente; depois, roubaram-lhe a memória, roubaram-lhe os dias e as noites que passou no cativeiro!

O seu nome passa hoje a figurar na lista (já longa, 43!) dos camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros e grã-tabanqueiras, que "da lei da morte se foram libertando". (Vd. lista alfabética da Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo!)...

À família, à viúva, às duas  filhas e demais família, apresentamos as  sentidas condolências da Tabanca Grande,  bem como aos camaradas da sua companhia e aos amigos que com ele mais de perto conviveram, nomeadamente os da Tabanca de Matosinhos.  (**)


Maia > 21 de Julho de 2007 > O encontro com o António da Silva Batista (ao centro); à esquerda, o Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Foto: © João Santiago (2007). Todos os direitos reservados.


Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  17 de abril de 2009 > Ao centro, a Cidália Ferreira, viúva de António Ferreira,  e, à sua direita, o António da Silva Baptista, também natural da Maia (e que já tinha tido,  até setembro 1974, jazigo com o seu nome e data de falecimento)...  Estiveram presentes nesta cerimónia outros camaradas nossos como o Zé Teixeira e o António Pimentel (à esquerda, na foto)  e o Paulo Santiago, que veio acompanho da sua filha, Maria Luís Santiago (, que foi quem tirou a foto). À direita na foto vê-se, de perfil, a filha do António Ferreira e da Cidália, mais a nossa amiga Cátia Félix, que está entre ela e o Paulo. Por detrás do Paulo, e segundo informação do José Teixeira, está o Sulimane Baldé, régulo de Contabane, que vive no Saltinho, e à data dos acontecimentos pertencia ao Pelotão do Santiago (,o Pel Caç Nat 53). Há ainda mais dois camaradas nossos: o António Barbosa, de barbas, de Gondomar; e o Santos Oliveira, de boina e óculos escuros.

Foto: © Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados [Legenda: LG, Paulo Santiago e José Teixeira]



 III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74)

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. aqui alguns dos postes publicados com referência ao António da Silva Batista:

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


(...) Caído numa emboscada com o seu grupo de combate, foi feito prisioneiro e levado para as prisões do PAIGC, primeiro em Conacri e depois na região do Boé; o Exército deu-o como morto, tendo alguém (que não o alf mil médico Azevedo nem o fur mil enf Basto) passado uma falsa certidão de óbito.

O Batista foi contabilizado entre o monte de cadáveres desmembrados e calcinados, que ficaram na picada do Quirafo e levados - os restos - para os balneário do Saltinho. Quem tomou essa decisão, de ânimo leve? O capitão da CCAÇ 3490, do Saltinho? O comandante do BCAÇ 3872, de Galomaro? No mínimo, há aqui descuido, incompetência, grosseira insensibilidade, desumanidade!...

O Exército (e a PIDE/DGS que deve ter interceptado as cartas que ele enviava do cativeiro para a família, através da Cruz Vermelha…) nunca mais quis saber dele… E a prova é que o mantiveram na lista dos mortos… durante muito tempo… Hoje, felizmente, já não consta, pelo menos, da lista (oficiosa) dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes...


A odisseia do Batista, no pós-25 de Abril, do Porto a caminho de Lisboa, munido de um certidão de óbito (!), gastando tempo, dinheiro e emoções para recuperar a sua identidade (como vivo!) e a sua dignidade (como português, homem, cidadão e militar!) é outro processo kafkiano!...

Amigos e camaradas: este caso, mesmo passados muitos anos, deveria incomodar-nos a todos e sobretudo indignar-nos! Como ao Paulo Santiago, que aqui escreveu: "Filhos da puta!... Roubaram-lhe, na caderneta militar, os 27 meses de cativeiro!"...

O Exército ainda deve uma reparação, mesmo que seja meramente simbólica e moral, ao nosso camarada António da Silva Batista, a quem eu proponho que aceite figurar na nossa lista de amigos e camaradas da Guiné!

É o gesto mais elementar de solidariedade que nós, todos nós, podemos ter para com ele, acarinhando-o e ajudando-a lidar melhor com uma vida passada feita de pesadelos. Espero que o Paulo e o Álvaro possam fazer-lhe chegar esta singela homenagem do nosso blogue, e que ele a aceite! (..)

Guiné 63/74 - P15893: O nosso livro de visitas (188): José Rodrigues Cardoso, alf mil, CCS/BCAV 8320/72, cmdt do Pel Rec Info (Bula, 1072/74), residente em Tabuaço


Guiné > Região de Cacheu > Bula > CCS/BCAÇ 8320/72 (Bula, 1972/74) > Casa dos geradores > O fur mil Olhero vendo os estragos causados por um míssil. O Leonel Olhero, ex-fur mil cav, e nosso grã-tabanqueiro, pertencia ao EREC 3432 (Panhard), 1971/73.

Foto: © Leonel Olhero (2012). Todos os direitos reservados [Edição: CV]

1. Mensagem do nosso leitor e camarada José Cardoso, com data de 14 de fevereiro último:

Passo a apresentar-me:

Chamo-me José Rodrigues Cardoso, fui Alferes Miliciano da CCS do BCav 8320 no período de 72/74, em Bula, para onde fui em rendição individual em setembro de 1972, na qualidade de Comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informações [[Pel Rec Info], onde passei a desempenhar também as funções de Adjunto do Oficial de Operações e posteriormente o de Oficial de Operações, por doença do então titular Sr Capitão Moás.

Só recentemente tomei conhecimento da existência deste blogue, por alguma indisponibilidade de tempo, o que não acontece agora por ter passado recentemente à situação de reformado.

Resido em Tabuaço, pequeno concelho da Região do Douro onde desde já me disponibilizo para receber qualquer camarada que comigo tenha estado na Guiné.

Fui informado que é costume realizar-se um almoço anual pelo que lá estarei este ano onde tenciono levar a Historia da Unidade da qual fui co-autor.
Para todos um grande abraço

José Cardoso


2. Resposta do editor Carlos Vinhal, com data de 17 do corrente:

 Caro camarada José Cardoso:

Primeiro que tudo peço que aceites as minhas desculpas por só hoje estar a comunicar contigo. Costuma-se dizer que quem toca vários instrumentos ao mesmo tempo não é perfeito em nenhum. Eu sou um caso.

Se quiseres participar no nosso XI  Encontro Nacional farás o favor de confirmar para mim. Tens aqui os pormenores.

Quanto à tua adesão à tertúlia da Tabanca Grande, onde com prazer te receberemos, para cumprir as formalidades mínimas tens de enviar uma foto actual e outra dos gloriosos(?) tempos de Guiné. Se possível tipo passe, se não, nós cá nos arranjaremos.

É costume, a título de jóia, contar uma pequena história pessoal ou colectiva, acompanhada, ou não, por uma ou várias fotos.

Já sabemos quem és, que posto e especialidade tiveste, unidade a que pertenceste, etc. Poderás no entanto acrescentar outros elementos que julgues necessários para que te possamos conhecer melhor.

Posto isto, com renovado pedido de desculpa, fico à espera das tuas próximas notícias, inclusive, a tua possível inscrição no nosso Convívio de 16 de Abril, acompanhado se assim o quiseres. (Mas não te atrases, que já temos cerca de centena e meia de inscrições, e o limite da sala são 200 lugares!).

Recebe um abraço do camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
______________

Último poste da série > 5 de fevereiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15706: O nosso livro de visitas (187): Bom Ano Novo Chinês - Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year ! (Virgílio Valente, em Macau; ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)