segunda-feira, 28 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15909: Blogues da nossa blogosfera (74): "Desaparecido em combate", entrevista com Duarte Dias Fortunato (ex-1º cabo at art, CART 3332, 1970/72), em 10/11/2012 ("Posts de Pescada", blogue dos alunos de comunicação social da Escola Superior de Educação de Coimbra)

1. O "Posts de Pescada" é um blogue que existe desde 2010, é um projecto realizado por estudantes de Comunicação Social, da Escola Superior de Educação de Coimbra.  

Foi lá que encontrámos esta entrevista com o nosso camarada Duarte Dias Fortunato, o primeiro prisioneiro de guerra português a voltar a ocupar uma cela da famigerada "Montanha", a prisão do PAIGC em Conacri, em 26/2/1971, três meses depois da Op Mar Verde (22/11/1970), na sequência da qual foram libertados todos os militares portugueses que lá estavam, na altura (26, ao todo).


Guiné > Bissau > HM (Hospital Militar) 241 > 14 de setembro de 1974 > Os sete ex-prisioneiros portugueses, libertados pelo PAIGC.  Foto do Duarte Dias Fortunato (que é o terceiro a contar da direita).  O nosso grã-tabanqueiro Batista é o primeiro da ponta, do lado direito.

Cortesia da revista da GNR, "Pela Lei e Pela Grei", edição de abril de 2000, onde vem inserido um artigo do Duarte Dias Fortunato, "Desaparecido em combate", e de que o nosso camarada Mário Beja Santos já fez uma recensão (*), reproduzindo também largos excertos. 

Na altura, em 2000, o Fortunato era sold inf da GNR, colocado no posto territorial de Quiaios, Figueira da Foz. Presumimos que já esteja reformado, e que continue a viver na Figueira da Foz. É natural de Pombal, Na Guiné era 1.º Cabo, estava em Piche, quando foi capturado em 22/2/1971,  na sequência de uma terrível emboscada, no decurso da Acção Mabecos, comandada pelo Maj Cav Mendes Paulo (**), e levado para a prisão "Montanha", em Conacri, onde deu entrada a 24/2/1971. [Sobre Mendes Paulo: oficial de operações do BCAV 2922, é autor do livro "Elefante Dundum", e faleceu em 2006; vd. recensão bibliográfica do Beja Santos (***)].

Em abril de 1972, juntou-se-lhe, ao Fortunato, o nosso saudoso António de Sousa Batista (1950-2016) e em junho o José António Almeida Rodrigues, que em 7 de março de 1974 irá conseguir evadir-se e chegar ao Saltinho. 

Depois da morte de Amílcar Cabral, os 8 prisioneiros portugueses foram transferidos para um "campo" algures no Boé Ocidental, perto da fronteira e junto à margem esquerda do rio Corubal, Depois da fuga do Rodrigues, os 7 são levados para o "outro lado" da fronteira, na província de Boké. Nas imediações do rio Kogon, relativamente perto da base do PAIGC, em Kandiafara, onde é-lhes construída um "barraca de madeira"... 

Chega finalmente a hora da libertação, sendo trocados por guerrilheiros, que eram prisioneiros das NT. Depois de 3 dias de viagem chegam a Bafatá (,segundo o depoimento do Fortunato, mas deve ter sido em Quebo/Aldeia Formosa, onde se fez a troca de prisioneiros) (****), a 14 de setembro de 1974, e dali seguem para Bissau, por avião militar. 

Gostaríamos de saber do paradeiro deste camarada e convidá-lo para integrar a nossa Tabanca Grande. Contamos com os camaradas da Figueira da Foz para o localizar e convidar... O Fortunato era 1.º cabo at art  da CART 3332 (1970/72), do 3.º pelotão.  Nesta operação também participou o nosso saudoso grã-tabanqueiro Luís Borrega (1948-2013), ex-fur mil cav MA, CCAV 2749 / BCAV 2922 (Piche, 1970/72).

[Entrevista com Duarte Dias  Fortunato]

(Reprodução com a devida vénia) (*****)

A Guerra do Ultramar vitimou muitos portugueses que nunca mais tiveram a oportunidade voltar para Portugal e estar com as suas famílias. No entanto existem vários ex-combatentes que conseguiram voltar e contar as suas histórias. Num número bastante mais reduzido ainda há portugueses que, para além de ex-combatentes, são também ex-prisioneiros de guerra. Duarte Dias Fortunato, de 62 anos, residente na Figueira da Foz, é uma dessas pessoas que conseguiu sobreviver a 43 meses de prisão na Guiné, e foi denominado o desaparecido em combate.

Posts de Pescada [PP]: - Como foi a sua reacção quando descobriu que tinha de ir para a guerra lutar por uma causa em que poucos acreditavam?

Duarte (D): - Como eu, todos fomos obrigados a ir defender as nossas colónias para África, a reação nunca pode ser boa visto que deixei a minha família para trás sem saber se algum dia os ia voltar a ver.

PP: - E quando lá chegou?

D: - Quando lá chegamos, deparamo-nos com uma situação que não estávamos a espera, os nossos números eram bastante inferiores e, pior, não conhecíamos o terreno.

PP: - Foram essas as razões para a nossa derrota?

D: - Sim,  são algumas, mas foi desde início uma guerra sem sentido, já todos os países da Europa tinham libertado as suas colónias, menos Portugal. E morreram assim pessoas a lutar por uma causa perdida.

PP: - Como foi capturado?

D: - Foi numa emboscada que nos fizeram na mata sem estarmos à espera, a maior parte conseguiu fugir, outros morreram, eu fui capturado. Naquele momento percebi que tinha perdido a minha liberdade e que me tinha tornado num simples prisioneiro à mercê do nosso inimigo.

PP: - Sentiu que a sua morte estava perto naquele momento?

D: - Sem dúvida,  pensei que os meus dias iam acabar por ali, mas de repente o comandante do grupo ordenou que não me fizessem mal, visto que eu não tinha vindo para a guerra voluntariamente mas sim obrigado, e que como eles eu era um ser humano.

PP: - Nesse momento o que pensou?

D:
- Muitas coisas me vieram a cabeça, ganhei um bocado de esperança em poder vir a ser libertado, e também perdi algum medo, mas eu vi nos olhos do resto do grupo a vontade que tinham em fazer me mal e de se vingarem, e isso bastou para me intimidar mais.

PP: - Então quando o comandante não estava por perto o que acontecia?

D: - Era constantemente agredido, vinham uns pontapés depois uns empurrões e passava o tempo todo assim.

PP: - Porquê "Desaparecido em combate"?

D: - Ninguém sabia o que me tinha acontecido, se tinha sido preso, se tinha fugido ou se tinha sido morto.

PP: - O que lhe custou mais nos 43 meses de prisão?

D: - Foi uma tortura a nível físico e mental, era espancado para lhes dizer onde era a nossa base, só comia arroz cozido sem sal, a solidão era muita, mas sem dúvida o que me custou mais foi a distância da minha família.

PP: - Que noticias tinham eles?

D: - A eles já tinha sido comunicado o meu desaparecimento, e com o passar dos anos acabaram por fazer o meu funeral sem qualquer esperança do meu regresso, ou de sequer estar vivo.

PP: - E você tinha essa esperança?

D:
- Bem, eu sonhava em um dia poder voltar para casa, para a minha mulher e para uma filha que tinha nascido pouco antes de partir para a Guiné, mas a esperança era pouca, a situação era bastante difícil.

PP: - Como foi quando soube que ia ser libertado?

D: - Certo dia apareceram uns guardas com uns rádios e diziam para nós "Tuga, tuga, Marcelo caiu", referiam-se ao 25 de Abril em Portugal.

PP: - Qual foi a sua reacção?

D:
- A alegria era imensa, só pensava na minha família, que os ia voltar a ver, que consegui superar 43 meses de prisão em condições miseráveis.

PP: - O que aconteceu depois?

D: - Fomos trocados por outros prisioneiros, tratados com cuidados médicos e levados para Portugal de avião.

PP: - Como foi quando chegou?

D:
- Quando cheguei, fui directamente a casa da minha irmã que tinha em Lisboa, ao baterem à porta dizendo que o seu irmão estava lá, ela gritou da janela que isso era impossível visto que tinha desaparecido na Guiné.

PP: - E quando ela reparou que era verdade?

D:
- Desmaiou, quem abriu a porta foi a minha sobrinha. Reparei que estavam de luto pela minha morte. Mas depois acabei por passar uns dias no hospital de Lisboa,  visto que me encontrava bastante fraco, tanto física como psicologicamente

PP: - O que pretende fazer com esta história?

D:
- Muito mais havia para contar, pois cada dia que lá passei foi de fome, sofrimento, morte e vida por um fio nos longos 3 anos e 202 dias que passei preso por uma causa injusta. No entanto,  já tenho uma espécie de livro que conta mais detalhadamente a minha história.
________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


26 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)

(**) Vd.  blogue A Guerra Nunca Acaba Para Quem se Bateu em Combate > 22 de fevereiro de 2011 > Guiné - Operação Mabecos , 22 de fevereiro de 1971

ACÇÃO MABECOS

Segunda-feira, 22 de fevereiro de 1971

- Ordem de operações nº 1, de 21 Fev. 1971 - Composição das forças: 1º, 2º, 3º e 4º PEL / CART 3332. 3º e 4º PEL /  CCAV 2749 ( BCAV 2922). Duas secções de milícias 249. Uma Secção de milícias 246, com Morteiro 60, e 30 granadas. Uma Secção Morteiro 81, 30 granadas. Artilharia Pesada: 4 Obus 11,4 com 160 Granadas, 2 Obus 14, com 100, 3 Obus 14 com 120 , e duas WHITE PEL/REC 2. 

- Objectivo. Posicionar-se próximo da fronteira, Rio Campa, junto ao Corubal, e bombardear posições IN na região de Foulamory (Guiné Conacri). (...)

(...) Rumaram ao objectivo. Já próximos, os "piras" do 3º GC CART 3332 passam para a testa da Coluna. E são vislumbrados à distância negros fardados. Uma consulta rápida para saber se ali havia segurança das nossa tropa... Não havia... Há que flanquear a progressão das tropas. Em continuo e, mal entrados no mato,, o  IN tenta o assalto. Abre-se a emboscada que,  de inesperada e traiçoeira e olhos nos olhos, é sufocante e tremenda. Há que se posicionar fazendo um recuo para se entrincheirar.

(....) Metralha intensa e violenta. Explosões que surpreendem, com fumo e pó que cegam. Tentativa de avanço do IN. Os "piras" do 3º GC CART 3332 defendem, ripostando, como podem a posição. Uma White cai numa cova e fica imobilizada:  a metralhadora encrava. A segunda White fica inoperacional, sem ter dado um tiro.  Há Unimogues semidestruídos. Feridos: alguns, com gravidade. O resto da força tinha ficado fora da linha de fogo. A 1ª secção do 3º GC já havia pago a factura: 3 mortos e um capturado em virtude da execução do flanqueamento. Anoitecia. O inimigo não abrandava a intensidade do fogo. Os nossos homens ripostavam. Entretanto os homens da Artilharia Pesada desengatam as peças de obus das Berliets e de imediato fazem tiro directo, sobre as copas das árvores em direcção à posição Inimiga. E silenciam - na, com mais munições.

A noite vai ser terrivelmente dramática. O inimigo, "manhoso", vai se aproximar, silencioso, para não ser alvejado. Vai ter oportunidade de assaltar e vandalizar os corpos feridos ou, já mortos, do 1º Cabo Costa e dos soldados Mota e Araújo. Os obuses batem a zona mais próxima com tiro tenso... No terreno os combatentes em trincheiras feitas com as mãos e facas do mato  não dormem. A manhã que tarda, sabe a poeira, pólvora, e a uma sensação estranha, que só quem viveu a guerra olhos nos olhos, sente. Para todos, era a segunda vez em menos de 15 dias. E ainda havia a lamentável e, dolorosa surpresa. Ninguém sabia, a já contada aqui.... Morte dos nossos 3 heróis e o desaparecimento do 1º Cabo [Duarte Dias] Fortunato. 

Surpresos, não queriam acreditar. Na acção de recuo posicional e, porque já de noite, não fora dada a falta destes elementos. Assim, era de espanto e derrota o semblante "negro" dos nossos heróis periquitos que juravam vingança (...).

(***) Vd. postes de;

30 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14418: Notas de leitura (698): “Elefante Dundum – Missão, testemunho e reconhecimento”, por João Luíz Mendes Paulo, edição de autor, 2006 (1) (Mário Beja Santos)

(****) Vd. poste de 11 de dezembro de  2011 >  Guiné 63/74 - P9180: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte II) (Luís Gonçalves Vaz)

(...) Relativamente à troca de prisioneiros no teatro de operações da Guiné (...), gostaria ainda de adiantar, com base no Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné), autenticado pelo Chefe da 2ª Rep, o major de infantara Tito José Barroso Capela, classificado na altura como um Dossiê SECRETO, a saber:

De acordo com o previsto no Acordo de Argel, tudo se preparou (da parte dos Portugueses), para que a operação "troca dos prisioneiros" se efectuasse na data estipulada. Assim a 9 de Setembro [de 1974], seguiram de Bissau para a Aldeia Formosa os 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC), que no dia anterior tinham vindo da Ilha das Galinhas, e a comitiva das nossas tropas que os acompanhavam.

Esta era constituída por, a saber: 2ª comandante do CTIG, coronel tir CEM Santos Pinto; director do Hospital Militar, tenente-coronel médico Viegas; chefe da 2ª Rep do CTIG, major de inf Tito Capela e o comandante do COP5, capitão-tenente da marinha Patrício; major inf Hugo dos Santos; 1ª tenente da marinha Brandão, capitão de cav Sousa Pinto; capitão de cav Ramalho Ortigão e dois soldados da Polícia Militar.

Todos estes elementos foram transportados de Nord Atlas, comandado pelo capitão piloto-aviador Carvalho, que fez duas viagens entre Bissau - Formosa e que levou igualmente um representante do PAIGC, o comandante Lamine Sissé, e cerca de vinte jornalistas nacionais e estrangeiros que se propunham fazer a cobertura do acontecimento.

A permuta de prisioneiros não chegou a efectuar-se em 9 de setembro de 1974, em virtude do PAIGC não ter apresentado os prisioneiros das NT (nossas tropas), retidos em seu poder, nessa data. Como consequência, os elementos das NT e jornalistas (nacionais e estrangeiros) regressaram pelas 16h00 a Bissau,  tendo ficado em Aldeia Formosa o capitão-tenente Patrício com os 35 PG / PAIGC, que aí aguardaram até a chegada dos PG / NT.

Nesse sentido, o Encarregado do Governo da Guiné telegrafou à Direcção do PAIGC manifestando a sua estranheza pela não apresentação dos prisioneiros de guerra  [PG] por parte do Partido. Em resposta, Luís Cabral apresentaria desculpas,  esclarecendo que a demora tinha sido devida "ao mau estado das estradas", não tendo sido possível por isso transportar os prisioneiros como fora planeado...

(...) Imediatamente após a troca, foi feita a identificação (, soldados António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Siva Batista, Manuel Pereira Vidal; e 1ºs cabos Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho), tendo os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau. Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau e,  no dia seguinte, dia 15 de setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa. (...)


(*****) Último poste da série > 19 de janeiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15638: Blogues da nossa blogosfera (73): No Blogue "Portugal e o Passado", A Agonia do Império, de Fernando Valente (Magro)

domingo, 27 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15908: Manuscrito(s) (Luís Graça) (80): Páscoa... ou quando a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Boa Páscoa para os nossos aniversariantes de hoje e para toda a Tabanca Grande!


O Natal e a Páscoa são datas incontornáveis, para nós, portugueses,  pelo menos os da nossa geração. 

É raro eu falhar, na Páscoa (e no Natal), a ida ao norte. Este ano, por um conjunto de circunstâncias, não me é possível lá estar. 

Mas não quis deixar de, à distância, me associar ao espírito festivo da Páscoa nas minhas tabancas do Norte... Acabei de fazer, de improviso, umas quadras que mandei, agora mesmo, quando a festa já está no ar... Sei que vou ter cartão amarelo por falta de comparência... mas espero que o árbitro releve a minha falta. 

Como este ano, por coincidência, há também 3 aniversariantes nortenhos da nossa Tabanca Grande (o Carlos Vinhal, o Eduardo Magalhães Rodrigues e a Maria Dulcinea) e   um ribatejano (o Armando Pires), quero partilhar convosco (ou "com vós", como se diz no Norte) esses versinhos, estendendo os meus votos de boa Páscoa a toda Tabanca Grande e demais homens e mulheres de boa vontade. 

Qualquer que seja o significado que a Páscoa possa ter para cada um de nós, há nela uma mensagem de sentido universal e intemporal: a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Mesmo sabendo todos nós, que o nascer e o morrer são os atos mais intrinsecamente solitários da vida humana...  LG


Para as famílias Soares e Carneiro,
seus convidados
e compasso pascal da Madalena...

Para os aniversariantes de hoje...

Para toda a Tabanca Grande...

Para todos os homens e mulheres de boa vontade...


Olha o compasso pascal,
Visitando a freguesia,
Nesta casa, é bom sinal,
Traz-nos a fé e a alegria.

Traz-nos a fé e a alegria,
Que todos bem precisamos,
É a Santa Páscoa o dia
Em que as forças renovamos.

Em que as forças renovamos,
Como seres humanos e cristãos,
Boas festas desejamos,
Pais, filhos, amigos, irmãos.

Pais, filhos, amigos, irmãos,
Vizinhos da Madalena,
Mais os de longe que aqui estão,
E quem não veio vai ter pena.

E quem não veio vai ter pena,
De neste ano faltar,
Mas fez esta cantilena,
Para com vós partilhar.

Para com vós partilhar
As coisas boas do Norte,
E a amizade reforçar
Com um abraço bem forte.

Lisboa, domingo de Páscoa,
27 de março de 2016, 10h30
Luís Graça

______________

Guiné 63/74 - P15907: Memória dos lugares (336): Cancolim, subsetor de Galomaro (Rui Baptista, ex-fur mil, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, 1972/74) - Parte I


Foto 3 > Parada de Cancolim > Um quartel igual a tantos outros no TO da Guiné, feito pela engenharia militar.


Foto 4 > O pombal na parada de Cancolim (alguns pombos serviram de petisco; e a columbofilia também distraía)


Foto 9 > O fur Mil Jacinto e eu,  junto do famoso pombal de Cancolim


Foto 5 > Bissau > 26/12/1971 > Apresentação do Batalhão (o BCAÇ 3872) ao Com-Chefe, Gen Spínola) > Em primeiro plano o alf Mil Rosa Santos, já falecido há uns anos.


Foto 6 > Cumeré > 1/1/1972 > Passagem de ano >  À frente o alferes que nos abandonou e primeiro da última fila o capitão que também se foi.


Foto 7 > Cancolim > 23 de setembro de 1973 >  Trajando à civil, para esquecer a guerra: oficiais e sargentos: sentado: fur mil Oliveira; 1.ª fila,  da esquerda para direita: 1.º sarg Romana, fur mil Correia (Rodinhas), fur mil Silva (Russo), eu, capelão da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro), fur mil Silva, fur mil Peixoto, alf mil Andrade; em cima também da esquerda para a direita: fur mil Santos, alf mil Videira, alf mil Oliveira, fur mil Conde, fur mil Gaspar, fur mil Ferreira e fur mil Jacinto.

Fotos (e legendas): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. O Rui Batista, que mora em Póvoa de Santo Adrião, Loures, com 65 anos de idade, reformado, entrou para  a nossa Tabanca Grande em 9/12/2009. É lisboeta, sendo os pais oriundos de Arganil.

Segundo a sua apresentação, embarcou para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de dezembro de 1971 e desembarcou em Bissau, na véspera de Natal em 24 do mesmo mês. Passou o ano novo no Cumeré.

Regressou a Portugal no T/T Niassa que partiu de Bissau em 28 de março e chegou a Lisboa a 4 de abril de 1974.

Permaneceu, portanto, na Guiné 27 meses e alguns dias, sempre em Cancolim, "lá no fim do mundo"...  Há que retirar, diz ele, "o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau".

Nesse espaço de tempo, aconteceram "coisas que jamais poderei esquecer". Estas fotos (das muitas centenas que tinha e que lhe roubaram, uns tempos da sua chegada, do carro, no Portinho da Arrrábida...) falam um bocadinho dessa história:

Segundo ele, "a CCAÇ 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim, em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos: um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá; e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao nosso aquartelamento".

Nesse primeiro ataque, ele  teve "a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da secretaria, ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso".

Outro dos desaires que teve a companhia, foi "o abandono do capitão e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos, do meu pelotão" (que era o segundo, os "Vingadores").

O IN "não nos dava tréguas", e era "pouco o material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81)"... O assalto pelo IN ao destacamento e a captura de 2 homens nossos, o desaparecimento de um dos nossos soldados [, apanhado pelo IN, o José António de Almeida Rodrigues, que "para alguns de nós teria desertado"], juntamente com "as notícias de mortos no Saltinho e emboscadas no Dulombi", tudo isso contribui para que o desânimo se instalasse nas nossas tropas".

(...) "Com a substituição do Capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase 'salve-se quem puder'. Valeu-nos o reforço de um pelotão do Dulombi e a visita de alguns páras [do BCP 12,] para as coisas acalmarem em Cancolim."

 O resto é para relembrar num outro próximo poste. (**)
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Notas do editor;

(*) Vd, poste 3 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5400: Tabanca Grande (192): Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74

(**) Último posto da série > 23 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15786: Memória dos lugares (335): As "viagens" a Madina do Boé e a Béli (Abel Santos, ex-Soldado da CART 1742)

Guiné 63/74 - P15906: Parabéns a você (1054): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70); Carlos Vinhal, ex-Fur Mil art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Amiga Grã-Tabanqueira Maria Dulcínea




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Nota do editor

Último poste da série de  25 de março de  2016 >  Guiné 63/74 - P15898: Parabéns a você (1052): Rui Silva, ex-Sarg Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

sábado, 26 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15905: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (18): "Prisioneiros de guerra": Duarte Dias Fortunato, António Teixeira, em 1971 (e depois mais seis, por ordem alfabética: António da Silva Batista, Jacinto Gomes, José António Almeida Rodrigues, Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, Manuel Vidal e Virgílio Silva Vilar)


Quadro - Lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971,  na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Dados obtidos a partir de documento manuscrito, da autoria  de Amílcar Cabral.  Fonte:  Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral



1. No Arquivo Amílcar Cabral (*), não se encontra nenhuma referência ao José António de Almeida Rodrigues (1950-2016)  nem ao António da Silva Batista (1950-2016), por estranha coincidência, camaradas do mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), embora de companhias diferentes (o Batista, da CCAÇ 3490, Saltinho; o Rodrigues, da CCAÇ 3489, Cancolim). e companheiros de cativeiro (Conacri, Boé,  Boké), que vão morrer, no mesmo dia, e ambos com 66 anos, um na Régua, outro em Matosinhos..
.

 Há, no entanto,  fotos e documentos a relativos outros "prisioneiros de guerra" que estiveram com eles, na "Montanha", entre 1972 d 1974, a prisão do PAIGC em Conacri, e depois no campo do Boé: é  do caso do António Teixeira, da Lixa, Felgueiras; e do Duarte Dias Fortunato, de Pombal...

Estes nossos dois camaradas, os dois primeiros a serem apanhados e levados para Conacri, depois da Op Mar Verde (22/11/1970), constam de uma lista, manuscrita (com a letra do Amílcar Cabral!) em que se discriminam os seis prisioneiros, do PAIGC, que estão na "Montanha", em 1971 (em data posterior a agosto de 1971),  por nome, data de entrada, proveniência, acusação, data de saída e observações...

Sendo a lista do 2º semestre de 1971, ainda não poderiam constar os nomes do António da Silva Batista e do José António Almeida Rodrigues, capturados em abril e junho de 1972, respetivamente... Mas o que é interessante é o tipo de "acusação"... Há portugueses (2) e guineenses (4)... Não sabemos se, uns e outros, estavam misturados ou separados...

Sabemos que, depois do assassinato do Amílcar Cabral, em 20/1/1973, os 8 prisioneiros portugueses detidos na "Montanha" foram levados para a região do Boé Ocidental,  num "campo" junto ao Rio Corubal... donde iria fugir, de canoa, em 7/3/1974, o José António de Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 (Cancolim, 1972/74). Ao fim de nove noites e nove dias, conseguiu chegar ao Saltinho, devendo ter percorrido não mais do que 50 quilómetros,  pelo rio, segundo as nossas estimativas.

Dos guineenses da lista de prisioneiros, guerrilheiros do PAIGCum é "desertor", outro acusado é de "homicídio", um terceiro de "furto", e o último de ter "contacto com o inimigo"...

Os portugueses, ambos "prisioneiros de guerra" (sic), são o António Teixeira (entrado em 21/1/71) e o Duarte Dias Fortunato (24/2/71)... O Fortunato tem a palavra "desertor" riscada; o Amílcar Cabral escreveu por cima "prisioneiro" (a azul) e acrescentou (a lapiseira preta) "de guerra"... O mesmo se passa com o Teixeira: primeiro era simples "prisioneiro" e depois passou a ser "prisioneiro de guerra"...

As proveniências são diversas, não se percebendo bem se PAIGC disporia de diversos "campos de detenção  temporária" (ou prisões, mesmo que precárias), antes de os prisioneiros chegaram à "Montanha", em Conacri.... Ou se o termo proveniência tem a ver com o local de detenção ou aprisionamento no caso dos portugueses. Há referências a Ziguinchor (no Senegal), Norte, Madina do Boé, Boé Oriental...

O Amílcar Cabral utilizava habilmente uns e outros, os prisioneiros de guerra e os desertores, para fins de propaganda diferentes e interlocutores diferentes: Igreja Católia / Vaticano, Cruz Vermelha Internacional, "países amigos", etc....

Recorde-se aqui, mais umas vez, os nomes dos últimos prisioneiros de guerra que foram entregues, em 14 de setembro de 1974 pelo PAIGC às NT (**):

(i) o nosso "morto-vivo" António da Silva Batista (1950-2016), da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;  [ex-1º cabo at art, CART 3332, 1972/74; capturado no subsetor de Piche, em 22/2/1971, na sequência de emboscada no decurso da Acção Mabecos]; (**)

(iv) António Teixeira, da Lixa, Felgueiras;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, de vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

Como escreveu algures o Manuel Carvalho, o José António Almeida Rodrigues foi um homem de grande coragem física, ao arriscar, com sucesso, a fuga... Se ele fosse considerado "desertor", nunca teria ido parar à "Montanha" nem muito menos ao "campo do Boé"... E muito menos ainda teria necessidade de fugir aos seus captores... Noutro país, a sua história, a sua fuga, daria um filme...




Documento manuscrito, pelo punho de Amílcar Cabral, com a lista dos prisioneiros que se encontravam, nos últimos meses de 1971 na prisão do PAIGC em Conacri, conhecida por "Montanha". Cortesia da Casa Comum / Arquivo Amílcar Cabral


logo

Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07062.034.017
Título: Registo dos prisioneiros na "Montanha"
Assunto: Registo dos prisioneiros na "Montanha" [prisão do PAIGC em Conakry].
Data: 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral
05.Organização Militar
Justiça Militar

Citação:
(1971), "Registo dos prisioneiros na "Montanha"", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40241 (2016-3-26)



(Foto reproduzida por Beja Santos no seu poste P14454, de 10 de abril de 2015. A fonte provável é o artigo "Desaparecido em combate", de Duarte Dias Fortunato, publicado na revista da GNR, "Pela lei e pela grei", nº de abril de  2000 (*) [Na altura, o Fortunato era soldado de infantaria da GNR e prestava serviço no Posto Territorial de Quiaios, na Figueira de Foz]


... E o António da Silva Batista (1950-2016), nesta foto,  deve o primeiro da direita, de bigode e de patilhas. Falta aqui o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), que conseguiu fugir do "campo de detenção" do Boé, do PAIGC, junto à margem esquerda do Rio Corubal, na parte ocidental da região do Boé, situado algures entre Gobige, Guileje e Madina do Boé, junto à fronteira, segundo as nossas estimativas.  

O "campo de detenção", pelas descrições do Batista e do Rodrigues, só podia ser na região de Tombali, junto ao rio Corubal e à fronteira (sul) com a Guiné-Conacri (por razões de segurança e logísticas), ou seja, em zona considerada "libertada", segundo a terminologia do PAIGC, mas sujeita aos bombardeamentos da aviação portuguesa.  

Depois da fuga do Rodrigues, em 7 de março de 1974, os prisioneiros foram levados para o outro lado da fronteira, já na República da Guiné, segundo o depoimento do Duarte Dias Fortunato, em 2000. Foi aí que  receberam a notícia do 25 de abril de 1974 (**). 

_______________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de 


(...) Ao fim de dois anos, começaram a chegar mais prisioneiros [, à "Montanha", em Conacri]: uns capturados no posto de sentinela, outros que saíam do quartel para irem à caça e eram caçados. No final éramos oito. 

Um certo dia, mandaram-nos sair da prisão, fomos metidos num camião do PAIGC, ao fim de três dias chegámos a Madina de Boé [, ou à região ocidental do Boé]. Percebemos que estávamos a mudar para um prisão improvisada mas com muita segurança e ali permanecemos alguns meses. Aqui sofremos muito com a nossa aviação, que atacava frequentemente o local. Houve depois uma fuga [,em 7 de março de 1974, a do José António de Almeida Rodrigues,] e os prisioneiros foram deslocados para o lado da fronteira da Guiné Conacri. Quando chegámos a um local, junto de um grande rio, cujo nome nunca soube [, talvez rio Kogon, não longe da base de Kandiafara, província de Boké], ali acampámos. Construíram uma prisão de madeira onde ficámos instalados alguns meses.[até setembro de 1974...].


Certo dia pela manhã, apareceram alguns guardas com os rádios junto aos ouvidos e gritavam com júbilo “Tuga, tuga, Marcelo caiu. Independência, independência”. Através da rádio demos conta que em Portugal tinha havido um golpe de Estado.

No dia 11 de setembro, entregaram-nos vestuário dizendo-nos que no dia seguinte seguíamos em direção a Bafatá, a fim de sermos entregues por troca com outros prisioneiros. Ao fim de três dias chegámos a Bafatá. Embarcámos de seguida num avião militar, onde recebemos os primeiros cuidados médicos. (...) 

Guiné 63/74 - P15904: História do BART 3873 [Bambadinca, Sector l1, 1972-1974]. Parte II – Os problemas no CTIG logo em 1963 (Jorge Alves Araújo)

1. O nosso Camarada Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494, (Xime-Mansambo, 1972/1974), enviou-nos a seguinte mensagem.



Caríssimos Camaradas,

Os meus melhores cumprimentos.

Independentemente de termos chegado ao CTIG nove anos após o início do conflito armado naquele território, constatámos a existência de problemas que já tinham sido identificados em 1963 pelo Coronel Louro de Sousa, então Comandante-Chefe militar.

Ainda assim, ousámos elaborar esta pequena narrativa relacionada com esse tema, divulgando algumas memórias gravadas pela experiência feita nos diferentes itinerários percorridos durante os anos de 1972 a 1974, mescladas com outros factos entre cá e lá.

OS PROBLEMAS NO CTIG LOGO EM 1963

- Memórias de cá e de lá -

1. – INTRODUÇÃO

As rotinas da minha continuada actividade operacional, constituídas por missões/ acções de obrigatória responsabilidade diária, têm-me impedido de dizer “presente no imediato” aos apelos do BTG, como eu gostaria que acontecesse. Mas, logo que a agenda o permite, lá vou ordenando algumas letras que funcionam, também, como “prova de vida”. Assim, o caso em apreço relacionado com o tema em título, ainda que com algum atraso, levou-me a optar por uma triangulação entre memórias pessoais de cá e de lá, contributos já divulgados no nosso Blogue e trabalhos de investigação que começam a surgir, com mais frequência, sobre esta problemática.

Dito isto, espero contar com a vossa benevolência pelo facto de repetir algumas ideias expressas anteriormente nos trabalhos citados, a começar pela investigação histórica elaborada pelo nosso amigo José Matos, também ele membro da Tabanca Grande, e que aqui foi reproduzida em duas partes [P15795 e P15796], e já publicada na Revista Militar n.º 2566 de Novembro p.p., com o título “O início da Guerra na Guiné (1961-1964)”. 

O artigo da autoria de José Matos acabou por suscitar o interesse e o elogio dos que sobre ele se manifestaram, levando cada qual a produzir o seu comentário de acordo com a sua perspectiva, sinal de que o tema [digo eu] continuará em aberto. 



Porém, o principal destaque recaiu na avaliação feita pelo Coronel Fernando Louro de Sousa, na qualidade de novo Comandante-Chefe da Guiné nomeado em finais de 1962 pelo Governo de Lisboa (Oliveira Salazar), mas que só em 20 de Março de 1963 chegaria a Bissau, dois meses depois do ataque ao Aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro, considerado por todos os intervenientes [incluindo a literatura] como a data do início do conflito armado naquele território ultramarino. 


Seis meses após ter iniciado as suas funções, exclusivamente como Comandante-Chefe, apresenta em Lisboa, em 4SET1963, uma exposição da situação ao Conselho Superior Militar, enumerando um conjunto de problemas que dificultavam a resposta das NT ao esforço de contra-subversão, a saber: 

1. - Deficiente instrução das tropas e quadros;

2. - Deficiente equipamento das unidades no terreno;

3. - Falta de pessoal / insuficiência de efectivos; 

4. - Abastecimento (material, munições, víveres e água); 

5. - Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses; 

6. - Instalações inadequadas;

7. - Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole.

2. – ENTRE AS MEMÓRIAS DESSA ÉPOCA E AS MINHAS

A eclosão do conflito armado na Guiné que, mau grado, acabaria por ser o meu destino nove anos depois, na condição de combatente miliciano, tem lugar quando tinha somente doze, ou dez anos se considerar o início da insurreição armada em Angola, em 15MAR1961, realizada pela UPA [União dos Povos de Angola], desconhecendo por completo, na época, o que estava na génese de cada uma, apenas gravando o conceito “Guerra do Ultramar”, com que foi baptizado. Frequentava, então, o Liceu Camões, a segunda escola pública a ser construída em Lisboa, na Praça José Fontana, e inaugurada em 16OUT1909, sendo a primeira o Liceu Passos Manuel, em 1836, e que na sequência do «25 de Abril de 1974» passou a designar-se por Escola Secundária de Camões, mudança de nome verificada, aliás, em todos os Liceus existentes nessa época. 

Nesse período o que mais me marcou e que ainda hoje retenho daqueles ambientes carregados de emoção, muitas lágrimas e uma mancha humana acenando com lenços brancos, foram as imagens dos embarques, na Rocha Conde de Óbidos, dos diferentes contingentes de militares zarpando rumo a Luanda, Bissau ou Lourenço Marques, então mais velhos do que eu nove/dez anos.

Cais da Rocha (1963 / há mais de meio século) – Imagem (cinzenta como o ambiente) que se viria a tornar banal em Lisboa, uma vez que passou a ser repetida tantas vezes quantos os embarques dos contingentes com jovens milicianos (combatentes) realizados com destino a um dos três Teatros de Operações (Angola, Guiné ou Moçambique). E foram largas centenas. Era o momento da despedida reciproca e que para alguns foi para sempre… lamentavelmente. A partir de 1971, passou a ser utilizado, também, o transporte aéreo através da FAP, por ser mais rápido, cómodo e económico quando comparado com o marítimo (foto de autor desconhecido).

Entretanto, a avaliação provavelmente empírica de Louro de Sousa deveria ser reflexo daquele que terá sido o primeiro grande PROBLEMA que se colocou aos responsáveis políticos da época - os RECURSOS (quer os HUMANOS quer a competente LOGÍSTICA) - sempre imprescindíveis em qualquer organização, de que a MILITAR não é excepção, particularmente em contexto de guerra. E esses problemas não estavam resolvidos… nem nunca estiveram.

De referir que o conceito de logística, enquanto ramo autónomo da ciência militar, significa a arte do planeamento e da execução de movimentos e sustentação de forças. Nela se inclui um vasto conjunto de actividades complexas e interdisciplinares que vão desde a sua concepção e desenvolvimento; obtenção, recepção, armazenagem, movimentos, distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e abastecimentos e todas as actividades de apoio sanitário.


Por outro lado, as distâncias entre a Metrópole e cada um dos três TO, às quais se adicionam a inexperiência em relação ao modo como gerir, com sucesso, a natureza social e política do conflito e, ainda, à teimosia cega de não o resolver com bom senso, conduziram a uma maior exigência operacional dos efectivos aí destacados. Os recursos humanos e logísticos cresceram, por isso, ao longo dos anos, concomitante com as responsabilidades atribuídas aos jovens militares, fazendo recair sobre estes, desde o seu início, o ônus da manutenção de Portugal no continente africano em nome da Pátria, isto é, em nome da perpectuação do regime político vigente, se necessário com recurso da sua própria vida, como está plasmado na vasta bibliografia existente, quer seja nacional ou internacional.

Considerando que o conceito problema [contexto acima] faz parte, justamente, do nosso léxico do dia-a-dia [ex: tenho um problema; só temos problemas; arranjaste-me um problema; como resolver este problema; …] recupero aqui a definição do escultor e escritor italiano Bruno Munari (1907-1998) que nos diz: “todo o problema implica um certo saber do não saber, ou seja, antever, se terá ou não solução e para isso é preciso experiência” (in. Das Coisas Nascem Coisas, Lisboa. Edições 70, 1982, p. 39).

Durante a presença no CTIG (1972-1974), que decorreu entre os nove e os onze anos do conflito, reconheço a existência dos problemas caracterizados anteriormente por Louro de Sousa, por experiência feita da actividade operacional na minha Unidade Orgânica [CART 3494], ainda que admita serem de menor escala face ao esforço que naturalmente foi despendido para os minimizar ao longo do tempo uma vez que foram operacionalizadas diversas mudanças no terreno em função da reformulação das estratégias/tácticas propostas pelas sucessivas chefias militares nomeadas pelo Governo Central, mas sem grandes resultados.

Contudo, esse contacto directo com as várias realidades leva-me a ter uma percepção dualista, ou seja, NÃO e SIM, uma vez que eram distintos ou desiguais a natureza de cada um deles, bem como os contextos e locais onde se actuava, variando em função da geografia do terreno e da proximidade das linhas de fronteira, quer a norte quer a Sul, onde, nestas regiões, estavam sedeadas as principais bases do PAIGC. Esta localização facilitava-lhes a vida, e muito, pois ampliava o quadro de opções de mobilidade para realizarem as suas actividades de ataques e flagelações aos alvos seleccionados. Era também desigual a vida nas Cidades, nas sedes de Batalhão (CCS), nos Aquartelamentos e Destacamentos, e quanto mais no interior maior, levando-nos a (con)viver com o fenómeno da interioridade e com as situações adversas sem alternativas.

Outro problema, não menos importante, estava relacionado com o esforço que era necessário fazer para manter em funcionamento a rede da estrutura logística, sem a qual não teria sido possível suportar tanto tempo, por efeito dos insuficientes recursos locais e financeiros, ainda que uma parte dela estivesse a cargo de cada umas das Unidades por descentralização de competências.

Voltando ao ano de 1963, recordo que a principal actividade era a de estudante no Liceu Camões onde existiam na minha turma alguns colegas que, em função de interesses comuns, convivíamos grande parte do tempo escolar partilhando ideias e actividades (comportamento normal no processo de socialização). Um dos interesses em presença estava relacionado com a prática lúdica, vulgo futebol, à hora do almoço, com jogos no relvado central do Parque Eduardo VII ou na zona cimentada perto da Estufa-Fria, umas vezes competindo entre nós (estudantes), outras envolvendo elementos estranhos ao grupo, funcionários administrativos de empresas instaladas na zona.

De entre os vários elementos do nosso grupo, e pelas razões que seguidamente justificarei, quero recordar o nome do saudoso colega e amigo Artur José de Sousa Branco, meu companheiro de alguns anos, e que face ao seu entusiasmo pelas letras e pelo desporto, conseguiu conciliar ambas as actividades, ingressando nos escalões de formação do S.L. Benfica. Ao atingir o escalão de sénior e antes da sua incorporação obrigatória no serviço militar representou (creio) o Sport Benfica e Castelo Branco.

Quis o destino que cada um de nós, depois de nos separarmos por algum tempo, fazendo percursos distintos, acabaríamos por convergir para o mesmo itinerário ultramarino, rumando à Guiné, eu para CART 3494 (Xime/Mar’72) e ele, poucos meses mais tarde, para a CCAV 8350 (Gadamael). Em 4 de Junho de 1973, dez anos depois do início da Guerra e a um do seu epílogo, acabaria por tombar no “jogo dos operacionais” ou seja, no “jogo da superação permanente e da sobrevivência”. 

Recebi a notícia da sua morte ainda durante a “comissão” através da comunicação social da metrópole, que me era enviada pelo meu pai duas vezes por semana, na qual se faziam referências regularmente às principais ocorrências nos diferentes TO, em particular no que concerne às baixas das NT, desconhecendo, no entanto, os detalhes do sucedido com o meu/nosso camarada Sousa Branco, ex-Alf. Art., como era conhecido entre nós.

Porém, face à existência do nosso Blogue, descobri este episódio no P14325 narrado na primeira pessoa pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp, em sua memória, a quem envio um forte abraço de agradecimento, onde ele refere o seguinte: “sou (fui) um dos intervenientes desse triste e doloroso episódio na História da CCAV 8350”. Recorda que na tarde de 4JUN1973, em Gadamael, o Alf Mil Branco saiu com um reduzido grupo de combate (12 homens) para fazer um reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na antiga pista, a cerca de 1 km do arame farpado. O grupo cai de imediato numa emboscada e só não foi totalmente aniquilado graças à pronta intervenção das tropas paraquedistas (CCAÇ 122/BCP 12, acabada de chegar a Gadamael, na manhã de 3JUN, sob o comando do cap. paraquedista Terras Marques). Este acontecimento está, também, publicado em “A última missão, de José Moura Calheiros, 1.ª ed., Caminhos Romanos, Lisboa, 2010, pp. 527/528”.

Nesse mesmo ano de 1973, quando estava já contabilizada uma década do conflito armado, o problema das instalações inadequadas mantinha-se, situação gravada nas imagens abaixo [para memória futura], de que é exemplo o Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, sito na estrada Xime-Bambadinca. Este espaço fora ocupado a partir de 29MAI1969 pelo camarada Carlos Marques [ex-Fur.Mil da CART 2339], acompanhado por elementos do seu GComb, data em que a ponte aí existente [velha] foi danificada por elementos do PAIGC, história já narrada nos P12565, P12586 e P12734. Trata-se de um mero exemplo e não caso único, naturalmente, como se pode provar através do riquíssimo espólio existente no Blogue da Tabanca.

Recordo, nas fotos abaixo, esse tempo e esse espaço no cada vez mais distante ano de 1973. 


JUL’1973 - Estrada Xime-Bambadinca [Ponte do Rio Udunduma] imagem de um buraco aberto no chão, coberto de troncos de palmeira, terra e chapas de zinco a cobri-los, protegido no exterior com bidões de gasóleo cheios de terra, com uma pequena abertura, tendo no seu interior uma cama de ferro, com colchão, do mobiliário militar. Este buraco foi o meu “quarto” durante alguns meses… 

JUL’1973 – Destacamento da Ponte do Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Imagem do condomínio fechado. 


AGO’1973 – Rio Udunduma, na Estrada Xime-Bambadinca. Plano de água incluído no Destacamento da Ponte… Creio que o canoísta é o camarada José Sebastião.

SET’1973 – Imagem de parte da parada do Aquartelamento de Bambadinca, onde estava sedeado o comando do BART 3873 e da sua CCS, e que distava 4 kms do Destacamento da Ponte do Rio Udunduma (contrastes da/na guerra).

3. – UMA VISÃO HISTÓRICA SOBRE A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA DE ÁFRICA (1961-1974), POR PEDRO DA SILVA MONTEIRO (CAP.) 

Para concluir a presente narrativa, consideramos pertinente divulgar o que vem sendo feito a nível da investigação histórica relacionada com o fenómeno da “Guerra do Ultramar”, destacando o trabalho do Capitão Pedro da Silva Monteiro, elaborado certamente no âmbito da sua formação académica e destinado à Academia, publicado na Revista Militar n.º 2539/2540 de Agosto/Setembro de 2013, com o título “A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974)”, e que se enquadra na nossa temática. 

A investigação em referência identifica, como questão central, em que medida a manobra logística de Portugal influenciou as operações militares nos três TO e contribuiu para a sustentabilidade da Guerra Subversiva de África, de 1961 a 1974.

Desta questão de partida inicial a investigação derivou para mais seis subtemas, a saber: 

a) - Qual a estrutura logística de Portugal antes e durante da guerra? 

b) - Que dificuldades sentiram os serviços de apoio logístico de Portugal e quais os maiores problemas verificados? 

c) - O que esperava o governo português do sistema logístico? 

d) - Quais as necessidades sentidas pelas forças em operações, e que abastecimentos foram fornecidos? 

e) - Que apoios logísticos recebeu Portugal do exterior? 

f) - Como é que os serviços de apoio logístico se adaptaram às exigências operacionais e que implementações foram feitas? 



Eis uma parte do resumo elaborado pelo autor.

Neste sugestivo trabalho de investigação encontramos algumas análises de dimensão histórica e política que ajudam a situar a problemática identificada por Louro de Sousa, em 1963.

Obrigado pela vossa atenção.
Com um forte abraço de amizade e muita saúde.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp/RANGER da CART 3494 do BART 6523
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

9 DE DEZEMBRO DE 2015 > Guiné 63/74 - P15470: História do BART 3873 [BAMBADINCA, SECTOR L1, 1972-1974]. Parte I (Jorge Alves Araújo)

Guiné 63/74 - P15903: (De)caras (40): Nove noites e nove dias em fuga, do Boé ao Saltinho, a "odisseia" do José António Almeida Rodrigues, sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, Cancolim, 1972/74 (Depoimentos de José Manuel Lopes e Luís Dias)


Guiné > Zona leste > Setor L5  (Galomaro) > Cancolim > CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (1972/74) 
> Foto 12 > Saída para o mato dos Vingadores para mais uma patrulha (2.º Pelotão, o meu grupo de combate, sempre pronto para uma patrulha; ficámos com este nome porque quase sempre nos tocava ir em busca do IN após os ataques ao aquartelamento).

Foto do álbum do Rui Batista, ex-fur mil, CCAÇ 3498 (Cancolim, 1972/74).(*)


1. Mails enviados ontem, com mais esclarecimentos e informações sobre o cativeiro e a fuga do José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold at inf, CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 1972/74) (**)



(i) José Manuel de Melo Alves Lopes [, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74, natural da Régua, conterrâneo, contemporâneo e confidente do fugitivo]:


A fuga do cativeiro [, em 7 de março de 1974,] foi por ele planeada com algum pormenor. Pediu para ir fazer as suas necessidades fisiológicas. E, segundo me parece, o local de cativeiro era perto do rio [Corubal] onde também se lavavam.

Com o tempo a atenção dos vigilantes foi abrandando e os oito prisioneiros (incluindo ele e o António Batista) eram deixados mais à vontade, o que ele aproveitou.

Uma canoa que se encontrava junto à margem foi o seu meio de transporte e a noite, que se aproximava, foi sua aliada, pois retardou a perseguição e lhe deu algum tempo decisivo para se afastar do local de presídio.

Não levava nada com ele, nem armas nem alimentos. Antes de amanhecer, escondia a canoa entre a vegetação e se refugiava numa árvore que lhe oferecesse as melhores condições de camuflagem e abrigo. Por duas vezes viu e sentiu passar por baixo dele os homens [do PAIGC] que o procuravam.

A sua alimentação foi a fruta que encontrou e algo a que ele chamava camarão que apanhava nas lamas [ou tarrafo] das margens do rio. [, Recorde-se que ele era caçador, tanto na Régua como em Cancolim].

Ao nono dia, encontrou dois nativos que trabalhavam numa bolanha e, quando sentiu confiança, contactou-os e eles o levaram [, de motorizada,]  até ao Saltinho que era já muito próximo do local onde os encontrou. 


Guiné > Zona leste > Setor L5  (Galomaro) > Cancolim > CCAÇ 3498 / BCAÇ 3872 (1972/74) > 

Foto 1 > Aquartelamento de Cancolim [vd. mapa de Cansissé], a nordeste de Galomaro

Foto do álbum do Rui Batista, ex-fur mil, CCAÇ 3498 (Cancolim, 1972/74).

Fotos (e legendas): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


(ii) Luís Dias, ex-alf mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) [, foto à esquerda, empunhando uma pistola-metralhadora, a PPSH, a famosa "costureirinha"]

Sei muito pouco sobre esse camarada, dado que o mesmo pertenceu a outra companhia do meu batalhão - a CCAÇ 3489, instalada em Cancolim. (***)

O que sei foi de ouvir contar, ou seja, que o camarada não teria um comportamento normal, que teria um pouco de louco. Sabe-se que, em determinada altura, aquando de uma patrulha levada a cabo pelo seu pelotão, terá recusado sair com eles mas, mais tarde, com o seu grupo já no exterior, resolveu pegar no seu equipamento/armamento e sair do quartel, presumidamente, para uns, ir ter com o seu grupo, para outros, para ir em direcção a zonas do PAIGC. Ao certo não se sabe. 

Quando já estávamos em Bissau, para embarcar para Lisboa, soube-se que o mesmo se evadira/fugira e se apresentara no nosso aquartelamento do Saltinho. 

Oficiais do Batalhão (ao que julgo, o 2.º Comandante, o então Major Moreira Campos) foram falar com ele, no local onde estava preso, pois teria sido dado como desertor. Alguém contou que ele disse que se encontrava preso pelo PAIGC, juntamente com o Batista, da CCAÇ 3490 (, vítima da emboscada do Quirafo - foi assim que se soube que ele, afinal, estava vivo) e que, a determinada altura, alguém do  pessoal do PAIGC lhe disse que o seu batalhão já estava em Bissau e iria embarcar para a Metrópole por ter terminado a comissão. 

Foi então que decidiu "evadir-se", pois também achava que tinha terminado a sua comissão. Terá passado alguns dias no mato e descido o rio Corubal numa piroga, vindo mais tarde a alcançar o Saltinho. 

Havia quem acreditasse que o militar, em virtude de problemas psíquicos, teria mesmo desertado para o PAIGC, havendo mesmo alguns convencidos de que ele prestara informações sobre uma tabanca, onde pernoitava um pelotão da sua companhia e, quando ali estava o seu próprio grupo, o local foi atacado, conseguindo o IN penetrar na mesma e matar 2 elementos do grupo.

A verdade do sucedido será difícil de encontrar. Se, no próximo almoço de nossa companhia, estivesse presente o então 2.º Comandante, eu procuraria falar com ele sobre este assunto, mas como o convívio vai ser na zona centro é possível que ele não esteja presente (esteve no ano passado porque foi em Braga e ele vive na Maia).

Era importante conseguir chegar à fala com alguém da própria companhia e, se possível,  que pertencesse ao seu pelotão. Há um ex-furriel da CCAÇ 3489, que julgo fazer parte da Tabanca Grande, Rui Baptista [, foto à direita], que também acompanha o Facebook,  pertencendo ao Grupo Fechado de Galomaro, destino e passagem, que talvez possa dar melhores detalhes sobre esse camarada.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5466: Álbum fotográfico de Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872

(***) Vd.poste de 19 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8926: (Ex)citações (151): O Sold Rodrigues, prisioneiro do PAIGG (de Junho de 1971 a Março de 1974), pertencia à CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, que esteve em Cancolim (1971/74) (Luís Dias)

Guiné 63/74 - P15902: (De)Caras (39): homenagem ao saudoso grã-tabanqueiro António da Silva Batista (1950-2016), ao infortunado António Ferreira (1950-1972) e aos demais camaradas mortos no Quirafo, em 17/4/1972: republicação do conto do Mário Migueis da Silva (pseudónimo, "Leão da Mata") "O morto-vivo" (, originalmente publicado no JN, de 28/9/1985)


A fatídica GMC,,, Ainda lá estava em 2006! (*)
Foto de Paulo e João Santiago
O Morto-Vivo





Um conto
 de Mário Migueis 
Ferreira da Silva (*)

(Esposende)

JN, 28/9/1985 








O Mário Migueis da Silva, ex-fur mil rec Inf, Bissau,Bambadinca e Saltinho (1970/72), bancário reformado, cartunista, artista plástico,  com morança em Esposende, viveu de muito perto a tragédia do Quirafo; este conto que ele mandou para um concurso literário do JN, em 1985, é também uma forma de exorcisar fantasmas e de render a devida homenagem aos mortos e aos vivos da CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), a que ele esteve adido. 

No conto, o Batista é o Alfredo, de seu nome próprio, com a especialidade de transmissões. O António Batista, aprisionado pelo PAIGC, na sequência da emboscada do Quirafo, em 17/4/1972,  era sold at inf.,  e a sua identidade foi trocada um outro camaarada morto, o António Azevedo. Outro camarada que morreu foi 1º cabo trms, António Ferreira, tendo deixado uma viúva, a Cidália, e uma filha órfã, que ele nunca chegou a conhecer. Com a ajuda da nossa amiga Cátia Félix, a família Ferreira conseguiu fazer o luto, ao fim de 40 anos, num processo que, na altura,  nos emocionou a todos. (*)

Justifica-se a republicação deste conto que retrata ou reconstitui, muito  bem, o clima de tragédia que se viveu, no quartel do Saltinho,  nesse já longínquo dia 17/4/1972, uma segunda feira, quinze dias depois da Páscoa....  

Nesta semana, em que os cristãos de todo o mundo, celebram um dos mistérios da sua fé, a morte e ressurreição de Cristo, este conto  é inspirador... Trata-se além disso de uma semana em que morreram, no mesmo dia, dois camaradas nossos que foram companheiros de cativeiro durante quase dois anos... Pertenciam ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), e não  estavam distantes, um do outro; um no Saltinho, na CCAÇ 3490; outro em Cancolim, na CCAÇ 3489. Estamos a referirmo-nos, respetivamente,  ao António da Silva Batista (1950-2016) e ao José António Almeida Rodrigues (1950-2016). O facto de terem morrido no dia,  ambos com 66 anos, não deixa de ser um estranha coincidência, daquelas que estatísticamente são explicáveis, mas que humanamente são difíceis de compreender e de aceitar (**).



"António Ferreira" > Homenagem do nosso camarada Mário Migueis 

ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira,
 morto durante a emboscado do Quirafo  > 
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). 
Todos os direitos reservadosnda


Nunca é de mais recordar os nossos camaradas da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho, mortos no Quirafo, naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972:

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima / Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira / Maia [Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista, que foi dado como morto,. e que também era de Moreira, Maia]
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá




Oito da manhã. De uma calma e radiosa segunda-feira, convidando a um bem disposto espreguiçar. Ora escorrendo, sonolento, ora escorregando, brincalhão, em pequenas e ridentes cataratas, o rio Corubal espelhava o já abrasador sol daquele dia.

Ainda com a última bucha do pequeno-almoço na boca, os piras do segundo pelotão chegavam e iam ocupando as duas viaturas, que, roncando, aguardavam o sinal de partida. Através de umas seteiras do seu abrigo, o olhar inquieto do furriel Simões esperava alguém. E, quando o soldado Batista se aproximou, baixou-se instintivamente, procurando esconder a sua envergonhada condição de observador furtivo.

Dobrado sob o peso do grande rádio de transmissões que lhe cobria todo o magro dorso, o Batista subiu, com certo esforço para uma das viaturas. Mentalmente, recordava a cena da noite anterior no posto de rádio:

Recorte do JN, 28/9/1985
 — Um minuto ou mais é a mesma coisa! A rendição do posto tem que ser feita à hora exacta e não é admitido quaisquer desculpas. Amanhã, vais tu com o grupo do Quirafo.

O furriel Simões parecia adivinhar-lhe os pensamentos. Na verdade, tinha sido estúpido ao castigá-lo tão duramente. Era necessário disciplinar os homens, é certo... mas o Batista até nem era mau rapaz. Era educado, respeitador... Bastaria tê-lo admoestado, talvez... Mas, enfim, agora nada havia a fazer.

Às cavalitas da velha GMC da frente, o alferes lançou um rápido olhar à retaguarda e deu ordem para avançar. O condutor não se fez rogado: pisando o acelerador com alegria, logo deixou para trás o arame farpado do aquartelamento, seguido de perto pelo burrinho, que, gingando e pulando a cada cova, não queria ficar para trás.

Do lado de cá das espessas núvens de pó, o Simões magicava. Aquele aspecto guerreiro dos homens, armados da cabeça aos pés, deixava-o, desta vez, preocupado. Arrependido da decisão que tomara em relação ao Batista, começou, de repente, a recear que o destino lhe reservasse alguma partida. Aquela picada que andavam a desmatar, lá prós lados de Boé, poderia, em sua opinião, ser um bico-de-obra dos graúdos.
— E se, por azar, acontecesse alguma coisa? E se caíssem numa emboscada? E o Batista?!... E se o Batista ficasse gravemente ferido ou até morto?...

A ideia de tal peso na consciência passou a assustá-lo e não pôde deixar de continuar a preocupar-se.
— Só estarei sossegado quando todos regressarem sãos e salvos.

Tentando dominar todo aquele pessimismo de circunstância, puxou de mais um cigarro. Mas foram nervosas aquelas chupaças profundas com que, cabisbaixo, se dirigiu para a messe. Escrevia para a família, quando ouviu o primeiro rebentamento. Estremecendo, distinguiu perfeitamente, na direcção do Quirafo, o matraquear contínuo das armas automáticas e os rebentamentos que se sucederam, galopantes.

Quando deixou de os ouvir, correu para fora. Apurou o ouvido, mas nada mais escutou.
—  Tudo tão rápido! Um minuto ou dois, no máximo... Que se teria passado?!... Emboscada?... Haverá baixas? Mortos?!...

A imagem sombria e triste do Batista passou-lhe diante dos olhos. Aturdido, sacudiu a cabeça, como quem quer acordar de um sonho mau. Já os grupos de intervenção partiam em direcção a Madina, quando o Simões correu para o posto de transmissões. Depois daquele tremendo choque eléctrico, que lhe percorrera o corpo todo, atormentavam-no agora a incerteza, o medo... Não queria acreditar no que lhe estava a acontecer.

Entraram em contacto com o destacamento de Madina, mas as primeiras notícias concretas trouxe-as, porém, um nativo, vinte minutos mais tarde. Viera correndo, a corta-mato, para avisar a tropa do Saltinho.
—  Morreram muitos! Prá'i vinte! Morreu tudo queimado!...

Simões sentiu-se desfalecer. Gemeu um "Meu Deus" e quis agarrar-se a alguém para não cair. As pernas, porém, dobraram-se-lhe pelos joelhos e tombou pesadamente no chão.

Visivelmente traumatizado no espírito, mas ileso no corpo, chegaria, pouco depois, o condutor da primeira viatura, que o acaso poupara a tão trágico fim. Nervosíssimo, deambulando de um lado para o outro, parecia não sentir-se ainda em segurança. Respondia, no entanto, a cada pergunta, a cada súplica.
—  Os que iam comigo morreram todos. Além de mim, o único que saiu vivo da picada foi o Batista. Vi-o correr, todo ensanguentado, pelo mato...

Quando o Simões recobrou a consciência e soube que o Batista, afinal, não estava morto, ganhou novo alento. Mas não almoçou. Nem jantou.
—  Onde estará o rapaz?! Por que não apareceu ainda? Serão os ferimentos tão graves que o impeçam de chegar ao Saltinho ou, pelo menos, a Madina, que fica a dois passos apenas do local da emboscada?!...

Às duas da manhã, só, num canto da messe, continuava a esperar que o Batista aparecesse ou desse sinal de vida. Lá fora, aparentemente indiferentes a toda aquela tragédia, os cangalheiros trabalhavam. O Simões, esse, desesperava. Cada martelada parecia querer rebentar-lhe os tímpanos e o sistema nervoso.

JN, 18/9/1974.. O Batista visitando a sua própria campa...
Mas controlou-se. E ele, que nunca fora muito de ir à missa, começou antão a rezar todas as orações que aprendera em criança. E entre cada oração, a súplica constante:
—  Ó Minha Nossa Senhora, fazei com que ele apareça! Não permitais que eu viva com tamanho remorso o resto da minha vida!...

E prometeu ir a Fátima, a pé.

Alvoreceu. Com o apoio de helicópteros, começaram as buscas, palmo a palmo, tentando localizar o homem. O Simões que nelas participava activamente, não se cansava nem se esquecia de orar em silêncio, renovando vezes sem conta a sua promessa de ir a Fátima. Mas o pobre do Batista não havia de aparecer. Nunca mais!... Nem vivo, nem morto...

Vinte meses após tão fatídico dia, o Simões descia a escada do avião que o trazia definitivamente para a metrópole. O seu semblante, carregado e tristonho, recordava agora, com mais intensidade ainda o desventurado Batista que, por sua culpa, morrera tão brutalmente. À sua volta, a companhia inteira cantava, gritava, dançava...
- Podia estar aqui agora, rindo e cantando como os outros!... Talvez com os pais, velhinhos, a esperá-lo lá no fundo!...

Ao imaginar a ternura daquele abraço impossível, duas grossas lágrimas lhe rolaram pela face. E sentiu, de novo, aquele tremendo nó seco na garganta, que lhe comprimia a alma.

Já depois da independência, quando, um dia, lhe perguntaram, lá no escritório onde trabalhava, se já tinha lido a história do "gajo que tinha sido dado como morto na Guiné e que acabava de regressar", arrepiou-se todo.
Inquieto, cheio de pressentimentos, não esperou pelo intervalo do almoço. Desculpou-se e correu a comprar o jornal:

"MORTO-VIVO DEPÔS FLORES NA SUA CAMPA",

Ainda na primeira página, a fotografia de um moço de bigodito. Curvado sobre uma campa. E na campa, uma lápide onde podia ler-se distintamente:

"À MEMÓRIA DE ALFREDO COSTA BATISTA.
FALECEU EM COMBATE NA PROVÍNCIA DA GUINÉ EM 17/4/72"

Dias depois, o Simões enfiou o seu velho camuflado da tropa e, terço na mão, soriso nos lábios, começou a caminhar em direcção a Fátima.

Fim

LEÃO DA MATA (***)

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12 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13724: Fotos à procura de... uma legenda (39): Cátia Félix e a sua amiga Cidália Ferreira, viúva do António Ferreira, 1º cabo trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo 

18 de abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4207: In Memoriam (20): Para o António Ferreira e demais camaradas mortos no Quirafo (Juvenal Amado)