segunda-feira, 11 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16294: Tabanca Grande (490): Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE Barata, CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)... Com sete anos apenas, sofreu a brutal flagelação do IN ao quartel e vila do Gabu, em 15/11/1970, que causou 3 mortos e 4 feridos graves entre as NT e 8 mortos e 80 feridos (graves e ligeiros) entre a população... Passou a ser a nossa grã-tabanqueira nº 721

1. Mensagem de Adelaide Barata Carrêlo, enviada hoje às 14h43:


Boa tarde,

Agradeço de coração todas as palavras que me foram dirigidas (*).

Em relação ao que escrevi, na parte " (...) Também me lembro de quem lá ficou para sempre, não éramos muitos" e " Lugar onde tive medo, fui feliz e vivi (...), referíamos à trágica noite de 15 de Novembro de 1970. 

Ficou também por contar; e, que se me permite, o farei brevemente.

Obrigada mais uma vez, pelo convite para me sentar convosco à sombra do poilão da vossa querida Tabanca Grande.

Um abraço apertado

Adelaide

2. Alguns comentários:

(i) Cherno Baldé:

Amiga Adelaide,

Obrigado pelas bonitas palavras dirigidas à nossa sofrida Guiné, que Deus te proteja e guarde por muitos anos para poderes voltar a pisar esta terra vermelha da tua infância feliz e motivo de todas as saudades que engrandecem o teu grande coração de mulher.

O sentimento que tenho agora, como homem maduro e que acompanhou as vicissitudes e peripécias desta terra desde a infância, é que o gen Spínola queria fazer na Guiné o mesmo que, mais tarde, o Nelson Mandela fez na África de Sul, isto é,  uma nação arco-íris, onde o mais importante não seria a origem das pessoas nem a cor da pele. Por diversas, que agora não interessa invocar, não resultou, paciência. 

Um fraterno abraço para ti e a todos os amigos da Guiné, Cherno AB.

(ii) Valdemar Queiroz:

(...) "meninos que se ensaboavam no meio da rua e com um chuveiro gigante que deitava tanta água de pingos grossos e doces" (...). 

Que maravilhosa descrição, amiga Adelaide.

Abraço fraterno, Valdemar Queiroz

(iii) Jorge Rosales:

Amiga Adelaide:

O seu testemunho é LINDO... A minha filha Luísa faz hoje 45 anos... Que prenda tão forte para o pai... Obrigado.

Jorge Rosales (farda amarela)


(iv) Abílio Duarte:

Quem pode descrever bem esse dia/noite [, 15/11/1970,] é o meu camarada fur mil Aurélio Duarte [da CART 2479/CART 11 (Nova Lamego e Paunca, 1969/70)], que esteve no meio dessa total confusão, e ainda teve um processo disciplinar em cima... Felizmente safou-se militarmente e disciplinarmente, mas o cagaço  não foi pequeno: em maio passado,  no nosso almoço anual,  ele relembrou aquelas horas, pois estava emboscado na estrada de Nova Lamego para Piche e, segundo ele,  turra era mato.


(v)  Luís Graça:

Adelaide, foi das coisas mais lindas que temos editado nos últimos tempos. Essa capacidade de maravilhamento só pode ser de quem guarda, numa caixinha especial da memória, todas as cores, sabores e cheiros da Guiné, do tempo da infância. 

Fica deste já convidada para se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande. Trataremos depois dos pormenores!... Um abraço fraterno.Luis Graça




Guiné > Nova Lamego (ou Gabu) > "Nova Lamego, Guiné Portugesa". Colecção "Guiné Portuguesa, nº (?)". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL). Exemplar  da colecção do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria. 

 Digitalização e edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



3. Novo membro da Tabanca Grande, nº 721

A Adelaide, filha do tenente SGE Barata, da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), confirma que estava,  com a família (pais e irmãos). em 15/11/1970, quando o quartel e a vila de Nova Lamego foram violentamente flageladas pelo PAIGC. Com sete anos, deve ter apanhado o maior susto da sua vida,

Recorde-se que,  em 15/11/1970, um numeroso grupo IN, estimado em 150 elementos flagelou Nova Lamego com armas ligeiras e 4 morteiros 82, tendo disparado cerca de 122 granadas, durante 35 minutos .

As NT tiveram 3 mortos (incluindo o srgt mil enf da CCAÇ 5, Cipriano Mendes Pereira),  4 feridos graves (incluindo 1 milícia), enquanto a população teve 8 mortos (incluindo a esposa do nosso camarada Cipriano), 50 feridos graves e 30 ligeiros.  As NT reagiram com fogo de morteiro 81 e canhão s/r, manobra de envolvimento e perseguição, apoiadas  pela FAP. A artilharia de Cabuca e Piche bateram com fogo de obus os prováveis itinerários de retirada do IN.

Nem por isso a Adelaide quis esquecer as melhores lembranças dos dias maravilhosos que passou no Gabu.

Acaba também por aceitar o nosso convite para integrar a nossa Tabanca Grande, honrando dessa maneira o seu pai e o seus camaradas, e nomeadamente daqueles que já morreram,

Se possível, gostaríamos de ter as duas fotos da praxe, de tipo passe, uma atual e outra do tempo que a Adelaide passou na Guiné, com os pais e irmãos. Para já fica com direito a sentar-se. no lugar nº 721 (**), à sombra do nosso mágico, frondoso  e fraterno poilão.

Que sejas bem vinda, Adelaide, que os/as filhos/as dos nossos camaradas nossos/as filhos/as são. 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de julho de 2016 >  Guiné 63/74 - P16288: (In)citações (95): "Terra vermelha quente e de paz, / lugar onde tive medo, fui feliz e vivi, / amar-te-ei sempre, / minha Guiné menina velha encantada"... (Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente Barata, que viveu em Nova Lamego, no início dos anos 70, durante a comissão do pai, e aonde regressou, maravilhada, quarenta e tal anos depois)

Guiné 63/74 - P16293: Nota de leitura (857): As ONG na democratização da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
Não era sem tempo de procurar dar uma síntese da atividade das ONG na Guiné-Bissau, é redundante dizer que tem sido da maior importância. Basta recordar o desempenho da AD quando tinha o Pepito ao leme.
Tive o privilégio de assistir em 1991 ao aparecimento da associação dos direitos humanos que rapidamente entrou em conflito com o regime de Nino. É de lamentar que a rede internacional das ONG que ali labora não tenha um trabalho articulado com os projetos dos doadores, tudo tornaria estas inciativas para o desenvolvimento mais eficientes e compreensivas para a vida comunitária.
Entretanto, deu-me na telha andar a ver papéis da década de 1950 na Guiné, passou-me pela cabeça voltar ao romanesco como fiz com "A mulher grande", e ao mexer no relato da viagem de Craveiro Lopes à Guiné, em 1955, encontrei este preâmbulo de Sarmento Rodrigues na concessão do novo foral a Bissau, é um belíssimo texto que quero partilhar convosco.

Um abraço do
Mário


As ONG na democratização da Guiné-Bissau

Beja Santos

Na revista Africana Studia, n.º 18, primeiro semestre de 2012, encontrei um interessante artigo intitulado “A sociedade civil face ao processo de democratização e o desenvolvimento na Guiné-Bissau (1991-2011)”, da autoria de Miguel Barros. Trata-se do período que abarca o anúncio do pluripartidarismo até ao ano anterior ao golpe militar encabeçado por António Indjai.

O autor preambula com noções elementares, recordando que a democracia da sociedade civil pressupõe participação com livre expressão e pluralismo e que o regime democrático tem como mais sério obstáculo o autoritarismo. E depois traça o objetivo para o seu artigo, o de visar identificar e analisar as origens e progressos da sociedade civil guineense desde a instauração do multipartidarismo, passando pelo desafio que foi o conflito político-militar de 1998-1999. No passado, o partido-Estado (o PAIGC) controlava os trabalhadores, a juventude, as mulheres, a comunicação social, tudo em nome da unidade e segurança nacionais. Com a entrada em falência do partido-Estado, foram aparecendo e obtiveram reconhecimento outros atores sociais coletivos. Recorde-se que o desempenho da Igreja Católica face ao esvaziamento do Estado, concretamente nos anos 1980 foi o de reforçar a sua influência nos domínios cruciais da saúde e da educação. O conflito político-militar saldou-se por uma maior projeção da Igreja Católica e o seu bispo de então impôs-se como uma das grandes figuras morais na mediação do conflito. D. Camnaté Na Bsing, primeiro bispo de origem guineense, goza igualmente grande prestígio.

A liberdade sindical tornou-se uma realidade, o SINAPROF – Sindicato Nacional de Professores, e o SNTTC – Sindicato Nacional dos Transportes e Telecomunicações, por exemplo, foram decisivos nas denúncias das condições precárias de trabalho e salários na Guiné-Bissau. Para além da UNTG (que congrega 17 sindicatos filiados) existe hoje a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes, onde estão os sindicatos mais ativos (justiça, professores, jornalistas, transportes e telecomunicações).

As ONG trouxeram uma nova abordagem para a promoção do desenvolvimento dos domínios dos serviços de base, ambiente e direitos humanos. A sua principal fragilidade passa pela dependência de apoio externo, quando ele desaparece a ONG também desaparece.

Na comunicação social, o pluralismo manifestou-se com o surgimento do jornal Expresso Bissau, depois com as rádios privadas Pindjiquiti e Bombolom, em 1995. A Guiné-Bissau conta com uma rede nacional de rádios comunitários, estão inscritas cerca de três dezenas de rádios.

O setor onde a dinâmica da vida associativa conheceu uma maior vitalidade foi o da associação de jovens e mulheres durante a década de 1990. Há um caráter instrumental destas organizações devido à filosofia dos projetos dos doadores que privilegiam o trabalho direto com os grupos sociais.

Ganharam uma grande projeção os grupos cuja finalidade é o de preservar e fortalecer o espírito de solidariedade e assistência mútua no seio da comunidade, mandjuandades. O contributo mais significativo da sociedade civil aponta para três direções: serviços de base (saúde e educação); direitos humanos e cidadania; informar, sensibilizar e consciencializar (caso do ambiente). Nos serviços base, reduziu-se o impacto da ausência do Estado nas zonas rurais mediante iniciativas que permitiram a construção de centros hospitalares e escolas geridas pela própria comunidade beneficiária. Houve o momento em que as ONG dos direitos humanos se perfilaram como o principal, defensor dos desfavorecidos e protetor contra a violência do Estado.

O grande teste posto à sociedade civil foi o conflito político-militar, criou-se o Movimento da Sociedade Civil para a Consolidação da Paz e Democracia. O período de transição pós-conflito e pós-golpe envolvendo o presidente Kumba Yalá (2003) confirmou a falta de confiança nos políticos e forças partidárias. Nesta época reafirmou-se a autoridade moral, política e social da sociedade civil, através da indigitação de uma figura independente dos partidos para o cargo de presidente da República de Transição, o empresário Henrique Rosa. São tempos de intensa participação, surgiram mais de duas dezenas de partidos políticos, hoje em grande parte volatizados. Na atualidade, assiste-se a uma estratégia destas ONG assente em compromissos com o Estado nalguns setores: um bom exemplo é a gestão das áreas protegidas, em que AD teve um papel de realce. Como conclusão dir-se-á que a inclusão dos atores não estatais é hoje encarada como um processo incontornável, Estado e sociedade estão condenados ao entendimento. Infelizmente nem toda a estratégia dos doadores contempla diretamente o apoio a estes atores.


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E um admirável texto de Sarmento Rodrigues sobre a cidade de Bissau

Ao folhear o Diário da Viagem Presidencial às Províncias Ultramarinas da Guiné e Cabo Verde, em 1955, Volume I, coordenação de Rodrigues Matias, Agência Geral do Ultramar, 1956, encontrei um texto do comandante Sarmento Rodrigues, quando governador da Guiné, em 1948, no preâmbulo do diploma legislativo em que concedeu à Câmara Municipal de Bissau novo foral:
“O alvará régio de 15 de Março de 1692 é o registo de nascimento de Bissau. Ordenara-se a construção da primeira fortaleza, ligara-se a gente à terra. E tão bem que, de então para cá, Bissau nunca mais deixou de ser a Praça.
No entanto, e apesar de em 1855 ter Comissão Municipal, e em 1859 ser vila, durante esses dois séculos ela não foi outra coisa mais do que uma Praça. Recinto fechado e muralhado, apenas com algumas casas de comerciantes, todas de barro ou taipa, aninhadas à sombra dos baluartes e cobertas por uma paliçada, depois um muro que da Balança corria até Pidjiquiti.
Vontade de crescer, todavia, não lhe faltou. E necessidade também. Em 1894, numa das muitas pazes temporárias e submissões fictícias do gentio irreverente, proclamou-se nova zona de expansão. Um polígono de 350 metros envolvendo as muralhas. Um padre abençoa, extramuros, um local para uma igreja. As habitações, aglomeradas por detrás da parede de tijolo, ameaçavam transbordar. Um povoado queria crescer.
Até que em 1913 o governador Carlos Pereira demoliu o muro asfixiante. Bissau passava agora a não conhecer outros limites além da barreira do mato impenetrável que na sua frente se levantava. E não teve mais descanso. Abrem-se ruas através dos matagais. Em 1914 é cidade e tem o primeiro plano de urbanização. Aumentam dia-a-dia os edifícios. Velez Caroço dá-lhe, em 1923, o seu primeiro foral. A cidade precisava de ser orientada na sua vida e o no seu avanço, que se não detinha. Era a primeira urbe da província.
Em 1941 fazem-na capital da Guiné. Já então possui bairros novos, muito para além das vistas da velha fortaleza abandonada. A área do plano de urbanização de 1914 e do foral de 1923 torna-se cada vez mais escassa.
Por isso em 1945 se procedeu aio estudo do seu alargamento, começando pelos levantamentos topográficos que haviam de conduzir à concessão de nova área e a um novo plano de urbanização e expansão. Desta vez é que se chegava à colina de Bandim.
Chegamos assim à situação presente. A cidade de S. José de Bissau tem hoje um apreciável conjunto de artérias e edificações. Todas elas não bastam, porém, para os seus numerosos habitantes que aumentam dia-a-dia. Possui hotéis, hospitais, estádio, praças, monumentos, uma catedral, água canalizada, luz e todas as modernas conveniências. Secaram-se os pântanos que a envolviam e empestavam. Era indispensável alargar-lhe a área e atualizar-lhe a vida. O seu desenvolvimento não poderia continuar sujeito aos velhos processos que foram excelentes para o seu tempo. O novo foral da Câmara de Bissau tinha de ser promulgado”.

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

Guiné 63/74 - P16292: (In)citações (97): O futebol contra o racismo: os heróis improváveis do 10 de julho de 2016!... (Francisco Baptista / Cherno Baldé / José Manuel Matos Dinis / Francisco Gamelas / Luís Graça)

1. Comentário do nosso editor LG com data de ontem, às 23h00 (*):

Acabou de me telefonar de Bissau o Cherno Baldé:

- Parabéns, Portugal!

Que lindo!

Está tudo em festa na Guiné-Bissau!...

Era um telefonema improvável!... Na atrapalhação, e não querendo que ele estivesse a gastar dinheiro numa chamada internacional, só lhe disse:

- Obrigado, Cherno, é uma vitória de todos nós, lusófonos, e um manifesto contra o racismo!...

Eu, que não vi o desafio pela TV, não sabia àquela hora que um dos heróis improváveis daquela noite, era um tal Éder, um "patinho feio", nascido em Bissau!...


2. Comentário do José Manuel Matos Dinis, com data de ontem às 23h02:

Camaradas, boa noite!

Como já devem saber, Portugal é campeão europeu. Tinham decorridos alguns poucos minutos e tocou o telefone. Ainda levei uns momentos a atender, por atrapalhação com um livro.

Do outro lado perguntaram por mim. Tinha reparado que o número não estava registado, portanto, não sabia a proveniência. Era uma voz emocionada. Confirmei que sim, que era eu quem atendia. Fala o CHERNO, o CHERNO BALDÉ, e de modo emocional acrescentou um e outro VIVAS a PORTUGAL.

Trocàmos abraços telefónicos, e desejàmos felicidades recíprocas, até que nos possamos encontrar. Valeu a pena, aqui e na Guiné-Bissau.

Abraços fraternos

JD


3. Francisco Baptista, um "rapaz" de Brunhoso, escreveu um texto com garra, e premonitório,  na véspera do jogo de futebol entre as seleções de Portugal e da França, texto esse que vai seguramente figurar  na antologia do nosso blogue (*)... 

E o nosso editor LG entendeu colocar na caixa de comentários o seguinte, às 17h01 de ontem:

Há dias recebi esta mensagem de um outro Francisco, Gamelas de apelido, beirão de Aveiro, que ficou na caixa do correio como muitas outras, não se tratando de um assunto "diretamente" relacionado com o "core business" do nosso blogue...

Depois do teu poste, aproveitando a "aberta" dos nossos editores, aqui vai... É uma manifesto contra o racismo, usando a força (inegável) que tem o futebol mediático nas nossas sociedades... Que a julguem os nossos leitores...

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Francisco Gamelas

29/06/2016

Aqui vai um achado bonito, que nem sempre corresponde à realidade. Mesmo assim, ... FG

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(Autor desconhecido)

Aproveito esta oportunidade para explicar um bocadinho a diferença entre racismo e anti-multiculturalismo.

É assim: um português nascido no Brasil [Pepe] corta uma jogada perigosa da Croácia na sua grande área.

A bola é recolhida por um preto da Musgueira [Renato Sanches], que avança no terreno até ter a noção do melhor passe. Manda a bola para um mulato da Amadora [, Nani,], que a mete num menino pobre da Madeira [Ronaldo]. Este remata à baliza, mas o guarda-redes contrário só tem tempo de a defender para um espaço livre, onde surge um cigano [Quaresma] a fazer golo.

Todos portugueses. Nenhum vai meter uma bomba no Rossio. Agnósticos, ateus ou cristãos, não sei.Todos filhos da cultura lusitana.

Racismo? Não, obrigado!

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16291: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte IV: A Canjadude dos Gatos Pretos, a CCAÇ 5



Foto nº 1 >  O brasão dos Gatos Negros, a CCAÇ 5


Foto nº 2 > O Patrício Ribeiro junto aos restos do aquartelamento


Foto nº 3 > Aqui foi, durante toda a guierra, a casa dos "Gatos Pretos"


Foto nº 4 > A carrinha da Impar Lda junto a uma das famosas pedras de Canjadude


Foto nº 5 > Uma das pedras (rcohedos) de Canjadude donde se vê a tabanca


Foto nº 6 A  > A tabanca de Canjadude,. em  primeiro plano o centro de saúde


Foto nº 6 > Vista da tabanca de Canjadude


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Canjadude> Julho de 2016

Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas...

Para ele, e todos os demais portugueses da diáspora, da Guiné-Bissau a Timor, um alfabravo verde-rubro do tamanho do mundo... Para o Cherno Baldé que, findo o jogo Portugal-França, nos telefonou emocionado a dizer: "Viva Portugal! Parabéns, Portugal!"... O golo da vitória foi marcado por um "patinho feio" chamado Éder, nascido em Bissau...


Data: 8 jul 2016



Assunto - O que o tempo leva, e o que fica para sempre, as pedras...


Boas,

Junto algumas fotos (em duas partes), de "peças de museu!, não quero fazer concorrência com outros fotógrafos…

Das minhas visitas na Zona Leste (*), lá vão mais algumas fotos.

Primeiro, de Candjadude,e depois de Piche

O que resta dos abrigos do "antigo quartel tuga" [, que foi sede até ao fim, da CCAÇ 5, os "Gatos Negros"].

Onde muitos se abrigaram... As pedras que ninguém leva... Onde muitos passaram noites e noites de G3 na mão...

Onde tenho que subir, para apanhar rede para o telemóvel,  E de onde se pode ver a tabanca... Em 1º plano está o Centro de Saúde  (fotos nº 6 e 6A].

Em Canjadude, como em Piche, como largas dezeanas de tabancas do antigo !ch
ão fula", estamos agora a colocar água potável para a população.

Nestes passeios na nossa viatura, conseguimos por vezes ouvir a RTP África através do emissor de Gabú. Esta semana fiquei surpreendido com a entrevista que a locutora do PAIGC, no tempo da luta, na Rádio Liberdade, deu ao Delegado da RTP África em Cabo Verde.

Que já naquele tempo, uma das músicas que passavam, para animar os combatentes do PAIGC, era a "Grândola Vila Morena", do Zeca Afonso, que também serviu para o 25 de Abril...

Abraço

Patricio Ribeiro
«impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 >  Guião dos "Gatos Pretos"



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > 1974 > Os últimos dias dos "Gatos Pretos": o pessoal da tabanca teve autorização para ficar com os bidões vazios. Foi uma verdadeira corrida para ver quem conseguia ficar com eles.

Fotos (e legendas):© João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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domingo, 10 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16290: (In)citações (96): O sonho nunca morre: Viva Portugal! (Francisco Baptista, um português transmontano de Brunhoso)

1. Mensagem do Francisco Baptista [, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), um valente português transmontano de Brunhoso, que nos enviou este pedido, em cima da hora, e em pleno fim de semana, mas irrecusável, vindo de quem vem...


Caros amigos Luís e Carlos:

Envio este pequeno texto para ser editado, caso acheis que possa interessar ao blogue. Envio aos dois, porque a ser editado somente tem interesse ser amanhã [. dia 10,] antes das 20 horas e não sei qual é a vossa disponibilidade. Saúde e um abraço a ambos. Francisco Baptista.



Data: 9 de julho de 2016 às 22:55

Assunto: O SONHO NUNCA MORRE - VIVA PORTUGAL


Estamos todos a fazer força pela vitória da Selecção  Portuguesa de Futebol. FORÇA PORTUGAL!


O desejo e a vontade de todos é uma força imparável que se comunicará  aos técnicos e jogadores da selecção, que têm lutado como bravos  guerreiros, para continuarem invencíveis e ganhar a Taça Europeia  das Nações, que bem merecem.

Um povo tem uma grande força espiritual  que não se deve subestimar mas pelo contrário deve-se activar e  acreditar nela. Vamos por à prova a força da nossa vontade e dos  nossos sonhos que no passado, nos séculos quinze e dezasseis, nos fez  tão grandes, maiores do que todos os povos e nações da Terra. Nós um  povo pequeno mas corajoso e sonhador com um milhão de habitantes.


Lutámos como leões, como águias, como dragões e vencemos gigantes  Adamastores e outros, tempestades, cabos dasTormentas, cabos da Boa  Esperança, fomos à India, a China á Cochinchina, ao Japão, ao Brasil,  às Américas. Descobrimos as rotas do mundo e aproximamos os povos. O
decorrer dos séculos e as diferenças das gentes, a consciência dos  povos e a deriva da politica internacional, trouxe a independência de  territórios grandes ou menores, na América, na África, no Pacifico e  na Ásia, mas os nossos marcos, os nossos padrões , a nossa língua,  continuam a assinalar a nossa presença, por esse vasto Mundo que nós  demos a conhecer.

A nossa maior glória nunca foi conquistar nações ou dominar povos, a  nossa maior glória foi sim abrir as rotas do mundo e aproximar os  povos uns dos outros. 

Portugueses e camaradas vamos demonstrar mais uma vez, a essa Europa  rica e pretensiosa que o Povo Português tem uma grande alma e uma  grande História e que Portugal não deve ser maltratado .

VIVA PORTUGAL!

Francisco Baptista

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16289: Blogpoesia (460): "Pintado a carvão..." e "A palmos...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Mais dois belíssimos poemas do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), dos vários que nos vai enviando ao longo da semana, e que nós recebemos com prazer:


"Pintado a carvão..."

É só preciso um papel.
Agarro um naco de madeira queimada,
fecho meus olhos e espero a ideia.

Ataco o quadro.
Traço-lhe um esboço.
Encho-lhe o meio
com traços vincados.

Avivo-lhe os olhos.
Adoço-lhe o queixo.
Cubro-lhe a nuca
com arte rupestre.

Sobram-lhe pelos
por cima dos olhos.
Assoo-lhe o nariz com um trapo de giz.
Sirvo um bigode de estopa.
Abro-lhe a boca
e pranto-lhe os dentes.
Falta-lhe um.

Arrebito-lhe um cachimbo
em forma de cone.

Chego-lhe o fogo.
Eis que um quadro bem posto,
regado a carvão,
emerge da sombra
e brilha ao sol...

Roses, 7 de Julho de 2016
9h54m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

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"A palmos..."

Porquê se mede a palmos
os poços e covas mortais
e em centímetros o tamanho da gente?

Porquê tanta ganância,
se basta um sopro mais forte de vento
e tudo se estatela no chão.

Por mais faustoso e potente
seja o paquete,
basta o arrombo dum toque no gelo
e, num instante, vai tudo ao fundo.

Que pode o valentão sem rival,
se, de repente,
lhe cai uma entorse no pé?...

Roses, 9 de Julho de 2016
8h4m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16282: Blogpoesia (459): "Palavras que o vento eleva" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

sábado, 9 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16288: (In)citações (95): "Terra vermelha quente e de paz, / lugar onde tive medo, fui feliz e vivi, / amar-te-ei sempre, / minha Guiné menina velha encantada"... (Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente Barata, que viveu em Nova Lamego, no início dos anos 70, durante a comissão do pai, e aonde regressou, maravilhada, quarenta e tal anos depois)


Foto nº 1 A  > Inauguração pelo Gen Spínola de uma nova escola em Nova Lamego: Adelaide Barata Carrelo é a menina branca que segurava a fita numa ponta (enquanto uma menina negra segurava a outra ponta)


Foto nº 1  > Spínola, em primeiro plano, enquanto a menina branca olha,  muito atenta, para ele...


Foto nº 2A > Tenente Barata 


Foto nº 2 > Tenente Barata 

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > 1970

Fotos: © Adelaide Barata Carrêlo (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de Adelaide Carrêlo, nossa leitora, filha do tenente Barata que, presumimos, pertencia  à CCS do batalhão que estava em Nova Lamego em 1970, o BCAÇ 2893 (1969/71) (e que sofreu uma forte flagelação em 15/11/1970)


De: Adelaide Carrelo
Data: 8 de julho de 2016 às 14:16
Assunto: Guiné Bissau - Nova Lamego

Boa tarde,

Tendo tido conhecimento do vosso blog, é com grande satisfação que gostaria de partilhar convosco a minha vivência nesta terra que me acompanhou durante mais de 40 anos.

Em 1970 aterrámos em Bissau onde o meu pai nos esperava ansiosamente, seguimos alguns dias depois para Nova Lamego onde ele estava colocado.

Eu tinha 7 anos, sou gémea com uma irmã e tenho um irmão mais velho 1 ano. Somos a família Barata.

Quando chegou a hora dos meus pais decidirem juntar-se naquela terra, não conseguiram convencer-nos de que poderíamos separar-nos, não, fomos também. E até hoje agradeço por ter conhecido gente tão bonita, tão pura.

As primeiras letras da cartilha, foram-me desenhadas pelo Prof. José  Gomes, na Escola que hoje se chama Caetano Semedo.

Aquele cheiro, a natureza comandada pelo calor húmido que sufoca e a chuva que cai como uma cascata sobre a pele e o cabelo que teima em não se infiltrar...cheguei a pedir à minha mãe para me deixar correr como aqueles meninos que se ensaboavam no meio da rua e com um chuveiro gigante que deitava tanta água de pingos grossos e doces.

Também me lembro de quem lá ficou para sempre, não éramos muitos.

Tantas lembranças que me acompanharam toda a minha vida e eis que em 2015 o meu filho, foi trabalhar para a Tese em Bafatá, uma ONGD (energias renováveis) e eu voltei lá, agora com a possibilidade de visitar tudo, foi a viagem da minha vida.

O reencontro com gente que parece ter ficado à nossa espera este tempo todo.

É com amor que falo desta terra, desta gente e aqui fica o que sinto:


"As mãos de deus

Estas mãos escavam afectos,
que nos prendem o coração,
são as mesmas que aparam as crianças que nascem e vivem nuas,

Numa nudez de bens, mas uma capacidade infinita de sofrer, sorrir e amar.

Uma mão que se ergue no meio da terra vermelha 
e acena até ao dia em que nos encontramos.
Esta capacidade infinita de sonhar que há uma terra melhor e um sonho maior.

Terra vermelha quente e de paz,
lugar onde tive medo, fui feliz e vivi
amar-te-ei sempre, 
minha Guiné menina velha encantada."

Adelaide Barata Carrêlo

PS -E como não podia deixar de ser, anexo uma fotografia do meu pai, na altura Tenente Barata (foto nº 2)  e uma foto minha  (foto nº 1) na inauguração de outra escola em Nova Lamego (na qual eu fui a menina branca a pegar na fita segura do outro lado por uma menina preta, que se vê perto de mim) para o Gen António Spínola cortar, como era habitual!!!
_________________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16287: Memória dos lugares (340): Café Império, Praça dos Heróis Nacionais, Bissau, em novembro de 2000 (Albano Costa, ex-1.º cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74, o fotógrafo de Guifões, Matosinhos)



Guiné-Bissau > Novembro de 2000 > Praça dos Heróis Nacionais > Café Império

Foto: © Albano Costa (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, com data de ontem, do Albano Costa ó, fotógrafo profissional, vivendo em Guifões, Matosinhos:

Olá, Luís Graça:
Aqui estou eu para informar do que tenho sobre o café Império em Bissau, [na Praça dos Heróis Nacionais] (*).

A quando da minha ida em novembro de  de 2000,  a foto que tirei ao café Império é esta, dá para ver que ainda tem uma pequena esplanada, mas nada do que era no nosso tempo. Estava bastante degradada e o café já não era nada igual, eu não cheguei a entrar lá dentro, mas tenho uma vaga ideia que era um café e também virado para pequena mercearia. (**)

Um abraço,
Albano Costa
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16276: Em busca de... (266): Alferes mil Serra, do Quartel General (Santa Luzia), com quem eu e outros jovens guineenses fizemos amizade e convivemos em 1972/73 no Café Império... Também trabalhei com (e fui amigo de) o Pepito, no DEPA, Contuboel e Caboxanque, entre 1980 e 1991 (Camilo Camussa, consultor independente, Bissau)

4 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16269: Em busca de... (266): Alferes mil Serra[s], que estava em Bissau em 17/2/1972, era meu amigo, e que me emprestava livros proibidos pela PIDE/DGS... Deu-me uma foto sua e escreveu no verso: "Mesmo que um dia odeies o Tuga, recorda sempre este teu grande amigo e logo te sentirás contente. A paz é feita de cores e a amizade é composta de amor" (Camilo Camussa, 62 anos, agroeconomista, Bissau) 

(**) Último poste da série > 6 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15943: Memória dos lugares (339): Cuntima, no meu tempo (ex-1º cabo Vitor Silva, CART 3331, "Os Tigres de Cuntima", 1970/72) - Parte II

Guiné 63/74 - P16286: Parabéns a você (1107): Adriano Moreira, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2412 (Guiné, 1968/70); Arménio Estorninho, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Joaquim Carlos Peixoto, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3414 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de  2016 >  Guiné 63/74 - P16283: Parabéns a você (1106): José Zeferino, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4616 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)


Guiné > 1970 > s/l > Algures, numa enfermaria do mato, um guerrilheiro do PAIGC ferido, em tratamento. Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro, nascido em 1942, que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. É hoje um vulgaríssimo fotógrafo comercial, mas contnua  manter,   na sua página na Net, na sua galeria, esta e outras fotos que documentam bem a dura realidade da vida dos guerrilheiros do PAIGC e da população sob o seu controlo,

Título da imagem em húngaro: "0076_Bara Istvan_Sebesult PAIGC harcos, Guinea Bissau_1970.jpg",,,

Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos em tempos contactá-lo por e-mail, mas nunca recebemos resposta, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria > Guiné-Bissau (com a devida vénia / with our best wishes...)


1. Terceira parte das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo, e enviadas a 28 de junho último. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue.  Reproduzimos aqui a sua mensagem que serve de introdução:

Caros tertulianos:  apresento-vos o terceiro de quatro fragmentos em que foi dividida a publicação, no nosso blogue, da entrevista ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, médico do primeiro grupo de nove clínicos cubanos chegados em junho de 1966 à Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau], para apoiarem o PAIGC na sua luta pela independência [, o outro lado do combate]. 

Trata-se de um trabalho realizado pelo jornalista e investigador cubano Hedelberto López Blanch e que consta no seu livro, escrito em castelhano, com o título «Historias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível na Net em versão preliminar, em formato pdf .

No que concerne aos clínicos que cumpriram a sua missão na Guiné são três as entrevistas publicadas nesse livro, cada uma delas relatando algumas das suas experiências, vividas na primeira pessoa por cada um deles, a saber: (i) Domingo Diaz Delgado (médico-cirurgião); (ii)  Amado Alfonso Delgado (médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia); e (iii) Virgílio Camacho Duverger (médico militar, especialista em cirurgia geral). 

O conteúdo de cada fragmento respeita aquela ordem, assim como a estrutura dos guiões utilizados pelo autor nas três entrevistas.

Porque se trata de uma tradução e adaptação para português, não farei juízos de valor sobre os diferentes depoimentos, apenas colocando entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento socio-histórico ao que foi transmitido com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos deste blogue (e, nalguns casos, da própria publicação, ou da versão disponúivel em formato pdf).


[Foto à esquerda:

 O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo:  (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2. O CASO DO CIRURGIÃO DOMINGO DIAZ DELGADO - Parte III

Para melhor compreensão da contextualização deste 3.º fragmento, referente ao cirurgião Domingo Diaz Delgado, sugere-se a leitura dos P16224  e P16234 (*): o primeiro relacionado com a preparação para a missão africana, viagem e inclusão na estrutura do PAIGC; o segundo de explicação/caracterização da paleta de actividades clínicas presentes no quotidiano de um médico naquela guerra de guerrilha, das condições logísticas vividas em bases improvisadas, provisórias e de parcos recursos, ora socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora cuidando das maleitas apresentadas pela população sob o seu controlo.

Em função dos itinerários percorridos a pé por Domingo Diaz, no interior do território da Guiné durante os primeiros seis meses da sua missão [2.º semestre de 1966], este teve a oportunidade de conhecer quase todas as bases do Norte, como sejam os casos de Liador, Sambuia, Naga, Maqué, Morés e Sará.

Considerando este facto, um militar das NT, cuja identidade se desconhece e utilizando uma cópia do mapa da Guiné existente à época, assinalou em 1968 a localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas.

Dando conta desse levantamento, reproduzimos abaixo uma dupla imagem: o original retirado do P14391 e a cópia extraída do livro de Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131, com a devida vénia. [ O Renato Monteiro é membro da nossa Tabanca Grande e passou pelo Xime e Enxalé,  ao tempo da CART 2520,  em 1970, sítios por onde também passarei dois anos depois...]



Mapa da Guiné (original e cópia). A cópia refere-se à localização de bases dos guerrilheiros, de zonas de infiltração destes a partir dos países circunvizinhos, de áreas onde a acção da guerrilha era mais intensa e dos aquartelamentos das unidades militares portuguesas, elaborado por militar das NT em 1968, e encontrado um ano depois num dos aquartelamentos no interior do território.

Fonte: Renato Monteiro & Luís Farinha, (1990),  Guerra Colonial - Fotobiografia. Lisboa. Publicações Dom Quixote, Circulo de Leitores e Autores. pp. 130/131. (Com a devida vénia...)

Continuação da entrevista com Diaz Delgado (no docuemto em pdf, a que tivemos acesso, as páginas não estão numeradas. mas o total da entrevuista corresponde, no pdf, ao cap X (pp. 65/78). O Diaz Delgado regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Para ligar o presente texto com o anterior,  a questão n.º 17 (xvii, na nossa rnumeração romana) foi repetida. Tradução, fixação de texto, negritos,  itálicos e realces a cor são da nossa responsabilidade bem como todas as notas em parênteses retos.

Este documento merece ser conhecido e parcialmemte partilhado com os nossos leitores, e em especial os camaradas e amigos da Guiné.

Cuba terá mandado cerca de 60 "voluntários internacionalistas" para apoiar a luta do PAIGC, entre 1966 e 1974 (entre os quais 9 ou 10 médicos).  A mortalidade foi elevada (cerca de 15%), apesar das grandes preocupações de Amílcar Cabral com a sua segurança. Conhecemos pelo menos os nomes de 9 combatentes "internacionalistas cubanos" mortos ao lado dos guerrilheiros do PAIGC:  tenente Raúl Pérez Abad, Raúl Mestres Infante, Miguel A. Zerquera Palacio, Pedro Casimiro Llopins, Radamé Sánchez Begerano, Eduardo Solís Renté, Felix Barriento Laporte, Radamés Despaigne Robert e Edilberto González...

O primeiro a tombar em combate foi Félix Barriento Laporte, em 2 deJulho de 1967, no ataque ao quartel de Beli, a nordeste de Madina do Boé. 


(xvii) Tem outras memórias da estadia 
em Sará?

Um dia, pela madrugada, chegou à nossa tabanca (assim se chamam as aldeias ali, nas quais existem várias construções que podem ser 7, 8 ou 10) um miúdo que se chamava Kumba [imagem ao lado, a ser assistido pelo cirurgião Domingo Diaz], com aproximadamente quatro anos. Estava em boas condições gerais, mas com uma grande ferida na perna direita onde se tinha lesionado, vendo-se o osso e as artérias, pois foi na face anterior. Impressionou-me o estado anímico em que chegou, com naturalidade, sem uma lágrima, nem um sinal de dor.

(…) Foi tratado pelo ortopedista Teudi Ojeda e por mim. (…) Durante o tratamento sem anestesia, Kumba manteve-se igual, sem uma lágrima e sem manifestar dor. A esta situação já nos tínhamos habituado particularmente na população adulta.




(xviii) A que se deve essa resistência?

Creio que é um problema de cultura, de formação, das condições duras que se vive naquele país. Por uma razão de formação e de valentia, os habitantes desta parte de África controlam e resistem à dor. Fizemos operações de abdómem sem anestesia a pacientes conscientes, que não se queixaram. Isto também acontece nos países asiáticos como o Vietname. Doentes com uma perna partida são tratados e não expressam a dor. Resistem. Guardo uma foto de Kumba, quando o tratámos no acampamento,




(xix) Quantas cirurgias realizou 
nesse tempo?

A frio realizei umas quantas, em patologias que necessitavam como hérnias, inguinais, umbilicais, enguino-escrotais. Operei umas vinte hérnias com anestesia elementar que me proporcionava o doutor Pedro Labarrere, o clínico que às vezes fugia da anestesia, porque o sistema chamado éter rainha ou éter gota-a-gota, que se realiza primeiro com uma indução de cloro de etilo para que o paciente perca a consciência rapidamente e depois se aplicava o éter gota-a-gota. Este tipo de anestesia, que inclusivamente, nessa época, era muito frequente nos hospitais de Havana, provocava muita secreção, e depois teríamos de lhes dar atropina por administração parental, para a diminuir.

Não tivemos nenhuma complicação, mesmo sem a administração de antibióticos. Nesta região, por estarem virgens os organismos dos seus habitantes, com uma dose mínima de antibiótico se pode controlar facilmente qualquer infecção. Também vimos doentes com hérnias sujas que não se infectavam e que no início não o entendíamos.

A isto se adiciona o clima desfavorável com um calor insuportável no verão [, estação das chuvas], embora no inverno [, estação seca,] fizesse bastante frio. Apesar do grande calor, as feridas não se infectam. Esta situação era-nos favorável, porque a quantidade de antibióticos que dispúnhamos era mínima e vinham do exterior, com as consequentes dificuldades de transporte, uma vez que em Sará estávamos a cinco dias de caminho até à fronteira com o Senegal, cujo governo não ajudava a guerrilha do PAIGC, tornando muito complicada a obtenção de medicamentos através desta via.

Inclusivamente transportar guerrilheiros feridos para o Senegal era um problema e muitas vezes havia que fazer um grande percurso por terra, contornando toda a fronteira até chegar a Koundara, no Norte da República da Guiné, para depois os levarmos a Conacri, onde recebiam o apoio médico. No total, entre o ortopedista e eu, realizámos umas cento e cinquenta operações a civis e militares, incluindo hérnias, feridas de balas, fracturas e outras urgências.



(xx) Quando deixou o bigrupo? 

Com o bigrupo continuei a acompanhá-lo permanentemente pela Zona Norte, mas mais tarde comecei a ter vários problemas importantes de saúde como paludismo crónico, viroses, e uma lesão infiltrativa tuberculosa. Por essa razão o chefe da missão, que naquela altura era já o comandante Víctor Dreke (Moja), decidiu retirar-me até ao meu restabelecimento total.

Mas antes da saída e ainda na base de Sambuiá  [,  Zambulla, no original], quase todos os dias as tropas portuguesas nos atacavam com morteiros e canhões que caíam muito perto de nós. Essa base portuguesa ficava somente a quinze minutos a pé. Mas uma noite notámos que as canhoadas caíam mais longe, passando-nos por cima e sentindo o som, caindo muito mais longe. Eu estava com o chefe do grupo da Frente Norte, o tenente Alfonso Pérez Morales (Pina), surgindo-nos a dúvida de que estas canhoadas tão longe queriam dizer que as tropas estavam avançando por terra para nos surpreender. Esta nossa percepção estava certa, uma vez que pelas quatro da manhã uma companhia constituída por portugueses e naturais começaram o ataque.

Por sorte, os primeiros tiros foram do nosso lado, na sequência de uma ronda que estava a ser feita por dois guerrilheiros que, ao detectarem a presença do inimigo,  reagiram e acabaram por matar o comandante da companhia. [Possível referência à Op Cacau, em 4/6/1967, em que morreu o cap inf José Jerónimo da Silva Cravidão, cmdt da CCAÇ 1585, na região de Bricama (Farim), no dia em que fazia 25 anos, se bem que o médico cubano refira outra data, março de 1967, quando foi a seguir evacuado para Conacri com paludismo,, regressando ao fimd e 3 meses: no período em que o Diaz Delgado esteve na Guiné,  na frente norte, entre agosto de 1966 e janeiro de 1968, não temos informação de mais nenhum comandante de companhia morto em combate numa operação] (**).

Por outro lado, as tropas portuguesas reagiram ao fogo e praticamente devastaram todas as palhotas da base, onde conviviam os guerrilheiros com a respectiva população. Só tive tempo, pois ouvia a fala dos atacantes, de dar uma volta à minha cama (recordo que estava com uma crise de paludismo) e rastejar até desaparecer no meio das explosões das granadas de morteiro e dos disparos. Aquilo transformara-se num inferno.

Mas, como quase sempre sucedia, quando havia tiros de resposta, não avançavam, pois não estavam dispostos a combater. Esta base era dirigida por Campané, um homem muito valente e que se bateu com afinco detendo o ataque. Certo é que, se [as tropas portuguesas] têm avançado,  não teria ficado nada.

Na rectaguarda do acampamento passava um rio no qual entrei com água pela cintura cerca de três horas, embora as balas me passassem por cima. De qualquer maneira mantinha a pistola, pois o meu desejo era de nunca ficar prisioneiro.

Posteriormente começaram a sobrevoar a zona alguns helicópteros, baixando para recolher os mortos e os feridos. Passava do meio-dia, regressei à base que estava completamente destruída e não pude recuperar nenhum dos meus bens, nem tampouco os ténis. Este tipo de calçado era mais aconselhável para aquele contexto, pois como tínhamos de atravessar muitos rios e riachos, secavam mais rápido que as botas e eram mais leves.




Guiné > Região do Cacheu e região do Oio > Os nossos aquartelamentos junto à fronteira com o Senegal e a Frente (do PAIGC) São Domingos / sambuiá. Fonte: SUPINTREP nº 31, fevereiro de 1971.


(xxi) Quando saiu para a República da Guiné?

No dia seguinte ao do ataque a Sambuiá,  inicio a viagem pelo mesmo caminho por onde tinha entrado havia oito meses [a povoação de Yiriban, rumo a Ziguinchor]. Isto aconteceu em março de 1967. Volto a Conacri onde permaneci cerca de três meses em recuperação. O comandante Víctor Dreke, que era o chefe da missão militar cubana, deu-me um apoio muito bom.



(xxii) Recorda outros factos interessantes da sua primeira etapa no norte da Guiné-Bissau?

Tenho muitos para contar. Por exemplo, nas primeiras caminhadas que fiz perdi todas as unhas dos dedos dos pés. Ficaram pretas e caíram porque não estava preparado para esse desempenho, uma vez que os pés se mantinham quase todo o tempo húmidos e as travessias eram intermináveis. Depois de ter perdido peso, e com o treino diário, consegui ter mais resistência. Fiquei tão fraco que parecia uma “corda de violino”. Mas fiquei com o hábito de andar e em Cuba percorro cinco quilómetros todos os dias.

Noutra ocasião, quando me encontrava na base de Liador, também no Norte, recebi uma mensagem num pequeno papel escrito por Francisco Mendes,  um dos chefes militares da zona a quem chamavam de Chico Mendes ou Chico Té. Ele, atraído pelo triunfo da Revolução, foi o primeiro presidente da Assembleia do Poder Popular desse país e morreu depois num acidente. Nesse papel solicitava-me que fosse ver uma mulher que estava com sinal de parto e em dificuldade de parir.

Essa noite saí com outro companheiro e um guia até uma aldeia um pouco distante e nos perdemos. No trajecto cruzamos dois corredores com muito cuidado e com a arma na mão, pois por ali passavam regularmente viaturas com portugueses. Quando chegámos, encontramos uma mulher aparentando uns vinte e quatro anos (e com aquela idade era quase uma velha pois a esperança de vida, naquela época, era de quarenta anos). Estava no chão, rodeada de galinhas e uns porquitos e já havia parido um dos bebés, pois tinha gémeos.

Eu tinha bastante experiência em partos, porque durante a minha carreira fiz as práticas no Hospital da Maternidade Obrera [Operária], aonde realizei mais de uma centena. Como este bebé se encontrava emperrado, sabia que devia introduzir a mão para o retirar. Ao ver que o bebé estava em boa posição,  lá o conseguir extrair sem problemas.

A mãe tinha feito um quadro psiquiátrico e que me pareceu ter contraído tétano. Começou por dizer que o primeiro filho não era seu, mas só o segundo, e queria matar o primeiro, no que foi impedida pelos seus familiares. 

No entanto, administrei-lhe dez milhões de penicilina nos dias seguintes e o trismo, que é a contracção da mandíbula que se vê nos tétanos, cedeu. Ela sobreviveu, embora mantendo o quadro psiquiátrico.

Continua.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriors:

22 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16224: Notas de leitura (850): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte I: a partida de La Habana e os primeiros contactos com o PAIGC (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

24 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16234: Notas de leitura (851): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte II: a vida dura nas base de Sara, na região do Oio (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

(**) Vd. postes de:

24 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P16284: Nota de leitura (855): Feira da Ladra, 2 de Julho de 2016: um documento raríssimo e um livro excecional sobre a Lisboa africana (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
A Feira da Ladra é um ponto de partida para certo tipo de escavações e de encontros surpreendentes, com papéis insuspeitáveis, caso desta edição do GADCG, que demorei a saber sobre a sua efemeridade na clandestinidade e também a "Lisboa africana" com belíssimas fotografias de Elza Rocha, também autora de textos com o escritor José Eduardo Agualusa e o jornalista Fernando Semedo.
Como já lá vão 23 anos sobre esta publicação, bom seria que um editor se afoitasse a apoiar um projeto da grande Lisboa africana do nosso tempo, com outra gente, outras situações, a despeito de muitos Manjacos em S. João do Estoril e Fulas em Chelas J e na Reboleira.

Um abraço do
Mário


Feira da Ladra, 2 de Julho de 2016: um documento raríssimo e um livro excecional sobre a Lisboa africana

Beja Santos

Mal chegado à loja de Eduardo Martinho, um camarada da Guiné, recebeu-me este especialista em livros com interjeições acaloradas: “O que eu tenho aqui para si, veja as surpresas que o esperam!” Com os mesmíssimos cuidados com que usaria para me mostrar uma carta manuscrita inédita do Rei D. Carlos para João Franco, tirou de uma gaveta um exemplar um tanto puído do discurso pronunciado por Aristides Pereira no Boé, em 23 de Setembro de 1973, texto passado ao stencil, edição do GADCG – Grupo da Ação Democrática de Guiné e Cabo Verde, que era constituído essencialmente por estudantes ligados ao PAIGC, e que depois se dissolveram. O que neste documento se publica é exclusivamente o discurso de Aristides Pereira, todo ele centrado na glorificação de Amílcar Cabral e a sua obra, as etapas da luta de libertação, o reconhecimento internacional, a unidade do PAIGC, e a tal propósito o novo secretário-geral do PAIGC vai citando abundantemente Amílcar Cabral. Vivendo-se um período conturbado a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral e depois de operações e atos militares que tinham instalado uma maior confiança no PAIGC, pairava no interior da liderança e nas fileiras um elevado grau de tensão em que o sentido da unidade já carecia de sentido. Daí as repetidas alusões de Aristides Pereira ao papel da unidade na trajetória ideológica de Amílcar Cabral. Daí o seu discurso exaltar, perto do seu termo, “Glória eterna ao camarada Amílcar Cabral, militante n.º 1 do nosso Partido que, com o seu patriotismo e a sua clarividência revolucionária, a sua capacidade e a sua inteligência, deu toda a sua vida pela libertação do nosso povo, transformando-o no obreiro principal de todas as nossas vitórias e de todos os nossos empreendimentos. Ele está aqui reunido connosco, nos nossos espíritos, nas nossas cabeças e nos nossos corações”.

O documento não traz nenhum aporte ao que já se sabia ter acontecido nesse dia na região do Boé, mas é uma peça de estimação para os colecionadores.



“Lisboa africana”, por Elza Rocha, José Eduardo Agualusa e Fernando Semedo, Edições Asa, 1993, é um belíssimo livro e onde a Guiné tem o justificado destaque. Logo na abertura:
“Quem passar pelo Rossio encontra todos os dias grupos de africanos em conversa tranquila. Observando com cuidado, percebe-se que estes grupos não são idênticos.

Em frente da Pastelaria Suíça, junto à boca do Metro, concentram-se jovens de pele muito escura. Falam entre si numa linguagem clara e calorosa – onde é possível adivinhar o sabor de antigas palavras portugueses – e riem alto, com gestos largos e espontâneos. São guineenses. Mais adiante, debaixo das arcadas do teatro D.ª Maria II um grupo sonolento de velhos guineenses, muitos deles usando os tradicionais barretes de lã com que Amílcar Cabral se deixou tratar para a posteridade, conspiram em surdina contra o regime de Nino Vieira. Num quiosque próximo, é possível comprar o jornal Corubal, do movimento Bafatá”.


São igualmente apresentado povos dos outros PALOP, faz-se uma sinopse da presença africana em Lisboa. Mas adiante fala-se em guerreiros Fulas, veio uma larga referência àqueles que tiveram que fugir por terem combatido nas fileiras portuguesas, com destaque para os ex-comandos. Segue-se uma referência aos Manjacos, como se segue: 

"O Fim do Mundo, em S. João do Estoril, as Marianas, em Carcavelos, Chelas e Prior Velho, em Lisboa, Quinta do Mocho, em Sacavém, Vale das Amoreiras, na Moita, Vale da Arsena, em Alverca, são os locais de maior concentração populacional de guineenses. Há ainda muitos na Margem Sul, Almada e Setúbal sobretudo. Também repartem quartos em velhas e pobres pensões da zona de Almirante Reis. Os principais núcleos de Manjacos podem encontrar-se no Fim do Mundo, nas Marianas, em Algés e no Prior Velho. Os Manjacos, tal como os Fulas são as subcomunidades mais identificadas. O apelo do gregarismo da comunidade guineense é, sobretudo, visível ao nível da animação. Há duas empresas de espetáculos formadas por guineenses e que apenas produzem festas e convívios para naturais deste país. A primeira foi a Kilimanjaro, que se destacou na organização de festas populares. Depois, apareceu a Tabanca que, às sextas-feiras e domingos, tem alugada a discoteca Bambu para festas quase exclusivamente concorridas por guineenses”. 


Fala-se na Associação Guineense, em Fernando Gomes Ká e da Associação Guineense de Solidariedade Social. Fala-se nos trabalhadores da construção civil nos batuques da noite, nos fados tropicais, na literatura africana, e assim chegamos aos curandeiros. Um deles é guineense, Samba Seidi, na altura com 67 anos. Foi militar português, hoje exerce a função de curandeiro, deixou em Bafatá mulher e nove filhos. Oiçamos a descrição: 

“Tudo se passa no chão do quarto onde dorme, sobre uma esteira pousada ao lado do colchão. Ele senta-se de pernas cruzadas e descalço; o cliente também deve descalçar-se, mas fica sentado numa pequena cadeira de lona. Os elementos utilizados por Samba Seidi na procura de respostas e soluções foram todos trazidos de Bafatá. Serve-se de um grande punhado de pequenos búzios e de um dóli, semente seca e dura, de cor vermelha. Também manipula um rosário de 99 contas. A consulta começa com um conjunto de gestos silenciosos em que o curandeiro deixa cair os búzios e o dóli, afasta uns, pega noutros, entrega alguns ao visitante. O curandeiro sopre a balbucia algumas palavras em tom baixo para os búzios selecionados, até que os pousa de novo no chão; o visitante faz o mesmo. Na forma como eles se dispõe, o curandeiro encontra resposta para tudo; ou, praticamente tudo. Diz ao cliente que tipo de problema é que ele tem, as dificuldades por que está a passar, quais são as perspetivas ou formas de os ultrapassar”.

Este livro foi muito provavelmente um roteiro útil para a Lisboa africana e arredores, com as suas informações sobre restauração, oposições ao PAIGC, ao MPLA e à FRELIMO, temos aqui heróis africanos atuais como Jorge Perestrelo, a quem os autores chamam o Luandino Vieira do relato desportivo, filho, neto e bisneto de angolanos brancos, um relator desportivo que começou o ofício quase por acaso em Sá da Bandeira e que chamou à atenção de Emídio Rangel. Obteve sucesso em Lisboa mas é (ao tempo) um dos muitos angolanos que sonha com o regresso definitivo à terra onde nasceu: “Há sempre aquele apelo; um cancro que nos vai minando, um cancro de saudade. O apelo que só aquela terra tem; um feitiço de conseguir diariamente nos chamar”.

Trata-se porventura de um livro do passado. Mas que belo livro!
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16267: Nota de leitura (854): Os Livros do Povo - A Guiné Portuguesa em 1917, Livraria Profissional, Lisboa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16283: Parabéns a você (1106): José Zeferino, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4616 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16260: Parabéns a você (1105): António Nobre, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70)

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16282: Blogpoesia (459): "Palavras que o vento eleva" (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem do dia 6 de Julho de 2016, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos "Palavras que o vento eleva".

Caríssimos!
Creio que este poema que envio para ser publicado, tem razão de ser no nosso blogue.
A liberdade de expressão e o pluralismo são fundamentais para que se faça história, mas as palavras têm de ser “medidas” para não ferirem susceptibilidades e sobretudo refletirem a verdade e não uma carga de sentimentos e emoções.

Abraço fraternal do
Zé Teixeira

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"Palavras que o vento eleva"

Palavra solta não volta atrás.
Uma vez lançada, voa –
É irreversível.
Tem a leveza do vento
E a força da tempestade,
É como ave que voa em plena liberdade,
E leve barco perdido nas correntes de um rio.
Incontrolável.
E se é de ternura ou amizade,
Pode ser curta ou condensada,
Mas tem um eco infindável.

Palavra puxa palavra –
Uma ideia e outra ideia, e faz-se livro,
Ou poema, ou canção –
E a palavra amável torna-se favo de mel,
Uma oração –
Adoça o espírito e alimenta a vida.
A palavra é a sombra da ação
E também revolução.

A palavra é como o espelho da alma,
E se cheio está o coração,
Perde a luz e adensa a escuridão,
Pois não pode ditar-se com calma.
– Não há espelho que reflita melhor o homem
Que as palavras vindas do coração.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16274: Blogpoesia (458): Deram-me um par de botas e um número (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872)

Guiné 63/74 - P16281: Agenda cultural (495): O filme "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado na obra de António Lobo Antunes, tem estreia comercial em 1 de setembro próximo


Fotograma do filme "Cartas da guerra", do realizador Ivo M. Ferreira, a estrear em setembro próximo.

 Ficha técnica > Realizado por Ivo M. Ferreira • ​baseado no livro António Lobo Antunes, D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto, Cartas da Guerra, de organização Maria José e Joana Lobo Antunes • Argumento Ivo M. Ferreira, Edgar Medina • Fotografia João Ribeiro • Som Ricardo Leal • Decoração Nuno G. Mello • Guarda-roupa Lucha d’Orey •Caracterização Blue • Montagem Sandro Aguilar • Mistura Tiago Matos • Correcção de cor Paulo Américo • Direcção de produção Joaquim Carvalho • Co-produtores Georges Schoucair, Michel Merkt • Produtores Luís Urbano, Sandro Aguilar

P&B | 105’ | DCP • © O SOM E A FÚRIA 2016 | Vendas Internacionais The Match Factory

Fonte: O som e a fúria > Filmes > Cartas da guerra



1. Mensagem de Marta León, da produtora O Som e a Fúria

Data: 30 de junho de 2016 às 16:17

Assunto: Filme CARTAS DA GUERRA - Estreia em Setembro

 Boa tarde Sr. Luís Graça,


Vi que tem um blog Luís Graça & Camaradas da Guiné , que escreve também sobre a Guerra Colonial.

Contacto-o porque o filme CARTAS DA GUERRA de Ivo M. Ferreira, apresentado em estreia mundial na Competição Oficial da Berlinale 2016, terá estreia comercial em Portugal no dia 1 de Setembro 2016, e achamos que o filme é do interesse dos ex-combatentes do Ultramar.

Gostaria de saber se posso contar com a sua colaboração para divulgar o filme?

O filme estará em várias salas pelo país fora, portanto o mais simples será enviar-lhe uma lista das salas, assim que ela estiver fechada (julgo que será apenas durante o mês de Agosto).

Deixo-lhe abaixo todas as informações sobre o filme:

Sinopse: CARTAS DA GUERRA adapta uma obra do escritor António Lobo Antunes, composta por cartas que este escreveu à mulher, Maria José, durante o período em que esteve em serviço na Guerra Colonial [, em Angola,, 1970/72].

Longe de tudo que ama, escreve cartas à mulher à medida que se afunda num cenário de crescente violência. Enquanto percorre diversos aquartelamentos, apaixona-­se por África e amadurece politicamente.

A seu lado, uma geração desespera pelo regresso. Na incerteza dos acontecimentos de guerra, apenas as cartas o podem fazer sobreviver.

Link do trailer e imagens do filme:

http://osomeafuria.com/films/3/70/

Agradeço desde já a sua atenção e fico a aguardar o seu feedback. Se tiver alguma dúvida ou alguma sugestão, por favor, não hesite em contactar-me.

Cumprimentos,

Marta
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Marta León

O SOM E A FÚRIA
Av. Almirante Reis, 113 – 5º, Esc. 505
1150-014 Lisboa, PORTUGAL

tel +351 213 582 518  tel +351 919 299 133  fax +351 213 582 520
www.osomeafuria.com


2. Comentário de LG:

Olá, Marta, obrigado. Iremos dar o devido destaque ao filme... Vá estando em contacto connosco. Saudações. LG

3.  Resposta de  Marta León, com data de 1 do corrente:
 

Boa tarde, Luís Graça,

Obrigada pela sua rápida resposta e colaboração.

Assim que vá tendo novidades, informo-o! Peço-lhe que, se por acaso colocar alguma informação no seu blog ou na página facebook, me envie o link. Assim posso igualmente divulgá-lo nas nossas redes sociais.

Mais uma vez, muito obrigada pela sua disponibilidade.

Até breve, Marta

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de junho 2016 Guiné 63/74 - P16252: Agenda cultural (487): Mercado oitocentista e recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808): Lourinhã, Vimeiro, 15-17 de julho de 2016 (Eduardo Jorge Ferreira, sargento do RI 19, Vimeiro, 1808; ex-alf mil, PA, BA 12, Bissalanca, 1973/74)