sábado, 28 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16998: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (5): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte II







O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]



O I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL E A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA, ANALISADA NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964


II (e última) Parte


Um mês após a conclusão do I Congresso de Cassacá, na Frente Sul, os responsáveis da Frente Norte, Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira; 1938-1974] e Chico Té [nome de guerra de Francisco Mendes; 1939-1978] tomaram a iniciativa de convocar uma reunião para o dia 21 de março de 1964, sábado, a realizar na Base Central [Morés] entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários [políticos] com o objectivo de estudar e discutir as novas fases do desenvolvimento da luta, e ao mesmo tempo para pôr todos os camaradas ao corrente das resoluções aprovadas na reunião de Cassacá.

No final da reunião do Morés foi elaborado o respectivo relatório, que foi remetido ao Secretário-Geral, e por este recebido em 4 de abril de 1964, onde se fez referência aos temas tratados, ao conteúdo de cada intervenção e ao nome de todos os responsáveis que nela tomaram parte, num total de cinquenta e seis elementos.

Eis os dez pontos da Ordem do Dia [dos Trabalhos]:



1. - Mudança de Táctica

2. - Criação de novas bases
3. - Recrutamento e treinos
4. - Política
5. - Disciplina Militar
6. - Alimentação
7. - Saúde
8. - Instrução literária
9. - Segurança e controle
10. - Ligação.



Como ponto extra foi abordado o “ataque ao Enxalé” e analisada a sua necessidade.

Considerando a extensão do documento, constituído por doze páginas A4 manuscritas, iremos abordar neste texto somente os pontos 7 e 8, relacionados com os assuntos sociais – saúde e educação –, aliás em conformidade com o exposto na introdução.

Esta opção é justificada pelo facto de termos vindo a tratar o tema da saúde utilizando as memórias e experiências vividas por médicos cubanos no apoio à guerrilha, cujos relatos são posteriores a este evento (dois anos; com início em junho de 1966).

Já reproduzimos ao altop deste poste a folha de rosto, ou 1.ª página, onde consta o que acima foi referido.


Ponto 7 - SAÚDE


{Ambrósio] Djassi
– Tudo o que já fizemos e pensamos fazer é devido ao estado normal da nossa saúde. Passo a palavra ao nosso camarada Simão Mendes [enfermeiro] para nos apresentar o relatório elaborado em colaboração com os outros camaradas da saúde.


Simão Mendes
– Digo aos camaradas que vou relatar 10 pontos principais conforme o relatório que fizemos:

1 – Medicamentos: - os medicamentos passarão a ser requisitados trimestralmente, requisitando só os medicamentos de maior consumo na Guiné, dando uma regalia aos guerrilheiros como ao povo. Requisitar materiais de pequena cirurgia o mais breve possível.

2 – Doentes para a fronteira: - mandar urgente para a fronteira todos os feridos ocasionados por ferimento de balas uma vez que não há já recursos locais para a sua extracção. Formar um grupo de transporte de doentes ou feridos graves para a fronteira. Esse grupo será nomeado pelo responsável pela Zona Norte.





3 – Preparação de Ajudantes de enfermagem para outras bases: - serão escolhidas meninas e rapazes para receberem noções de socorros urgentes e de enfermagem.

4 – Escala de Serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária.

5 – Ginástica, sua necessidade e inconveniência: - a ginástica continuará a ser feita como dantes, isto é, todos os dias principalmente para os recém-chegados.

6 – Visitas guiadas às bases: - deslocação quinzenalmente às bases; nesta visita o enfermeiro escolhido procurará colaborar com o povo estudando assim as doenças de 1.ª instância. Serão construídas duas barracas para consultas.

7 – Noções ligeiras de primeiros socorros aos guerrilheiros: - fazendo parte da guerrilha é lícito que todos os guerrilheiros tenham noções de primeiros socorros. Oferecemos a nossa boa vontade neste momento.

8 – Higiene e sua conveniência: - fazendo parte da saúde, para evitar certas doenças, devem todos os guerrilheiros seguir os princípios da higiene do vestuário e limpeza de barracas.

9 – Escala de serviço e sua conveniência: - far-se-á uma escala de serviço, nomeando cada enfermeiro para a sua responsabilidade diária. (Este ponto é igual ao 4).

10 – Colaboração mútua em tudo que diga respeito ao nosso movimento com o povo e guerrilhas: - colaborar com a nossa população explicando a todos as inconveniências que o abuso excessivo dos medicamentos pode ocasionar. Paciência absoluta, dando ao povo explicações do emprego de medicamentos.




Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo com as proposições dos camaradas da saúde e resolveram criar forças para garantir a execução do que está acima indicado.



Ponto 8 - INSTRUÇÃO LITERÁRIA



Djassi
– Depois de tudo devemos começar a pensar na instrução dos guerrilheiros e do povo. Hoje podemos dispor de alguns livros apanhados e que já empregamos para o mesmo fim. Os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases para começarem a instrução literária.

Chico Té
– Devemos fazer esforços para pôr isso em prática o mais breve possível apesar de poucos meios do que nos dispomos actualmente.


Luís Gomes – Neste ponto posso dizer que é muito importante para a nossa vida e o desenvolvimento da nossa terra. A instrução não é só para crianças mas sim também para adultos.






Resolução:


Todos os camaradas estiveram de acordo neste ponto, e os camaradas que vieram de Bissau vão ser distribuídos nas bases a fim de começar com a instrução literária. Devido à falta de material escolar solicitamos aos dirigentes superiores do Partido o envio de algum material neste campo.


Citação:
(1964), "Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40112 (2016-12-28)


Fonte (,com a devida vénia...):

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.157
Título: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central.
Assunto: Relatório da reunião entre os responsáveis de bases e os sub-comisssários da Base Central, assinado por Chico Té (Francisco Mendes) e Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira). Ordem do dia: mudança de táctica, criação de novas bases, recrutamento e treinos, política, disciplina militar, alimentação, saúde, instrução literária, segurança e controlo e ligação. Ataque de Enxalé.
Data: Sábado, 21 de Março de 1964.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Documentos


Em função do exposto, e em jeito de conclusão, podemos dizer que a organização do PAIGC, passados quinze meses do início da sua luta armada, ainda era excessivamente precária, onde os adjectivos: instável, delicada, insegura, débil e pobre, enquanto sinónimos, completam o seu quadro mais global.

Mas poderia ser diferente para melhor? Não creio… pois tudo na vida é processo e projecto.

Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade e votos de boa saúde.
Jorge Araújo.
4jan2017.

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Nota do editor:

Último poste da série 26  de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16991: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (4): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte I

Guiné 61/74 - P16997: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (13): O dia mais triste...

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CART 2339 (1968/69) > 1969 > Mansambo

Foto: © Carlos Marques Santos (2006)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 20 de Novembro de 2016:

Amigo Carlos
Antes de mais, faço votos para que te encontres de boa saúde assim com os que te são queridos.
Acabo de escrever e vou enviar-te um pequeno texto recordando aquele que foi o dia mais triste do meu tempo de Guiné.
Recebe um abraço


PEDAÇOS DE UM TEMPO

13 - O DIA MAIS TRISTE...
 
Quando “tropeçamos” no passado mesmo que tal tenha acontecido há já muito tempo, a mente leva-nos a viver situações que podem ser boas ou más, mas não há como fugir. Foi o que aconteceu comigo há dias ao ler um dos postes publicado sobre a construção das instalações de Mansambo.

Cheguei aquele local uns dias mais tarde que a minha companhia, e no dia que os “velhinhos” nos deixaram fiz o meu primeiro serviço, acompanhado pela G3 que era para mim quase desconhecida, fui um dos que foram fazer segurança ao pessoal que andava a transportar a água para as nossas instalações, chuveiros, cozinha e abrigos.

Éramos oito os homens da companhia incluindo o motorista do unimog e o ajudante, mais os picadores que eram três. A distância entre as nossas instalações e fonte era de poucas centenas de metros mas pela manhã o trajeto era sempre picado para que o unimog 411 e acompanhantes pudessem passar em segurança não fosse estar por lá alguma mina colocada durante a noite.

Quando lá chegámos fomo-nos distribuindo para junto de algumas das árvores que lá existiam, só regressámos às instalações próximo da hora de almoço. Foi à sombra de uma de maior porte que me “instalei”. Enquanto lá estivemos não me lembro de ter falado com algum dos camaradas ali em serviço mas sei que o cérebro não parou de pensar, em quase tudo, só que em nada de bom.
Ver os velhinhos partir com a alegria natural de quem conseguiu chegar ao fim da comissão e vai regressar a casa, e pensar no tempo que nos faltava para que também nós pudéssemos viver um dia assim… na altura, falava-se que seria vinte e dois meses depois foram quase vinte e sete.
Preparação para a guerra na Metrópole eu não tive, apenas tinha utilizado a arma duas vezes onde disparei cinco tiros de uma vez e vinte de outra.

A minha recruta e especialidade foram feitas em apenas três meses, no Trem Auto, dos quais três semanas foram passadas no hospital, HMDIC em Lisboa, depois oito meses no RAP3 Figueira da Foz com a especialidade de monitor auto. De guerra e armas nada conhecia, daí a minha falta de preparação, tive que me habituar à situação que todos vivemos, mas fui sempre um fraco guerreiro.

Era já perto de meio-dia quando regressámos da fonte, estava psicologicamente arrasado, foi então que antes do regresso me ocorreu uma frase que escrevi num papel que tinha comigo e que me acompanhou durante todo o tempo de comissão que simplesmente dizia: tem calma, ainda és jovem e o tempo há-de passar.

Foram várias as vezes que li essa frase assim como outras que entretanto fui escrevendo. Algumas vezes ajudou mesmo… Mas aquele dia foi de todos o mais triste… ainda hoje está presente na minha mente como se fosse ontem. Mais tarde em Cobumba passei por momentos bastante mais difíceis, mas aí, a tristeza não raramente passou a dar lugar à raiva…

António Eduardo Ferreira.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > 1996 > O Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1968/69), contemporâneo da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). posando junto ao único memorial que ainda restava, de pé, o da CART 2714 (1970/72)... Dos fundadores, "Os Viriatos", a CART 2339, bem como do quartel que eles erigiram e inauguraram, restavam apenas alguns fragmentos e vestígios... Foto de Humberto Reis (2006)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16773: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (12): Memórias que me acompanham

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16996: Meu pai, meu velho, meu camarada (49): O que conseguimos saber, até agora, do ex-1º cabo Armindo da Cruz Ferreira, companhia de acompanhamento do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11, Cabo Verde, Ilha do Sal (junho de 1941-dezembro de 1943) a pedido da sua neta, Albertina da Conceição Gomes, médica patologista na Noruega


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 > 1ª Companhia >  1942. O primeiro da direita é 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989) [Foto nº 7].


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia >  1942 >  O primeiro à esquerda é 1º cabo Feliciano Delfim Santos...Chamavam-lhe o Errol Flynn, por parecenças com o então popular ator, de origem australiana [1909-1959], naturalizado americano em 1942,  que se popularizou m Hollywood , em "filmes de capa e espada". [Foto nº 11]


Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra Lume > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia > 1942 >   Junto a um dos barracões que funcionavam como caserna, no aquartelamento do "Onze" >  O Feliciano é o segundo, sentado, da esquerda para a direita [Foto nº  9].


Cabo Verde > Ilha do Sal >  Pedra de Lume  > 1º Batalhão do RI 11 > 1º Companhia >  1943 > O aquartelamento  do "Onze"... [Foto nº 25].

Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Albertina da Conceição Gomes,  de origem cabo-verdiana, médica patologista a viver e a trabalhar na Noruega, com data de ontem, agradecendo ao nosso blogue e ao nossos colaboradores José Martins e Augusto Silva Santos, tudo o que temos feito, de maneira empenhada e solidária,  para  encontrar "pistas" que levem ao paradeiro e à família do seu avô paterno, português, que foi militar, expedicionário em Cabo Verde, na ilha do Sal, durante a II Guerra Mundial (de junho de 1941 a dezembro de 1943)(*).

Olá a todos

Os meus olhos encheram-se de lágrimas só de saber que encontraram alguma informação do meu avô. Ao menos sabemos ao certo que o meu avô se chamava Armindo da Cruz Ferreira.

Boa noite,
Albertina


2.  Comentário do editor:

Albertina, o que é que já sabemos mais  sobre o seu avô paterno, que foi camarada dos  pais de alguns de nós,  tendo estado em Cabo Verde, na ilha do Sal, em missão de soberania, durante a II Guerra Mundial ?

O  nosso camarada Augusto Silva Santos, filho do 1º cabo Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), que esteve na ilha do Sal com o seu avô,  já  descobriu que:

(i)  o nome do seu avô era  mesmo ARMINDO DA CRUZ FERREIRA (e não Armindo da LUZ Ferreira, como supunha o seu pai, felizmente ainda vivo,  Armindo Maria Gomes, de 74 anos, nascido portanto em 1942, e que teria 16/18 meses quando o seu avô regressou, em dezembro de 1943 à metrópole, com o seu batalhão);

(ii) tinha razão, portanto, o amigo do seu pai, o médico com quem ele viajou até São Tomé, que garantiu que o seu avô se chamava (ou chama) Armindo da Cruz Ferreira;

(iii) o 1º cabo Armindo da Cruz Ferreira pertenceu à Companhia de Acompanhamento do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria 11  [, RI 11,  Setúbal, ] a Cabo Verde, comandada pelo capitão José Francisco Marquilhas;

(iv) além desta companhia (de comando e serviços), o 1º batalhão tinha mais três, subun idades operacionais, a 1ª, a 2ª e  3ª companhias; o Feliciano Delfim dos Santos pertencia à 1ª companhia;

(v) estas informações constam de um pequeno livro editado pela Assembleia Distrital de Setúbal, datado de fevereiro de 1983, de homenagem  aos "Expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941- 1943)", da autoria de José Rebelo, capitão;

(vi) essa brochura, de que o Augusto Silva Santos tem uma exemplar, pertença do seu falecido pai,  está a ser digitalizado na íntegra e teremos muito gosto em mandar à Albertina  uma cópia em pdf:  tem 76 páginas e dezenas de imagens do pessoal deste batalhão, e da sua passagem pelo arquipélago de Cabo Verde;

(vii) a referência ao 1º cabo Armindo da Cruz Ferreira, consta da pág. 9 desta brochura: capítulo III, composição da já referida Companhia de Acompanhamento;





Capa e excertos da brochura "Os expedicionários do Onze a Cabo Verde (1941-1943), de José Rebelo, capitão  (Setúbal: Assembleia Distrital de Setúbal, 1983, página ).

(viii) na pág. 16 aparece uma foto de um 1º cabo Armindo, mas pelos restantes elementos que o acompanham na mesma, não nos parece ser o avô da Albertina, mas sim o 1º cabo Armindo Pinto Gonçalves, que pertencia à 2ª Companhia;

(ix) na companhia a que pertencia o Armindo, também há um tenente de infantaria, oficial do quadro, que tem o mesmíssimo apelido do Armindo: o seu nome completo é Aurélio Augusto da Cruz Ferreira; seria muita coincidência este oficial ser parente ou familiar próximo do Armindo, mss não descartarmos essa hipótese.

(x) sabemos que este oficial foi condecorado com o Grau de Cavaleiro da Ordem Militar de Avis, por decreto de 19 de março de 1940, publicado no Diário do Governo em 19 de setembro desse ano, portanto, um ano antes da mobilização para Cabo Verde.

Por conversa, ao telefone,  com o Augusto Silva Santos, esta  manhã, chegámos os dois à conclusão que o pessoal do 1º batalhão expedicionário do RI 11 devia ser quase todo, ou em grande parte, oriundo do distrito de Setúbal, e alguns talvez de Lisboa e arredores... O pai do Augusto, esse,  era "alfacinha de gema",  ou seja, nado e criado em Lisboa...Por outro lado, segundo o Augusto, não há apelidos "alentejanos", invulgares, como Sardinha Fresca, Bacalhau Preguiça, etc. O 1º Batalhão do RI 11, que esteve do Sal, era composto por 852 homens. Ao todo no Sal estavam aquartelados 2244 homens (Vd. gráfico abaixo)

Tudo leva a crer que o Armindo da Cruz Ferreira fosse de Lisboa ou da "outra banda do Tejo", de algum concelho ribeirinho (Almada, Seixal, Barreiro, Montijo, etc.)...Mas se ele foi para a PSP - Polícia de Segurança Pública é mais provável ser de uma cidade como Lisboa ou Setúbal.

Pesquisei nas Páginas Brancas.pt [ http://www.pbi.pai.pt/]: só encontrei um Armindo Ferreira Cruz [e não da Cruz Ferreira]... no Lavradio, Barreiro. Fiz pesquisas igualmente nas Páginas Amarelas [ http://www.pai.pt/].

É bastante improvável que o Armindo ainda hoje esteja vivo, tendo em conta que esta é uma geração praticamente extinta  (mas oxalá que sim; e se sim, estará então com 96 anos...). É  improvável também que haja alguma assinatura de telefone fixo em seu nome... Mas pode haver descendentes  dele, filhos, netos e bisnetos, com  este apelido, "da Cruz Ferreira" (, dmitindo, como mais provável, que ele tenha constituído uma nova família, depois do seu regresso de Cabo Verde).

De acordo com o pedido José Martins, é muito importante que a família, neste caso a sua neta e o seu filho, nos diga o seuinte: (i) o Armindo alguma vez contactou a família (companheiro e filho) que ficou em Santa Antão, depois do seu regresso a Portugal ?; (ii) como é que a família soube que tinha ele ido para a polícia ); (iii) há cartas ou outros documentos com alguma morada dele ?;  (iv) há fotos dele com a avó da Albertina, mãe do  filho Armindo Maria Gomes ); (v) aAlbertina tem mais irmãos ?; e, já agora, qual é a nacionalidade atual da Albertina e como é que se está a dar  na "terra dos vikings" ? (**)

Por ora é tudo, boa noite, bom sono... LG





Mapa de Cabo Verde.  Fonte: Cortesia do blogue da Wordpress, "Cidadania da CPLP"


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Notas do editor

(*) Vd. postes de:

19 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16970: Em busca de... (272): Meu avô paterno, português, de seu nome Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943)... (Albertina Gomes, médica, Noruega)

25 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P16988: Em busca de.. (273): Armindo da Luz (ou Cruz?) Ferreira, ex-1.° cabo n.° 300, 1.° Batalhão Expedicionário do RI 11 (Cabo Verde, Ilha do Sal e Ilha de Santo Antão, junho de 1941 - dezembro de 1943), avô de Albertina Gomes (médica, Noruega)... Diligências do nosso blogue e colaboradores, Augusto Silva Santos e José Martins

(**) Último poste da série > 1 de  agosto de  2016 > Guiné 63/74 - P16353: Meu pai, meu velho, meu camarada (48): No 10º aniversário da morte do meu pai (Victor Barata, fundador e comandante do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74)

Guiné 61/74 - P16995: Notas de leitura (924): Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 (Mário Beja Santos)

Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues
Com a devida vénia a Casa Comum


Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Folheava os "Ecos da Guiné", publicação oficial que teve audiência nos anos 1950, e deparou-se-me uma série de boletins informativos que saíram do punho de Cabral, quando ele estava à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais.
Tendo saído menino e moço para Cabo Verde, regressa a sua terra-natal depois de diplomado em Engenharia Agronómica, especialidade de erosão de solos. Vem acompanhado pela mulher, aqui chegam em Setembro de 1952. É um período sobre o qual se teceram algumas lendas: que teria sido expulso, o que se dá como não provado; que graças ao recenseamento agrícola a que procedeu entre 1953 e 1954, ganhou a confiança das populações, o que é manifesto exagero, Cabral percorreu território muito rapidamente, mas é certo e seguro que ficou a conhecer a natureza dos solos e sobretudo as reais capacidades do uso de certas regiões para constituir bases de guerrilha, no interior da Guiné. Escrevia com precisão e rigor, com um domínio absoluto da língua, como estes excertos comprovam.
Os especialistas já conhecem estes documentos, mas é bom que eles venham até ao nosso auditório.

Um abraço do
Mário


Os primeiros documentos de Amílcar Cabral na Guiné, 1952 

Beja Santos 

Em Setembro de 1952, Amílcar Lopes Cabral está à frente do Posto Agrícola Experimental dos Serviços Agrícolas e Florestais da Província. Introduz um novo método de comunicação, redige boletins informativos que irão ser publicados em “Ecos da Guiné”, uma publicação oficial que era seguramente lida pelo funcionalismo da Administração e um vasto público ledor da região.

No número 30, com data de 1 de Janeiro de 1953, é publicado o Boletim Informativo n.º 1. Escreve Cabral (não vem assinado, mas é inequivocamente prosa sua): “Constitui um lugar-comum a afirmação que a agricultura é a base da economia da Guiné. Daí o caráter de ‘problema central’ de que se revestem ou devem revestir-se todos os assuntos referentes a esse ramo de produção. Ao posto agrícola experimental está, ou deve estar, reservado o papel de concorrer efetivamente para o melhoramento e o progresso da agricultura guineense”. Pouco depois de empossado Cabral apresenta um relatório sobre o estado em que se apresentava o estabelecimento. Abaixo se publicam alguns estratos. “Duas condições, pelo menos, devem estar na base da consecução deste objetivo: a) a competência e dedicação de quem dirige o posto bem como de todos os trabalhadores; b) o apoio (moral e material) não só da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, mas também do próprio Governo da Província. Essas condições, indispensáveis, completam-se. São a mola real que poderá fazer com que o posto saia da letargia e do abandono em que tem vivido”.
“… O Posto não é, nem deve ser, como muitos parecem julgar a ‘granja do Estado’, destinada a satisfazer as necessidades de alguns habitantes da capital, em hortaliças e frutas. Hoje, este organismo deve corresponder à necessidade da existência de uma Estação de Experimentação Agronómica, cujo objetivo seja o melhoramento da agricultura, base da economia da província. Experimentação orientada cientificamente, de molde a conseguir resultados práticos imediatos, que sirvam o progresso da terra e do Homem. Fora deste objetivo, sem a dedicação dos seus trabalhadores e sem o efetivo apoio das entidades superiores, o posto não passará de um permanente motivo de vergonha”.

Sobre este relatório de Cabral, o Chefe da Repartição Técnica dos Serviços Agrícolas e Florestais, despacha do seguinte modo: “Na própria elevação dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, dos quais o Posto Agrícola é uma das suas imagens reais, todo o apoio será uma realidade”. E o Governador da Guiné procede ao seguinte despacho. "Cremos que meios materiais, dentro do possível, não lhe serão regateados”.

Segue-se a descrição do trabalho executado no primeiro trimestre, é minucioso no que se impõe fazer no campo, nas dependências da granja de Pessubé, sobre o estado das culturas, viveiros e experimentação. Sobre esta última matéria, observa o diretor: “Deve dizer-se que não existe atualmente no Posto qualquer trabalho de experimentação, na sua aceção técnico-científica”. Refere amendoins, bananeiras, café, cacau, cana-sacarina, cultura do algodão.

No número de Fevereiro de 1953, “Ecos da Guiné” publicam o Boletim Informativo n.º 2. Fala-se de uma virose chamada Roseta que flagela a cultura do amendoim, volta-se a reportar o trabalho executado quanto ao estudo das culturas, qual o plano de trabalho para a época que se avizinha e quanto à experimentação é referido que “a cultura experimental do algodão tem-se desenvolvido de molde a permitir uma esperança no seu êxito”. E entra também na observação de outras espécies: trigo, sorgo, cânhamo, soja, girassol, algumas variedades de tabaco.

O Boletim Informativo n.º 3 é publicado em “Ecos da Guiné” no número referente a Maio de 1953, fala-se de jutas, dá-se conta do trabalho executado, o estado das culturas, e a narrativa ganha alento quando se fala da experimentação, com os resultados obtidos no algodão, cana-sacarina, cultura do girassol, feijões, soja, trigo, tabaco.

Na edição de Julho e Agosto de “Ecos da Guiné” publicam-se os Boletins Informativos 4 e 5, e temos aqui um texto esclarecedor da personalidade de Cabral: “Há na Guiné escassez de braços aptos a trabalhar a terra? Não há escassez de braços. Acontece apenas que o agricultor indígena tem relutância em trabalhar por conta alheia. Voluntariamente, trabalha por conta própria, integrado nos costumes da sua comunidade. Na base desta atitude existirá por certo, uma razão económica”. E na sequência destas considerações, prevê grandes mudanças devido à mecanização agrícola, que se adivinha.

Acaba aqui o boletim informativo. Cabral e a mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues, vão envolver-se em fins de Setembro no Recenseamento da Agricultura Indígena, por insistência da FAO. Estão nesta altura já recenseadas as circunscrições de Farim, Mansoa e Teixeira Pinto. Estes textos que acabamos de reproduzir virão a ser publicados nas obras agronómicas de Amílcar Cabral, os seus relatórios referentes ao recenseamento agrícola serão primeiramente publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Findo o recenseamento, Cabral e a mulher adoecem com o paludismo (há uma corrente mítica que pretende que Cabral foi expulso da Guiné pelo Governador Mello e Alvim, não há nenhuma prova, o próprio biografo de Cabral, Julião Soares Sousa, contesta) e regressam a Lisboa. A vida de Cabral vai mudar, trabalhará em Portugal e em Angola até 1959, em seguida parte para a clandestinidade, no Norte de África.

Fotografia atual da casa da Granja de Pessubé em que viveram Amílcar Cabral e Maria Helena Vilhena Rodrigues, reproduzida no nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)

Guiné 61/74 - P16994: Camaradas da diáspora (16): Votos de Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財! Happy Chinese New Year! (Virgílio Valente. Macau, China)




1 Mensagem do nosso camarada Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, região autónoma da China, há mais de 2 décadas; foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74; é o nosso grã-tabanqueiro nº 709.

Date: 2017-01-27 2:32 GMT+00:00

Subject: Bom Ano Novo Chinês! Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year!




Amigos,

親愛的大家

Dear all,

Desejo um Feliz e Próspero Ano Novo Chinês!

在歡樂的佳節,獻上我誠摯的祝福。

祝您新春快樂!萬事勝意!

I wish you a very Happy and Prosperus Chinese New Year!

恭喜發財!

Kung Hei Fat Choi!

Virgílio Valente

韋子倫


"Ama-me quando menos o mereça, pois é quando mais o necessito."  (Provérbio chinês) / "Love me when I least deserve it, because that's when the more need." (Chinese proverb)
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16993: Camaradas da diáspora (15): Um belo e perfeito soneto, "Hibernação", datado de Bissau, abril de 1965... (Augusto Mota, Brasil)

Guiné 61/74 - P16993: Camaradas da diáspora (15): Um belo e perfeito soneto, "Hibernação", datado de Bissau, abril de 1965... (Augusto Mota, Brasil)

1. Augusto Mota, ex-1º cabo, Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, QG, CTIG, 1963/66); viveu em Bissau até 1974, e depois no Brasil, até hoje; natural do Porto, tem a dupla nacionalidade: é o nosso grã-tabanqueiro nº 726, desde 6/9/2016] (*): 

Mandou-nos, com os votos de boas festas, este belíssimo e perfeito soneto, escrito em Bissau no já longínquo abril de 1965, e guardado no "baú das velharias".

Recorde-se que o soneto é um género poético obrigatoriamente com quatro estrofes: (i) as duas primeiras são quartetos (estrofes de quatro versos); e (ii)  as duas últimas são tercetos (três versos, cada um).

 Todos os versos são decassílabos (têm dez sílabas métricas). Camões e Bocage, por exemplo, foram grandes mestres do soneto. Mas também Antero de Quental ou Florbela Espanca... (LG)


HIBERNAÇÃO

por Augusto Mota

Na penumbra de um quarto ruvinhoso,

entre quatro paredes glaciais,
despidas, enervantes, espectrais,
nunca beijadas pelo sol fogoso...

Na penumbra, dizia, nem sinais
do mundo em que vivi, vão, tumultuoso,
onde perdi o filtro milagroso
de gostar como todos os mortais.

Aqui nada acontece de visível.
O tempo passa quase indescritível,
E eu cansado da longa caminhada...

Se alguém assume à porta é o carteiro.
Traz notícias do dia rotineiro
que, compiladas, dão de soma: NADA!

Bissau, Abril de 1965.

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Nota do editor:

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16992: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte II: Portugal e a 2ª Guerra Mundial



Torre de Moncorvo: logo da câmara municipal (cortesia da página do município). O concelho teve 28 mortos na guerra colonial / guerra do ultramar (1961/74). O município erigiu, em 2013, um monumento aos combatentes da guerra do ultramar.


1. Continuação do trabalho de pesquisa do nosso amigo Armando Gonçalves, professor de História, do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado, em Torre de Moncorvo, e que aceitou integrar a nossa Tabanca Grande, passando a ser o nº 733 (*)


Parte II (pp. 7-11)











(Continua)
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Nota do editor:

Poste anterior da série > 22 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16977: Militares mortos na 1.ª Guerra Mundial e Guerra do Ultramar do concelho de Torre de Moncorvo (Armando Gonçalves) - Parte I

Guiné 61/74 - P16991: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (4): O I Congresso do PAIGC em fevereiro de 1964, em Cassacá, a sul de Cacine, e a importância social da saúde e da instrução literária, analisada na base central do Morés em março de 1964 - Parte I


Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/59 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine.

 Fonte: Infogravura: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné (2017)


Capa do livro de memórias de Luís Cabral [1931-2009]: Crónica da Libertação.  Lisboa, Edições ‘O Jornal’. Publicações Projornal, 1984. 464 pp. O autor foi uma testemunha privilegiada deste congresso, o 1º e único a que assistiu Amílcar Cabral.  Sobre o local em que se realizou (a 15 km a sul de de Cacine, e não na ilha do Como...), vd. poste de Carlos Silva, de 3/4/2009  (*)



[O nosso colaborador assíduo do blogue, Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494. Xime e Mansambo, 1971/74): tem já mais de 110 referência no nosso blogue; ainda está no ativo, é professor universitário, doutorado em ciências do desporto. Este texto, a publicar em duas partes, foi submetido ao blogue em 4 de janeiro de 2017]


O I CONGRESSO DO PAIGC EM FEVEREIRO DE 1964 NO SUL E A IMPORTÂNCIA SOCIAL DA SAÚDE E DA INSTRUÇÃO LITERÁRIA, ANALISADA NA BASE CENTRAL (MORÉS) EM MARÇO DE 1964 

1. INTRODUÇÃO

Concluído o tradicional ciclo festivo anual, onde as dimensões tempo e espaço são reservadas, maioritariamente, para os núcleos familiar e sociais mais próximos, primeiro o Natal e depois a despedida do ano velho, alargado a outros pares por razões diferentes, retomamos quase sempre as rotinas anteriores, ainda que se reformulem expectativas e se acrescentem outras, em resultado de novos desejos e objectivos, na maioria das vezes influenciados pelo imemorial ditado popular «ano novo, vida nova».

Dito isto, e nesta oportunidade, ainda venho a  tempo de vos desejar  um Melhor Ano de 2017.

Quanto à temática prospectiva das minhas narrativas, que espero e desejo dar continuidade neste espaço plural, elas continuarão a cruzar os territórios de cada um dos lados do combate, relevando as diferentes acções e o sentido de cada uma delas, visando alargar a sua dimensão historiográfica como um contributo para memória futura.

Assim, como causa/efeito para a elaboração do presente trabalho de investigação histórica está o estudo sociodemográfico relacionado com o bigrupo do cmdt Mário Mendes (1943-1972) [apresentado no P16865], a que se adiciona os comentários do meu/nosso camarada Pereira da Costa [P16891], em particular quando se refere à baixa preparação literária dos guerrilheiros, considerada como realidade inquestionável.

Porque cada comentário, independentemente da sua pertinência ou assertividade, nos permite abrir uma ou mais “janelas” de novas abordagens, o presente texto é disso consequência e/ou exemplo concreto.

Uma vez que só a partir de 1966 foram elaboradas pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra as listas das FARP referentes à constituição dos bigrupos existentes em cada Frente, onde em muitas delas nada consta sobre a variável «formação escolar» de cada individuo, procurámos indagar sobre o que pensavam, naquela época, os principais dirigentes do PAIGC sobre esta problemática.

Para o efeito utilizámos uma vez mais, como fonte de informação privilegiada, a Casa Comum, Fundação Mário Soares, que agradecemos, reforçada com consultas ao vasto espólio do nosso blogue, com especial destaque e a devida vénia aos trabalhos de recensão - «Notas de Leitura» - do camarada Beja Santos.

Neste contexto e como cronologia de partida, recuámos ao ano de 1964, em particular aos fundamentos que levaram à realização do I Congresso do PAIGC, organizado numa área próxima da tabanca de Cassacá, situada a cerca de quinze quilómetros a sul de Cacine (*), e que serão resumidos no ponto seguinte.


2. I CONGRESSO DO PAIGC – CASSACÁ [FRENTE SUL] 
 DE 13 A 17 DE FEVEREIRO DE 1964

O tema sobre a realização do I Congresso do PAIGC, organizado entre 13 e 17 de fevereiro de 1964, por proposta de Luís Cabral (1931-2009), em Cassacá, base situada a quinze quilómetros a sul de Cacine e a trinta da fronteira com a Guiné-Conacri, foi já abordado nos P4122 (Luís Graça) e P4137 (Carlos Silva) (*).

Ainda assim, voltamos a ele com uma dupla intenção.  Por um lado, recuperando o processo histórico mais global, e por outro adicionando-lhe outros elementos particulares incluídos na organização e na vida interna do PAIGC, nomeadamente nas bases criadas no interior do território, como instrumentos de mobilização e motivação para prosseguirem a luta.

É de relevar que os antecedentes do Congresso, a visita de Luís Cabral à zona de Quitafine e tabanca de Cassacá em finais de 1963 [quiçá na perspectiva de “ano novo, vida nova”], as informações recolhidas em todos os contactos estabelecidos com os combatentes e aquelas que lhe chegavam das frentes, levaram a que o irmão [Amílcar Cabral; 1924-1973] aceitasse, como necessária, a realização de uma reunião geral dos quadros responsáveis pelo Partido, no sentido de se poder discutir e aprofundar esta questão, de maneira a tirar dela todas as lições para o futuro, numa altura que estava concluído o primeiro ano da luta armada.

Os fundamentos que estão na base deste projecto de intenções, bem como o desenvolvimento de cada uma das diferentes acções previstas para antes, durante e depois deste I Congresso podem (devem) ser consultadas no livro de memórias de Luís Cabral: “Crónica da Libertação”, (1984), Lisboa, Edições ‘O Jornal’. Publicações Projornal. [Vd. imagem da capa, em cima. ]

Por isso, é da mais elementar justiça referir aqui o importante trabalho de recensão realizado pelo camarada Beja Santos sobre esta obra que, em função do seu valor e extensão, teve de ser dividido em cinco partes: – P7216; P7223; P7232; P7241 e P7259.

Com a devida vénia, aproprio-me, neste contexto histórico, de uma passagem da sua autoria [P7232] onde refere: 

“Em finais de 1963, Luís Cabral faz a primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base de Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino [da Costa; n-1945-]. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas, a que se seguiu Gadamael. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine. 

As viagens eram morosas e dolorosas, entre a estrada de Boké e a fronteira. Depois vem uma frase enigmática: o Amílcar e o Aristides [Pereira; 1923-2011] foram as únicas pessoas com quem falei sobre os graves problemas que existiam nalgumas zonas do Sul do país. Este facto trazia-nos dados completamente novos sobre a luta, e provou a fragilidade das imensas conquistas obtidas, postas em causa unicamente por falta de informações precisas e controladas sobre a situação real nas diferentes zonas do país. 

A experiência acabava de mostrar que os jovens responsáveis da guerrilha eram capazes de esconder ao Secretário-Geral informações de importância capital, quando elas pudessem pôr em causa outros responsáveis. O que se estava a passar era que um conjunto de chefes de guerrilha exercia um poder despótico sobre as populações, chegando a cometer crimes inanarráveis. Independentemente de serem jovens, é incompreensível como tais crimes sistemáticos eram escondidos dos quadros políticos. Como se verá no Congresso de Cassacá, estes criminosos (cuja relação nunca vai aparecer talhada em qualquer documento) serão sumariamente executados, no termo desta reunião”.


2.1. FOTOGALERIA DO I CONGRESSO DO PAIGC - 1964


Fotos a seguir reproduzidas, com a devida vénia, do portal Casa Comum, desenvolvido em boa hora pela  Fundação Mário Soares , e donde constam, entre dezenas de outros, dois preciosos arquivos, o Arquivo  Amilcar Cabral e o Arquivo Mário Pintio de Andrade, que são duas fontes valiosíssima para o conhecimento da guerra colonial, em particular  na Guiné, e que devem ser devidamente divulgados pelos antigos combatentes de ambos os lados.



Amílcar Cabral veio de base de Boké, na Guiné-Conacri, no barco a motor que se vê ao fundo. Em março de 1973, o PAIGC havia capturado, no porto de Cafine, dois barcos comerciais, o “Mirandela” e o “Arouca”- Depois de rebatizados, passam a servir no transporte de homens e material. O barco que se vê seria um destes dois que foram aprisonados. Passou a ser chamado "Unidade". Sabemos, pela descrição detalhada feita por Luís Cabral (e é a única de que infelizmente dispomos, unilateral, e aparentemente credível),  que a Amílcar e a sua comitiva vieram de Boké, de noite, desembarcando, com a maré alta, na ilha de Canefaque. Seguiram até Cassabetche, a pé, e aqui foram transportados de canoa, com escolta. A viagem até Cassacá foi feita a pé, utilizando  troço da estrada que seguia junto à fronteira...

O congresso realizou-se nas proximidades de Cassacá, num local bem protegido pela floresta. A aldeia de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, a 30 km, a oeste da fronteira com a Guiné-Conacri,  tinha sido destruída pela aviação portuguesa, mas fora reconstruída. O PAIGC considerava já Quitafine como "área libertada". As tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine,  mas havia já a norte  um pequeno destacamento em Gadamael Porto. (Recorde-se que estamos  em plena batalha.do Como, Op Tridente.).

Tirando Manuel Saturnino Costa, então com 19 anos, já não deverá haver mais dirigentes e comandantes do PAIGC, vivos, que tenham estado em Cassacá, em fevereiro de 1964. A versão, publicada, de Luís Cabral será, assim,  aquela que "ficará para a História"... 

  [ Fonte: adapt de Luís Cabral [1931-2009]: Crónica da Libertação.  Lisboa, Edições ‘O Jornal’, 1984, pp. 162 e ss.] (*)


Pasta: 05359.000.020
Título: Amílcar Cabral e outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC
Assunto: Amílcar Cabral e Armando Ramos, entre outros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, em Cassacá.
Autor: Luís Cabral
Inscrições: A caminho de Cassacá 
Data: 1964
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Citação: Luís Cabral (1964), "Amílcar Cabral e outros companheiros a caminho do I Congresso do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43297 (2017-1-3)


Pasta: 05224.000.047
Título: Amílcar Cabral e grupo de dirigentes do PAIGC a caminho do Congresso de Cassacá
Assunto: Amílcar Cabral, Quecuta Mané, Armando Ramos, entre outros, a caminho do I Congresso do PAIGC, em Cassacá, na Frente Sul.
Data: Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de Fevereiro de 1964

Observações: O Congresso de Cassacá (que decorreu em simultâneo com a Batalha de Como) reuniu os principais dirigentes políticos e militares do PAIGC e delegados vindos de todas as regiões do país. Entre as principais decisões do Congresso figuram a reestruturação do partido no plano político, o reforço da mobilização e organização das massas populares, e a reorganização da luta armada (criação de comandos inter-regionais, do Conselho de Guerra, e das FARP - englobando a guerrilha, as milícias e o exército popular).

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias

Citação: (1964-1964), "Amílcar Cabral e grupo de dirigentes do PAIGC a caminho do I Congresso de Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43071 (2017-1-3)


Pasta: 05360.000.030T
Ttulo: Amílcar Cabral e outros responsáveis do PAIGC no I Congresso do partido em Cassacá, na Frente Sul
Assunto: Amílcar Cabral e outros responsáveis do PAIGC, entre os quais Domingos Ramos, durante o I Congresso do partido em Cassacá, na Frente Sul.
Data: Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de Fevereiro de 1964
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Fotografias

Citação: (1964-1964), "Amílcar Cabral e outros responsáveis do PAIGC no I Congresso do partido em Cassacá, na Frente Sul", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43300 (2017-1-3


Pasta: 07223.002.043
Título: I Congresso do PAIGC em Cassacá
Assunto: I Congresso do PAIGC em Cassacá [região libertada do sul da Guiné-Bissau]. Amílcar Cabral (na mesa), comandantes (sentados em redor da mesa), milicianas (de pé) e população.
Data: Fevereiro de 1964
Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade
Tipo Documental: Fotografias

Citação: (1964), "I Congresso do PAIGC em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85095 (2017-1-3)


Pasta: 05224.000.046
Título: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá.
Assunto: Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek, durante o I Congresso do PAIGC, em Cassacá, na Frente Sul.
Data: Quinta, 13 de Fevereiro de 1964 – Segunda, 17 de Fevereiro de 1964.

Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Fotografias.

Citação: (1964-1964), "Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek no I Congresso do PAIGC, em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43444 (2017-1-3)

Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)


A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926 / Armando Tavares da Silva ; pref. Nuno Vieira Matias. - [Porto] : Caminhos Romanos, 2016. - 972 p., [64] p. il, [12] mapas desdobr. : il. ; 25 cm. - ISBN 978-989-8379-44-3 [Preço 'on lne': 56,00€]



A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926, de  Armando Tavares da Silva  >


 Prefácio:  “A Presença Portuguesa na Guiné”

Alm.te Nuno Vieira Matias


A análise histórica é, em qualificadas escolas, muito usada como ferramenta essencial à compreensão de fenómenos humanos e à sua condução em termos políticos e estratégicos, ainda que em épocas já muito diferentes. De facto, o conhecimento do passado de um determinado meio humano, de características com contornos bem vincados, ajuda a entender comportamentos actuais e a prospectivar medidas, ou políticas, orientadoras para novos padrões comportamentais. Este pensamento flui naturalmente com a leitura do excelente trabalho de investigação histórica que temos em presença, o qual se reveste, assim, de grande interesse actual e também futuro.

Ao longo dos trinta e dois capítulos que constituem a componente principal do livro é-nos dado a conhecer, com grande detalhe e rigor, a vivência, frequentemente conflituosa, entre várias etnias da Guiné Portuguesa e os esforços da administração portuguesa para o estabelecimento de uma governação baseada em princípios das sociedades ocidentais. São historiados 48 anos desse processo, de 1878 a 1926, período que o Autor escolheu, como justifica nas “Palavras Prévias”, principalmente “por ser aquele em que houve maior pressão para a ocupação efectiva do território, em que decorreram as conversações com a França para a sua delimitação e em que se concentraram, na quase totalidade, as chamadas operações de pacificação “.

Trata-se de um espaço temporal em que ocorreram múltiplos incidentes, que demonstram não apenas a natureza diversa e rebelde de muitas gentes guineenses, como as dificuldades no estabelecimento de uma organização política e social enquadradora da multiplicidade étnica e religiosa da população, vivendo no espaço artificialmente definido que passou a constituir a Guiné Portuguesa. A riqueza da extensa investigação dá-nos conta dos muitos conflitos verificados, quer entre as etnias locais, quer entre estas e os portugueses, mas também refere inúmeros episódios de bom relacionamento que tivemos com os nativos. Daí facilmente se extrapola que a dificuldade de convívio tem sido uma constante, que chega até aos nossos dias.

O autor, Armando Tavares da Silva, o mais recente membro
da nossa Tabanac Grande 
Esta é uma ideia que perpassa por toda a obra, excelentemente enquadrada pela Introdução onde o Autor faz um resumo da história do território, desde a chegada dos primeiros portugueses à região. Nuno Tristão terá sido o primeiro a chegar e a constituir a primeira vítima mortal das frechas envenenadas de mandingas, em 1446, talvez na foz do Rio Gâmbia. No ano seguinte, seria a vez do escudeiro norueguês de D. Afonso V, Valarte, que comandava nova expedição, de ser morto ou capturado, já não em terra de mandingas, mas na de outras etnias não claramente definidas.

Os nossos navegadores, os primeiros homens brancos a chegarem àquelas terras, foram descobrindo também que ali havia uma enorme diversidade étnica. Esta, sabemos hoje, foi consequência de muitas migrações de povos diversos do nordeste africano os quais, ao longo de séculos, procurando melhores condições de vida, se foram deslocando para as férteis costas guineenses, empurrando à sua frente os que já lá se encontravam. Os bijagós foram mesmo pressionados a deixarem a terra continental e a ocuparem o conjunto de ilhas adjacentes que tomaram o seu nome.

Não demoraria muito, contudo, para os portugueses entenderem que deveriam ter com aqueles povos um relacionamento cautelar, como o prova a excelente expedição de Diogo Gomes, em 1456, que o Autor caracteriza – em consonância com a apreciação de Teixeira da Mota (1946) – indicando: “ A acção por ele desenvolvida fornece-nos ‘um quadro típico da atitude civilizadora dos portugueses na Guiné’: a preocupação das ‘relações pacíficas com o gentio, tratando-o com humanidade e generosidade’; a superação do conflito religioso com a conversão do régulo; ‘um esforço de educação civilizadora, pelo envio de sacerdotes, técnicos construtores e animais domésticos’. O navegador é, assim, ‘um dos mais inteligentes’ capitães henriquinos.”

Essa atitude de procurado bom relacionamento, de tolerância e de aceitação da diferença que sempre tem caracterizado os portugueses em qualquer parte do mundo, notei-a também nas duas longas comissões de serviço que fiz em Angola e na Guiné. Neste último território ultramarino português, entre 1968 e 1970, testemunhei exactamente a constante que a presente obra evidencia das turbulências de relacionamento, aumentadas então pela guerrilha com forte apoio do exterior, sobretudo da esfera soviética, mas também verifiquei a amizade que muitas etnias mantinham connosco, levando-as até a combaterem bravamente pelo nosso lado. E a prova maior da nossa tolerância é constituída pelo facto de os islamizados guineenses terem sido dos nossos maiores aliados e de muitos terem combatido e alguns morrido nas nossas fileiras. Na região onde predominavam no leste da Guiné, a de Gabú, havia uma paz que contrastava com a luta de guerrilha, por vezes violenta, que ocorria nas regiões dos rios Cacheu, a norte, do Cubijã e do Cacine, a sul, no Oio, etc.

Recordo que, no destacamento de fuzileiros especiais que comandei, havia guias de religião muçulmana e que todos acatávamos com respeito as suas práticas religiosas e os seus hábitos, por exemplo, alimentares. Também relembro uma missão que me foi atribuída de estabelecer segurança na zona do farol situado no limite norte da Guiné, na região de Varela, a fim de permitir a uma equipa das Oficinas Navais de Bissau efectuar a sua reparação, repondo o funcionamento há muito interrompido. Preparei cuidadosamente a missão na incerteza do que poderia encontrar, uma vez que a norte do Cacheu e junto à fronteira do Senegal a guerrilha era muito forte. Contudo, a surpresa foi grande quando, após o nosso desembarque, apareceram grupos de felupes recebendo-nos com música. Enquanto as reparações se processavam, continuámos o relacionamento, partilhando as rações de combate do nosso almoço e até fazendo habilidades com as fundas que usavam para atirar pedras ao gado que guardavam. Estas eram, afinal, práticas bem conhecidas sobretudo dos meus fuzileiros alentejanos…

O livro termina com o capítulo onde são abordadas as usuais dificuldades governativas no período de que trata (1925-26), mas também o esforço persistente de organização administrativa, incluindo o aparecimento da terceira Carta Orgânica da Guiné e, ainda, a extinção da marinha colonial.

O interesse do valiosíssimo texto é acrescentado pela inclusão no seu interior de dois cadernos com muito curiosas fotografias de uma vasta colecção sobre “povos, vistas e paisagens e temas militares”, onde nos aparecem lindas ilhas dos Bijagós, algumas povoações e também imagens com relevo histórico militar. No final da obra, somos brindados com um “Apêndice Iconográfico” que inclui cerca de três dezenas de fotografias de navios da Armada que serviram na Guiné, a que se segue um encantador acervo de elementos de cartografia desse Território, respeitantes aos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. Reproduzem atraentes elementos onde a toponímia antiga nos é revelada, assim como outros dados raros, nomeadamente itinerários de algumas operações militares.

O conjunto dos cinco anexos do livro enriquece ainda mais a obra, contribuindo com detalhada e precisa informação, quer para fundamentar exigentes trabalhos de pesquisa, quer para satisfazer a curiosidade mais profunda de leitores especializados. De facto, o Autor preocupou-se em disponibilizar dados úteis e interessantes sobre aspectos tão diversos quanto as “Etnias” do território da Guiné, os “Tratados, Convenções e Autos”, a lista de “Governadores e Encarregados do Governo”, assim como a de “Ministros e Chefes do Governo” e, ainda, uma muito interessante e plena de significado, “Missiva do régulo Mamadu Páte para o governador Judice Biker”.

Em conclusão, estamos perante um livro que constitui, na verdade, uma notável obra de investigação histórica, produzida com grande rigor científico e que exemplifica bem o gigantesco esforço que um povo pouco numeroso, saído do extremo oeste da Europa, desenvolveu, pioneiramente, pelo mundo fora. Eram poucos os Portugueses, mas eram grandes no saber, no querer e no sentido fraterno dos seus contactos. Por isso, foram os primeiros a estabelecer-se em África e os últimos a sair.


Alm.te Nuno Vieira Matias [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Câmara Municipal de Porto de Mós, sua terra natal]

[Fixação de texto, realces a amarelo e negritos, da responsabilidade do editor do blogue; a reprodução deste prefácio foi-nos devidamente autorizada pelo autor do livro]

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)