Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 25 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17510: Blogpoesia (516): "Paz e a justiça..."; "Sermão da natureza" e "Raridade...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Paz e a Justiça...
Duas faces da mesma moeda.
Numa, tem a bandeira.
Na outra, a caravela.
Foi cunhada na eternidade.
Para correr no mundo.
Seu estalão é a fraternidade.
De cotação constante.
O seu giro é a troca.
Ela só faz feliz
Quem a arrecadar...
Berlim, 25 de Junho de 2017
10h12m
Jlmg
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Sermão da Natureza
Ó vós governantes desalmados deste País,
Ouvi bem a Natureza em altos berros:
Nem mais um só eucalipto nesta terra
E os que há sejam cortados rentes, um a um.
Vede bem o que fizestes,
Servindo o vil interesse de alguns mesquinhos
E esquecendo o bem geral, a troco de tudo que recebestes, ocultamente.
Muito antes da celulose está a pessoa de cada um.
Aprendei ao menos com esta lição.
Tantas vidas
Tantas casas e tantos sonhos.
Tanta dor que jamais se extingue.
Que os remorsos vos consumam
Até às cinzas.
Berlim, 24 de Junho de 2017
7h51m
Jlmg
************
Raridade...
É raro um céu sem nuvens
E um mar sem ondas.
Como a paz da alma.
Há sempre sombras.
Roubam a luz e a alegria.
Viver com pouco é uma arte.
O caminho certo
Que nos faz felizes.
Sorrir à sorte
Que está sempre à espreita
E lutar por ela,
Quando ela falta,
É o remédio santo
Que a faz voltar.
A que saberia a vida
Sem o sabor da esperança?...
Bar do Reichelt em Berlim, 19 de Junho de 2017
9h32m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 18 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17483: Blogpoesia (515): "Coro dos pardais"; "Mergulho no passado" e "Não são precisas asas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P17509: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (43): o coronel médico, meu bisavô, Francisco Augusto Regalla (Aveiro, 1871 - Mindelo, 1937): pedido de utilização de foto da fortaleza da Amura de cuja guarnição ele fez parte em 1915 (Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto, Cascais)
Capa do livro de Ricardo Regalla Dias-Pinto, em preparação. Cortesia do autor
1. Mensagem do nosso leitor Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto
Data: 17 de maio de 2017 às 22:37
Assunto: Fotografia
Exmo. Senhor
Prof. Luís Graça
Estou a escrever um livro sobre a minha família.
O meu bisavô Francisco Augusto Regalla, combateu em 1915 na Coluna de Operações em Bissau pelo que gostava muito de pedir autorização para colocar uma vossa fotografia, mais propriamente a nº 3 da Fortaleza de Amura de cuja guarnição o meu bisavô fez parte durante algum tempo.
Naturalmente que, caso autorizem, terei o maior prazer em nomear o vosso blogue nos agradecimentos do referido livro que terá o título:
Família Regalla: A Hora da Verdade!
Agradeço desde já o tempo por vós dispensado aguardando com confiança a breve resposta.
Melhores e mais respeitosos cumprimentos,
Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto
Guiné > Bissau >Fortaleza da Amura > Entrada do lado sul (frente ao porto e ao rio Geba). Foto (º 3) de Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)
Foto ( e legenda): © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
Assunto: Fotografia
Exmo. Senhor
Prof. Luís Graça
Estou a escrever um livro sobre a minha família.
O meu bisavô Francisco Augusto Regalla, combateu em 1915 na Coluna de Operações em Bissau pelo que gostava muito de pedir autorização para colocar uma vossa fotografia, mais propriamente a nº 3 da Fortaleza de Amura de cuja guarnição o meu bisavô fez parte durante algum tempo.
Naturalmente que, caso autorizem, terei o maior prazer em nomear o vosso blogue nos agradecimentos do referido livro que terá o título:
Família Regalla: A Hora da Verdade!
Agradeço desde já o tempo por vós dispensado aguardando com confiança a breve resposta.
Melhores e mais respeitosos cumprimentos,
Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto
Guiné > Bissau >Fortaleza da Amura > Entrada do lado sul (frente ao porto e ao rio Geba). Foto (º 3) de Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68)
Foto ( e legenda): © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
2. Resposta do nosso editor, em 22 do corrente:
Em primeiro lugar, obrigado pelo seu contacto.
Em segundo lugar, parabéns pelo seu projeto: todos temos o "dever de memória", e no seu caso acho lindo que esteja a escrever a história de vida do seu bisavô Francisco Augusto Regalla.
Será que é o coronel médico Francisco Augusto Regalla, nascido em 1871, em Aveiro, e falecido em 1937, no Mindelo ? Pai de Agnelo Augusto Regalla; Mário Augusto Monteiro Regalla; Armanda Monteiro Regalla; Crizanta Monteiro Regalla e Hélia Regalla ?
Alguns dos meus camaradas (e eu próprio) passaram por Galomaro, estiveram em Galomaro ou fizeram operações no regulado do Cossé. Boa parte dos meus soldados africanos (da CCAÇ 12) eram oriundos do Cossé (, outros de Badora).
Em 1969/71, esse seu bisavô já não era vivo. Em todo o caso, nessa altura, havia um comerciante, casado e com família, que dava pelo nome de Regala (ou Regalla)...Seria mais provavelmente seu avô ou um dos seus tios-avôs... Não me lembro do nome próprio, só do apelido de família. Tinha em Galomaro um café e restaurante muito frequentado pelo tropa portuguesa, e em geral com agrado...Naturalmente, não se livrava da suspeita de simpatia pelo PAIGC...
Vou pô-lo em contacto com alguns dos meus camaradas que conheceram pessoalmente esses seus parentes, o sr. Regala e a família de Galomaro...
Quanto ao pedido que me faz, não tenho qualquer objeção, pelo contrário, em satisfazê-lo. Pode usar a foto, com indicação da fonte (autor e blogue)... Mas tenho dúvidas quanto à foto em causa... Será esta a foto nº 3 (Fortaleza da Amura, Bissau, entrada do lado sul, frente ao porto e ao rio Geba) ?
Se sim, os créditos fotográficos são de Manuel Coelho, a quem vou dar conhecimento do seu pedido. Gostaria que ele também lhe desse o seu OK, como autor da foto.
Para já é tudo, embora eu gostasse de saber, muito sumariamente, a razão de ser do título do seu livro: "Família Regalla: A Hora da Verdade!"...E, se nos der autorização, gostaríamos de divulgar também, no nosso blogue, o seu pedido. Haverá com certeza mais camaradas nossos que conheceram o sr. Regala (ou Regalla) de Galomaro e que podem até ter fotos dele (ou com ele) que disponibilizem, digitalizadas, para o seu projeto.
Disponha sempre,
Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça
3. Mensagem do Ricardo Regalla Pinto-Dias na sua página do Facebook, de 22/12/2016, sobre o livro que está a escrever com a história da família:
Este é já mais do que um desejo, é uma realidade que surgirá a público no ano de 2017.
Será o livro que contará a história da minha família e o seu contributo para a sociedade portuguesa desde o ano de 1670!
Família essencialmemte de médicos e militares mas também de alguns homens de direito que, por junto, maravcaram aqui e ali a vida de portuguieses e até mesmo de Portugal.
_____________
Nota do editor:
Último poste de 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17496: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (42): o caso do colono Fausto Teixeira (1900-1981), deportado político em 1925, empresário de sucesso até ao 25 de Abril... Depoimentos do neto Fausto Luís Teixeira, formador, e Fernando Gouveia (ex-alf mil rec e inf, Cmd Agr 2957 Bafatá, 1968/70)
Último poste de 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17496: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (42): o caso do colono Fausto Teixeira (1900-1981), deportado político em 1925, empresário de sucesso até ao 25 de Abril... Depoimentos do neto Fausto Luís Teixeira, formador, e Fernando Gouveia (ex-alf mil rec e inf, Cmd Agr 2957 Bafatá, 1968/70)
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sábado, 24 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17508: Convívios (815): XXXII Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, a realizar-se no próximo dia 20 de Julho, em Carcavelos (Manuel Resende)
C O N V I T E
Em mensagem de ontem, dia 23 de Junho de 2017, o nosso camarada Manuel Resende (ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71) convida o pessoal da Magnífica Tabanca da Linha para o XXXII Convívio, a realizar-se no próximo dia 20 de Julho, em Carcavelos
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Nota do editor
Último poste da série de 20 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17493: Convívios (814): os Pel Caç Nat 51, 52 e 54, em Poceirão, na casa do ex-fur mil João Vaz (ex-prisioneiro de guerra em Conacri) (José Manuel Viegas)
Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra)
Manuel Ferreira (1917-1992), cap SGE reformado, escritor, professor universitário
(Foto: cortesia de João Serra / Página do Facebook Antifascistas da Resistência)
(Foto: cortesia de João Serra / Página do Facebook Antifascistas da Resistência)
Capa da 1ª edição de Morabeza: contos de Cabo Verde, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1958.
João Serra |
1. Mensagem de João Serra, com data de 20 do corrente:
Caro Luis Graça,
Preparei este texto sobre o Manuel Ferreira no Mindelo, em complemento da publicação e apelo que fizeste recentemente na tua Tabanca (termo aliás também referido pelo MF nesta selecção que te envio). (*)
Se achares que vale a pena publicá-lo, fica à tua disposição. (**)
Segue também duas fotos das capas de Morabeza.
Um forte abraço,
João Serra
2. Mindelo 1941-1946, visto por Manuel Ferreira
por João Serra
Capa da 2ª edição, refundada e aumentada (Lisboa, Ulisseia, 1965) |
Data de 1958, a 1ª edição de Morabeza, o livro de contos de Manuel Ferreira, escrito no ano anterior, nas Caldas da Rainha, onde chefiava a secretaria do Regimento de Infantaria 5.
A primeira impressão que se colhe quando se fundeia no Porto Grande de São Vicente é a de estarmos diante de uma terra áspera, ardente, dominada pela solidão e pela tristeza, como se tivesse sido colocada em meio do oceano para penitência perpétua. [p. 11]
Por assim dizer, terra sem árvores, a ilha de São Vicente, por onde os cicerones de ocasião rebentam por todos os lados, na esperança de magras moedas, encaminhando, muitas vezes, o turista a locais de amor duvidoso - não possui nenhuma daquelas atracções que prendem logo de entrada o visitante. Há nela um ar tristonho, baço, em certos dias; carregado de luz crua, noutros. Pensões improvisadas, casas de café e chá sem espavento; desguarnecida de pontos tornados aprazíveis pela arborização cuidada ou jardinagem de esmero - forasteiro que a percorra mais do que uma escassa hora encontra-se saciado e convencido de que Mindelo está visto - e Cabo Verde é aquilo. Terra de calor. De montes secos e requeimados. Terra de solidão. [p. 13]
Não, poderei agora afirmar. Cabo Verde não era apenas a terra de solidão. A terra de calor. Terra de còladera e rochedos vulcânicos talhados a pique sobre o mar. Não, não era, amigos.
E além do que procurei dizer, dando uma tosca ideia de alguns aspectos e anotando, ao de leve, vários episódios, há ainda qualquer coisa mais que me escapa e não saberei definir, concretizar. [...].
Mas aquilo que assinalei a esse encanto indefinível e lírico que anda esparso, ao cair de certas tardes macias, ao pôr do Sol, mesmo ao rés do mar, e ainda a simplicidade das gentes, formarão, de algum modo, aquele conjunto de elementos que me levaram a admirar a também a amar, de maneira estranha, a terra mestiça plantada a meio do oceano Atlântico. [p. 37]
Por isso se precavenha o passageiro apressado, o turista à procura de exotismo. Cabo Verde não será apenas aquilo que os seus olhos observam quando o navio fundeia no Porto Grande de São Vicente. Nem tão-pouco a pobreza que depois se depara na cidade. Mesmo que vá a Santo Antão e oiça a toada plangente do trapiche e dê uma saltada ao interior de Santiago para se surpreender com o batuque ou a tabanca, corra à Brava a admirar as belas mulheres de tez clara - está longe de saber o que é a terra mestiça.
Cabo Verde tem de grande, e isso deve ser motivo de orgulho, uma afectividade que nos amarra e seduz. É a "morabeza", sentimento intrínseco do povo crioulo. Amorabilidade, característica da raça e se traduz nos seus modos ternos, na sua dedicação, na afabilidade da sua gente simples:
Gente do Mindelo
Nô abri nô braço
Nô pô coraçon na mão
Pá nô dâ um abraço
Abraço de morabeza
De nôs de São Vicente
5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)
(**) Último poste da série > 22 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17502: Memória dos lugares (360): Murteira, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval: monumento aos 61 ex-combatentes da guerra do ultramar (1954-1975): Cabo Verde (1), Angola (31), Índia (2), Timor (1) , Moçambique (12) e Guiné (14) (Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1968/69)
A obra foi em 1957 distinguida com o prémio Fernão Mendes Pinto e editada pela Agência Geral do Ultramar. Uma segunda edição, “refundida e aumentada”, saiu em 1965, com prefácio de José Cardoso Pires. Desta edição não constam os textos iniciais da primeira, uma espécie de crónica da chegada e encontro do autor, furriel miliciano do exército expedicionário português, com São Vicente e o Mindelo.
Recorde-se que Manuel Ferreira permaneceu em São Vicente entre 1941 e 1947, ali concluiu o antigo curso liceal (secção de letras), casou [, com Orlanda Amarílis,] e teve o seu primeiro filho.
O texto que se segue é uma pequena antologia sobre a experiência cultural de Manuel Ferreira nesses longínquos anos 40 do século passado, organizada a partir dos textos da 1º edição de Morabeza (e que não constam da 2ª).
O texto que se segue é uma pequena antologia sobre a experiência cultural de Manuel Ferreira nesses longínquos anos 40 do século passado, organizada a partir dos textos da 1º edição de Morabeza (e que não constam da 2ª).
(i) A primeira impressão:
terra de solidão
A primeira impressão que se colhe quando se fundeia no Porto Grande de São Vicente é a de estarmos diante de uma terra áspera, ardente, dominada pela solidão e pela tristeza, como se tivesse sido colocada em meio do oceano para penitência perpétua. [p. 11]
Por assim dizer, terra sem árvores, a ilha de São Vicente, por onde os cicerones de ocasião rebentam por todos os lados, na esperança de magras moedas, encaminhando, muitas vezes, o turista a locais de amor duvidoso - não possui nenhuma daquelas atracções que prendem logo de entrada o visitante. Há nela um ar tristonho, baço, em certos dias; carregado de luz crua, noutros. Pensões improvisadas, casas de café e chá sem espavento; desguarnecida de pontos tornados aprazíveis pela arborização cuidada ou jardinagem de esmero - forasteiro que a percorra mais do que uma escassa hora encontra-se saciado e convencido de que Mindelo está visto - e Cabo Verde é aquilo. Terra de calor. De montes secos e requeimados. Terra de solidão. [p. 13]
(ii) Impressão corrigida:
amorabilidade
Não, poderei agora afirmar. Cabo Verde não era apenas a terra de solidão. A terra de calor. Terra de còladera e rochedos vulcânicos talhados a pique sobre o mar. Não, não era, amigos.
E além do que procurei dizer, dando uma tosca ideia de alguns aspectos e anotando, ao de leve, vários episódios, há ainda qualquer coisa mais que me escapa e não saberei definir, concretizar. [...].
Mas aquilo que assinalei a esse encanto indefinível e lírico que anda esparso, ao cair de certas tardes macias, ao pôr do Sol, mesmo ao rés do mar, e ainda a simplicidade das gentes, formarão, de algum modo, aquele conjunto de elementos que me levaram a admirar a também a amar, de maneira estranha, a terra mestiça plantada a meio do oceano Atlântico. [p. 37]
Por isso se precavenha o passageiro apressado, o turista à procura de exotismo. Cabo Verde não será apenas aquilo que os seus olhos observam quando o navio fundeia no Porto Grande de São Vicente. Nem tão-pouco a pobreza que depois se depara na cidade. Mesmo que vá a Santo Antão e oiça a toada plangente do trapiche e dê uma saltada ao interior de Santiago para se surpreender com o batuque ou a tabanca, corra à Brava a admirar as belas mulheres de tez clara - está longe de saber o que é a terra mestiça.
Cabo Verde tem de grande, e isso deve ser motivo de orgulho, uma afectividade que nos amarra e seduz. É a "morabeza", sentimento intrínseco do povo crioulo. Amorabilidade, característica da raça e se traduz nos seus modos ternos, na sua dedicação, na afabilidade da sua gente simples:
Gente do Mindelo
Nô abri nô braço
Nô pô coraçon na mão
Pá nô dâ um abraço
Abraço de morabeza
De nôs de São Vicente
...
Xavier Cruz, Morna [p. 39-40]
Mas certa vez, na pensão nha Camila confraternizava um grupo de rapazes, moços do liceu, que se reencontravam em São Vicente, regressados de férias nesse dia. Brindes, abraços, canções. E, pressentindo-nos desembarcados de recente data, quiseram que se lhes juntássemos e bebêssemos em comum. Violas, cavaquinhos, e violinos deliciaram-nos com sambas e mornas. Retribuir-lhes com fados, como propuseram, não foi possível. Nem com uma simples canção popular - o mais apropriado ao ambiente. [p. 19]
Muitos de vocês, nos seus verdes dezassete anos, viviam um período de curiosidade e alguns mesmo de autêntica inquietação.
Eram poetas esses rapazes que eu fui encontrar. Novos, todos alunos do liceu, estudantes de sonho, queiriam descortinar e interpretar o mundo que os rodeava, nesse tempo ensanguentado pelas invasões nazis. [p. 20]
Nada conhecia de Cabo Verde, e nesse tempo, muito longe andava se pensar que ali começava a germinar uma literatura característica, mas de feição universalista. [p. 22]
E, um belo dia, apareceram com três números de Claridade. Revelação que me deu fundo contentamento por verificar fenómeno de inteligência e sensibilidade tão eloquentemente documentado naquelas terras distantes. Pouco depois lia Arquipélago e Ambiente, do Jorge Barbosa, nesse tempo "na ilha tão desolada rodeado pelo Mar" [Ilha do Sal] a ver passar os barcos, ficando
"... por instantes
construindo
fantasiando
cidades
terras distantes
..."
Tudo isto me dava uma sensação íntima, o gozo de imprevista descoberta! [p. 24]
Em resumo: um mundo novo nascia para mim, ali no meio do mar nas ilhas solitárias:
...
que não são
San Sebastian, Carlton ou Palm-Beach
Tantas
quantos
os dedos compridos da mão
...
Atentas vigias do mar
Nuno Miranda, nº 1 da Certeza, [p. 26]
Entretanto lia Chiquinho em folhas dactilografadas, o bom romance de Baltasar Lopes da Silva. [p. 26]
Ouvia de António Aurélio Gonçalves novelas de sua autoria e recebia dele os primeiros e grandes conselhos sobre o fenómeno da criação literária, técnica de romance, factura do conto - a propósito de capítulos e pequenas histórias que lhe levava a casa, trémulo e feliz, nas tardes serenas e pacatas do Mindelo... [p. 26]
... Mindelo, cidade sem imprensa, sem tertúlias, sem rádio durante o dia - e, de noite, só quando a central Bonnoci se dignava. [p. 26]
Eis como descobrira a grande, a bela face de Cabo Verde: a sua espiritualidade. A sua vida criadora, a sua integração no mundo do progresso das ideias, a sua participação no domínio da Cultura. [28]
Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspectos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [Bèlèza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]
E houve um momento em que comecei a sentir a morna na própria carne, comunicando-me emoção profunda, virgem. Ouvia um fado - e ele pouco me dizia à minha saudade de emigrante. Ouvia uma morna e sentia a força emocional a dominar-me, a percorrer-me de alto a baixo, como se este canto trouxesse o mistério da minha raça. E então chegava à conclusão de que se assim acontecia era porque eu estava identificado com a gente das ilhas. É porque lhes sentia o sofrimento, os anseios, comungava das suas dores, vivia o seu drama e a sua luta. [p. 31]
Evidentemente que para esta identificação com o povo cabo-verdiano muito contribuiu também a sua hospitalidade, o convívio. [p. 33]
O cabo-verdiano faz questão de receber a gente do Continente. Sem subserviências, sem mesuras. De coração nas mãos. Ama as reuniões íntimas, com chá, com música, com historietas e conversas alegres, limpas de linguagem. É um povo comunicativo e expansivo. [p. 33]
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17499: Agenda cultural (568): Exposição comemorativa do 1º centenário do nascimento de Manuel Ferreira (1917-1992), a ser inaugurada em 18 de julho próximo, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, e que deverá seguir depois, em setembro, para a terra natal do escritor e oficial do exército, Leiria (João B. Serra)
Xavier Cruz, Morna [p. 39-40]
(iii) Encontro e descoberta: identificação
com a gente das ilhas
Mas certa vez, na pensão nha Camila confraternizava um grupo de rapazes, moços do liceu, que se reencontravam em São Vicente, regressados de férias nesse dia. Brindes, abraços, canções. E, pressentindo-nos desembarcados de recente data, quiseram que se lhes juntássemos e bebêssemos em comum. Violas, cavaquinhos, e violinos deliciaram-nos com sambas e mornas. Retribuir-lhes com fados, como propuseram, não foi possível. Nem com uma simples canção popular - o mais apropriado ao ambiente. [p. 19]
Muitos de vocês, nos seus verdes dezassete anos, viviam um período de curiosidade e alguns mesmo de autêntica inquietação.
Eram poetas esses rapazes que eu fui encontrar. Novos, todos alunos do liceu, estudantes de sonho, queiriam descortinar e interpretar o mundo que os rodeava, nesse tempo ensanguentado pelas invasões nazis. [p. 20]
Nada conhecia de Cabo Verde, e nesse tempo, muito longe andava se pensar que ali começava a germinar uma literatura característica, mas de feição universalista. [p. 22]
E, um belo dia, apareceram com três números de Claridade. Revelação que me deu fundo contentamento por verificar fenómeno de inteligência e sensibilidade tão eloquentemente documentado naquelas terras distantes. Pouco depois lia Arquipélago e Ambiente, do Jorge Barbosa, nesse tempo "na ilha tão desolada rodeado pelo Mar" [Ilha do Sal] a ver passar os barcos, ficando
"... por instantes
construindo
fantasiando
cidades
terras distantes
..."
Tudo isto me dava uma sensação íntima, o gozo de imprevista descoberta! [p. 24]
Em resumo: um mundo novo nascia para mim, ali no meio do mar nas ilhas solitárias:
...
que não são
San Sebastian, Carlton ou Palm-Beach
Tantas
quantos
os dedos compridos da mão
...
Atentas vigias do mar
Nuno Miranda, nº 1 da Certeza, [p. 26]
Entretanto lia Chiquinho em folhas dactilografadas, o bom romance de Baltasar Lopes da Silva. [p. 26]
Ouvia de António Aurélio Gonçalves novelas de sua autoria e recebia dele os primeiros e grandes conselhos sobre o fenómeno da criação literária, técnica de romance, factura do conto - a propósito de capítulos e pequenas histórias que lhe levava a casa, trémulo e feliz, nas tardes serenas e pacatas do Mindelo... [p. 26]
... Mindelo, cidade sem imprensa, sem tertúlias, sem rádio durante o dia - e, de noite, só quando a central Bonnoci se dignava. [p. 26]
Eis como descobrira a grande, a bela face de Cabo Verde: a sua espiritualidade. A sua vida criadora, a sua integração no mundo do progresso das ideias, a sua participação no domínio da Cultura. [28]
Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspectos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [Bèlèza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]
E houve um momento em que comecei a sentir a morna na própria carne, comunicando-me emoção profunda, virgem. Ouvia um fado - e ele pouco me dizia à minha saudade de emigrante. Ouvia uma morna e sentia a força emocional a dominar-me, a percorrer-me de alto a baixo, como se este canto trouxesse o mistério da minha raça. E então chegava à conclusão de que se assim acontecia era porque eu estava identificado com a gente das ilhas. É porque lhes sentia o sofrimento, os anseios, comungava das suas dores, vivia o seu drama e a sua luta. [p. 31]
Evidentemente que para esta identificação com o povo cabo-verdiano muito contribuiu também a sua hospitalidade, o convívio. [p. 33]
O cabo-verdiano faz questão de receber a gente do Continente. Sem subserviências, sem mesuras. De coração nas mãos. Ama as reuniões íntimas, com chá, com música, com historietas e conversas alegres, limpas de linguagem. É um povo comunicativo e expansivo. [p. 33]
_________________
Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17499: Agenda cultural (568): Exposição comemorativa do 1º centenário do nascimento de Manuel Ferreira (1917-1992), a ser inaugurada em 18 de julho próximo, no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, e que deverá seguir depois, em setembro, para a terra natal do escritor e oficial do exército, Leiria (João B. Serra)
5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17434: Efemérides (255): centenário do nascimento do escritor, investigador e professor de literatura africana de expressão portuguesa, o leiriense Manuel Ferreira (1917-1992), capitão SGE reformado, ex-furriel miliciano, expedicionário em Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, mobilizado em 1941 pelo RI 7 (Leiria)...Também fez comissões na Índia (1948-54) e em Angola (1965-67). "Creio que se pode perceber que estamos perante uma trajectória humana singular" (disse-nos o seu biógrafo, João B. Serra)
(**) Último poste da série > 22 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17502: Memória dos lugares (360): Murteira, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval: monumento aos 61 ex-combatentes da guerra do ultramar (1954-1975): Cabo Verde (1), Angola (31), Índia (2), Timor (1) , Moçambique (12) e Guiné (14) (Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1968/69)
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Guiné 61/74 - P17506: Parabéns a você (1277): António Branco, ex-1.º Cabo Reabast de Material da CCAÇ 16 (Guiné, 1972/74) e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 23 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17503: Parabéns a você (1276): João Carvalho, ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 5 (Guiné, 1973/74)
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17505: Notas de leitura (971): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Junho de 2017:
Queridos amigos,
Prossegue a análise do trabalho de João Freire, estamos agora na Guiné Portuguesa enquanto província autónoma, vamos assistir à ocupação e aos seus refluxos, pelo menos até às campanhas do Capitão Teixeira Pinto.
Numa obra que tem a inovação de cruzar os olhares entre as instituições político-militares e a obra da Marinha na Guiné, veremos como desenvolvidamente o contributo da Marinha se revelou determinante na Monarquia, na I República e na Ditadura Nacional, a Marinha terá um papel de indiscutível importância nos levantamentos hidrográfico, o autor recenseia os navios da Armada e as embarcações do governo da província que prestaram serviços na Guiné.
Veremos a atividade nas capitanias dos portos, nas oficinas navais. A Marinha foi objeto e protagonista de importantes mudança tecnológicas, dois fatores técnicos e económicos diminuíram o seu papel na Guiné: o progresso das vias de comunicação terrestres e a aviação. Se o papel da Armada se revelar preponderante no período anterior às campanhas de ocupação, voltou igualmente a tê-lo a partir de 1963. Mas isso é outra história que não cabe aqui contar.
Um abraço do
Mário
A colonização portuguesa da Guiné, 1880-1960, por João Freire (3)
Beja Santos
“A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha, foi uma das edições preeminentes do ano transato, no que tange à investigação guineense no período colonial. João Freire manipula expeditamente a heurística e a hermenêutica, por cada capítulo abordado tece conclusões, assume responsabilidades interpretativas, nunca deixa o leitor à deriva ou no território das especulações. É uma viagem cronológica onde os assuntos da Marinha colonial têm peso preponderante.
A Guiné Portuguesa passou a ser uma província autónoma diretamente dependente do Ministro da Marinha e Ultramar por lei de 18 de Março de 1879. O governo de Lisboa abriu os cordões à bolsa para a instalação da nova administração, que ficou com a capital em Bolama, e transferiu de S. Tiago para a Guiné o Batalhão de Caçadores n.º 1 da África Ocidental e anunciou-se a pretensão de adquirir alguns barcos a vapor, devidamente artilhados. O autor refere-se ao modo como se exerceu a administração colonial entre 1880 e 1910, aborda a legislação promulgada, os órgãos de governo e da administração, não esquece a justiça, os negócios eclesiásticos, a fazenda e alfândega. A questão de Bolama fora definitivamente superada, mas os litígios com as colónias francesas, a começar pelo Senegal, acentuaram-se, o Casamansa era cobiçado, o presídio de Ziguinchor na margem esquerda do rio Casamansa era o ponto mais desejado pelas autoridades francesas. Com a convenção luso-francesa de 12 de Maio de 1886 perdeu-se Ziguinchor e Casamansa e irão continuar as tensões para a definição das fronteiras na região de Cacine. E escreve:
“As circunscrições administrativas da Guiné eram os presídios (aos quais ficavam adstritos os cadastrados do reino ali deportados, mas em liberdade), mas também existiam já câmaras municipais nas povoações onde se concentravam os europeus e comerciantes. Por estes anos 80, identificámos presídios em Ziguinchor, Farim e Geba, e munícipios em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba e Bolola”.
A chegada de um governador era sempre um evento, saudada com salva de 21 tiros pela bateria de artilharia, guarda de honra pelo Batalhão de Caçadores, cortejo do cais até à igreja e celebração de um solene Té Deum, seguia-se a posse do cargo no Palácio perante as testemunhas, discursos, muitos cumprimentos e saudação final da janela ao povo presente, às vezes com foguetório. O autor recorda que a presença da igreja católica na Guiné era mínima ainda no século XIX, quer em termos de missionação, quer como administração eclesiástica do Estado. Num ofício datado de 31 de Dezembro de 1880 dirigido ao seu bispo, o Vigário-geral, Marcelino Marques de Barros, traça um cenário desértico da presença católica na província, sem qualquer esforço missionário e apenas assente nas paróquias urbanas de ocupação europeia, mas cheio de belas ideias e projetos de conversão de “todas estas raças altivas e sanguinárias”. Escusado é dizer que a Alfândega era uma das mais importantes instituições públicas da província, sempre interessada em taxar o que estivesse ao seu alcance. A partir de 1902, o governo de Lisboa atribuiu novas competências ao Banco Nacional Ultramarino, concedendo-lhe poderes alargados como banco emissor. João Freire procede a uma síntese das atividades dos sucessivos governadores, passando de imediato à análise das condições da população e à transição económica pós-escravatura, a economia guineense sofrera uma alteração de tomo, há muito que tinha ficado para trás a riqueza amealhada com o tráfico de escravos, estava agora a prosperar a economia das oleaginosas.
Estamos chegados à colónia republicana da Guiné, houve mudança de cadeiras, chegam novos militares, muda o secretário-geral, mais algum pessoal, em Lisboa dá-se a separação ministerial entre a Marinha e as Colónias, por exemplo um telegrama de Lisboa em Setembro de 1911 informa a Província da Guiné que o Dr. Celestino de Almeida é o primeiro titular do ministério das colónias. A I Guerra Mundial não chegou à Guiné, a despeito das restrições no aprovisionamento. Aos poucos, chegam os sinais da modernização, caso do telefone por fios e da telegrafia sem fios. Facto inédito ocorre em Novembro de 1920, uma parte do funcionalismo da colónia entrou em greve. A Guiné teve no final da primeira república um governador que passará à História, Jorge Velez Caroço, a administração ganha dinamismo, abrem-se estradas, as principais serão mesmo macadamizadas (compactação com areia e brita), constroem-se pontes e pontões, a força militar da Guiné foi reorganizada. Havia títulos completamente vazios, caso do quartel-general das forças navais de uma marinha que não disponha de um único navio de guerra em permanência. Velez Caroço encontrará uma contestação cerrada por parte do setor exportador, mas contará sempre com a confiança política em Lisboa. No anuário da Guiné de 1925 é mencionado que existem na colónia 12 estações telegráficas e 3 telefónicas.
No período da Ditadura Nacional, a ação governativa ficou reduzida ao mínimo. João Freire debruça-se sobre a cobrança do imposto de palhota e as contradições que a mesma suscitaram, passando depois para a evolução da economia, em que a expressão principal assenta no desenvolvimento agrícola.
Estamos agora chegados à análise da Marinha na ocupação efetiva, o autor disserta sobre a geografia, bacias hidrográficas e condições de navegação, o modo de funcionamento dos serviços da Marinha até à queda da monarquia e no período posterior, chama à atenção para a importância dos levantamentos hidrográficos, ilustra profusamente o seu trabalho mostrando-nos patachos, lanchas, caíques, chalupas, lugres, lugres-escunas, brigues, iates, galeras, lanchas canhoneiras e muito mais; dá-nos um quadro acabado sobre o funcionamento dos serviços da Marinha colonial na primeira república e no Estado Novo e naturalmente que superlativa a missão geoidrográfica da Guiné.
A investigação é enriquecida com vários apêndices: a Marinha nos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé; a caça aos navios negreiros em Angola.
Chegamos agora à parte final do trabalho orientada para a política do Estado Novo (1930-1960).
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17487: Notas de leitura (970): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P17504: (In)citações (108): Incêndios florestais - Catástrofe nacional anual, até quando? (Coutinho e Lima, Coronel Art Ref)
(Imagem editada)
1. Em mensagem do dia 22 de Junho de 2017, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos este texto onde exprime a sua opinião sobre o tema Incêndios Florestais, muito falado, infelizmente, nos últimos dias em Portugal.
INCÊNDIOS FLORESTAIS – CATÁSTROFE NACIONAL ANUAL
ATÉ QUANDO?
1. ANÁLISE
DA SITUAÇÃO
1.1- INTRODUÇÃO
O objectivo do texto que se segue resulta da recolha de alguns elementos sobre os Incêndios Florestais (IF) e a constatação do que vem acontecendo, há décadas, neste domínio, perante a INCOMPETÊNCIA manifestada de todos os Governos, para tentar minimizar as consequências nefastas dos IF, a mais grave das quais é a perda de vidas humanas, como se tem verificado em diversos anos.
Perante o que se tem visto, não posso calar a minha profunda
INDIGNAÇÃO. Com este documento pretendo dar a minha contribuição para que
este assunto possa ser estudado em profundidade (isto não significa que não
existam já muitos estudos, mas que não têm sido convenientemente explorados e
implementados), e seguidamente sejam adoptadas as medidas adequadas, a
CURTO/MÉDIO PRAZO.
1.2 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS IF
1.2.1 – OS IF E OS GOVERNOS ANTERIORES AO ACTUAL
OS IF são uma realidade, praticamente em todos os Países com áreas florestais significativas. Em Portugal este fenómeno tem atingido, nas últimas décadas, tais proporções que pode considerar-se uma verdadeira CATÁSTROFE NACIONAL ANUAL.
E o que têm feito os sucessivos Governos? Não quero ser
injusto, mas não posso deixar de afirmar, convictamente, que as soluções
adoptadas, aliás pouco divulgadas, se têm mostrado grandemente ineficazes.
Deflagrados os incêndios, os Governos accionam o dispositivo de combate aos
mesmos, pois que, se assim não acontecesse, seria totalmente inaceitável.
A actuação dos Governos anteriores, porque se trata do
PASSADO, apena interessa para que sejam corrigidos os erros cometidos, porque a governação não pode voltar para
trás.
1.2.2. - OS IF E O
ACTUAL GOVERNO
Lendo o Programa do actual Governo ( que tomou posse em 26 de
Novembro de 2015), disponível na internet com 138 páginas, as referências
relacionadas com este assunto são:
“IV – PROMOVER A COMPETITIVIDADE DA FLORESTA NACIONAL
................
11. PROMOVER O VALOR DA FLORESTA
NACIONAL
..................
11.2 – INVESTIMENTO FLORESTAL MAIS SEGURO (pág. 59)
. Intensificar os esforços ao nível da defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente ao nível da sensibilidade, criação do programa nacional de fogo controlado e a execução das redes primárias e de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios, concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou sob gestão do INCF;
11.2 – INVESTIMENTO FLORESTAL MAIS SEGURO (pág. 59)
. Intensificar os esforços ao nível da defesa da floresta contra incêndios, nomeadamente ao nível da sensibilidade, criação do programa nacional de fogo controlado e a execução das redes primárias e de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios, concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou sob gestão do INCF;
.................
11.3 – REFORÇAR A INVESTIGAÇÃO E INFORMAÇÃO PARA O SECTOR E PARA O PÚBLICO EM GERAL (pág. 60)
11.3 – REFORÇAR A INVESTIGAÇÃO E INFORMAÇÃO PARA O SECTOR E PARA O PÚBLICO EM GERAL (pág. 60)
..................
. Divulgar, junto da população escolar e das comunidades, a importância da floresta, da sua gestão e do consumo de produtos florestais, em particular dos certificados;
. Divulgar, junto da população escolar e das comunidades, a importância da floresta, da sua gestão e do consumo de produtos florestais, em particular dos certificados;
. Valorizar as acções de sensibilização
para a prevenção dos fogos, com envolvimento alargado de agentes, seja
através da administração, seja de programas como o Portugal pela Floresta
ou a acção do Movimento Eco.”
Considero que o programa do Governo
(transcrições acima), é paupérrimo.Com efeito, as medidas concretas definidas
são:
. Intensificar os esforços ao
nível da defesa da floresta contra incêndios
Se se pretende intensificar é
porque os esforços já existem; sendo assim, convinha fazer a sua divulgação,
porque não são do conhecimento geral.
. criação do programa nacional de
fogo controlado
Fico à espera deste programa
nacional, para ter conhecimento do que se trata; devo referir que, passado mais
de um ano e meio (em termos de IF), tal
plano ainda não foi sequer anunciado.
. Execução das redes primárias e
de faixas de gestão de combustível na defesa da floresta contra incêndios,
concluindo até 2019 as localizadas em áreas públicas ou ob gestão do IINCF;
O Governo só se compromete concluir
até 2019 (último ano da sua legislatura), as redes primárias e as faixas de
gestão de combustível nas áreas públicas
ou sob gestão do INCF, isto é, as
menos numerosas que, por serem propriedade do Estado deveriam ser as primeiras,
quanto mais não fosse por uma questão de bom exemplo; e as outras quando serão executadas? Será
que ficarão para o próximo Governo?
O Senhor Primeiro Ministro, tendo
mostrado muito pouca sensibilização para este problema, nomeadamente no seu
programa de Governo, anunciou no passado mês de Agosto, no auge dos incêndios
deste ano, a criação de uma Comissão Interministerial para tratar do assunto.
Em vez de agir sob pressão dos acontecimentos, não teria sido mais adequado e
oportuno ter criado tal Comissão, logo após a tomada de posse? Se assim tivesse
acontecido, poderiam ter sido implementadas algumas medidas, que teriam,
eventualmente, minimizado as consequências dos IF do ano passado.
No jornal Diário de Notícias do
passado dia 12 de Setembro, pode ler-se:
“ O primeiro ministro, António Costa, assumiu ontem uma “agenda intensa” para as próximas semanas com
dois Conselhos de Ministros extraordinários...e outro “dedicado
exclusivamente” à política florestal.
Segundo o primeiro ministro, o país não se pode “conformar a ver todos os
anos a floresta a arder”.
Ao ler a última frase do Sr. PM,
lembrei-me do ditado popular: “ Só se lembram de Santa Bárbara quando troveja”.
O que é extraordinário é o Senhor
Primeiro Ministro só ter proferido a última afirmação, depois de ter visto “o
país a arder”, este ano. Então os IF dos últimos anos não foram suficientes
para o sensibilizar para o problema? Parece que não; mais uma vez, foi a
reboque dos acontecimentos. Ficamos à espera do que sairá do Conselho de
Ministros sobre a política florestal, em Outubro. Findo o mês, nenhuma notícia sobe este assunto. Continuamos à
espera.
Sobre o Conselho de Ministros extraordinário
“dedicado exclusivamente à política
florestal”, anunciado pelo Sr. PM, em 12 SET p. p. , pode ler-se no jornal
Diário de Notícias do dia 28 de Outubro passado, com o título “Banco de terras com propriedades
abandonadas”:
“Florestas – Hoje é um dia histórico para a floresta portuguesa, disse o
ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, no final do Conselho
de Ministros extraordinário, realizado na Lousã. Na reunião, dedicada ao sector
floresta, foram aprovadas medidas legislativas para a floresta como a criação
de um banco de terras que integrará as propriedades do Estado e os terrenos
privados sem dono reconhecido. O ministro da Agricultura salientou que a
reforma visa promover o seu reordenamento e prevenir os incêndios, limitando a
plantação de eucaliptos e o avanço das espécies invasoras, como as mimosas. Na
opinião de Capoulas Santos, o conjunto de propostas legislativas vai dar “início a uma reforma profunda” do sector florestal. A gestão do futuro
banco de terras irá pertencer à Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento
Rural”.
Gostaria de partilhar o optimismo do
Sr. Ministro da Agricultura ao afirmar “Hoje
é um dia histórico para a floresta portuguesa”. Para mim será um dia
histórico quando começar a ser implementado, no terreno, um verdadeiro Programa
Nacional de Prevenção, Detecção e
Combate dos Incêndios Florestais (PREDECIF). Porque as decisões deste Conselho
de Ministros, nomeadamente no aspecto
legislativo, vão demorar tempo a concretizar, bem poderia o Sr. Ministro
determinar o início, desde já, das medidas concretas do PREDECIF nas
propriedades do Estado, porque estas, não têm que estar à espera da criação do
banco de terras. O Sr. Ministro sabe bem que, iniciado o 2º. Ano do actual Governo,
tem-se constatado muito pouca sensibilidade para este grave problema dos
Incêndios Florestais.
1.3. – OS INCENDIÁRIOS E OS IF
Parece não haver qualquer dúvida que,
grande parte dos IF são provocados por incendiários: alguns por motivo de
doença, que deve ser tratada e muitos outros por outras razões, algumas de
natureza criminosa. Sem pretender apontar qualquer crítica ao poder judicial
quando tem que se pronunciar sobre casos de infracções, neste âmbito, (embora a
opinião pública tenha dificuldade em compreender alguns factos difundidos na
comunicação social, como por exemplo um Sr. Juiz, perante um incendiário,
detido em flagrante delito, seja mandado em paz), sou de opinião que os
Senhores Juízes podiam adoptar “soluções criativas”, como por exemplo aplicar
sanções que implicassem, com maior frequência, a colocação de pulseiras
electrónicas e condenar os comprovados delinquentes na prestação de trabalho
comunitário; seria perfeitamente adequado serem empregues nos trabalhos de
limpeza das matas e abertura de itinerários.
Pelo menos durante a “época dos
incêndios”, anualmente definida pelo Governo, os incendiários que, certamente
estão referenciados, deviam ser objecto de vigilância especial: colocação de
pulseira electrónica (para aqueles que ainda não a tivessem) e obrigatoriedade
de apresentação semanal à autoridade judicial da área da sua residência.
1.4 – PROGRAMA PRÓS E CONTRAS – RTP1
Este programa, transmitido no dia 12
de Setembro p.p., tratou deste problema dos IF. Foi pena que, por motivos
compreensíveis, o referido programa tenha tido uma duração (50 minutos), muito
inferior ao habitual. Estavam presentes, entre outros, o Sr D. João Almeida,
Secretário de Estado do anterior Governo, o Sr. Eng.º e também Sapador
Florestal Tiago Oliveira, o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna,
Sr. Dr. Jorge Gomes e o Sr. Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Sr.
Dr. Jaime Mata Soares. Este último resumiu a situação actual dos IF, da
seguinte maneira: o diagnóstico está feito, as soluções apontadas e o
tratamento que requer antibióticos de qualidade, tem sido feito com aspirinas
fracas. Referiu também que o actual Sr. Ministro da Agricultura, está ciente do
problema, há muitos anos.
O Sr. Eng.º Tiago de Oliveira,
especialista da matéria, afirmou que tem alertado e apresentado o problema, a
várias entidades; o poder político tem reagido “atirando” legislação sobre os
IF.
O Sr. Dr. João Almeida referiu que a
Autoridade Tributária, conhecedora dos proprietários de áreas florestais,
através do IMI, podia fornecer esses elementos à GNR, entidade com a missão de
intimar os proprietários parra a necessidade de limpar as suas matas, mas esta
interligação entre as duas en- tidades nem sempre é fácil.
O Sr. Secretário
de Estado da Administração Interna actual, referiu que em Outubro, a Comissão
Interministerial apresentaria ao País, medidas concretas sobre os IF.. Disse
ainda que este assunto nos obriga a todos, como cidadãos e não como políticos.
Só lhe ficam bem estas palavras, que se
espera tenham como consequência a apresentação das referidas medidas concretas;
se assim não for, tudo não passará de palavreado, sem qualquer sentido.
Todos foram unânimes em afirmar que
todos os Governos têm feito muito pouco. Ninguém apontou a razão de tal
procedimento.
1.5 – A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E OS
IF
A Assembleia da República (AR) tem
tomado, ao longo dos anos, diversas iniciativas sobre os IF: legislação,
criação de grupos de trabalho e comissões eventuais ou de acompanhamento,
resoluções ou propostas de resolução, além da discussão de propostas
apresentadas pelos deputados ou grupos parlamentares. Muitas vezes, no final
dos trabalhos, são formuladas recomendações, enviadas ao Governo. Este nem
sempre tem dado a essas recomendações, a atenção que lhes era devida. A este
propósito, o artigo do GOOGLE “Expresso/Relatório sobre fogos ignorado”,
de 13 de Agosto de 2016, é elucidativo. Transcrevem-se alguns extractos deste
texto:
“ A aposta na prevenção parece ser unânime entre aqueles que lidam de
perto com a realidade no terreno e também do Parlamento, como se conclui a
partir do último relatório da Assembleia da República sobre incêndios
florestais. O socialista Miguel Freitas, relator do documento diz que “ basta olhar para as primeiras quatro
recomendações” para perceber esta
realidade. Aprovado por unanimidade em 2014 aponta, por exemplo, para a
necessidade de concentrar numa única entidade a prevenção e o combate.
...............
O negócio florestal tem um retorno de capital muito longo e esta actividade só é viável se houver
incentivos fiscais.
.............
“Se não se insiste na produção florestal e os resultados da prevenção são
de médio e longo prazo (não imediatos), então o que tem acontecido é um
investimento no combate. Erradamente.”
............
Miguel Freitas deixa um alerta para que o Governo olhe de novo para o
relatório da Assembleia da República para “ rectificar os erros que estão a ser constantemente
cometidos e pôr fim a este ciclo vicioso da floresta portuguesa”.
Jaime Marta Soares, Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses,
concorda com a ideia de se delinear uma nova estratégia a nível
nacional,....mas lamenta que o lado da prevenção seja sempre ” à moda do caracol: devagar,
devagarinho parado e de marcha atrás.”
..........
Miguel Freitas diz que é num momento como este que se pode redefinir a
forma como a prevenção deve ser feita....
............
O ex deputado não acredita no modelo que está a ser seguido e coloca o
desafio de se apostar na intermunicipalidade como acontece na associação
intermunicipal Terras do Infante( que junta Aljezur, Lagos e Vila do Bispo),
onde “não arde um
hectare há 10 anos.”
As transcrições apresentadas merecem-me o seguinte comentário:
“A necessidade de concentrar numa única entidade a prevenção e o
combate” ,
é justificada pelo facto de a
prevenção ser da responsabilidade do Ministério da Agricultura e o combate do
Ministério da Administração Interna.
Se os Governos (o anterior e o
actual), tivessem seguido a recomendação da AR, já poderiam ter alterado a
situação, criando ou um Ministério para tratar da “Prevenção,
Detecção e Combate dos Incêndios Florestais” que, sem qualquer dúvida,
teria muito que fazer, ou, no mínimo, incluir no Governo, um Secretário
de Estado, na dependência directa do Ministro Adjunto da Presidência do
Conselho de Ministros.
O facto de nenhum dos dois Governos
ter acatado esta recomendação da AR é tanto mais de estranhar quanto a mesma
foi aprovado por unanimidade.
1.6 – PREVENÇÃO, DETECÇÂO E COMBATE
DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS
1.6.1 - PREVENÇÃO DOS IF
Não obstante haver muita legislação sobre esta matéria, é voz corrente que a prevenção dos IF se encontra numa fase muito incipiente. É imperioso incrementar medidas que passem por:
. limpeza da floresta a nível nacional; é incompreensível e
inaceitável que o Estado, possuindo uma pequena percentagem (2/3%) da área
florestal, não proceda à limpeza do que lhe pertence;
.abertura generalizada de itinerários que permitam o acesso
às equipas de combate aos incêndios;
.implantação de uma rede de bocas de incêndios de 5 em 5
quilómetros;
. criação generalizada de redes primárias e de faixas de
gestão de combustível (incluída no programa do actual Governo);
. outras medidas consideradas adequadas.
Para executar as diversas medidas preventivas, são necessários
meios materiais e humanos; para estes, há uma fonte praticamente inesgotável,
que é o elevado número de desempregados. A prevenção, se for levada a efeito a
nível nacional, como deve ser, criará muitos milhares de postos de trabalho,
diminuindo o desemprego e o respectivo subsídio e contribuindo, em
consequência, para a melhoria da economia, que tão necessária é.
Os resíduos florestais, resultantes da limpeza da floresta,
em vez de serem pasto das chamas de centenas de incêndios, que se vêm
verificando, seriam um óptimo combustível para a indústria de biomassa. Que bom
seria vermos as nossas estradas, em todo o País, serem percorridas por camiões
carregados de resíduos florestais, a caminho das respectivas fábricas que,
provavelmente, seriam insuficientes, obrigando à construção de novas
infra-estruturas.
Os meios financeiros necessários à implantação das medidas
preventivas constituem um investimento (e não uma despesa), que seriam
compensados pela diminuição das verbas gastas no combate. Parece-me que, com um
plano devidamente estruturado e com a indicação de objectivos concretos a
atingir, não seria difícil obter fundos comunitários, para este efeito.
A execução da prevenção deveria ser descentralizada ao nível
dos municípios e das freguesias, pois estas são as entidades que melhor
conhecem a sua área florestal e, por isso, estão em melhores condições para
rentabilizar os meios investidos.
1.6.2 – DETEÇÃO DOS IF
Se a prevenção é “muito falada”, mas “pouco executada”, a detecção ainda está numa fase mais atrasada, porque é “muito pouco falada”. Parece consensual que, uma detecção precoce, seguida da implementação de meios rápidos de primeira intervenção, contribuiria não só para diminuir a intensidade e propagação dos IF como, em consequência directa, para uma significativa redução das áreas ardidas.
Num documento disponível no GOOGLE,
sobre o Plano Nacional – Defesa da Floresta contra incêndios, pode ler-se:
As formas de vigilância
podem organizar-se do seguinte modo:
.Vigilância terrestre
. fixa
. tradicional (rede nacional de postos
de viga)
. por sensores
. manual
. automática
. móvel
.Vigilância aérea
. aeronaves
. vigilância armada
. vigilância por aeronaves
. satélite
.Vigilância passiva
. populares
. detecção acidental por aeronaves
comerciais
A
Rede Nacional de Postos de Vigia (RNPV) era constituída por 237 postos de vigia
(PV), sendo a grande maioria pertencente à DGRF (Direcção Geral de Recursos
Florestais) e 18 a Centros de Prevenção e Detenção (CPD); para 2005 esperava-se
a criação de mais 15 postos. A maior parte dos 237 PV estavam
implantados no Norte e Centro do País.
Verificaram-se várias deficiências relativamente aos
recursos humanos utilizados nos PV, nomeadamente na qualificação do pessoal e
de formação, bem como grande burocracia na sua contratação.
Verificaram-se também dificuldades nas
radiocomunicações (essenciais para informar as detecções), em alguns casos
inexistentes. Foram registados baixos níveis de detecção: 28% em 1999; na
região do Ribatejo e Oeste, em 2013 esse registo foi de 8%.
A detecção durante a noite é significativamente baixa;
em contrapartida, segundo os dados difundidos pela comunicação social, é no
período nocturno que se registam muitas ignições, com muita probabilidade de
grande incidência de carácter criminoso.
A vigilância terrestre móvel pode ser feita por:
. sapadores
florestais
. guardas
florestais
. GNR
. Rede
Nacional de Postos de Vigia
. brigadas
militares
. brigadas
autárquicas de voluntários
. outras
É apontado um caso de sucesso, em que a articulação
das diversas entidades envolvidas na detecção resultou: aconteceu no Distrito
de Coimbra. No ano de 2004, um Batalhão de Tropas Especiais (do Centro d Instrução
de Tropas Especiais – Lamego), efectuou acções de vigilância, em conjunto com
exercícios militares. Verificou-se uma forte articulação entre os grupos de
vigilância e primeiras intervenções. Os resultados foram positivos. O distrito
de Coimbra, com uma área ardida média da ordem dos 7.000 hectares, nesse ano de
2004 registou uma área ardida de 466 hectares; o número de ignições decresceu
de uma média de 661 (1999 a 2001), para 820 em 2000 e 348 em 2004.
A Agência Lusa, em 7 de Outubro de 2014, informou o
que se passou no sistema de detecção de incêndios no Parque Nacional Peneda
Gerês (PNPG).
O sistema “ Forest Fine Finder” (FFF), foi adquirido
pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) à empresa portuguesa “NGNS
Ingenuous Solutions”, através de um contrato por ajuste directo, de um montante
de um milhão de euros, para a detecção de incêndios no PNPG.
O FFF, montado em Julho de 2013, é constituído por 14
câmaras com sensores ópticos, distribuídos pela área do parque, emitiu entre
JUL/AGO de 2013, 1.323 falsos alarmes e 228 alarmes verdadeiros, ou seja apenas
1,72% de alarmes a que corresponderam incêndios florestais!!!
A empresa NGNS disse que o número de alarmes falsos
“esteve sempre dentro dos limites operacionais previstos no contrato e que se devem a causas
externas. A natureza é muito complicada e tem sempre factores não esperados.
Neste caso estamos a detectar fumo orgânico, que existe em chaminés de fábrica,
chaminés de casas ou nas nuvens quando passam por outros incêndios. Todos estes
dados necessitam de tempo para ser analisados e de condições, ou seja, a
existência de incêndios, para podermos aferir a sensibilidade dos incêndios”,
explicou à Lusa um dos sócios da NGNS.
Em 25 de Abril de 2013, o semanário Sol, publicou um
artigo com o título “ Sensores ópticos vão detectar incêndios no Gerês”.
O sistema a instalar, explicou à Lusa em 2012, fonte da
ANPC, consegue distinguir o fumo dos incêndios “ de outras fontes”, como por
exemplo o proveniente de indústrias, decidindo “de forma completamente
autónoma, até uma distância de 15 quilómetros, se há motivo para enviar um
alerta de incêndio”.
A minha constatação é que há uma evidente discrepância
entre a fonte da ANPC (recorda-se que foi esta entidade que fez o ajuste
directo do sistema a instalar) e o sócio da empresa NGNS, o que é INACEITÁVEL.
Salienta-se a afirmação deste último que era necessária a “existência de
incêndios, para poderem aferir a sensibilidade dos incêndios”, podendo
concluir-se que o sistema montado não era fiável e a NGNS aproveitou, os
avultadíssimos meios financeiros do
erário público, para aperfeiçoar a sua tecnologia, o que é INCONCEBÍVEL. Mas,
se tudo se passou como fica relatado, parece-me INCOMPREENSÍVEL, como a ANPC
aceita um contrato de um milhão de euros, com uma diminuta percentagem de
sucesso na detecção de incêndios no PNPG, onde no ano de 2016, não obstante
estar instalado o FFF, se terem verificado incêndios muito importantes.
Deve referir-se que a instalação do sistema de
detecção de incêndios, com um considerável investimento público, deveria ser
precedida ou, no mínimo, coincidir no tempo, com a adopção das medidas de
prevenção adequadas, nomeadamente a limpeza da área florestal do PNPG, o que
não foi feito.
O que é certo é que, igualmente segundo a Agência Lusa
, a NGNS já recebeu 60% do contrato, faltando receber340.000 euros (à data de 7
OUT 2014) da adjudicação do contrato, o qual é renovado anualmente.
Contactada pela Lusa, a ANPC informou, por escrito,
que “a apreciação desse sistema de vigilância fará parte da avaliação final do
Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais- DECIF 2014”,
escusando-se a dizer quantos alarmes é que o FFF produziu, desde a sua
instalação. A avaliação final do DECIF 2014 está prevista para depois de
Outubro. Seria interessante ter conhecimento desta avaliação.
A Lusa referiu ainda que a NGNS fez a proposta à ANPC e ao Ministério da
Administração Interna (MAI) para a instalação do sistema, tendo o Tribunal de
Contas autorizado o contrato por ajusta directo.
“O lançamento do procedimento por ajuste directo teve
como fundamento a protecção de um direito exclusivo de que a empresa NGNS é
detentora, esclarece o MAI, indicando que o mesmo foi feito com base na alínea
e) do nº. 1 do artigo 24º. do Código dos Contratos Públicos”.
A alínea em causa refere que, “por motivos técnicos,
artísticos ou relacionados com a prestação objecto do contrato só possa ser
confiado a uma entidade determinada”.
Face ao que fica escrito, parece-me lógico tirar a
seguinte conclusão:
. foi tudo
legal, com todas as garantias dadas à NGNS;
. já “ardeu”
um milhão de euros;
. com um
“eficiente ?” sistema de detecção de incêndios instalado, o Parque Natural da
Peneda Gerês
continua a
arder, como se verificou no ano passado e já neste ano, e continuará nos próximos,
desde que não sejam implementadas (ontem já era tarde), as medidas preventivas
adequadas.
1.6.3 – COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS
O combate dos IF, em virtude do brutal volume de
incêndios que, ao longo de décadas se tem verificado, penso ser a área em que
os diversos executantes têm adquirido maior experiência. Sem me alongar mais
sobre este assunto, quero referir um aspecto que considero importante: a
utilização dos meios aéreos.
No Semanário SOL, publicado no dia 27 de Agosto de
2016 e num artigo de opinião, da autoria de Francisco Guerreiro, pode ler-se:
“Em Portugal
existe “uma indústria de incêndios” que
tem no negócio dos helicópteros um grande sorvedouro de dinheiro do Estado: 348
milhões de euros foi o montante deslocado nos últimos 10 anos para assegurar
esta prática, 17 vezes mais do que se investe na prevenção de incêndios”.
Há algum tempo, foi noticiado que o Sr. Director da
ANPC (Autoridade Nacional da Protecção Civil) apresentou a sua demissão, na
sequência de notícias publicadas sobre um inquérito (que, tanto quanto se sabe,
ainda não foi concluído), sobre a utilização de aviões no combate dos IF.
O emprego dos meios aéreos é um importantíssimo
complemento do combate levado a efeito no terreno; no entanto tem sido objecto
de muita controvérsia e pouca transparência. Esta situação não pode continuar.
Por que é que os Meios Aéreos que o Estado possui para
este efeito (6 meios pesados e 3 ligeiros), não são entregues à Força Aérea
Portuguesa (FAP), após adequado protocolo entre os Ministérios da Defesa e da
Administração Interna. Parece-me que a FAP com a sua estrutura, especialmente
de manutenção, e depois da preparação conveniente e da atribuição dos meios
necessários, poderia fazer uma gestão dos meios aéreos de combate dos fogos
florestais, com maior eficácia e, seguramente, com um dispêndio muito inferior
de meios financeiros, em comparação com a atribuição dessa tarefa a empresas
privadas. Quando houvesse necessidade de reforço dos meios aéreos, estes seriam
entregues também à FAP.
1.7 - CASOS DE SUCESSO
Felizmente, também há boas notícias, relativamente aos
IF.
Conforme se pode ver no número 1.5, na “associação intermunicipal Terras do Infante
(que junta Aljezur, Lagos e Vila do Bispo), não arde um hectare há 10 anos”.
Li algures na comunicação social que, no Concelho de
Mação e em algumas freguesias do Concelho de Águeda, estão em curso actuações
positivas.
Naturalmente que haverá outras zonas onde se verificam
casos de sucesso. É pena que todos estes não tenham tido a conveniente
divulgação, não só para serem do conhecimento geral, como poderiam servir de
incentivo para que as respectivas técnicas fossem aplicadas noutras áreas.
1.8 – O QUE FAZER?
No artigo de opinião, já referido, publicado no
semanário SOL, no dia 27 de Agosto do corrente ano, com o título “Fogos: cooperar para prevenir”, o Autor,
Sr. Francisco Guerreiro, escreveu:
“Há que
encontrar um compromisso colectivo, político e cívico, de longo prazo. É
necessário incentivar a cooperação, é preciso ouvir os peritos, os políticos,
os proprietários, envolver a sociedade civil numa estratégia de proximidade que
valorize efectivamente o contributo de cada um e de todas as posições. Mais do
que inflamar posições de acusação e de atribuição de culpas que só reforçam
as políticas da desinformação, é
necessário reunir recursos e competências para criar estratégias que resultem
na efectiva extinção destes eventos dramáticos.
Todos estamos
de acordo quanto à urgência de encetar uma abordagem diferente, com uma forte
aposta na prevenção que passa pela alteração de hábitos. Bem sabemos que demora
tempo, porém é a prazo que se alteram consciências e se encontram novas formas
de trabalhar.”
Concordando inteiramente com a transcrição anterior e tendo em conta o que consta nos números anteriores, formulo a seguinte proposta.
2. PROPOSTA CONDUCENTE A TENTAR RESOLVER O PROBLEMA
DOS INCÊNDIOS FLOTRESTAIS
Considerando que:
- Todos os Governos (incluindo o actual), têm sido
incapazes de adoptar medidas com o objectivo de diminuir, de forma
significativa, o número de IF, ao longo de décadas.
. Que a Assembleia da República (todas, incluindo a
actual), não têm conseguido que os diversos Governos tenham adoptado as suas
várias iniciativas sobre este assunto.
. Que os Tribunais, outro Órgão de Soberania, embora
sejam chamados a interferir neste assunto, nomeadamente no julgamento de actos
com indícios de índole criminal, não
têm, nesta assunto, mais competências do
que isso
Resta o Órgão de Soberania – Presidente da República,
que em minha opinião, pode dar o seu contributo importantíssimo, relativamente
aos IF.
Nestas condições, proponho:
2.1 – Que o Sr. Presidente da República, se assim o
entender, tenha uma iniciativa presidencial, que consiste no convite a uma
personalidade, para presidir a um GRUPO DE TRABALHO (GT), que estude o assunto
em toda a profundidade. Este grupo de trabalho, seria o mais alargado possível,
incluindo representantes: dos peritos na matéria, dos políticos (partidos e
Assembleia da República), dos proprietários,
das organizações florestais e departamentos governamentais apropriados,
bem como ainda da sociedade civil e outros que fossem considerados importantes,
isto é, seria tão abrangente quanto possível.
A MISSÃO deste GT seria a apresentação do PLANO
NACIONAL DE PREVENÇÃO, DETECÇÃO E COMBATE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS (PREDECIF),
PARA OS PRÓXIMOS 20 ANOS.
Para isso disporia do tempo considerado necessário e
levaria a efeito as medidas que achasse convenientes. A título de exemplo,
aponto o estudo da situação do histórico dos IF ( com a apresentação das
estatísticas existentes), casos de sucesso, quer a nível nacional, quer
internacional, campanha de sensibilização para o assunto, em todos os órgãos de
comunicação social, entrevistas, participação em programas existentes ( Prós e
Contras e outros), apelar à participação da população, com as suas sugestões
(não esquecendo a maneira prática desta colaboração) e outas iniciativas
conducentes que possam dar o seu contributo para o cumprimento da MISSÃO. Para
terminar, apresentaria o PREDECIF, com as medidas consideradas adequadas.
O PLANO NACIONAL seria, em termos de execução,
escalonado no tempo (4/5 anos, coincidindo com a duração do Governo), com metas
concretas a atingir no final de cada período.
2.2 – O GT terminaria a sua função, com a apresentação
formal do PLANO NACIONAL na AR e seria então dissolvido. Dele sairia uma
Comissão de Acompanhamento do PREDECIT, com carácter permanente, com a MISSÃO
de monitorizar a execução do Plano.
2.3 – Dado o carácter abrangente do GT e a metodologia
seguida, com ampla participação e debate, o PREDECIT será, certamente, aprovado
pela AR, com a eventual introdução de
alguns melhoramentos, sem todavia descaracterizar o documento, como um
todo.
A AR, na sua competência legislativa, tomaria as
diligências necessárias para que o PREDECIF passasse a ser um diploma legal.
2.4 – O Governo em funções, com base nesse instrumento
legal, apresentaria o seu Plano, para execução até ao final do ano em curso.
Esse Plano serviria de base para os Planos Municipais.
2.5 – Em SET/OUT, todos os anos, o Governo
apresentaria, na AR, o seu Plano , bem como os Planos Municipais, para o ano
seguinte.
No mês de MARÇO, de cada ano, elaboraria e apresentaria
na AR, o Relatório de execução, relativo ao ano findo.
2.6 - A
Comissão de Acompanhamento, independentemente das iniciativas que entendesse
tomar, durante o ano, apresentaria, na AR, no mês de ABRI, o seu Relatório
referente ao ano findo.
2.7 – Quando se verificasse alteração da composição da
AR, resultante de eleições legislativas, haveria obrigatoriamente, uma
actualização do PREDECIF, seguindo-se os procedimentos indicados atrás, no que
respeita ao Governo e à Comissão de Acompanhamento.
2.8 – Quando terminar a execução do PREDECIF inicial
(ao fim de 20 anos), seria elaborado novo PLANO de Médio/Longo prazo, até se
atingir um estado considerado estável e controlado dos IF.
Para
terminar, porque não podemos continuar a
assistir, impávidos e serenos, à delapidação de recursos e perda de
vidas humanas, resultantes dos Incêndios Florestais, é imperioso passar das
palavras aos actos e enfrentar, sem mais delongas, com determinação, firmeza,
perseverança e vontade este FLAGELO NACIONAL que, esperamos seja atacado de
forma global, por forma a diminuir, drasticamente, esta TRAGÉDIA a que temos
assistido, ano após ano, há décadas.
Lisboa, 20 de Junho de 2017
Alexandre da
Costa Coutinho e Lima
(Coronel de
Artilharia Reformado)
____________Nota do editor
Último poste da série de 30 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17410: (In)citações (107): A petição "Os ex-combatentes solicitam ao Estado Português o reconhecimento cabal dos seus serviços e sacrifícios", foi admitida (Inácio Silva, ex-1.º Cabo Ap AP da CART 2732)
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