quarta-feira, 21 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17498: Efemérides (259): Dia do Combatente Limiano - 6.ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria, 27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar (António Mário Leitão, ex-Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda)



1. Mensagem do nosso camarada António Mário Leitão [ex- Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973], autor do livro "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012), com data de 16 de Junho de 2017:

Caro Luís e Camaradas do nosso Blogue!
Aqui envio imagens da magnífica jornada de saudade celebrada no Dia de Portugal, em que se realizou a 6ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria (27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar) durante o século vinte.

Organizada pelo Lions Clube de Ponte de Lima, que desde há 4 anos assumiu essa incumbência patriótica, esta celebração desenvolveu-se em três momentos: 
- uma missa na Igreja da Misericórdia, 
- a apresentação do meu livro "História do Dia do Combatente Limiano" 
- e a homenagem no Memorial dos Heróis do Ultramar.

A adesão da população foi muito significativa, apesar deste dia ter sido há dois anos chumbado pela Assembleia Municipal de Ponte de Lima e pela Câmara Municipal (conforme petição popular já publicada nesta nossa Tabanca Grande).

O Capelão Militar Padre Ricardo Barbosa trouxe uma encorajadora mensagem do Chefe do Estado Maior do Exército, que nos permite encarar com mais alento as homenagens futuras. E também a Liga dos Combatentes, através desse sacerdote, se disponibilizou para participar activamente na conservação destas Sagradas Memórias.

A presença de dois Coronéis da GNR, de um Coronel Comando, do Oficial Patrão-mor de Viana do Castelo e de uma senhora Major do Exército, além de outras individualidades, constituiu também um factor de grande encorajamento para continuarmos a nossa missão, que tem sido muito acarinhada pelo Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, pelas associações de ex-Combatentes e pelos párocos das diversas freguesias.

Apesar da sua rejeição pelo poder político vigente, o Dia do Combatente Limiano vai-se afirmando! 
Quem sabe se depois das próximas eleições autárquicas ele não será instituído?

Um abraço para todos os teus Colaboradores e parabéns pelo V. trabalho!
Até já!
Mário Leitão















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Nota do editor

Último poste da série de 15 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17475: Efemérides (258): O 10 de Junho no Porto e em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Núcleo de Matosinhos da LC)

Guiné 61/74 - P17497: Os nossos seres, saberes e lazeres (218): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (7) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 8 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Sugiro, a quem pretenda fazer comparações entre o presente e quatro ou décadas atrás que visite museus. Na minha infância, o Museu Nacional de Arte Antiga era mal iluminado, a exposição daqueles objetos artísticos, a coisa mais desgraciosa que imaginar se pode, posso testemunhar que vi a baixela de D. João V bem suja. Hoje é um espaço atrativo, um primor para a museologia e museografia. O mesmo acontece com o Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada, que fui visitar, pude constatar o alto profissionalismo que por ali vai, a dedicação e o carinho na conservação e restauro.
Se passarem por Ponta Delgada, este museu é paragem obrigatória.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (7)

Beja Santos

Aqui há uns dias fui ao Museu Nacional de Arte Antiga visitar a exposição “Lisboa, capital global”, mais um empreendimento de grande categoria museológica e museográfica. Aproveitei para visitar o museu do terceiro andar até à capela, onde se conservam belíssimos presépios. Em criança, este importantíssimo museu revelava-se-me soturno, havia humidades e a exposição dos objetos era tristonha, lembro-me da minha mãe me estar a falar da famosíssima baixela de D. João V e de eu lhe ter perguntado porque é que toda aquela prataria estava suja… Ora quando visitei pela primeira vez o Museu Carlos Machado, em 1967, tive uma imagem mais lisonjeira, mas por razões que desconheço os objetos postos não tinha nada a ver com o deslumbramento desta visita, 50 anos depois. Houve para aqui obras de vulto, consta que havia muita madeira cheia de bicho, o que interessa é que a disposição e a organização das salas permite admirar um património magnífico. O Museu Carlos Machado está instalado no antigo Convento de Santo André, também foi liceu, Carlos Machado ergueu e organizou os primeiríssimos recheios, o património tem crescido, a conservação e o restauro são magníficos. Que belo museu!



O património é variadíssimo, como disse, eu peço desculpa por não me entusiasmar com aves empalhadas nem com os segredos oceanográficos, nada desdenho, e sei muito bem que o museu acolhe visitantes que vêm propositadamente deliciar-se com pássaros e peixes deste recanto oceânico, para diante de uma bela azulejaria, vi a cadeira da última abadessa, e subi ao coro alto, nunca aqui tinha estado.



Recordo-me, quando chegou a hora daquela onda extremista que deu pelo nome da FLA, li um panfleto falando da identidade açoriana, toda ela singular. Os demagogos não tiveram seguidores. Por razões compreensíveis, basta olhar esta arte que está dispersa por todo o território português e perceber que a coesão nacional é dada pela língua, pelos valores imateriais e espirituais em horizontalidade, pela cultura e vetores de civilização. O que se chama açorianidade, que Vitorino Nemésio tão bem definiu, tem a ver com a imensidão do mar à volta, o ter os pés assentes em massa vulcânica, em amassar o caráter no isolamento e valorizar a solidão. Gosto dos escritos açorianos, quando leio José Martins Garcia ou Cristóvão de Aguiar sinto a alma do ilhéu, que perpassa, mais tenuemente na obra de Natália Correia, mas também o continente tem os seus castiços, como os do Douro ou os da planície alentejana e o mundo da raia, os saborosos acentos do mirandês e do barranquenho. Por isso respiro aqui os vigores destes modos de vida e exulto o que a natureza oferece, no seu mistério, na sua graciosidade, no seu aprazimento. A visita ao museu prossegue, também eu estou em aprazimento.



Nem todas as salas deste magnífico museu estão abertas ao público, vinha à espera da rever os belíssimos registos dedicados ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, de um deles adquiri através de uma artífice de gabarito, Graça Páscoa, a réplica de um deles que tenho no meu escritório. E há os artistas açorianos contemporâneos que não pude ver, fica para a próxima, já tive a minha dose do escultor Canto da Maia, não vou mal guarnecido. Desço ao rés-do-chão para colher umas imagens surpreendentes.




Quando se lê Camilo Castelo Branco aparece muitas vezes a roda, era aqui que se largavam as crianças de pai incógnito ou de casais na penúria, nalguns casos ficava a identificação, noutros nem tanto. Um símbolo do que era a assistência conventual e como se praticava a compaixão. Espero que os meus leitores tenham ficado bem impressionados com o museu Carlos Machado. A visita está praticamente no fim, ainda tenho jardins em agenda e depois um passeio até à Lagoa do Fogo.
Eu conto já a seguir.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17469: Os nossos seres, saberes e lazeres (217): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17496: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (42): o caso do colono Fausto Teixeira (1900-1981), deportado político em 1925, empresário de sucesso até ao 25 de Abril... Depoimentos do neto Fausto Luís Teixeira, formador, e Fernando Gouveia (ex-alf mil rec e inf, Cmd Agr 2957 Bafatá, 1968/70)


Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro, com outros deportados para a Guiné, em 1925, alegados membros da misteriosa "Legião Vermelha". O Gabriel Pedro é o quarto da segunda fila, a contar da esquerda (assinalado a vermelho). O Fausto Teixeira seria o segundo, de boina (assinalado a verde).

"Curiosa esta fotografia das alegados membros da 'Legião Vermelha' - Todos engravatados e de camisa branca!" (Armando Tavares da Silva).. "Na época tiravam-se fotos com a melhor roupinha que se tinha... Pode parecer insólito... Como não chegaram a ser julgados, temos de presumir a sua inocência... E, no entanto, alguns poderão ter cometido crimes de sangue...Quem vê caras não vê corações... Por outro lado, ainda não há investigação historiográfica séria sobre esta alegada rede terrorista" (Luís Graça)...

[Fonte do fotograma: You Tube > A Legião Vermelha - Portugal 1920/1925, documentário da RTP, com a devida vénia...]


1. A nossa curiosidade sobre este colono que viveu meio século na Guiné (entre 1925 e o 25 de Abril de 1974), e tem uma notável história de vida (*), espicaçou-se com o pedido de informação do neto, Fausto Luís Teixeira:

(...) Chamo-me Fausto Luís Teixeira, nasci em Ponte Nova, Bafatá (onde vivi até aos 3 anos) e sou neto de Fausto da Silva Teixeira, que mal conheci e de que gostava saber algo mais. Uma pergunta: sabeis como ele foi parar à Guiné? (...).

Temos mobilizado e trocado informações e conhecimentos, com contributos vários de camaradas e amigos nossos (Luís Graça, Armando Tavares da Silva, José Manuel Cancela, Jorge Cabral, Manuel Amante da Rosa, Fernando Gouveia...), além do próprio neto que ainda se lembra de ir de automóvel até à casa do Edmundo Pedro, filho de Gabriel Pedro, talvez dois dos mais conhecidos "hóspedes" do campo de concentração do Tarrafal, nos anos 30 e 40.

2. Publicam-se três das mais recentes mensagens que trocámos:

(i) Fausto Luís Teixeira, formador  na área hotelaria e restauração (e quem o editor convida desde já para integrar a nossa Tabanca Grande)

Data - 19/06/2017

Olá!... Imensamente obrigado pelos seus esforços. Lamento andar sem tempo - e paciência,diga-se, em abono da verdade,e não fazer esforços equivalentes aos vossos, mas... um final de ano lectivo é sempre um pouco stressante.

Ainda assim (a propósito de algo referido por Sr Cancela):

- António Teixeira, meu tio, tinha um irmão mais velho, Adriano  (além de duas irmãs, uma mais velha e outra mais nova);

- o Adriano é o meu pai, de quem por graça se pode dizer que  "foi comprar cigarros", a Setúbal, em 1965, para só reaparecer após o 25 de Abril,  em 1976/77; viveu em países de leste e na Alemanha (onde ainda hoje vive), e não em Palmela, na Quinta dos Carvalhos (que era da família);

- além de eu próprio, também nasceram em Bafatá os meus irmãos, mais velhos (em 1957 e 1958);

- falei telefonicamente com a minha mãe,  e espero outra oportunidade para mais obter detalhes;

-  o meu avô Fausto Teixeira teve várias mulheres, donde os meus tios terem diferentes mães: Paula Vitória das Neves, viúva de um militar, capitão,  a prestar serviço na Guiné,  e Agostinha, de que já se falou:

- e, por fim, o Fausto Teixeira nasceu a 31 de março de 1900 e faleceu a 30 de dezembro de 1981.

Até breve e muito obrigado
Fausto Luís

PS - A ser alguma daquelas personagens, o meu avô parece-me ser o de boina em cima. Sem dúvida que era fascinante e nunca esquecerei ele a contar histórias de fuga à polícia  com grande gozo e sentido de humor...e muito riso.

Como sabeis, ele só tinha as falanges de ambas as mãos; sempre pensei que tivesse sido um acidente na serração...mas faz sentido, cada vez mais sentido, um "diz que"...  "terá sido por causa de uma bomba", uma vez dito por minha mãe.

Continuo a achar algum exagero nas diversas idades que lhe vão atribuindo....Vou ver se pergunto a uma tia (irmã mais nova de António), quando esta vier de férias.


(iii) Pedido de informação do editor LG  ao Fernando Gouveia [ex-alf mil rec e inf, Cmd Agr 2957 Bafatá, 1968/70: arquiteto da CM Porto, reformado; e membro da nossa Tabanca Grande desde 9/4/2009]

 (...) Assunto: Madeireiro "amigo" do PAIGC (?) Fausto [da Silva] Teixeira, deportado para a Guiné em 1925... Um barco dele é atacado no Rio Geba c. 1970...

Preciso de um favor teu, mais um esforço de memória... Este homem tinha uma serração mecânica (desde 1928), em Bafatá, Fá e Banjara (esta abandonada com a guerra...). Era um próspero madeireiro nos anos 40/50, tinha barco(s) que fazia(m) o Geba... Ajudou o Luís Cabral a fugir para o Senegal... Relacionava-se com o Amílcar Cabral e a esposa Maria Helena (que era transmontana como tu)...

Era um "tuga", e possivelemnte teria duas famílias, uma em Palmela e outra em Bafatá... No final dos anos 60, hospedava-se no Hotel Portugal e tinha uma companheira cabo-verdiana, muito mais nova do que ele, de nome Agostinha...

Esta história diz-te alguma coisa, sobretudo a parte relativa a Bafatá ? Em 1947, em 7 de fevereiro, o subscretário de Estado das Colónias, mais o Sarmento Rodrigues e comitiva, fazem um paragem em Fá, vindos de Bafatá, para visitar a empresa deste "colono", que se "fixara" na colónia há cerca de 20 anos... Ora, ele fora deportado, sem julgamento...Na história do PC, ele é considerado como um dos primeiros militantes a ser preso e,  para mais , deportado...


(iv) Resposta de Fernando Gouveia

Data - 20 de junho de 2017, 23:43

Luís: Por aqui tudo bem. Só respondo agora pois estive para o "meu" Nordeste {Transmontano], sem Net.

Quanto ao madeireiro de Bafatá, dir-te-ei o mesmo que em tempos te disse em relação ao Sr. Teófilo: dadas as minhas funções nas Informações nunca me abri com pessoas controversas.
O único contacto que tive com o madeireiro foi quando precisei de umas tábuas para fazer uma mesa para a minha casa. Fui à serração, fui muito bem atendido (era tropa e oficial), não me tendo cobrado nada pela madeira que me forneceu.

E é tudo. Um grande abraço
Fernando Gouveia

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

20 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17489: (De) Caras (85): o testemunho de Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário de Cabo Verde em Itália, sobre o Fausto Teixeira: "era uma figura distinta, opositor ao regime de Salazar, vigiado pela PIDE/DGS, amigo do meu pai que lhe comprou, no início dos anos 70, o último navio que ele levou para a Guiné, um antigo cacilheiro que fazia carreiras regulares para o Xime e para os Bijagós ...Morreu depois do 25 de Abril em Portugal".

(...) Este Senhor, Fausto Teixeira, era uma figura distinta na Guiné. Um empedernido opositor ao regime de Salazar, por vezes incómodo, e permanentemente seguido pela PIDE/DGS. Conheci-o através do meu Pai, de quem era amigo. De baixa estatura, conversador, rijo apesar da idade e pertinaz em todas as opiniões que proferia.

Era originário de Setúbal, tendo sido deportado para Bissau (...). O meu Pai  comprou-lhe o último navio que ele levou para a Guiné nos inícios dos anos 70. Registou o navio, um antigo "cacilheiro", com o nome de "O Amanhã". Nessa altura, [o Fausto Teixeira] estaria já nos seus 70 anos e denotava esperanças em tudo o que fazia ou dizia. O meu Pai conservou o nome e ele fazia carreiras regulares para o Xime diariamente. Eu fiz muitas viagens nele, não para o Xime como para os Bijagós.

Julgo que o Sr. Fausto terá vivido o seu amanhã com o 25 de Abril ainda na Guiné e terá morrido anos depois na sua terra natal. (...)


18 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (84): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)

(...) O Fausto Teixeira faria parte de um grupo de 26 membros da Legião Vermelha que, a bordo do cruzador Carvalho Araújo, foram deportados para a Guiné, onde chegaram em Junho de 1925.

A Legião Vermelha era um grupo anarco-sindicalista que varreu o país com uma onda de atentados bombistas contra figuras de destaque no campo do comércio, indústria, etc., supostamente conservadoras. A 15 de Maio de 1925 atentam contra a vida do comandante da polícia, coronel João Maria Ferreira do Amaral, que fica ferido. É na sequência deste atentado que um grupo destes anarquistas é deportado para a Guiné [, entre eles, Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro]. Era presidente do ministério Victorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Foi o mesmo grupo que, em 1937, atenta contra a vida de Salazar. (...)


16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (83): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...



(**)  Último poste da série > 22 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17168: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (41): Pedido de ajuda para tese de doutoramento sobre "o papel dos negros que combateram nas tropas especiais" (Sofia da Palma Rodrigues)

Guiné 61/74 - P17495: Agenda Cultural (567): "Comandos - Subsídios para a sua História", do Ten Gen Comando Ref Júlio Faria Ribeiro de Oliveira: lançamento do livro, dia 28, 4.ª feira, às 18h00, no Museu Militar, Lisboa. Apresentação a cargo do Ten Gen Ref Alexandre Sousa Pinto, actual Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar



Convite que chegou ao nosso blogue através do nosso leitor e camarada, o escritor, Cor Inf Ref, Manuel Bernardo. a quem agradecemos a atenção. O apresentador esteve para ser o Gen Ramalho Eanes. Por razões de agenda, foi substituído pelo Ten Gen Ref Alexandre Sousa Pinto, atual Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar. Uma síntese histórica dos Comandos também pode ser vista aqui.
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17476: Agenda Cultural (566): Lançamento do II Volume de "Memórias Boas da Minha Guerra", da autoria de José Ferreira, dia 8 de Julho de 2017, pelas 10h30, no Choupal dos Melros, Rua das Cabanas, 177, Fânzeres-Gondomar - Seguir-se-á um almoço com inscrição prévia

Guiné 61/74 - P17494: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XI: EUA:, Califórnia: San Diego, San Pedro e Long Beach, a sul de Los Angeles: 30/9 e 1/10/2016


O nosso camarada António Graça de Abreu e a esposa Hay Yuan









Parte XI (Segundo volume, p. 1-5)


Texto, fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE,CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 190 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais. Soubemos, pelos jornais, que o João há pouco tempo andava pela China e pela Coreia do Norte...

Neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016. Três semanas depois o navio "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, de sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017). 


2. Nesta II etapa da "viagem de volta ao mundo", com um mês de viagem (a primeira parte terá sido "a menos interessante", segundo o escritor), chegamos aos EUA, à costa da Califórnia:  San Diego e depois San Pedro (30/9/2016) e ainda Long Beach (1/10/2016), nos arredores de Los Angeles. [Sobre o navegador e explorador português João Rodrigues Cabrilho (Cabril, Montalegre, 1499 - Califórnia, 1543), ver aqui mais. ]

Recorde-se a mensagem que o António Graça de Abreu escreveu  aos nossos leitores, em 19 de fevereiro passado;

Companheiros e camaradas da Guiné

Depois daqueles anos de fogo, nas décadas de sessenta e setenta do século passado em que, meninos e moços, fizemos uma guerra em terras da Guiné e depois, pelo bem e pelo mal, regressámos marcados para todo o sempre, continuámos as nossas sinuosas vidas, filhos, netos, casamentos, divórcios, trabalhos e lazeres, emigração, viagens de espantar, a atravessarmos o mundo e o mundo a atravessar-nos a nós.

Com sete décadas de complexa vida, tive a sorte de viver quase nove anos fora de Portugal, derramando-me por quatro continentes. Sou dono de coisa nenhuma, mas o mundo não me é estranho.

Acabei de concretizar uma Volta ao Mundo, por alguns dos muitos mares "nunca dantes navegados", três meses e nove dias de viagem num navio ao encontro do mundo, ao encontro de mim. Fui escrevendo uns textos curtos, de lugar em lugar, simples notícias às vezes extravagantes e, por certo, inéditas.

Se tiverem paciência, leiam, acompanhem-me na viagem. Prometo não vos desiludir. Em San Diego, EUA, em Melbourne, Austrália, na Tailândia, em Cochim, Índia, em Muscate, Omã, lá encontrarão também a referência aos combatentes de outras, ou as mesmas, guerras, e a essa fantástica, exaltante e estuporada expansão dos portugueses pelo vasto mundo.
Abraço a todos,

António Graça de Abreu

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terça-feira, 20 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17493: Convívios (814): os Pel Caç Nat 51, 52 e 54, em Poceirão, na casa do ex-fur mil João Vaz (ex-prisioneiro de guerra em Conacri) (José Manuel Viegas)


Foto nº 1 > Pel Caç Nat  54 >  da esquerda para a direita,  Furriel Arlindo Costa (DFA),  Furriel José Viegas, Cabo Marques, Cabo Coelho (DFA) e Cabo Manuel Januário (DFA)


Foto nº 2 > Pel Caç Nat 51 >  da esquerda  para a direita: Furriel Castro, Furriel Azevedo, Alferes João Perneco, Furriel Carvalho e Cabo Raul.


Foto nº 3 > da direita para a esquerda, Furriel Arlindo Costa (DFA), Alferes Henrique Matos, Cabo Coelho (DFA) e Cabo Marques


Foto nº 4  > Pel Caç Nat 52 > da esquerda para a direita,  Furriel João Vaz (ex-prisioneiro de guerra em Conacri, libertado no decurso da Op Mar Verde) e Alferes Henrique Matos (, o primeiro cmdt do 52)


Foto nº 5 > Para matar saudades das ostras do tarrafo...


Foto nº 6 > ... mais as sardinhas  assadas (, estas é  que não havia na Guiné)


Fotos (e legendas): © José Manuel Viegas  (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Texto enviado em 19 do corrente, pelo José Manuel Viegas, nosso grã-tabanqueiro, algarvio, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68): 


Assunto - Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52 e 54
Realizou-se no Poceirão, Palmela,  mais um encontro dos Pelotões de Caçadores Nativos, formados pelo nosso camarada Jorge Rosales, do 51 ao 56 [, no CIM de Bolama],  e que serviram na Guiné entre 66 e 68. É já muito dificil encontrar estes nossos camaradas, mas ainda assim juntámos o 51, 52 e 54.

Como não podia deixar de ser,  lá estiverem as célebres ostras do tarrafo,  uma das nossas maravilhas da Guiné.

Depois do nosso almoço,  que foi efectuado na casa do furriel mil João Vaz,  do Pel Caç Nat  52,   lá foram tiradas as fotos da praxe para que perdurem as nossas memórias (e que vão acima publicadas, com legendas).

Com esta publicação fazemos votos que outros camaradas se juntem a nós mesmo aqueles que nos substituíram nos pelotões e nos novos.

Um abraço a todos
José Manuel Viegas
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17492: Convívios (813): Irmãos, camaradas e amigos do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970) (cmdt, CCAV 2538, 1969/71) honram a sua memória e divulgam o projeto Kassumai (de apoio à escola de Suzana) em jantar-convívio no próximo dia 25, em Cascais. Aceitam-se inscrições até ao fim do dia de hoje


Guiné > Região do Cacheu > Susana > CCAV 2358 (1969/71) > Natal de1969 > Último Natal e provavelmente a última ou uma das últimas fotos do Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876, unidade de quadrícula de Susana (1969/71), que morreu, em combate, em circunstâncias que nunca foram cabalmente esclarecidas pelo Exército, na sequência de uma operação contra o PAIGC, a Op Cassum, na fronteira com o Senegal, no dia 18 de Fevereiro de 1970. Nesse dia ainda foi evacuado, de Susana para Bissau, para o HM 241, de heli (pilotado pelo nosso camarada Jorge Félix). O malogrado oficial foi substituído pelo Cap Cav Rogério da Silva Guilherme.

Outras subunidades do BCAV 2876: CCAV 2539 (S. Domingos) e CCAV 2540 (Ingoré). 

Foto cedido por Rogério Pedro Martins, que estava em Susana nesta altura. O Miguel Vilar falou também com o ex-fur mil Enf Jesus, que vive em Mértola, e que estava a dois metros do seu capitão, quando este foi atingido. O Afonso conseguiu o número de telemóvel do Jesus, o que permitiu ao Miguel contactá-lo.

Fotos: © Rosário Pedro Martins / Miguel Vilar / Duarte Vilar (2010). Direitos reservados. [Editadas por L.G.]



1. Mensagem de Duarte Rei Vilar, com data de 4 do corrente, enviada para a caixa de correio do nosso editor Luís Graça na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA e Lisboa. Por lapso, só hoje teve conhecimento do email:

Caro Luís

Eu e os meus irmãos iremos realizar um jantar /encontro (*) no dia 25 de Junho. Vamos contar à família e amigos a nossa viagem e, sobretudo, captar novos apoios para o Projeto Kassumai, um projeto de apoio às crianças de Susana e à escola que o meu irmão [, cap cav Luís Gilipe Rei Vilar, cmdt da comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876, unidade de quadrícula de Susana (1969/71) ] (**), construiu, na altura em que lá esteve.

Gostávamos muito que estivesses presente e podes também divulgar no blogue e na Tabanca Grande.

Junto envio-te o convite. Espero que possas vir.

Um grande abraço
Duarte Rei Vilar
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(**) Filhos da Escola do Exército e da Academia Militar, mortos pela Pátria:

Campanha do Ultramar 1961 - 1974

Cap. Inf. Abílio Eurico Castelo da Silva

Ten. Inf. Jofre Ferreira dos Prazeres

Alf. Pqd. Manuel Jorge Mota da Costa

Ten. Cav. Jorge Manuel Cabeleira Filipe

Ten. Pil. Av. António Seabra Dias

Ten. Inf. Casimiro Augusto Teixeira

Ten. Pil. Av. Carlos António Alves

Ten Pqd. Luís Ramos Labescat da Silva

Alf. Inf. Helder Luciano de Jesus Roldão

Cap. Inf. Óscar Fernando Monteiro Lopes

Cap. Cav. António Lopo Machado do Carmo

Cap. Inf. Isidoro de Azevedo Gomes Coelho

Cap. Inf. António Afonso da Silva Vigário

Cap. Inf. Cirilo de Bismarck Freitas Soares

Cap.Inf. Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles

Ten. Inf. Manuel Bernardino da Silva Carvalho Araújo

Cap. Pqd. Luís António Sampaio Tinoco de Faria

Alf. Inf. José Manuel Ribeiro Baptista

Cap. Inf. José Jerónimo da Silva Cravidão

Ten. Pil. Av. Manuel Malaquias de Oliveira

Alf. Inf. Augusto Manuel Casimiro Gamboa

Alf. Cav. Estevão Ferreira de Carvalho

Cap. Inf. Artur Manuel Carneiro Geraldes Nunes

Alf. Art. Henrique Ferreira de Almeida

Cap. Inf. Adelino Oliveira Nunes Duarte

Cap. Cav. Luís Filipe Rei Vilar

Maj. C.E.M. Raúl Ernesto Mesquita da Costa Passos Ramos

Maj. Inf. Alberto Fernando de Magalhães Sousa Osório

Maj. Art. Joaquim Pereira da Silva

Cap. Cav. Jaime Anselmo Alvim Faria Afonso

Cap. Inf. Fernando Assunção Silva

Cap. Art. Pedro Rodrigo Branco de Morais Santos

Ten. pil. Av. Cláudio Santos Pereira Ascenção

Ten. Pil. Av. Rui Fernando Movilla de Matos André

Ten. Cor. Pil. Av. José Fernando de Almeida Brito

Maj. Pil. Av. Fernando José dos Santos Castelo

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Cap. Pil. Av. Fernando Fernandes

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Guiné 61/74 - P17491: Blogoterapia (286): Uma memória daquele espaço em Casal dos Matos, Pedrógão Grande (Mário Beja Santos)

Casal dos Matos, Pedrógão Grande, tinta da china de João Viola (2007).



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) chegada há minutos ao nosso Blogue:

Queridos amigos,
Reconstruí uma casa no lugar de Casal dos Matos, freguesia da Graça, concelho de Pedrógão Grande. Era uma casa arruinada num ponto ermo, dentro de uma extensa floresta. Foi um empreendimento maravilhoso, por sorte encontrei artesãos que recuperam a traça original. Fui ali muito feliz e tive gente muito feliz à minha volta, por largos anos.
Desde o primeiro segundo em que ocorreu a tragédia que houve um tremor de que a hecatombe anunciada ali tivesse chegado. Quando se falou em Nodeirinho, ponto de passagem obrigatório até Casal dos Matos, ficaram poucas ilusões. A todos que me telefonavam e escreviam, caso do Luís Graça, punha sempre esperança de que a tempestade de fogo não tivesse derrubado aquele meu sonho de amor. Ao fim da tarde, falando com o proprietário seguinte, o desengano teve a sua hora, Casal dos Matos ficara reduzida a cinzas.
Aqui deixo esta memória, dedicada a todos os que morreram naquele absurdo vendaval da natureza.

Um abraço do
Mário


Uma memória daquele espaço em Casal dos Matos, Pedrógão Grande

Beja Santos

Tudo aconteceu em ritmo vertiginoso quando achamos em estrada de terra batida as ruínas de uma casa cheia de caráter, teria sido morada de agricultores, dava para perceber pela configuração dos espaços, o que restava da cozinha, os sobrados em escombros, pedaços ferrugentos das alfaias agrícolas. Negociou-se com as quatro irmãs e respetivos maridos, elas eram as herdeiras de Manuel Simões, conhecido na terra pelo nome de “Arrependido”, casado com D. Arlinda, que aguentou as lides agrícolas e domésticas enquanto o marido andava por Franças e Araganças a juntar dinheiro para aumento de património. Naquela casa morreu o Arrependido, 20 anos ali ficou em derrocada.

Comprada a ruína, houve que encontrar mestre para refazer muros, reforçar as paredes, pôr novas divisões na casa, substituir na íntegra o telhado, reconstruir o telheiro, respeitar as artes de carpintaria nos seus usos e costumes, fazer cozinha, casa de banho, combater humidades, afastar salitre, o mais que se sabe. Houve sorte em encontrar Manuel Carlos, de Castanheira de Figueiró, foi um bom artífice para a arrancada dos melhoramentos e mais sorte se teve com o carpinteiro, senhor Carlos Paulino, da Ribeira de S. Pedro, em Figueiró, com quem se fez amizade, tão forte fora a cumplicidade no conserto das padieiras, no rasgar das janelas, na reconstrução das cantoneiras, no admirável telheiro, na varanda, no aproveitamento das velhas serras, bancos, no arranjo das pipas e dornas. Meses e meses e aquela alegria em ver erguer-se a casa, no estreitamento de cumplicidades com o eletricista, o senhor. José Carlos, o senhor Henrique que murou o pátio a rigor, refez-lhe o caráter, quando sobrou dinheiro reforçou-se a solidez das paredes, tudo em bela pedra, removeu-se a lama e cimentou-se a preceito, ficou uma casa sólida, com um esplêndido forno à entrada, com belo lajedo, mais tarde fez-se a biblioteca que se encheu com milhares de livros, aproveitavam-se as suas sombras frescas para leituras e ouvir bem alto as óperas de Wagner. E até se comprou uma carroça ao senhor Eduardo, marido de uma das quatro irmãs, a Amélia, lá veio o senhor Carlos Paulino dar-lhe vida, olear as rodas, com auxílio de um correeiro a máquina ficou em funcionamento, só faltava uma égua para haver passeios e ir até Figueiró ou a Pedrógão Grande. Famílias e amigos de diferentes proveniências aqui chegaram. Aqui arribou um historiador britânico com mulher e três filhos, despedida mais comovente e agradecida não há lembrança; aqui uma senhora luso-grega acabou um livro, organizaram-se almoços, foi uma casa onde reinou a felicidade.

Depois aumentou-se o sonho, dois compradores com espírito de aventura meteram-se numa andança mais séria e refizeram uma casa na barragem do Cabril, tem pela frente um panorama de dezenas de quilómetros, belo jardim. Havia que tomar uma decisão, era um sem razão possuir duas casas distanciadas por escassos quilómetros.

Aconteceu um milagre ou acaso muito feliz. Bateu à porta de Casal dos Matos um senhor que disse que amava perdidamente aquela casa, já lá tinha ido vezes em conta com um mediador imobiliário, desesperava se lhe recusávamos a venda. No acerto do negócio aconteceu uma troca, os proprietários receberam um andar em Tomar, com vista para o Convento de Cristo. Sempre a rezingar, saiu-se daquela casa com lágrimas nos olhos, tão intensas eram as memórias, os familiares e amigos recebidos, o deixar e retirar trastes, aquele amontoado de recordações espúrias desde a rega do jardim e a satisfação de ver crescer um rododendro que dá flores brancas, mas enfim deixava-se proprietário a estimar aquela empreitada, ficava a doce lembrança de ali chegar em noites quentes e sentir os fortes odores dos pinheirais e até o canto do rouxinol, com os seus concertos da madrugada, dulcificando os nossos espíritos.

Qualquer pretexto era bom para passar por ali e admirar aquelas telhados irregulares que se espraiavam pela casa, pelo pátio, pelo lugar do forno, algo ia mudando ao longo dos anos, na região, da terra batida passou-se para o alcatrão, sempre com um aperto de coração em cada visita havia mais mortos e os vivos não queriam regressar, é uma região onde faltam crianças, fecham escolas, terrenos aráveis enchem-se de silvado.

Quando vem a notícia do vendaval de fogo em Pedrógão Grande, tudo fiz para desviar a atenção, só que os telefonemas e os contactos chegaram em catadupa, alguém que vivia na Austrália, um outro que se estabeleceu em Singapura, imagine-se até camaradas da Guiné, da CCAÇ 2402, que por ali tinha andado, quando organizei a confraternização em Figueiró dos Vinhos, e o presidente da autarquia possibilitou dois autocarros que andaram a percorrer todo o concelho; eram telefonemas de manhã à noite, como é que está a casa, e eu sempre a dar respostas tranquilizadoras, e súbito aquela notícia catastrófica do Nodeirinho, a imagem dos carros calcinados na estrada que liga a Castanheira ou a Figueiró. Havia que ganhar coragem, e então telefonei ao proprietário seguinte, sempre com rodeios, até que veio a machadada da verdade: Casal dos Matos estava reduzida a cinzas, imagine-se a única coisa que resistira àquele fogo devorador fora a salamandra, estava no canto cozinha, era um verdadeiro bálsamo para as noites frias de Inverno. Desatei a choramingar, já tinha perdido uma casa na guerra, em 19 de Março de 1969, noite quentíssima, parecia ferver, os guerrilheiros do PAIGC vieram com balas incendiárias, o colmo das moranças ardeu como tochas, num instante, fiquei com os ferros da cama que pertencera ao professor Eduardo Cortesão, quando ele se aboletava em Missirá devido a um projeto de palmeiras de Samatra, no rio Gambiel. Já choraminguei os mortos do Nodeirinho, povoação familiar, era ponto de passagem obrigatório quando se vinha pelo IC 8, aqui se infletia no Outeiro do Nodeirinho, depois Figueira, depois Casal dos Matos. É um mistério como todas estas recordações nos avassalam a mente, os mortos ganham vida, oiço gritos na taberna do senhor Eduardo, converso com o António Manuel, que vive da profissão de bate-chapa e que acabará naquela cruel agonia que é a esclerose lateral amiotrófica, oiço as vozes das irmãs Amélia e Maria que estão a apanhar tomate e daqui a um bocado entram portas adentro com a oferta de um grande saco, é tomatada para a semana inteira. É uma dor imensa, sei que se irá diluindo, só a memória triunfará, no sonho que se pôs de pé, do enlace das estimas, nos doces acolhimentos, sei que irá vincar-se essa memória de Casal dos Matos como aquele preço que representa a construção de uma casa, de um local amorável, onde se recebia sempre de braços abertos.

Em 2007, o meu amigo João Viola ofereceu-me uma belíssima tinta-da-china com a entrada de Casal dos Matos. Se o momento é de amargura porque tudo está em cinzas, e Pedrógão Grande sofre como nunca sofreu com tal vendaval, aqui se deixa o desenho de João Viola a mostrar como se sonhou e se realizou uma casa como outros sofreram para a pôr de pé.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17098: Blogoterapia (285): Quando o sol escurece (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto)