segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17992: Agenda cultural (607): Conferência subordinada ao título, "Na peugada de Henrique Senna Fernandes", tendo como orador o Eng.º António Estácio, a ter lugar no dia 23 de Novembro de 2017, pelas 17h30, no Auditório Adriano Moreira da Sociedade de Geografia de Lisboa

C O N V I T E 



1. Mensagem do nosso amigo tertuliano e camarada António Estácio, guineense, nado e criado em Bissau, ex-alf mil em Angola (1970/72), com data de 11 de Novembro de 2017:

Será um imenso prazer poder contar com a tua presença, no próximo dia 23 de Novembro, pelas 17,30 horas no Auditório "Adriano Moreira", a fim de recordar a memória do Dr. Henrique de Sena Fernandes, que será homenageado com a minha palestra.

Como tal ficar-vos-ei imensamente grato.
António J. Estácio

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Breve nota biográfica de António Estácio:
(i) é lusoguineense, nascido em 1947, e criado no chão de Papel, em Bissau, com raízes transmontanas, tendo vivido também em Bolama;
(ii) formou-se como Engenheiro Técnico Agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, depois de frequentar o Liceu Honório Barreto;
(iii) fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72);
(iv) trabalhou depois em Macau (de 1972 a 1998);
(v) vive há quase duas décadas em Portugal;
(vi) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959);
(vii) o seu livro mais recente (2016, 491 pp.), de temática guineense, tem como título "Bolama, a saudosa", edição de autor;
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17990: Agenda cultural (606): Uma grande festa de amor, amizade e camaradagem, a do lançamento do livro "A Caminho de Viseu", do Rui Alexandrino Ferreira, nas instalações do RI 14, Viseu, em 4 do corrente

Guiné 61/74 - P17991: Notas de leitura (1016): "40 anos de impunidade na Guiné-Bissau", relatório da responsabilidade da Liga Guineense dos Direitos Humanos, publicado em 2013 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março de 2016:

Queridos amigos,

É seguramente um dos documentos mais importantes dos últimos anos acerca da fragilidade institucional da Guiné-Bissau. O relatório intitula-se "40 anos de impunidade na Guiné-Bissau", é da responsabilidade da Liga Guineense dos Direitos Humanos, foi tornado público em 2013.

Aqui se define impunidade e se revelam as suas muitas faces e avança-se para as causas e tipologia da impunidade na Guiné-Bissau. Trata-se de uma publicação realizada com o apoio financeiro da União Europeia. O leitor interessado em conhecer o trabalho excecional desenvolvido por esta Liga Guineense dos Direitos Humanos só precisa de ir ao Google e escolher as publicações com que consequentemente são feitas as denúncias sobre violência, prisões arbitrárias e todas as outras formas de atentados à dignidade humana.

Um abraço do
Mário


40 anos de impunidade na Guiné-Bissau: uma leitura do relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos datado de 2013 (1)

Beja Santos

Trata-se de um dos mais importantes documentos chancelados pela Liga Guineense dos Direitos Humanos. A coordenação e redação é de Pedro Rosa Mendes e a prosa ressente-se das altas qualidades literárias de quem o escreveu. Retenho uma frase da introdução:

“Dos sonhos muito se pode esperar; das cinzas pouco se pode conseguir”.

O relatório centra-se na questão magna da impunidade e divide-se em três tramos: primeiro, a definição de impunidade e a violência na Guiné-Bissau; segundo, as causas e tipologia das impunidade na Guiné-Bissau, relevando o papel das Forças Armadas como o cerne do fenómeno da impunidade, descrevendo-se igualmente os crimes económicos e financeiros; terceiro, o relatório oferece um panorama histórico da impunidade na Guiné-Bissau, terminando com a análise de uma década pós-guerra de políticas caóticas, de empobrecimento da população, de disputas violentas no seio do poder.

“A impunidade define-se pela ausência, de direito ou de facto, de responsabilidade penal dos autores de violações, bem como da sua responsabilidade civil, administrativa ou disciplinar, na medida em que estes escapam a todas as tentativas de investigação tendentes a possibilitar a sua acusação, a sua detenção, o seu julgamento e, no caso de serem considerados culpados, a sua condenação a penas apropriadas, incluindo a de reparar o dano sofrido pelas suas vítimas”.

Entre os princípios que permitem encarar o conjunto de requisitos que permitam uma luta contra a impunidade constam quatro linhas de força: a de saber, a justiça, a compensação, a garantia de não repetição.

O direito de saber consubstancia-se nos princípios do direito à verdade, no dever de memória e no direito imprescritível das vítimas ou dos seus familiares a conhecer com exatidão as circunstâncias em que os direitos foram violados. O direito à justiça é a obrigação de cada Estado adotar uma legislação interna ou modificá-la de forma a permitir que os tribunais possam exercer a sua competência universal em matéria de crimes graves segundo o direito internacional. O direito de compensação abrange o direito da vítima a ser ressarcida e o dever do Estado a garantir essa satisfação. A compensação pode ser concretizada através de medidas que restaurem a situação anterior, indemnização ou reabilitação. A garantia de não repetição tem a ver com obrigação do Estado a pautar-se por padrões de boa governação e à defesa do Estado de direito.

A Liga Guineense encara a luta contra a impunidade de uma forma abrangente, isto é, para além das violações dos direitos humanos (que abarcam agressões à integridade dos indivíduos, a restrições da sua liberdade pessoal e a outros atos de repressão) há a considerar os crimes económicos, os atentados contra as crianças e a igualdade de género, a mutilação genital feminina, entre outros.

É evidente que a corrupção, a espoliação de recursos públicos, o enriquecimento ilícito estão, aos olhos dos cidadãos, no topo dos atentados. Há a condenação e a responsabilização que deve expressar-se pelo ressarcimento. A Liga Guineense enfatiza que é tempo de deixar de promulgar mais amnistias, a figura da amnistia tem-se revelado um banho lustral que assegura toda a forma de impunidades, escrevendo-se explicitamente:

“Na Guiné-Bissau, o recurso à amnistia tem confirmado que este mecanismo pode ser uma porta escancarada para a impunidade. O vício da autoamnistia na cúpula do Estado e das Forças Armadas tem sido um obstáculo à justiça tem legitimado a não responsabilização dos culpados por crimes da maior gravidade”.




Neste relatório é do maior interesse o que se escreve sobre a tipologia da impunidade na Guiné-Bissau, assim:

• A impunidade é a falta de aplicação de uma sanção prevista para a violação de uma determinada regra da vida em comum;

• A impunidade é um privilégio do poder: “sabes quem eu sou”;

• “Militares” e “políticos” são apontados como principais responsáveis pela impunidade reinante no país mas, convém não esquecer, numa sociedade que valoriza a lei do mais forte;

• A impunidade reflete-se mais abertamente na inoperância do setor da Justiça;

• Outra dimensão da impunidade é relacionada com a generalização da corrupção e com a estratificação entre o poder do dinheiro de alguns e a extrema fragilidade económica da maioria;

• A sociedade guineense tem valores que facilita(ra)m o agravamento da impunidade;

• A Justiça é exercida cada vez com mais frequência pelas forças de segurança; vigora na prática o princípio da “presunção da culpa” e do favor ao primeiro queixoso;

• O falhanço do Estado em providenciar justiça abriu caminho à reemergência da justiça tradicional e a formas de defesa popular do tipo milícias e vigilantes;

• A má gestão ou inexistência de mecanismos pacífico de resolução de conflitos tem aumentado o risco de etnicização de disputas comunitárias;

• Falta hoje aos guineenses uma referência comum;

• A impunidade agravou-se a partir de 1980; por isso, a Guiné-Bissau enfrenta não apenas o desafio da reforma das instituições mas de refundação de uma ordem constitucional que sofre há três décadas de ataques sucessivos.

A confiança no Estado sofre permanentemente abalos. No decurso das muitas entrevistas que enformam este relatório, é a patente do desencanto. Alguém desabafa: “Na Guiné ninguém diz o que pensa”. Não há conversa, ninguém disse o que pensa, as pessoas dizem o que os outros querem ouvir. Ou não dizem porque têm medo. Acabem com essa história de que os guineenses têm que sentar e conversar. O próprio Amílcar Cabral foi morto porque ninguém aceitou conversar, conclui o entrevistado.

Os depoimentos colhidos apontam para uma sociedade sem regras, uns dizem que a impunidade do Estado começou em 14 de Novembro de 1980, outros recuam até à era de Luís Cabral e ao poder ditatorial da Segurança do Estado.

Há quem responsabilize só os militares ou só os políticos, mas há quem se incline para os dois grupos. Há militares que observam os deputados que abandonam o partido e se tornam independentes para fazerem negociatas, violando o mandato que lhe foi confiado pelo povo. Há também quem critique as Forças Armadas que recusam a subordinação ao poder político.

Todos são de acordo que o país está à deriva e que a maior das fragilidades é de que todos os casos que devastaram a nação são completamente impunes. Os militares protestam contra o atraso das suas remunerações mas recusam perentoriamente quaisquer reformas. Veja-se o Programa de Desmobilização, Reinserção e Reintegração das Forças Armadas (PDRRI), este e todos os outros falharam. Há quem sugira que se deve acabar com estas forças Armadas que podem funcionar como uma guarda pretoriana substituindo-as pelo recrutamento militar obrigatório.

Ainda na primeira década do século XX se fizeram tentativas para a reforma do setor de Defesa e Segurança, em concreto não se avançou. E o relatório cita que “O recenseamento mais recente mostrou a realidade de uma pirâmide invertida com o efetivo de 4458 elementos dos quais 1869 são oficiais superiores (41% dos efetivos) e, na base, 877 soldados (19%). A crise de comando nas Forças Armadas é marcada pela fragilidade institucional, insuficiência de recursos humanos, forte resistência à inovação num contexto de conflitos de gerações, promoções com base em clientelismo e afinidade étnica”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17978: Notas de leitura (1015): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17990: Agenda cultural (606): Uma grande festa de amor, amizade e camaradagem, a do lançamento do livro "A Caminho de Viseu", do Rui Alexandrino Ferreira, nas instalações do RI 14, Viseu, em 4 do corrente - Parte I


Foto nº 1 > Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Da direita para a esquerda: o autor Rui Alexandre Ferreira, ten cor ref, e o apresentador, Pezarat Correia, maj gen.


Foto nº 2 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto geral da mesa, vista da esquerda para a direita. O Rui conversa com o ten gen Ferreira do Amaral.


Foto nº 3 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto geral da mesa, vista da direita  para a esquerda: em primeiro plano o cor inf Mário [João Vaz Alves de ] Bastos, recém empossado cmt do RI 14


Foto nº 4 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  O ten gen ref Ferreira do Amaral, que também foi um dos oradores da sessão.


Foto nº 5 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Aspeto parcial da mesa: da esquerda para a direita, o cor inf Mário Bastos, cmdt do RI 14, o cor Manuel Cerqueira e Jorge Fragoso, o  representante da editora Palimage


Foto nº 6 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  O cor inf Mário Bastos, cmdt do RI 14, natural de Viseu, no uso da palavra. [Sobre o RI 14, ver aqui no sítio do Exército Portuguiês]


Foto nº 7 > Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > O cor Manuel Cerqueira, no uso da palavra.


Foto nº 8 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) >  Última página do discurso do cor Manuel Cerqueira em que se pede a reparação de uma injustiça:  o Rui Alexandrino Ferreira, detentor de duas cruzes de guerra (uma de 1ª classe, como alferes miliciano, e outra de 2ª classe como cap mil, no TO da Guiné), há 40 anos que a Pátria lhe deve a "Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito"


Foto nº 9 >  Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Viseu, Palimage, 2017, 237 pp. ) > O representante da editora, a Palimage, Jorge Fragoso. 


(Continua)


Fotos (e legendas): © Márcio Veiga / Rui Alexandrino Ferreira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de fotos do Márcio Vieira que o Rui Alexandre Ferreira nos mandou (umas dezenas), sem legendas, relativas à sessão de lançamento do seu livro "A Caminho de Viseu", que decorreu no passado sábado, dia 4 de novembro de 2017 (sábado), pelas 10,30 horas, nas instalações do Regimento de Infantaria 14, em Viseu. (*)


A apresentação da obra esteve a cargo do major general na reforma Pezarat Correia. A sessão foi muita concorrida. Há muito sabemos que em Viseu, a sua segunda terra (onde reside desde 1976), tem muitos amigos e admiradores.  Percebe-se, pelas fotos, que o Rui contou com a presença de muitos camaradas, amigos e familiares. No final houve um almoço de "confraternização / debate" (com  inscrições prévias), no refeitório do RI 14.

O Rui teve a gentileza de pessoalmente me convidar, para esta sessão, enquanto editor do blogue, convite que infelizmente não pude aceitar por razões da minha agenda pessoal. De qualquer modo fico muito feliz pelo lançamento do terceiro livro do Rui, que me vai mandar um exemplar pelo correio. É sempre uma festa, o lançamento de um livro de um camarada, para mais de memórias. Que Deus, Alá e os bons irãs da Guiné o protejam e concedam ainda muitos anos de vida, com qualidade, para ele poder continuar a escrever,  a contar (e a encantar-nos com) as suas histórias de vida, não obstante os seus problemas de saúde. O Rui, membro sénior da nossa Tabanca Grande, é um exemplo extraordinário de coragem, determinação, resiliência e luta contra a adversidade (**) (LG)




2. Ficha Técnica do livro:


Título: A caminho de Viseu: memórias 

Autor: Rui Alexandrino Ferreira

Editor: Palimage, Viseu

Coleção:   Coleção Imagens de Hoje

Género:  Memórias

Ano: 2017

ISBN  978-989-703-185-4

Idioma Português

Formato brochura | 237 páginas | 160 x 23 cm

Preço de capa: 18 €

Sinopse

Aos oficiais, sargentos, praças e funcionários civis, que comigo serviram no Regimento de Infantaria n.º 14, em Viseu, e que na execução de tudo quanto lhes competia fazer com o melhor do seu querer e saber, assim contribuíram com a sua quota-parte para fazer desta unidade uma das melhores, senão a melhor, da infantaria portuguesa na atualidade. Sendo a sua última representante por Terras da Beira, onde reinando sobretudo a amizade, se provou que este é o sentimento mais lindo do mundo entre os Homens, o único capaz de o fazer movimentar.




3. Recorde-se aqui algumas datas importantes da vida  do nosso camarada e escritor, Rui Alexandrino Ferreira (que tem cerca de 7 dezenas de referências no nosso blogue),


1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola

1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.

1965 - Rende, na Guiné-Bissau, um desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].


1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ  18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].

1973 - Regressa a Angola em outra comissão.

1975 - Retorna a Portugal.

1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir.

2000 - Publica, na Palimage,  o seu 1º  livro,  Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra  


2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.

domingo, 19 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17989: Blogues da nossa blogosfera (80): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (1): "Ao redor do nevoeiro" e "Uma virgem de branco"


Do Blogue Jardim das Delícias, do nosso camarada Adão Cruz, médico, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos dois textos e duas imagens da sua autoria.



Ao redor do nevoeiro

Adão Cruz

© Adão Cruz

Hoje sou eu que vou ao teu encontro por dentro deste nevoeiro denso que tudo esconde.
Mas não sei onde estás nem sinto os teus cabelos de incenso.
Sei que moras para lá do tempo, entre dálias e gerânios, entre memórias e sonhos de um segredo.
Mas o coração diz-me para seguir em frente e não ter medo.
Sem saber ao certo quem sou, levo comigo a razão, único caminho que rasga o nevoeiro e rompe as algemas, e me deixa ver a luminosa transparência do teu corpo, para lá das algas e dos peixes verdes dos poemas.
Tu estás do outro lado de um beijo, e eu quero abraçar-te pela cintura neste apagado incêndio dos sentidos, ainda que seja demasiado tarde para a verde ternura de um desejo. Hoje sou eu que vou ao teu encontro em meu corpo de terra antiga que já não seduz.
Vou dar um passo em falso no nevoeiro, para lá dos olhos sem luz.
Assim o decidi ao ver-te perdida, na altura em que o nevoeiro sem sentido caía pesadamente sobre a rua.
Mas não eras tu… era uma chama de lábios e lume ardendo em estranho leito nupcial de um qualquer tempo já perdido.
Foi então, que no ventre do nevoeiro inventei a noite entre lençóis de neve, mordidos de uma luz oblíqua que não era minha nem tua, e se perdia na pele branca de um qualquer corpo que eu não sentia.
Era como se um rio cantasse entre a lua, as águas e o nada… e fosse demasiado tarde para ser música no violino da madrugada.

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Uma virgem de branco

Adão Cruz

© Adão Cruz

Ela percorre a noite com a vida suja enfiada num saco, tentando vendê-la ao desbarato, enquanto a chuva pegajosa lambe as paredes negras sem lua, e os olhos caiem no chão dos curtíssimos horizontes de todas as incertezas.
No ar húmido paira um cheiro a palavras mortas e orações podres amontoadas numa lixeira, e o chão é um corpo inundado de terra enlameada de todas as virtudes.
Ela percorre a noite com a alma nua enfiada num saco, esperando que do espesso... nevoeiro irrompa uma virgem vestida de branco com uma pedra de sol em cada mão.
Mas a noite negra e sem lua apenas lhe promete a morte de estar viva, porque o sol é uma mentira tão grande como a verdade das pernas enroladas no medo e na fraqueza.
Ela percorre a noite por entre os buracos da ilusão, com a vida suja e a alma nua enfiadas num saco, tropeçando nas horas e nos absurdos do sentimento.
E as dores são gemidos mudos entre a cama fria e o vestido rasgado, e os braços repartidos numa esquálida vaga de fundo entre carnes a desfazer-se.
Ela percorre a noite remotamente mansa, escorrendo o corpo injusto e servil da chuva oleosa de um céu faminto de tempestade, e ninguém lhe compra a vida nem a alma.
No duro sono de um vão de escada, a morte vestida de virgem branca espera pacientemente entre a vida e a alma, a hora de ser a ponte para os restos de um sonho.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17979: Blogues da nossa blogosfera (79): Carlos Esteves Vinhal, editor de mais um blogue, o da Associação Universidade Sénior de Matosinhos (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P17988: Blogpoesia (538): "Um escadório...", "Os astros..." e "A idolatria das pedras e do metal...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

O astro-rei
Foto: © Dina Vinhal


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Um escadório…

Uma facha branca e luminosa, inclinada atravessa o céu cinzento e escuro, como uma escada.
Subo por ela.
Até ao cimo.
Lá ao longe, vejo o sol.
Está a nascer fulgoroso,
como em qualquer dia,
sobre a praia.
Minha alma rejubila.
Me estendo e fico a vê-lo.
Faz falta. Enriquece a nossa vida.
Também queima. Às vezes arde.
Até demais.
Tanta cor, em vários tons,
Ele derrama.
Sacia o corpo e acalma o espírito.
Dá vida ao mundo.
Se vive melhor,
Quando há sol,
Mas com medida…

amanhecendo
Berlim, 19 de Novembro de 2017
8h12m
Jlmg

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Os astros...

Que fazem os astros ao alto?...
Bolas gigantes, umas vezes luzindo,
Outras ocultas,
Fingindo de estrelas sem raios,
Parecem parados ao alto,
Mantendo as distâncias,
Da terra e entre eles,
Escondem segredos aos olhos,
Como se estivessem extintos.
Atraem a mente vendada pela distância sem fim.
Será que estão mortos ou vivos? Instigam-nos medo.
Nos olham calados.
Enigma!...
Terão gente, igual ou diferente,
Interessada em nós?
Querem-nos bem
Ou querem-nos mal?
Quem sabe, esperando visita.
Nunca se sabe.
Suscitam estudo e muita cautela.
Que saberão as agências,
De leste e oeste,
Com tantas viagens,
Que frutos.
Muitos ou poucos.
Porque escondem ao mundo?
Falam em discos ou naves.
Que vão e que vêm.
Mistérios.
De sonho. Talvez pesadelos…

Berlim, 15 de Novembro de 2017
5h55m
Jlmg

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Idolatria das pedras e do metal…

Ao que chegou o homem da modernidade.
Em vez dos bezerros de oiro e do império dos Faraós,
Depois de milhares de anos,
Fabricando a guerra de irmão contra irmão,
Esta humanidade, eclética e culta,
Que julga que tudo sabe,
- Já não basta o saber da terra,
E se virou para o das galáxias -
Enleou seus pés de barro
Numa rede tão apertada,
Tecida em cobre e no metal,
Não a deixa voar, de tão pesada,
Vive da guerra em vez da paz,
Uma deusa enjaulada,
Se julga tão rica e nunca foi tão pobre,
Porque é escrava…

Berlim, 14 de Novembro de 2017
6h26m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17962: Blogpoesia (537): "Entro no mar...", "As minhas sombras..." e "Assombramento...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17987: Convívios (832): novo recorde de presenças na Tabanca da Linha: 73 amigos e camaradas marcaram presença, em 16 do corrente, no "Caravela de Ouro", em Algés - Fotos de Manuel Resende: parte II


O nosso editor, Luís Graça, ao centro, de pé, tendo à sua  direita o mano Rosales (que fez guerra em Moçambique) e à direita o mano mais velho, o Jorge (Rosales).


A Alice Carneiro e o Manuel Joaquim


Germana, a esposa do Carlos Silva


O Zé Carioca e a esposa


Um dos nossos "veteraníssimos", o Mário Magalhães


Esta cara não me é estranha... Ah!, já sei, esteve em Monte Real em 2016, o José Henriques Ribeiro


Em primeiro plano o João Martins


Da direita para a esquerda, o Jorge Ferreira, um camarada que ele trouxe (e que serviu na Guiné como capitão, não consegui fixar o nome) e o Hugo Moura Ferreira


O Jorge Nunes Costa, que joga em casa, é de Algés


Da esquerda para a direita, Luís Graça, um camarada cujo nome não fixei, e o Joaquim [Nunes] Sequeira, um homem do BENG 447, mais o Mário Fitas


Ao centro, o Manuel Lema Santos, ladeado pela esposa e pelo Zé Rodrigues

Tabanca da Linha > 34º Almoço-convívio > Algés > Restaurante "Caravela de Ouro" > 16 de novembro de 2017 > 73 camaradas e amigos/as compareceram à chamada e desta vez bateu.se o recorde...

Fotos: © Manuel Resende (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação da publicação das fotos, selecionadas do álbum do Manuel Resende, secretário, fotógrafo e régulo adjunto da Tabanca da Linha, Manuel Resende [, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71].
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Guiné 61/74 - P17986: Parabéns a você (1344): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17981: Parabéns a você (1343): António Mateus, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

sábado, 18 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17985: Convívios (831: novo recorde de presenças na Tabanca da Linha: 73 amigos e camaradas marcaram presença, em 16 do corrente, no "Caravela de Ouro", em Algés - Fotos de Manuel Resende: parte I



Humberto Reis


João Pereira da Costa


João Sâcoto


Zé Rodrigues (que vive em Belas)



José Dinis de Sousa Faro


Manuel Resende


Da esquerda para a direita: Fernanco Chapouoto, camarada que esteve no Combis entre 1972/74 (António Alves ?), Francisco Palma e José Colaço


Da esquerda para a direita, Jorge Rocha e Miguel Rocha


A mesa das esposs: da equerda para a direita, Aida, esposa de João Gabriel Sacôto, Maria de Lourdes, esposa de José Rodrigues, Isaura Serra, esposa de Manuel Resende, Maria João, esposa de Manuel Lema Santos.


Da esquerda para a direita: António Marques e Gina;  Irene e Luis R. Moreira.


Francisco Silva e esposa, Maria Elisabete

Tabanca da Linha > 34º Almoço-convívio > Algés > Restaurante "Caravela de Ouro" > 16 de novembro de 2017 > 73 camaradas e amigos/as compareceram à chamada e desta vez bateu.se o recorde...


Fotos (e texto): © Manuel Resende (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de 17 do corrente, enviada pelo Manuel Resende, régulo adjunto da Tabanca da Linha, secretário e fotógrafo, ex-alf milManuel Resende [, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71]:


Caros Magníficos, realizou-se ontem o 34º almoço – convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no restaurante “Caravela de Ouro em Algés. 

Penso que foi do agrado se não de todos, pelo menos da grande maioria. Fiz o que me foi possível para que o cabrito saísse bem.

Estiveram presentes 73 convivas,sendo 6 “piras”. Nos últimos convívios temos tido muitos novos. Espero que continuem a aparecer mais.

Para verem o álbum [63 fotos] que fiz cliquem aqui:

https://photos.app.goo.gl/xSoEb5IzksmAAP292

Quem quiser poderá baixar o álbum completo

Manuel Resende
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Nota do editor:


Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,

Devemos a Mário Pinto de Andrade páginas determinantes sobre a ideologia anticolonial e escritos ou incontornáveis sobre a confluência dos movimentos de libertação que passaram a germinar ainda na década de 1950 e depois passaram a pesar no tablado internacional com o desencadeamento das lutas armadas. Concedeu de 1984 a 1987 uma longa entrevista a Michel Laban, de grande importância. Infelizmente, por razões da sua saúde, ficou incompleta. Mas podemos dispor do seu testemunho da vida angolana da sua infância, a sua vida para Lisboa, as amizades que constituiu com, entre outros, Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Francisco Tenreiro, deste guardou uma admiração inexcedível. E lembra o pacto de amizade que estabeleceu com outro influente ideólogo angolano, Viriato da Cruz.

Um abraço do
Mário


Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (1)

Beja Santos

Dentre as figuras de proa do pensamento anticolonial produzido em torno das várias colónias portuguesas de África ressaltam Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz e Eduardo Mondlane. Mário Pinto de Andrade é de leitura obrigatória pelo seu envolvimento na luta anticolonial, muito perto do PAIGC, viveu em Conacri e mais tarde, após a independência da Guiné-Bissau, foi Ministro da Cultura.

“Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, tem simultaneamente a estatura de uma “autobiografia orientada” e oferece um relato da germinação da luta anticolonial, mostrando como se foram criando os partidos políticos e se processou a sua ideologia. Sintetiza-se o que se pode ler neste livro pelo que se escreve na contracapa:

“Ao longo das sessões, que vão de Março de 1984 a Junho de 1987, Mário Pinto de Andrade concedeu uma importante entrevista a Michel Laban, maître de conferences na Universidade de Paris III e especialista em literatura africana de língua portuguesa. Muito para além de uma biografia, esta entrevista oferece-nos uma visão de Angola dos princípios do século através da geração do seu pai; recria a vivência da Luanda dos anos 30 e 40; retrata as inquietações da sua geração, com ponto de encontro em Lisboa, finais dos anos 40 até 1954; conta-nos da emigração e da atmosfera da vida em Paris, para onde confluíam os intelectuais das várias colónias de África; e, por fim, vêm as memórias e os factos da luta política de Angola”.

Recorde-se que Mário Pinto de Andrade faleceu em Londres em 1990. Temos a infância, o pai polígamo, funcionário das Finanças, daí ele dizer:  

“Nasci no distrito do Golungo Alto, mas vim muito cedo para Luanda, por razões familiares: o meu pai abandonou a minha mãe, houve a partilha das crianças”.

Guardou recordações da primeira viagem de comboio, conheceu a vida rural numa antiga propriedade familiar de um avô, dá notícias da família dispersa, dados sobre os seus ancestrais. Passou a infância nas Ingombotas, um bairro muito familiar com belos edifícios perto da Câmara, a igreja do Carmo e a linha férrea que ia até à estação da Cidade Alta: o caminho-de-ferro do Bungo. E diz a quem o entrevista:  

"Posso descrever-lhe uma das casas onde vivi: uma entrada, um pequeno quintal que podia ser ou não vedado por um muro de adobe, duas entradas: uma que dava para uma pequena sala, uma saleta, depois dois quartos – isto é, um grande quarto que podia ser divido para uma família numerosa –, e o resto, a cozinha, a retrete e o chuveiro ficaram fora, no quintal”.

E não esqueceu o funcionamento da escola:  

“Nós frequentávamos a escola: formalmente, não havia discriminação racial. Estávamos todos nos mesmos bancos das escolas, mas não se levava a merenda às crianças negras, levava-se às crianças brancas. Era uma imagem quotidiana das escolas, das escolas da nossa época: as crianças negras brincam no recreio e as crianças brancas, antes de brincar, são servidas por um criado negro. O criado vinha da casa, que estava muito próxima, com o copo de leite e a merenda. Não me lembro de ter entrado verdadeiramente na casa de um dos meus camaradas de classe brancos – numa casa desafogada. Lembro-me de ter amigos brancos de quem frequentava a casa, mas eram brancos muito pobres. Lembro-me mesmo, na casa de um branco muito pobre de ter pedido simplesmente um copo de água e do criado negro me ter dado uma caneca, naturalmente não lhe passava pela cabeça que um negro pudesse beber por outra coisa se não por uma caneca”.

Fala de gente mais velha, dos jogos, da madrasta. Finda a escola primária, pediu ao pai para entrar no seminário. Não esqueceu a educação que aqui recebeu e a formação que se oferecia e testemunha:

“O latim era a nossa religião, mas as outras matérias não, sobretudo as matérias ditas profanas – matemática, física, etc. Sabia-se muito bem que os estudantes do seminário eram muito bons alunos quando se reconvertiam à vida civil. Este ensino era rígido, os métodos pedagógicos eram muito velhos. Os prefeitos eram padres que nos seguiam nos dormitórios, tinham a cargo a disciplina, manejavam chicote, alguns batiam-nos, outros punham-nos de joelhos. Vivíamos uma época bastante difícil, era a guerra. Não havia racionamento, mas o seminário vivia de doações: comíamos quase todos os dias o mesmo prato que nós chamávamos a bolota, feijão e arroz”.

E deixa um desabafo:

“O quadro da minha rebelião contra a autoridade foi-me dado no seminário, não tanto em casa do meu pai. Não me revoltei contra o meu pai, era a autoridade paternal, era difícil, nunca fugi da casa dele, como as outras crianças fizeram”.

Fala da influência dos mais velhos, influência marcante no continente africano, fala dos filmes que viu, das leituras de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos. Fala dos assimilados, da realeza de Cabinda, do ritual quotidiano do pai, da Liga Nacional Africana, do indigenato, de um prestigiado médico negro, o Dr. Aires de Menezes, do advogado Tomé Agostinho das Neves, também ligado à Liga Nacional Africana. Concluído o liceu, instalou-se como professor no Colégio Portugal e dava lições particulares. Aí por 47, 48, tem contactos literários com alguns amigos, como Viriato da Cruz e Higino Aires:

“Os dois vinham ver-me muitas vezes à casa que eu habitava no musseque, no quilómetro 5. Comecei a estabelecer relações culturais e literárias com estes dois compatriotas. Higino Aires escrevia. Não deixou uma obra muito importante, conhecem-se poucas coisas, a menos que haja manuscritos inéditos. Viriato da Cruz acabava os seus estudos secundários”.


Mário Pinto de Andrade em Paris

Deixa Luanda em Outubro de 48, veio um pouco à aventura para Portugal, decidiu-se pela Filologia Clássica. O pai contestou a partida para Portugal imediatamente após o fim do secundário, queria que ele fosse funcionário durante um ano, para juntar um pouco de dinheiro, o pai queria que ele passasse num concurso de ingresso nas Finanças. Veio para Lisboa no navio Pátria, com o futuro primeiro cardeal e com o irmão, Joaquim Pinto de Andrade. Antes de partir para Lisboa, vai visitar Viriato da Cruz, estava no Hospital Maria Pia, sofria dos pulmões. “Selámos um pacto de amizade, que devia traduzir-se numa correspondência contínua”.

Em Lisboa vai viver numa pensão.

“Havia duas formas de mentalidade africana que nos acompanhavam em Lisboa: a segurança orgânica e o instinto gregário. Na altura não havia cidade universitária em Lisboa e só as raparigas que eram católicas podiam ficar alojadas nos conventos ou escolas religiosas”.

Constituiu-se o seu primeiro grupo de Lisboa, Amílcar Cabral entra na sua vida.

“Foi na rua Luís de Camões, em Santo Amaro, que ia para a Tapada da Ajuda, que conheci Amílcar Cabral. Recordo-me da nossa primeira troca de palavras: era a expressão de um contentamento – uma alegria verdadeira. Para já, Amílcar Cabral era um homem de uma grande humanidade e de uma alegria muito sincera no contacto que estabelecia com outros africanos. Habituei-me a encontrar Amílcar Cabral na Tapada da Ajuda, a conversar com ele”.

O anticolonialismo começa a emergir:

“Este ano de 48, princípio de 49, não foi muito importante é em meados de 49 que as coisas começam a tomar uma outra dimensão com o alargamento do nosso grupo e das nossas preocupações (…). É nesse momento que conheço Agostinho Neto. Agostinho Neto era estudante em Coimbra em 47, depois veio para Lisboa. Foi justamente naquela pensão que eu o conheci. Depois foi viver para o Bairro da Graça. Era um homem que parecia tímido, reservado e começava já a escrever. Posso dizer-lhe vi os primeiros poemas de Agostinho Neto”.

Descobriram um centro de reunião, na rua Ator Vale, era a casa de uma família de S. Tomé, a família Espírito Santo. Esta família foi o ponto de convergência do grupo.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17959: Bibliografia (40): "Um Legado de Espiões", por John le Carré, Publicações Dom Quixote, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17983: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 5 e 6: Partida nos TAM, com destino ao inferno:




José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.




Aerograma do José Claudino da Silva para a namorada, com data de 26 de junho de 1972,


Fotos (e texto): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva:

Sinopse (*):


(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depiois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74).


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 5  (A partida para o inferno) e 6 (A viagem para o inferno)


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


5º Capítulo > A PARTIDA PARA O INFERNO


Ainda fui à noite de São João de 1972. Fui a Castelo de Paiva! Levei comigo o Jorge, o 1º cabo Operador Cripto. Fomos na minha Sachs Lebre artilhada. Já a tinha vendido ao Henrique “Ferreiro”, irmão do falecido Fernando. Ele não ia ser militar, em virtude da morte do irmão. Entreguei-lha no dia 25 de junho. Foi a última coisa de que me despedi. Da família, dos amigos e da namorada, tinha-me despedido horas ou até dias antes.

Constato agora que se eu tivesse morrido na guerra colonial, o meu irmão Zé e o meu irmão Chico não seriam militares; éramos filhos da mesma mãe. Mas o Aníbal, o Fernando e o Luís não teriam essa sorte. Esses eram meus irmãos, apenas de pai e eu não tinha sido perfilhado.

Quando a bordo do comboio rumo a Lisboa, passámos sobre a ponte Dona Maria, na linha do norte. Ainda pude ouvir a música “Quero que vá tudo pró inferno”, canção de Roberto Carlos, que soava nos altifalantes dos carrosséis, nas Fontainhas. Afinal, quem ia para o inferno era a 3ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6520.

Julgo não estar muito longe da verdade se disser que um Batalhão é composto por quatro companhias, comandadas por um tenente coronel. Uma companhia é composta por quatro pelotões, comandados por um capitão. Um pelotão não tendo um número fixo de militares; é hierarquicamente composto por um alferes, quatro furriéis, cabos e soldados, divididos em quatro secções, num total aproximado de 30 elementos. Da companhia, fazem ainda parte dois sargentos, sendo um denominado 1º Sargento.

Como já referi, eu pertenci à 3ª Companhia de Artilharia.

Tínhamos deixado o RAL 5 de Penafiel, exactamente às 07h40 dessa longínqua mas, constantemente presente nos meus pensamentos, manhã de 25 de junho de 1972. Chegáramos às 17h45 a Lisboa. Percorrer 330 quilómetros, demorara dez horas e cinco minutos, a maioria de nós nunca tinha ido tão longe.


6º Capítulo > A VIAGEM PARA O INFERNO


“26 de Junho de 1972

A bordo do Boeing 707 dos T.A.M. (Transportes Aéreos Militares).

Minha querida:

Encontro-me neste momento a cerca de onze mil metros de altitude e como vez não deixo de pensar em ti. Devo dizer-te que descolei do aeroporto da Portela às nove horas em ponto e já venho a voar há duas horas. É simplesmente impressionante o avião em que viajo, eu, e juntamente comigo, cerca de duzentos passageiros. Às dez horas em ponto, foi-nos servido o pequeno-almoço e chegaremos à Guiné dentro de duas horas.

Estamos a sobrevoar uma ilha, cujo nome não te sei dizer e confesso que vista daqui; desta altitude, se assemelha a um simples monte de terra. A impressão que sinto dentro deste monte de ferro, é difícil de explicar, mas o que digo, é que nunca estive tão nervoso na minha vida. Não imaginas o que é estarmos tão longe do solo. Que neste caso é mar, irmos a uma velocidade de 900 km hora e termos a sensação que estamos a flutuar parados no ar. É de facto de tal maneira inexplicável que até eu não sei bem definir, confesso que me sinto completamente atordoado.

Cada vez me afasto mais de ti e dos meus entes queridos e me aproximo da terra africana. Meu amor como irei suportar todos estes meses, todos os dias, todas as horas e todos os minutos longe de ti? Como poderei resistir ao desejo de te ter sempre junto de mim? Prefiro morrer a saber que te possa perder.

Do teu DINO."

1º Cabo 158532/71 S.P.M. 2478.


(Continua)

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Nota do editor:

Postes anteriores da série: