sexta-feira, 22 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18767: FAP (109): Testemunho sobre a minha ejecção na Guiné em 04OUT1973 (Alberto Roxo Cruz / Mário Santos)

FIAT G-91 R4 em voo


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 6 de Junho de 2018:

Caro camarada Carlos.
Envio-te para publicação no blogue, este artigo descrito na primeira pessoa pelo meu amigo ex-Capitão Pil./Av. Alberto Roxo Cruz, do qual obtive prévia autorização para publicar.

Este é mais um dramático evento ocorrido nos dias da GUINÉ pelo Capitão Pil./Av. Alberto Roxo Cruz no decorrer da sua segunda comissão em Bissalanca em 04 Outubro de 1973.
Meu contemporâneo aquando da primeira estadia na BA12 em 1969 onde as acções se passaram dentro da normalidade de guerra, emparceirou depois entre 1972/74 com o nosso camarada tabanqueiro TGen. António Martins Matos que lhe deu cobertura após a ejecção do Fiat G-91 R4 n.° 5409 ocorrida em Outubro de 73.

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Este foi um acidente vivido já nos dias do Strela pelo Cap.Piloto/Aviador Alberto Roxo Cruz que se ejectou no Fiat G-91 5409 e felizmente sobreviveu para hoje nos poder contar como foi. A descrição contém opiniões e relata factos que não poderão obviamente ser comprovados, pela distancia temporal e também porque muita documentação relativa ao acidente foi destruída. 

Mário Santos

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Testemunho sobre a minha ejecção na Guiné em 04OUT1973

Alberto Cruz

Este acidente ocorreu a cerca de 50km Nordeste de Bissau, na zona do Tancroal.

Eu fazia parte, como asa, de uma formação de dois Fiat G91 R4.

Estávamos a desenvolver uma acção de bombardeamento, seguida de metralhamento, numa área onde tinha sido referenciada, por informações, a existência de um Grupo de atiradores de Míssil Strela. Creio que posteriormente estava prevista uma acção de pára-quedistas ou outras forças terrestres transportadas por helicópteros Alouette III.

Após termos executado dois passes de bombardeamento com bombas de 50 e 200 kg, iniciamos, um de cada vez, um passe de metralhamento de ângulos grandes (MAG).

Quando iniciei o disparo das metralhadoras, senti um grande estrondo no avião e a perda total de controlo do mesmo, assim como uma enorme quantidade de luzes acesas e a piscar.
Não era possível identificar qual a origem da "avaria", pois as vibrações eram tão violentas que me faziam bater com o capacete na "canopy" do avião. Ainda tentei desligar os "Yaw dampers", mas logo vi que não era essa a origem do problema.

Como me encontrava em ângulo de picada de 60º, decidi ejectar-me, pois entretanto as vibrações passaram à sensação de espiral descontrolada e tão violenta que perdi a capacidade de fixar a visão. Só via umas manchas verdes e cinzentas, que deduzo serem o solo e o céu que se apresentava nublado com alto-estratos.

A ejecção deve ter acontecido com cerca de 450 nós, que estava perto do limite do cabo de disparo do pára-quedas de abertura (470 nós).
Ainda arranjei tempo para decidir ejectar-me com a alavanca superior, por permitir melhor posição e menos danos da coluna.

Após esse accionamento, só me recordo de uma explosão muito forte, e perdi os sentidos. No entanto, fiquei num estado de semiconsciência, e que permiti interrogar-me como isto me tinha acontecido; “vi” a minha vida a correr em “flashes” rapidíssimos.

Segundo os dados da cadeira a ejecção, até à abertura do pára-quedas decorre um período de 1 a 2 segundos. Eu tive a sensação de terem passado mais de 5 minutos…

Acordei muito lentamente, e um sentido de cada vez, ainda com o pára-quedas em desaceleração. O primeiro sentido a recuperar foi a visão com a explosão do avião, bastante perto. Nessa altura ainda não ouvia nem sentia.

 BA 12, 1973 - Cap Alberto Cruz

De repente, começo a ouvir um silvo que provinha do pára-quedas. Seguidamente, sinto uma corrente de ar enorme na cabeça e vejo meu corpo pendurado, mas sem me conseguir mexer.

De seguida, reparo que tenho sangue a cair-me nas luvas e nos braços.
Mais tarde é que vi que o sangue provinha de uma perfuração do lábio inferior por embate do meu estimado Breitling, que ainda mantenho.
Aí, apercebi-me que tinha perdido o capacete, que estava com o francalete bem justo, assim como a máscara e a viseira colocadas. Quem quiser, que experimente retirar o capacete da cabeça nestas circunstâncias. Nós tentamos essa experiência e ninguém conseguiu!

A cadeira naquela época ainda era a primeira versão da Martin Baker, que tinha uma aceleração de cerca de 39/45 G's no disparo da cadeira. Logo aí sofri a primeira compressão da coluna. Seguidamente, a velocidade a que o pára-quedas abriu foi tal, que senti um grande esticão.
Após um grande formigueiro em todo o corpo, recuperei os movimentos. O tempo de queda foi de cerca de 15 a 20 segundos, mas naquelas condições é difícil medir o tempo. No entanto, ainda me permitiu desfrutar do maravilhoso silêncio do voo de pára-quedas. A chegada ao solo não foi directa; fiquei pendurado numa árvore a cerca de 5 metros do solo. Fui deixando o pára-quedas deslizar até que a cerca de 2 metros ele se desprendeu e caí desamparado no solo; mais uma compressão na coluna.

As dores lombares e num joelho, bem com a perda de visão de um olho, foram as sequelas de que logo me apercebi. Mais tarde, confirmou-se que tinha ficado mais baixo 2cm e que tinha fractura ligeira da vértebra D5, lesão no joelho com derrame do líquido sinovial e lesão traumática no olho esquerdo durante a ejecção, possivelmente pelo “arrancamento” do capacete.

Ainda me consegui deslocar para uma clareira, com a intenção de me sinalizar. No entanto, dos “very-light” que levava só restaram os que me tinham sido entregues pelo Cap. Pedroso de Almeida, quando fez o “desquite”. Bem-haja!

Quando comecei a pensar, apercebi-me que tinha o fato de voo do meu amigo Cap. Pinto Ferreira, ainda com o nome dele na “etiqueta” de identificação. A primeira coisa que fiz, foi enterra-la e disfarçar esse local com vegetação.
Começo a olhar para o ar, e vejo o meu chefe de parelha, o então Cor. Tir. Lemos Ferreira, Comandante da Zona Aérea Cabo Verde e Guiné a voar em círculos.
Pensei que me tivesse visto a aterrar, mas por eu já estar tão baixo, vim mais tarde a saber que apenas viu a explosão do avião, e por um segundo, o pára-quedas ser “engolido” pelas árvores.

Seguidamente, começo a ouvir vozes e alguns assobios, o que em África, devido ao silêncio que todos conhecem, tanto podiam estar perto como longe.
Imaginei que poderia ser “recolhido” pela população ou pelos guerrilheiros que tínhamos acabado de bombardear. Não iam de certeza levar-me um whisky com Perrier…

Comecei a criar um espaço onde poderia colocar o pára-quedas, para assinalar a minha posição, mas comecei a ter dores violentas nas costas; mesmo rolando no solo, de maneira a deitar o capim que tinha mais de dois metros de altura, não consegui espaço para estender o pára-quedas.
Entretanto, comecei a sair do estado de choque e comecei a “engendrar” a conversa que teria se fosse capturado. Estabeleci um plano, e fiquei a aguardar que me fossem recuperar. Ainda notei que o meu chefe de formação abandonou o local (deve ter aterrado “seco”), e apareceu outro Fiat a sobrevoar a zona, que mais tarde vim a saber ter sido o Ten. A. Matos. Pensei cá para mim: estou safo, estava perto da Base e ainda não eram 15:00 horas.

Passaram cerca de 40 minutos, que a mim me pareceram horas, e começo a ouvir o “santo” ruído de um Heli e em “stereo”; eram dois, mas um, eu nunca o vi.
Levantei-me com muito custo e preparei os “flares” para me sinalizar.
A clareira onde me encontrava estava rodeada de árvores, e apenas num pequeno ângulo, é que tinha visão horizontal.

Como os Helis não tinham informação precisa da minha posição andaram ainda uns tempos à procura, e eu que só tinha dois “flares”, resolvi accionar um, quando ouvi um Heli mais perto.
Passado um tempo, que não consigo calcular, vi pela primeira vez um Heli; quando ele passou pela abertura das árvores, disparei o “flare” que me restava mesmo apontando ao Heli, pois era a maneira mais certa de não o atingir…

Fui visto! O piloto do Heli tenta uma aproximação já na clareira, mas o capim, com 2 metros, teima em não baixar com o vórtice do rotor principal. Nesta altura, em que o piloto tenta baixar o máximo possível, eu noto que o rotor de cauda se aproxima perigosamente de uns troncos secos e grossos que emergiam do capim já “abatido”.

Entretanto, eu que já estava em pé novamente, mas com muita dificuldade, reparo que o Heli é um Heli-canhão. E agora? O Heli-canhão descolou de Bissalanca, voou, no máximo meia hora, deve estar com muito peso e eu embora magro, vou provocar “overload”. Ainda pensei que íamos lá ficar à espera de um Heli sem canhão.
Mais tarde, fiquei a saber que tinham descolado dois heli-canhão para me dar protecção e me localizar. Como a zona era muito problemática, tomaram a decisão de me recuperar mesmo com o canhão.

Como o Heli não conseguia aterrar, aproximou-se de mim e fui içado à mão, ficando com o estribo de entrada entre as pernas e agarrado à estrutura vertical onde fecham as portas.
Descolámos, mas passado pouco tempo, começo a escorregar, prevendo que me ia estatelar no solo. O mecânico, atirador do canhão, ao ver a “cena”, largou tudo e enquanto me agarrava pelo pescoço, ia gritando para o piloto aterrar o mais depressa possível, que eu estava a cair. O piloto quase que fez um “quick stop” e eu aterrei primeiro do que o Heli; saltei para dentro dele, batendo com a cabeça não sei onde, e tombei desmaiado sobre a caixa das munições do canhão.

Chegamos a Bissalanca, e eu, já acordado, noto que alguém estava à minha espera com um copo numa bandeja. Como sabiam que eu gostava, na altura, de me refrescar com água Perrier um dedo de whisky, tentei sair em pé da viatura que me transportou do Heli para o Grupo Operacional, armado em herói; claro está que se não me agarrassem rapidamente, lá ia mais outra queda.
Bebi o copo de um golo.

Já na enfermaria da Base, começo a sentir a cabeça à roda e um enjoo terrível. Pensei que me estava a acontecer alguma coisa pós-choque, mas não era mais do que a “doença” provocada pelo “refresco” que os malandros dos meus amigos adulteraram. O “refresco” da Perrier com um dedo de whisky era afinal whisky com um dedo de Perrier. Ainda hoje não sei quem foi o artista.

Fui para o Hospital Militar, regressei à enfermaria, e fui evacuado para a “Metrópole” no primeiro avião militar.

Regressei à Guiné nos primeiros dias de Fevereiro de 1974, e por coincidência (?), a primeira missão operacional teve lugar no mesmo local onde me tinha ejectado. Ao fazer o passe de metralhadoras, o dedo parecia que não queria accionar o gatilho; respeitei esta hesitação do dedo e não premi o gatilho.
Na missão seguinte, tudo se normalizou, após uma consciente reflexão sobre a lei das probabilidades…
A minha ejecção já foi na segunda comissão.

Eu era um dos dois únicos pilotos que tinham sido nomeados para uma segunda comissão, em Fiat, para a Guiné; o outro foi o então Ten. Cor. Vasquez, como Comandante do Grupo Operacional.
Apenas alguns dias após o 25 de Abril, convivemos com os guerrilheiros que combatíamos em 1969 nas antiaéreas, onde eu fui protagonista e tendo feito parte das missões mais complicadas, que incluíram uma tentativa (gorada) de, com a acção dos pára-quedistas, os “apanharmos à mão”.
O ataque às antiaéreas na zona do Quitafine a Sudoeste de Bissau, perto do rio Cacine e a fronteira com a Guiné-Conakri, eram missões que tínhamos que fazer para que os guerrilheiros não nos conquistassem esse território, pois as forças terrestres já lá não tinham acesso…

Foram conversas interessantíssimas, e pelas quais vim a saber que eles para não serem afastados pelas bombas que rebentavam dentro do "caracol" (local onde eram colocadas as antiaéreas), eram atados às armas. Normalmente usavam as ZPU-4 de 14,5mm ou as duplas de 12,7mm.
Nessa época ainda não tinham chegado à Guiné os Grupos de mísseis.
No entanto, em 1972 (?) já havia conhecimento de que estavam a ser treinadas as equipas dos mísseis na URSS.

Eu vim a saber disso, porque sendo adjunto do Comandante de Grupo, na segunda comissão, ao arrumar uns arquivos, encontrei documentação de 1972 (?) com informação detalhada dos EUA sobre os mísseis Strela, bem como um completo estudo do seu envelope de acção. Também referiam ter informações fidedignas que o aparecimento dos mísseis SAM-7 estaria para breve no Teatro de Operações da Guiné e só mais tarde em Moçambique.
Na Guiné, nessa altura, já ninguém era apanhado de surpresa…
Mas mesmo assim, e como o outro elemento da parelha sobrevoava a zona em altitude, não viu a saída do míssil, eu fiquei convencido que se tinha aberto o painel das metralhadoras do lado esquerdo, pois na inspecção antes do voo notei que já apresentava alguma folga.

Isto deu origem a uma consulta à Força Aérea Alemã, que informou que apenas tinham conhecimento de um caso desses, a baixa velocidade, e que isso foi fatal para o piloto. A grande velocidade, o avião destruía-se em voo, não dando a mínima hipótese ao piloto.
Mesmo assim, devido a essa dúvida, foram inspeccionados todos os Fiat's e descobriu-se que a maior parte apresentavam fadiga de material na fixação das metralhadoras. Isso obrigou à respectiva reparação em todos os aviões. A causa dessa fadiga e de algumas fracturas terá que ficar confidencial… por enquanto!

Mais tarde, e já após o 25 de Abril, chegou uma informação proveniente do PAIGC, de que o meu avião (5409) tinha sido abatido por um grupo residente nessa área, e que até encontraram o meu capacete. As razões porque fui “abatido” dentro do "envelope" do míssil terão também que ficar pela confidencialidade…
No entanto, continuo convencido que não fui abatido pelo Strela, mas que tive uma violenta falha estrutural. Mas como me pareceu que era mais conveniente, para os então “poderes constituídos”, tratar o acidente como “abate”, em vez de falha estrutural, eu fui-me calando…

Alberto Cruz
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18742: FAP (108): Memórias sobre "Alguns dos Falcões que passaram por Monte Real em 1964/65" (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Guiné 61/74 - P18766: Notas de leitura (1077): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Para se fazer entendimento da insistência nestes relatórios sobre as observações por vezes cáusticas do gerente de Bissau acerca da agricultura guineense dever-se-á ter em conta os crescentes interesses do BNU na mesma. Detém o controle da Sociedade Comercial Ultramarina, daí a atenção dada às produções e às cotações das matérias-primas. Era visível a quebra no arroz, em vez de referir o tumulto da guerra dá a saber que os jovens agricultores, em número expressivo, estão nas milícias; a borracha tornara-se desinteressante; os serviços lançavam experiências, mas o gerente insiste que falta formação e que é uma grande apatia; a balança comercial é por demais deficitária, o BNU tem uma vida risonha com aqueles milhares de militares e a massa monetária a circular. A guerra existe mas parece que não é necessário falar nela, o que se deixa de produzir é importado, ponto final.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (40)

Beja Santos

Na segunda parte do relatório de 1965, o gerente vê-se na necessidade de se enfronhar num longuíssimo comentário à situação das colheitas. Esquecendo-se das apreciações já enunciadas em documentos anteriores, insiste em verberações quanto à estrutura agrícola, como se a administração em Lisboa tivesse os olhos vendados:
“A estrutura agrária das explorações agrícolas da Província é incipiente, para não dizer nula. Entre as populações autóctones não existe a empresa agrícola do tipo familiar; a agricultura pratica-se pelos métodos mais rotineiros que se possam conceber; o agricultor autóctone não mostra desejo de um pequeno esforço para, com o mesmo trabalho, e sementeiras feitas a tempo, obter melhores produções”.

São recriminações em série, acusa a fala de elites entre as populações agrícolas, deplora a falta de instrução e sensibilidade para aceitação de técnicas proveitosas, aponta a apatia que reina muitos setores e escrutina experiências e avança o porquê dos insucessos, assim descritos:
“Nos trabalhos que os serviços respectivos fizeram em regime de concentração o resultado foi alcançado. Citemos como exemplo os casos de Bolama e Ualada. Forneceram-se melhores sementes, ofereceram-se adubos para instruir e mentaliza, mas a acção é dispersa como convém para que, com um pequeno dispêndio e fracos recursos humanos, se obtivessem os melhores resultados. No entanto, as populações não correspondem ao esforço desenvolvido”.

Então, insinua a questão de fundo, a guerra que está por trás:
“A situação criada à Província levou o agricultor a concentrar-se nos grandes centros comerciais ou em tabancas onde encontra protecção. Por motivos de defesa houve necessidade de chamar para as milícias largas centenas de homens jovens, que deixaram de agricultar pois o salário mensal lhes basta, de onde resultou o afrouxamento da cultura do solo que todos os anos faziam para seu sustento”.
Seguem-se enormes parágrafos sobre a divulgação agrícola, a mecanização das culturas, o ensino rural, a formação acelerada da aprendizagem dos jovens, o cooperativismo, e feita a litania procede a uma descrição das culturas.

Quanto ao arroz, a produção baixou não por falta de terrenos para cultivo mas antes à escassez de agricultores, daí a importação deste alimento indispensável. Refere o que se está a fazer em Empada, na região de Ualada:
“O Plano Intercalar de Fomento propunha a defesa, enxugo e recuperação de quatro mil hectares de terrenos destinados a novas bolanhas. Os trabalhos de maior vulto localizaram-se em Empada onde as populações não tinham feito em anos anteriores sementeiras de arroz. De colaboração com os serviços militares pretendem-se reinstalar em Ualada, e recuperar para o trabalho, populações que se acolheram naquele posto administrativo. As populações colaboraram no estabelecimento de ouriques para defesa das bolanhas, das águas salgadas e no último momento decidiram-se a cultivar arroz. Segundo informação dos serviços, sabe-se que, já em 1966, as populações de Empada estão em vias de autoabastecimento. O reflexo que este empreendimento terá nas populações foragidas será motivo para se continuar a trabalhar. Na região de Bissau trabalhou-se em Bor e Antula. Em Bor, de colaboração com as autoridades locais, construiu-se um dique para fecho de um rio que permitirá o cultivo imediato de algumas dezenas de hectares e forneceram-se bombas para escoamento. Na região de Antula tentou-se também o fecho de um rio construindo com estacaria e terra uma pequena barragem, mas o trabalho não resultou por existência, a baixa profundidade, de laterite que impedia o enterramento das estacas. A produção promete ser melhor que as colhidas normalmente”.

Quanto à borracha, observa que não houve cultura dos plantadores da Guiné, e dá mais informações sobre o que se está a passar com a experimentação do caju. Assim, a Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar dera sequência aos estudos preliminares programados, tinham sido plantados cerca de 77 hectares em povoações do concelho de Bissau, e tece o seguinte juízo:
“O lento ritmo de plantação, a par com os baixos preços praticados, não autorizam a esperar que, em futuro próximo, a industrialização do caju ou a sua exportação em larga escala venham a transformar-se nas realidades há tanto desejadas. O caju poderá vir a assumir no futuro um papel de primeiro plano no desenvolvimento agrícola e industrial da Guiné".

Referindo-se ao coconote e óleo de palma, afirma desconhecerem-se as áreas ocupadas pelos palmares naturais, com exceção dos Bijagós. Seguem-se longas considerações sobre a mancarra, onde houvera a substituição de sementes por variedades mais resistentes, dera-se formação à população, tinham sido distribuídos adubos e os resultados obtidos eram manifestamente satisfatórios, pois a produção dos campos adubados tinha sido muito mais elevada que a de outros agricultados por métodos antiquados. Punha-se o problema dos preços do amendoim guineense, os industriais poderia obter preços mais vantajosos em países como o Senegal ou a Nigéria, daí a necessidade de fomentar novas culturas.


Dedica algumas reflexões à mandioca dizendo que faz parte da agricultura de subsistência, usada quando escasseio o arroz. No fundo, não havia grande tradição da mandioca nos hábitos alimentares e com as crescentes importações de arroz a sua cultura estava cada vez mais desinteressante, no entanto havia toda a vantagem em produzir mandioca para exportação.

O relatório expende depois algumas considerações sobre trabalhos em curso, houvera asfaltagem completa do cais do Pidjiquiti, tinham sido recuperados 10 mil metros quadrados da bolanha marginal do rio Geba com vista à expansão das instalações portuárias. Calculava-se que estariam concluídas em Março de 1966 as obras de aterro do futuro cais da Bolola. E procede a uma síntese dos profissionais de saúde existentes na Guiné:

“a) Há um médico para cerca de 20.400 habitantes. Mas este valor não é suficientemente característico e enviesa as conclusões. Com efeito, só a área da delegacia de Bissau detém 20 médicos beneficiando as restantes nove delegacias de apenas 8 médicos. Nas áreas das delegacias de Mansoa e de Bafatá, por exemplo, há um médico para 91.000 e 81.000 respectivamente. Nota-se que, do total de 28 médicos, 12 são milicianos que, cumulativamente com a prestação do serviço militar, assistem às populações.

b) Em média, cada conjunto de 3400 habitantes é servido pelo enfermeiro. Embora menos acentuadas, as desigualdades na cobertura regional são ainda elevadas: nas áreas das delegacias de Catió e Mansoa existe um enfermeiro para cerca de 15.000 habitantes.

c) São também manifestamente escassos os efectivos de pessoal paramédico e não trabalha na Província actualmente uma única assistente comercial. Observe-se finalmente que das 46 pessoas empregadas em serviços paramédicos 32 pertencem à Missão de Combate às Tripanossomíases”.

Já estamos no relatório de exercício de 1966, os comentários vêm de Lisboa, são lisonjeiros. O comércio com o exterior regista aumento devido à importação de elevadas partidas de arroz, acentuou-se o défice da balança comercial com a queda do volume das exportações. A praça de Bissau desenvolve-se próspera devido ao maior poder de compra dos militares.

“Vem a propósito referir que o incremento da importação e o maior recurso ao crédito, sem dificuldades de solvência, constituem factores particularmente favoráveis aos negócios da filial ao longo de todo o exercício”.
E termina-se com um apelo à prudência:  
“Afigura-se oportuno recomendar a essa gerência a necessidade de se manter vigilante no tocante à distribuição de crédito, subordinando a sua acção neste campo à disciplina da política de objectiva prudência até agora seguida. Parece-nos, contudo, que a actual situação da praça se mostra favorável ao desenvolvimento da concessão de crédito a curto prazo, nomeadamente de operações de desconto puramente comerciais, desde que reúnam as necessárias garantias e sejam de montantes compatíveis com a capacidade de solvência dos intervenientes”.

(Continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 15 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18752: Notas de leitura (1076): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18765: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte IV: Bissum, missão cumprida


Foto nº 22


Foto nº 23


Foto nº 24


Foto nº 25

Foto nº 25 A


Foto nº 25B


Foto nº 26


Foto nº 26 A

Foto nº 26 B


Foto nº 27


Foto nº 28


Foto nº 29



Guiné > Região Cacheu > Bula > CCAV 2639 (1969/71) >  c. abril / julho de 1971 > Destacamento em Bissum, setor de Bissorã.


Fotos (e legendas): © António Ramalho (2018) . Todos os direitos reservados (Edição e legendag complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Continuação da publicação do álbum de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, nº 757, natural de Vila Fernando, Elvas (*):



CCav 2639 > Guiné 1969/1971 > Listagem de fotos (de 22 a 30/55)


22. Mini Cruzeiro até Bissum [, que pertencia ao setor de Bissorã e não de Bula]
23. Mini Cruzeiro até Bissum.
24. Amigos de Bissum
25. Bissum - Equipa futebol de Oficiais e Sargentos
26. Bissum - Equipas de futebol de Oficiais, Sargentos e Praças.
27. Bissum -Mina anticarro (desactivada) encontrada no porto. [Junto ao monumento erigido pelas "Águias Negras" (CCAV 1747), cujo lema era "Unos e Firmes"]
28. Bissum - Com o Fur Mil Ângelo Silva.
29. Missão cumprida - Regresso de Bissum. [, O autora aparece aqui, de bigode e de óculos de sol]
30. No rio Cacheu a aguardar transporte de regresso.

(Continua)
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Nota do editor:


(*) Vd. últimos postes da série >  

8 de junho de  2018 > Guiné 61/74 - P18723: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte III: Reordenamentos & Casamentos... Ou quem casa, quer casa...

23 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18667: Álbum fotográfico de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71) - Parte I: o parto de Helga Reis, em Ponta Consolação, em 6 de janeiro de 1971

Guiné 61/74 - P18764: Parabéns a você (1458): Coronel Art Ref António José Pereira da Costa, ex-Alf Art da CART 1692; Cap Art, CMDT das CARTs 3494 e 3567 (Guiné, 1968/69 e 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18759: Parabéns a você (1457): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro, Gestor de Projectos, natural da Guiné-Bissau, nosso colaborador permanente, assessor para as questões etno-linguísticas

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18763: Convívios (862): XXXIX Encontro do Pessoal da CCAV 2639, dia 30 de Junho de 2018 na Carapinheira, Montemor-o-Velho



1. Pede-nos o nosso camarada Mário Lourenço (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 Binar, Pete, Bula, Ponta Consolação e Capunga, 1969/71), que anunciemos o 39.º Convívio da sua Unidade, a levar a efeito no próximo dia 30 de Junho de 2018, na Carapinheira - Montemor-o-Velho.


XXXIX CONVÍVIO DO PESSOAL DA 
COMPANHIA DE CAVALARIA 2639
DIA 30 DE JUNHO DE 2018
CARAPINHEIRA
MONTEMOR-O-VELHO

 
Amigos boa tarde. 
Mais uma vez recorro à nossa página para que seja divulgado o 39.º convívio da CCAV 2639, a realizar em 30/6/2018 na Carapinheira - Montemor-o-Velho, no restaurante Patinhos Eventos, realizado pelo ex-1.º Cabo Joaquim Ferraz Rodrigues.

A formação da Companhia será às 12 horas junto ao restaurante. 

Desde já fico agradecido pela informação, embora um pouco tardia. 

Um alfa bravo deste tabanqueiro 662. 
Mário Lourenço
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18709: Convívios (861): Rescaldo do convívio do pessoal da CCAV 2748 levado a efeito no passado dia 2 de Junho nas Caldas da Rainha (Francisco Palma, ex-Soldado Condutor)

Guiné 61/74 - P18762: Fotos à procura de... uma legenda (105): O 'rancho dos pobres'... (Virgílio Teixeira / Luís Graça / Cherno Baldé / Valdemar Queiroz)


Foto nº 1 A


Foto nº 1 B


Foto nº 1 C


Foto nº 1 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > "O rancho dos pobres"

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

1. Legenda, completa, do autor, Virgílio Teixeira:

"Mais uma vez apresenta-se aqui a vergonha das nossas vidas. ‘O rancho dos pobres’. Eram miúdos indígenas, que vinham no fim das refeições, com as suas latas, à procura dos restos do rancho ou das messes para comerem, eles e famílias. Depois de levarem para as suas palhotas, voltavam novamente para levar o máximo possível. Isto chocava-me muito, mas nada poderia fazer, a não ser facilitar estas operações, a sopa dos pobres. São Domingos,  1968. (*)

2. Comentários dos leitores (*):

(i) Tabanca Grande [Luís Graça]:

Notável,  a foto... Não direi que diz "tudo", mas diz "muito"... O fotógrafo estava lá, milhares de nós assistíamos, quotidianamente, a esta cena, tão "comovedora" quanto "constrangedora",  dos meninos e meninas que viviam nas imediações dos nossos quartéis, com as latas (recuperadas do lixo da tropa) a servirem de marmitas, à cabeça, ordeiramente, pacientemente, à espera dos "restos do rancho da tropa"...

Parabéns, Virgílio,  pela tua sensibilidade e sentido de oportunidade... É uma foto com grande interesse documental...

50 anos depois continua a haver fome na Guiné-Bissau... Ainda há dias falei, ao telefone, com um desgraçado de um camarada nosso, o ex-1º cabo António Baldé, de Contuboel, que regressou à Guiné, sem um tostão, sem uma pequena reforma, e que, aos setenta e tal anos, passa fome em Caboxanque, no Cantanhez... O tal que tinha o sonho de vir a ser apicultor. E que era o pai da infeliz Alicinha do Cantanhez... Trabalhou com o Pepito, no DEPA... Vou ter que fazer alguma coisa por ele, para o ajudar... São situações que nos destroçam o coração... [O António Baldé esteve no CIM, Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71): é membro da Tabanca Grande,  nº 610].


(ii) Cherno Baldé:

É verdade que os miúdos iam lá pedir sobras do rancho, eu fui um deles [, em Fajonquito,], mas também, não vamos exagerar ao ponto de afirmar que era para comerem eles e suas famílias,  o que não corresponde à verdade. Primeiro porque, normalmente e por regra, as sobras não eram tão abundantes que dessem para alimentar a população. Em Segundo lugar, a população,  mesmo pobre,  era muito digna e conformava-se com o pouco que tinha em suas casas e, no caso das populações de confissão muçulmana, os adultos não comiam nada que viesse dos quartéis por motivos religiosos. Às vezes as aparências iludem e penso que foi este o teu caso.

A minha experiência de rafeiro de quartel diz-me que a quantidade das sobras dependia mais da qualidade da comida do que da bondade alheia, pois variava em função do prato do dia. Assim, nos dias em que havia carne de vaca ou cozido à portuguesa, não sobrava nada, mesmo para os soldados que se atrasavam a chegar ao refeitório.

(iii) Virgílio Teixeira:

Sobre os teus comentários a esta foto, a única que tenho, apesar de ter presenciado esta cena e outras imensas vezes, e só por vergonha nunca mais tirei nenhuma. Conheces aqueles ex-militares, com uma abraçadeira vermelha no braço esquerdo? Lembras-te ou não? Faziam de Oficial de Dia, os responsáveis por tudo o que acontecia durante 24 horas, incluindo nessa missão, assistir a todas as refeições nos refeitórios das praças e também provar e até muitas vezes também comiam do rancho.
Esses meninos e meninas, cujo exemplo estão aí, não fabriquei essa foto, fui eu o fotógrafo, mas não tenho abraçadeira, não estava de serviço, e quando estava não podia fazer fotografias a tudo. Mas a minha memória visual fenomenal não me deixa esquecer, e sei todos os pormenores de tanta coisa, mas não de tudo. Estes aqui que relatei são autênticos, só não sei se iam levar a comida à tabanca para alimentar os familiares ou se era com outros fins, por exemplo a pecuária.

Não sabia sequer,  nessa altura, os hábitos dos muçulmanos, palavra que estava longe de pensar que não comiam carne de porco e outras coisas. Por isso em Chão Fula, Nova Lamego,  não era tão gritante esta prática, mas existia na mesma. Mas em especial no Quartel de Brá, nos Adidos, onde se serviam mais de 1000 militares todos os dias, e sobrava muito e as filas eram imensas, eu vi isso, pois estive lá com o meu Batalhão durante o mês de Março de 68 e fiz vários serviços de Oficial de Dia e assistia obrigatoriamente a estas cenas, tanto eu, como os outros. 

A minha sensibilidade não dava para ver isto, por isso tentei esquecer, até ao dia que voltei a ver as fotos, 50 anos depois.

Não queria de modo nenhum alimentar uma polémica sobre este assunto, que não me agrada, mas espero que aceites - tu e os outros - esta minha versão dos acontecimentos, pois esta é a minha versão e não a dos outros, cada um pensa o que sente, e não, nunca faria quaisquer juízos de valor sobre isto. Sabes que eu gosto muito da população guineense, durante a guerra e depois dela, nunca esquecerei.
Quando estive aí, em 1984/85, três vezes, voltei a ver a fome nas populações, eram eles que me diziam, voltem para cá....

(iv) Cherno Baldé: 

As tuas fotografias são excepcionais e muito importantes sob todos os pontos de vista. Não há motivo para vergonha nenhuma nas fotos que, com todo o mérito, conseguiste salvar e conservar em muito bom estado. A pobreza não é uma desgraça em si e, na verdade, ela é sempre relativa, pois, se não existissem pobres, não haveria ricos no mundo.

Também não alimento polémicas, tão só tento corrigir possíveis erros de interpretação, muitas vezes, puramente subjectivos,  que os antigos combatentes metropolitanos podem estar, injustamente, a cometer sem ter a noção completa dos seus erros. A minha função é tentar corrigir os tiros da malta que se embala no entusiasmo das palavras, tal Homem Pereira de Melo, como uma vez disse o nosso amigo Valdemar Queiroz.

Todas as críticas e/ou observações que os bloguistas fizerem dos trabalhos (textos e fotos) publicados, só servirão para testar, enriquecer e consolidar os conteúdos assim expostos à observação e crítica do vasto auditório para uma eventual validação. Por isso, não convém que sejamos muito sensíveis nem que sejamos tentados a defender a todo o custo aquilo que expomos ao público da nossa Tabanca Grande.

Muito obrigado pelas simpáticas palavras de amizade dirigidas ao povo da Guiné-Bissau, em geral, e a mim, em particular. 

(v) Valdemar Queiroz:

Muito interessante a foto nº. 1. Era habitual a 'formatura' das crianças à espera das sobras do rancho da tropa. Também assisti em Bissau a uma 'formatura' destas, mas com muitas dezenas de crianças, quando estive de 'Sargento de Dia' no Quartel dos Adidos. Mas, bem longe daquelas terras, na Europa da abundância, que até deita por fora, e há cerca de uns vinte anos, assisti à porta das instalações militares ou da Academia Militar ou dos Comandos, na Amadora, a uma 'formatura', de lata na mão, que me fez lembrar aquelas que nós muito bem conhecemos na Guiné.

(vi) António Rosinha:

O Cherno esclarece um pouco o que era ir ao quartel apanhar restos, mas ainda não diz completamente tudo sobre o assunto para não melindrar algumas sensibilidades (penso eu)

Aqueles pretos não eram assim tão "coitadinhos", como havia uma tendência para os julgar assim, para quem passava lá 24 meses.

Na África subsariana não havia fome, aquela fome que nos era exibida em Lisboa e Porto e menos em cidades e aldeias mais pequenas do interior.

Aquela fome que as guerras provocavam foram uma excepção, assim como a fome e carências primárias de algumas independências com total desorganização.

Ainda há três ou quatro dias uns repórteres entrevistaram uns jovens gambianos que,  rejeitados pelos italianos, vieram para Valência, e o problema deles não era a fome nem a guerra, estavam bem tratados e bem dispostos, e um deles apenas queria uma oportunidade de poder jogar à bola.

As carências africanas nunca foram a  alimentação, tal como a conhecíamos aqui, antes de haver os peditórios à porta dos supermercados para as pessoas e para os animais.[Referência ais bancos alimentares].

Ao contrário das nossas tribos,  as tribos na África "partem" tudo entre si, dá para todos, aqui,  como cantava o Zeca Afonso, :eles comem tudo e não deixam nada.

______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 19 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18758: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVI: História e imagens de São Domingos: fotos de 1 a 8

(**)  Último poste da série > 18 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18432; Foto à procura de...uma legenda (104): O caso da mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito, a "sua" cabrinha... O João Martins queixa-se de escesso de zelo censório por parte do Facebook...

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18761: Efemérides (285): O "Dia da Consciência", 17/6/2018... Agradecimento a todos (João Crisóstomo)

1. Mensagem de João Crisóstomo a todos os amigos da "família Aristides Sousa Mendes", e de mais homens e mulheres de boa vontade que se preocupam com a paz no mundo:


Data: 20 de junho de 2018 às 11:09
Assunto: Dia da Consciência

A todos os recipientes deste [email]:

Quero agradecer  a todos os que participaram neste "Dia da Consciência", este ano (*)  e  que  tornaram este evento  relevante como se impunha. Em Nova Iorque (Yonkers) Sua Excia o Senhor Arcebispo Don Bernartditto Auza, Observador Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas,  presidiu a  esta missa — a sua primeira missa em português, como nos fez saber.

Apraz-me informar da boa recepção deste projecto também mundo fora, o que não passou despercebido aos meios de informação como foi o caso do semanário "Expresso" que lhe deu a cobertura mediática devida.  Segundo  informações recebidas depois,  este  "assunto continua a interessar a muitos portugueses: o artigo foi o mais lido ontem no nosso site" (*). Para vossa informação junto o "link"  para esse artigo (**)  para os que não tiveram oportunidade de o ler.

 Não preciso de  vos dizer quanto o  mundo precisa  de  conhecer e  lembrar  este  "acto de consciência' e que  tem que ser devidamente divulgado.   A  coragem de  Aristides de Sousa Mendes é sempre algo inspirador que toca os corações e as consciências dos que, especialmente pela primeira vez,   dela tomam conhecimento.     Com isto em mente, logo  após a celebração da Missa este ano , obtive de  Sua Excia Senhor Arcebispo Don Bernardito Auza,  que viesse presidir em 2020  ao 80º aniversário deste dia 17 de Junho de 1940.
Desde já venho pedir e  agradeço o  apoio de todos   para que este "Dia da Consciência" nesse ano tenha uma  amplitude e relevância global  como  se impõe, de modo a atingir o maior número possível mundo fora, especialmente aqueles que Aristides de Sousa Mendes e a sua ainda  corajosa  consciência de homem e de cristão ainda não conhecem.
Antecipadamente grato, a todos as minhas calorosas saudações.

João Crisóstomo,
Coordenador do  Projecto 'Dia da Consciência" 
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18750: Efemérides (284): Mensagem do Presidente da República Portuguesa para o "Dia da Consciência" - Homenagem a Aristides de Sousa Mendes, Nova Iorque, 17 de junho de 2018 (João Crisóstomo)

(**) Vd. Expresso > Sociedade > Nelsom Marques > 17 de junho de 2018 >  “Exemplo de Aristides de Sousa Mendes tem de servir para manter alerta todas as consciências”. Homenagem, este domingo, por todo o mundo

(...) "Antigo mordomo de Jacqueline Kennedy Onassis, o português João Crisóstomo, de 74 anos, é um homem de várias causas. Foi decisivo, por exemplo, a chamar a atenção da comunidade internacional para a questão das gravuras de Foz Côa e usou a sua rede de contactos para fazer lóbi junto de Bill Clinton para que este pressionasse a Indonésia a aceitar um referendo em Timor-Leste. Já este ano, em reconhecimento no seu papel de divulgação da ação humanitária de Aristides de Sousa Mendes, os Correios de Israel emitiram um selo especial em homenagem do ativista português. " (..:)  

Guiné 61/74 - P18760: Historiografia da presença portuguesa em África (119): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Insisto no ineditismo desta iniciativa governamental do Capitão de Artilharia Ricardo Vaz Monteiro e no acervo de materiais coligidos, de grande riqueza para se entender mentalidades e o estado da Guiné no arrancar da década de 1940. E a grande surpresa em encontrar gente preparada, com conhecimento das realidades, nalguns casos, muito poucos, usando uma linguagem um pouco de babugem, de um modo geral o governador recebeu comentários desassombrados.
Confesso a minha satisfação em ter encontrado esta pérola na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa onde a amável bibliotecária foi buscar aos Reservados uma resma de relatórios de outros administradores, entre os anos 1930 e datas próximas, logo que termine a faina do BNU da Guiné é o mergulho que vou dar.

Um abraço do
Mário


Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (4)

Beja Santos

Importa referir que esta iniciativa do então Capitão Ricardo Vaz Monteiro, Governador da Guiné entre 1941 e 1945, tanto quanto nos é dado saber, é de um ineditismo surpreendente: é um líder com visão, tem a subtileza de mandar um inquérito sobre diversas matérias, desde a produção da mancarra até às finanças das circunscrições, quer apurar o grau de conhecimentos destes seus colaboradores, haverá um intenso debate em função das memórias que ele recebe, e do modo mais discreto possível todo este trabalho ganha a forma de publicação, o mais longe que se pôde apurar é que foi editado pela imprensa nacional, em Bolama, em 1942.

Suspendeu-se o texto anterior à volta das respostas do Administrador de Farim, é notório tratar-se de pessoa culta, bem preparada e pouco disposta a dar respostas equívocas ou ínvias. Respondendo acerca do emprego de charruas, ele observa:  
“Raros devem ser na Guiné os terrenos limpos de resíduos vegetais e que se prestam à cultura dos produtos mais vulgares, porque o indígena, de uma forma geral, dedica-se de preferência ao sistema de cultura extensiva, não o interessando o preparo racional do terreno que precisa devido às enormes extensões de terras virgens que existem. E, nestas condições, o charruamento das terras sujas se não é de todo impossível é, pelo menos, difícil, trabalhoso e de pouco rendimento. E nos terrenos sujos, quer dizer nas terras onde existem troncos e raízes de árvores à superfície a gradagem não se pode fazer”.
Como também havia questões postas sobre funcionários, guardas florestais e quejandos, ele vai direto à questão:
“Ainda hoje a grande maioria do funcionalismo da população civilizada da Guiné é cabo-verdiana; e todos nós sabemos como é difícil corrigir os erros bebidos no leite materno”.

Também não enjeita pronunciar-se sobre a questão dos régulos:
“Como a própria Reforma Administrativa Ultramarina preconiza, devia tornar-se obrigatória após um prazo de dois anos a condição de só se preencherem os lugares de régulos, chefes de povoação, intérpretes e quadros administrativos com indivíduos que soubessem ler, escrever e contar em português. Os pretendentes ou herdeiros de regulados não têm outro interesse ou objectivo senão o de ocuparem tais lugares para sugarem o trabalho dos próprios indígenas, para exercerem toda a casta de extorsões e atropelos sobre os indígenas que ficam amarrados à sua prepotente autoridade. Hoje em dia já não se encara a autoridade do régulo com o respeito devido, em virtude dos desmandos, abusos e violências de toda a espécie que muitos deles praticam”.

O seu ponto de vista sobre a política indígena e os regulados também nos parece digna de registo:
“Os régulos, nesta área administrativa, no geral, são impostos e pertencem a raça diferente: Mandingas, Fulas e Biafadas. As razões que a tal obrigam, desconheço-as”.
É curioso como este ponto de vista tem alguma parecença com a resposta do administrador de Mansoa.
Em todas estas memórias há sempre aspetos pertinentes ao nível dos conhecimentos que apraz registar. Veja-se o que responde o Administrador do Gabu a propósito da questão posta acerca de pomares, palmares, hortas e viveiros:
“O interesse do indígena pela cultura de pomares e palmares só se estimulará quando começar a colher o resultado do seu esforço, isto é, quando o trabalho empregado na sua cultura vier a dar a compensação devida. Até lá, essa cultura tem de ser simplesmente imposta. A cultura da batata-doce e mandioca já foi iniciada este ano em obediência à determinação de V. Ex.ª. mas a sua produção é bastante limitada por ter havido faltas de plantas. É de toda a conveniência a introdução da cultura do feijão”.

Tome-se agora em consideração o comentário do Administrador de Buba questionado sobre o gado bovino:
“Nesta circunscrição só existe gado em certa abundância nas zonas habitadas pelos Balantes. Eles têm por hábito nunca vender o gado senão quando muito afrontados por qualquer necessidade urgente. Mesmo em época de fome preferem passar provações a desfazerem-se do seu gado. Os bovinos constituem para si a nota comprovadora da sua importância no meio social. Os bovinos são para o Balanta a sua farpela mais luxuosa”.
O mesmo administrador mostra-se cético quanto à proibição de falar crioulo e dá as suas razões:
“A proibição de se falar o crioulo somente nas repartições, nas escolas e em todos os estabelecimentos do Estado, a meu ver, serão de resultados muito limitados. Onde se fala mais crioulo não é nas repartições públicas nem nas escolas nem nos estabelecimentos do Estado mas fora: na rua, nas casas particulares e sobretudo nos estabelecimentos comerciais. Nas suas transacções, os comerciantes e os empregados, na sua maioria, só falam crioulo. Assim foi e assim é desde há muito”.

Surpreendente é o que o Administrador de Bijagós responde ao Governador acerca das licenças para o exercício de comércio fora das povoações comerciais:
“A opinião que o signatário forma dos concessionários e proprietários, salvo raras excepções, é a seguinte: pede-se uma concessão não para trabalhar e de conta própria tirar à terra o máximo da sua riqueza, mas única e exclusivamente para explorar o indígena. O que se pretende é que na concessão, ou perto desta, haja bolanhas. Pois logo que tal se dê fazem compreender que são donos do chão e que eles, indígenas, só podem cultivar o terreno com a sua autorização e vendendo-lhe os produtos. É tal o desplante dos senhores “ponteiros” que chegam a considerar os indígenas como propriedade sua, de que pretendem tirar o máximo rendimento.
Acresce que, quase sempre, os senhores concessionários e proprietários se eximem ao pagamento dos respectivos impostos, principalmente licenças comerciais e, ao comprarem os produtos, exploram o indígena ao máximo, fazem-no ou por medidas que saem muito fora do normal ou por pesagens em que os instrumentos de pesar foram previamente preparados para o fim em vista. E como a fiscalização deste comércio se torna impossível, o signatário tem de há muito opinião formada de que só com a proibição do exercício do comércio nas concessões e propriedades é que se acabará com tal estado de coisas”.
Mudando de azimute, desta vez dirigido para a questão do melhoramento da exploração agrícola indígena, pronuncia-se do seguinte modo:
“Nos Bijagós, cuja área é toda povoada por extensos palmares, estes não permitem o emprego da charrua, pois haveria necessidade de se cortarem as palmeiras para arranjar terrenos próprios a outras lavouras, o que se tornaria contraproducente, visto diminuir a produção do coconote, a maior riqueza do arquipélago, senão a única”.
E vamos verificar que este senhor administrador também faz profissão de fé em meter as mãos na massa quanto a pomares, palmares, horta e viveiros:
“Desbravei o mato necessário para a plantação de cerca de mil pés de banana, sendo seiscentos pés das Canárias e trezentos pés das melhores qualidades de Tombali.
Fiz grandes viveiros de citrinos, pinheiras e feijão-congo, que já no próximo ano serão distribuídos pelos postos e tabancas indígenas, assim como plantei muita mandioca e batata-doce. Tudo está presentemente pegado, espero que nenhuma árvore morra, pois não lhe faltarei com a rega. Para o ano, penso fazer viveiros de coleiras, fruta-pão, goiabeiras, etc., que penso fazer parte dos pequenos pomares indígenas que tenciono fazer”.

E assim se põe termo à leitura de um documento que tem algo de inacreditável, pela falta de precedentes, por muitos comentários desassombrados, acima de tudo por se verificar que aquele governador da Guiné, em plena II Guerra Mundial queria pôr a Guiné a funcionar em novos moldes, não só produzir no que hoje chamamos nos níveis de sustentabilidade, mas a angariar um novo fôlego exportador, colhem-se depoimentos de administradores, sabe-se lá com que grau de sinceridade, entusiasmados com o ressurgimento colonial que era uma das apostas do Estado Novo e não deixa de nos pôr a refletir o que muitos deles denunciam como a exploração do indígena e o afã em pôr o ensino português no plano das realidades.

Confesso que a minha maior surpresa se prende com a figura do governador, a tomarmos um pouco à letra o que historiografia tem registado parece que entre Carvalho Viegas e Sarmento Rodrigues tinha havido um limbo, ora acontece que este Capitão de Artilharia Ricardo Vaz Monteiro não pede meças à preparação e ao entusiasmo desses dois governadores, ainda mais por a Guiné estar na penúria, todo o seu programa era fazer muito mais com o menos existente, firmar a ordem e pôr justiça naquele modelo colonial que apregoava ser humanista e assimilacionista. Não hesito em dizer que esta conferência dos administradores é uma referência incontornável na historiografia da Guiné portuguesa.

BNU de Bissau iluminado, no âmbito das comemorações do centenário do BNU

Rapariga Manjaca, imagem retirada do livro “Guiné Portuguesa”, por Luís Carvalho Viegas, volume II, 1936
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Nota do editor

Postes anteriores de:

16 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18641: Historiografia da presença portuguesa em África (114): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (1) (Mário Beja Santos)

6 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18716: Historiografia da presença portuguesa em África (116): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (2) (Mário Beja Santos)
e
13 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18739: Historiografia da presença portuguesa em África (117): Uma reunião invulgar: a Conferência dos Administradores, Bissau, 1941 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18759: Parabéns a você (1457): Cherno Baldé, Amigo Grã-Tabanqueiro, Gestor de Projectos, natural da Guiné-Bissau, nosso colaborador permanente, assessor para as questões etno-linguísticas

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Nota do editor:

Último poste da série de 19 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18754: Parabéns a você (1456): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Dr. Leopoldo Amado, Amigo Grã-Tabanqueiro, Historiador, natural da Guiné-Bissau

terça-feira, 19 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18758: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVI: História e imagens de São Domingos: fotos de 1 a 8


Foto nº 1 >  Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > "O rancho dos pobres"


Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1969 > Companhia perfilada para a entrada no refeitório geral das praças.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 27 de setembro de 1968 > Dia do Batalhão, que foi celebrado em 27 de Setembro de 1968, um ano depois da nossa partida no T/T Timor.

Foto nº  4 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1968 > Grupo especial numa ronda de rotina ao aquartelamento, composto por uma secção com 12 homens, e agora comandada por um aferes ‘especial’, SAM...


Foto nº 5 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Trincheiras a céu aberto, com várias saídas, abertas na terra vermelha protegidas com algumas palmeiras e em direcção ao Posto de Vigia das sentinelas.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Trincheiras e abrigos feitos de bidões vazios e troncos de palmeiras, protegendo edifício militar, talvez uma caserna de telhado de zinco.


Foto nº  7 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Caserna fortemente protegida por uma carreira de troncos de palmeira e bidões vazios, cheios de terra, cascas de ostras e cimento.


Foto nº 8 > Guiné > Região de Cacheu >São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 >  1968 > Posto de vigia dentro do arame farpado, composto por um esqueleto de troncos de madeira, acabando em cima com um pequeno cubículo, com bidões e troncos de palmeira como protecção, coberto com uma pequena estrutura de zinco, contra o sol e contra a chuva, algures num fim de tarde com o Sol a pôr-se a oeste.



Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue.



Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:  F037 – História e Imagens de São Domingos



I - Anotações e Introdução ao tema:


Pretende-se dar um contributo global a todo o Sector O1B – São Domingos, que esteve sob o comando e ordens do BCAÇ 1933, durante o período de 2 de Abril de 68 até 3 Agosto de 69.

Não houve qualquer intuito de meter esta ou aquela foto, foram apenas tiradas ao acaso dos grupos já organizados, em mais de 40 temas diferentes.

Cada um vai ser futuramente objecto de lançamento para edição do nosso Blogue.  A maioria dos dados técnicos e confidenciais, foram retirados da leitura do Livro,  ‘História da Unidade do Batalhão de Caçadores 1933’, cujo lema de estandarte era «O que fizermos vos dirá quem somos»

São apenas um pequeno Resumo daquilo que está escrito ao pormenor,  Ssendo uma parte Reservada e outra Confidencial.

A – História do Sector O1B - São Domingos:

Introdução:

O BCAÇ 1933 foi ocupar o Sector O1B na fronteira Norte, uma faixa de 120 por 15 km2 o que perfaz uma superfície aproximada de 1800 km2 para este sector, com uma configuração geral de quase rectangular, compreendida entre a fronteira Norte com O Senegal, a Sul com o Rio Cacheu, a Oeste com o Oceano Atlântico até Cabo Roxo, e a Leste por uma linha de povoações, designadamente ‘Faranjato-Quissir-Rio Cacheu’ .

1 - Dispositivo das NT:

Integram o sector sob o comando do BC1933 o seguinte dispositivo:

- Comando e CCS do BCAÇ 1933;

- CCaç1684, CCaç1801, CArt1744;

- CCAÇ2 – Africanos; Companhia de Milícias 24 - Africanas.

2 – História e movimentos:


O BC1933 vem substituir o Batalhão de Caçadores 1894.

- A 21 Março 68 chegada a SD do Comandante e Oficial Adjunto por via aérea;

- A 22 Março68 chegada a SD por via marítima, de mais 16 elementos da CCS, incluindo o Chefe do Conselho Administrativo e outros elementos para fazer a passagem de testemunho da Companhia que iria sair.

- A 26 Março68 a chegada do restante pessoal do batalhão, ficando em sobreposição até 2 de Abril com BC1894.

- A 2 Abril68, o BC1933 passou a comandar e tomar posse administrativa e militar de todo o sector O1B de São Domingos.

– Não existem no sector populações controladas pelo IN

- Contudo a partir do Senegal existem cerca de 12 linhas de infiltração no sector O1B

– O IN em Susana e SD actua mais com minas A/P e por vezes A/C

– Na zona Norte os principais locais de apoio do IN são ‘Ziguinchor e Samine’

– O IN tenta implantar-se no sector com acções sobre as populações, recrutando á força elementos para a guerrilha, implantando engenhos explosivos – minas, fazendo emboscadas às NT, destruindo pontes e outros meios de circulação

– O IN estava instalado em diversos Santuário no Senegal, com cerca de 350 guerrilheiros.

– O armamento estimado e que era utilizado pelo IN, era pesado e ligeiro, nomeadamente:

1 Canhão S/R ; 5 morteiros 82; 11 morteiros 60; 7 Bazookas (LGF); 10 Lança Roquetes;

10 Metralhadoras pesadas; 21 metralhadoras ligeiras; 20 armas ligeiras; Varias minas A/P

– Foi na zona deste sector, ainda inexistente - Varela-Susana-SD – que se iniciaram os primeiros ataques à Guine Portuguesa, sendo considerado o início da guerra de guerrilha.

- A fronteira Norte com o Senegal, é mais ou menos paralela ao Rio Casamança – Rio Cacheu

- O ambiente envolvente é de bolanha, mangais, lalas e campadas, conforme o tipo de vegetação, arborescente, savana, manchas florestais, árvores de grande porte e palmeiras.

3 – Rede hidrográfica:

No sector, a rede hidrográfica é constituída por rios que são navegáveis para canoas, em parte dos rios pode navegar-se com barcos de motor fora de borda, e nos principais pode ser navegado por barcos-lanchas tipo LDM e LDP:

4 – Os aeródromos ou pistas de aterragem no sector, existem:

- 1 Pista em Varela e Sedengal apenas para Avionetas DO - Dornier 27

- 1 Pista em Ingoré com 975 m

- 1 Pista em Susana com 1000 m

- 1 Pista em SD com 1200 m

Todas são em terra-batida, e na época das chuvas carecem de assistência constante para não ficarem inoperacionais. Nenhuma das pistas tem postos de reabastecimento de combustível

5 – Portos:

No que respeita a Portos, temos:

- 2 Em Susana, 1 em São Vicente que serve Ingoré, e outro em SD

6 - Povoações:

São referenciadas cerca de 50 povoações no sector com população indígena:

- Na zona de Susana, temos Varela, Igim, Jufunco, Elia e Susana, todas com mais de 500 hab

- Na zona de SD temos apenas a Vila de SD, como centro principal, sede de circunscrição, com 3 bairros, 1 serração, e com 5 casas comerciais- apenas reconheci uma em toda a estadia naquele local. A população é de 609 habitantes e grande parte deles trabalha na serração e a tropa é a principal fonte de receita.

Podemos referenciar também a povoação de Poilão de Leão, dada a sua relativa importância estratégica e com uma população de 337 hab.

- Na área de Ingoré, que é a localidade mais importante de todo o sector, tem muito comércio e óptimas condições de vida, com uma população de 2149 hab;

- Depois tem Antotinha, é um reordenamento com um total de 2307 hab

7 – População:

São habitantes que têm vivido quase sempre na zona - sector O1B, desde tempos remotos.

Não existe praticamente população europeia – branca – no sector, com algumas raríssimas excepções aos escassos comerciantes Libaneses à procura do lucro, e missionários.

Nem mesmo os guardas administrativos são de origem europeia.


8 – Grupos étnicos:

- As etnias predominantes no sector são: Felupes, Baiotes, Manjacos, Banhuns, Mancanhas, Caboianas, Cassangas, Balantas, Mandingas e Fulas.

- Em SD podemos ver os Felupes, Baiotes, Manjacos os mais relevantes, e Mancanhas e Banhuns

9 – Modos de vida:

Tota a população do sector se dedica à lavoura, em especial na época das chuvas. Na época seca, podem dedicar-se à caça, pesca, furar palmeiras e recolha de chabéu.

Em SD trabalha muita gente na serração.

Os jovens deslocam-se para a Gâmbia e Senegal ou para centros maiores tais como Susana, SD, Ingoré à procura de trabalho.

Todos gostam de trabalhar para a tropa, mas o que mais desejam é ingressar na Milícia.

10 – Línguas e dialectos:

São falados os dialectos, Felupe, Baiote, Papel, Manjaco, Mancanha, Banhum, Caboiana, Balanta, Fula, Mandinga e Cassanga.

As mais faladas são a língua Balanta, Felupe-baiote e de menor importância as restantes.

Também é falada entre eles, num reduzido número, o crioulo.

O Português é falado por grande número dos mais jovens, de todas as etnias.

11 – Religiões:

A população do sector é quase toda Animista – Não sei o que significa animista!

Existe um pequeno número islamizado e um pequeno número de católicos.

Podemos dizer que existem no sector, cerca de 20.000 animistas, 500 islamitas, 70 católicos.

12 – Aspecto económico:

A população do sector dedica-se quase exclusivamente, à colheita e produção dos recursos indispensáveis à sua subsistência. O Coconote e a mancara vendem para exportação.

Cultivam para consumo próprio o arroz de bolanha e sequeiro, o óleo e o vinho de palma.

Na área de SD existe gado bovino que só com parcimónia pode ser utilizado na alimentação das tropas, dado que os nativos são renitentes à sua venda.

O mesmo quanto a gado caprino, aves de capoeira e ovos, sendo notória sua escassez.

A pesca é utilizada para consumo próprio e apesar da sua abundância não é prática corrente dos nativos a pesca para efeitos comerciais.

Embora existam pomares, só por acaso as NT consomem bananas, laranjas, limões, papaia ou ananás.

Não existem, praticamente, produtos hortícolas, para além daqueles que são cultivados pelas NT junto dos Aquartelamentos.

B – Aspectos da localidade de São Domingos:

SÃO DOMINGOS – "FORTE ÁLAMO" DA GUINÉ.

Legendas e Anotações Gerais:

Conforme já se referiu podemos notar que a Vila de São Domingos poderia até ser chamada de um pequeno ‘Campo de Concentração’, dado a sua área minúscula, o cerco de arame farpado e minado a toda a volta, e a reduzida falta de qualquer coisa que fazer que não seja esperar que o IN ataque. A diferença é que estamos comandados pelos nossos oficiais superiores das NT e não pelo IN.

Mas vou colar a imagem que já foi dada a este aquartelamento, por outro Poste da Companhia de Intervenção nos anos de 67/69, a CART1744 do Capitão Serrão. Foi quase comparada a um Forte do Faroeste Americano, pelas suas paliçadas em troncos de palmeira, os abrigos também de palmeira e bidões com cascas de ostras e terra, foi então que me lembrei das Histórias de Forte Álamo, no Novo México. Esta ideia cai melhor do que campo de concentração, que cheira mais a nazis e extermínio de povos.

Vou apresentar para edição algumas – 59 fotos - das centenas de imagens que tenho em arquivo de São Domingos, onde cumpri a minha missão entre final de Março 68 até ao fim da comissão, Agosto de 69. São portanto 16 meses no mesmo cenário, um pequeno perímetro de meia dúzia de quilómetros quadrados, feitas as contas acho que tem 3,3 km2, cercado a arame farpado, duas fileiras, armadilhado a toda a volta, com alguns postos de vigia e observação.

Era um local importante noutros tempos, agora dotado de Administrador civil, constituindo a Circunscrição de São Domingos. Habitado por população Felupe e outras etnias. Era limitado a Norte com a República do Senegal, a Leste com a Guiné Conacri, a Oeste a estrada que conduzia a Susana, Varela e Oceano Atlântico, a Sul o Rio São Domingos, um pequeno afluente do grande Rio Cacheu, a porta mais importante de saída daquele local.

Uma povoação sem nenhuma actividade comercial, existia uma pequena serração de madeiras perto da foz do rio, uma casa de comes e bebes, que era um pequeno tasco que servia alguns caranguejos, camarão ou ostras, e umas cervejas, normalmente não geladas, e nada mais. Não existia uma única casa comercial, nem qualquer população branca, que eu tivesse visto, e conhecia bem todo aquele pequeno espaço.

No centro da vila existia um largo, e em frente à casa do administrador civil, tínhamos então o Mastro onde se erguia e arreava a bandeira nacional, uma pequena avenida de terra com separador central, feita já no tempo do nosso batalhão, e mais tarde com meia dúzia de lâmpadas fluorescentes – e que passamos a designar por Avenida das Luzes Fluorescentes.

A população vivia fora do perímetro militar, mas eram protegidas e apoiadas pelas nossas tropas. Fazia parte da guarnição, a Companhia de Comando e Serviços, uma Companhia de Intervenção, neste caso a Companhia de Artilharia 1744, comandada pelo Capitão Serrão, que ocupava uns pavilhões a Norte, colados ao Centro de Comando.

Tinha uma pista de terra batida com 1200 metros, e um pequeno cubículo coberto que fazia de posto de vigia e de entrada e saída de passageiros. Apenas os aviões Dakota de 2 motores se faziam à pista, estando operacional, as Avionetas DO, os Heli Alouette III, e bombardeiros T6.

13 - A área da povoação de SD onde está localizado o Comando do Sector, é um pequeno núcleo com uma extensão em comprimento, desde o fim da pista até ao cais do Rio SD, de 2200m, com uma extensão lateral de cerca de 1500 m no máximo, o que dá uma área total disponível de não mais do que 3 a 3,3 km2. Isto é mais ou menos um pequeno Campo de Concentração, rodeado de arame farpado. É uma área semelhante a pouco mais do que a Avenida dos Aliados no Porto.

14 - Tem duas vias de entrada e saída por via terrestre – minadas – até Susana ou Ingoré;

Mais uma entrada e saída por via aérea com uma pista de 1200 metros, acessível a Dakota.

Mais uma entrada ou saída pelo Rio SD em direcção ao Rio Cacheu ou até Bissau, Atlântico.

15 – Dispositivo existente na sede do sector em SD:

- Comando e CCS;

- CART 1744;

- Pelotão de Milícias 173 da CM 24;

- Pelotão de Milícias 177 da CM24.


16 – Armamento existente no sector

Não é referido na História da Unidade o armamento e meios de combate das NT, nem no sector nem nos vários aquartelamentos.

Posso notar por conhecimento pessoal aproximado dos seguintes meios existentes em SD:

- Arma automática G3 para toda a tropa, incluindo africana e milícias;

- Pistolas pessoais para oficiais superiores e para o oficial de dia;

- Metralhadoras pesadas em abrigos próprios, talvez umas 10 unidades;

- Morteiros 81 instalados em poços próprios [, "espaldões"], talvez 6 unidades;

- Morteiros 60, localizados em poços ou para operações no exterior, talvez uns 20;

- Metralhadoras ligeiras, tipo MG42 de fita {iu HK 21 ?], uma para cada pelotão, talvez 30;

- Bazookas, uma para cada pelotão, talvez umas 30 também, ou mais

- Lança Roquetes [, 3,7 mm], também umas 30 unidades

Não existem carros blindados, Fox, Chaimite, nada. Mas havia uma ou duas Daimler, porque tenho uma foto junto duma com o nome de Luísa

Não existe canhão, com ou sem Recuo. Não existe nenhuma peça de artilharia pesada tipo Obus

Existem meios de transporte escassos, alguns Jipes, Unimogues, GMC, Mercedes, para transporte de mercadorias e pessoal do cais ou das aeronaves, tudo em estado de grande degradação, e falta de manutenção.

A NT raramente sai para operações em viaturas, devido à inexistência de estradas utilizáveis.


C - Fotos do tema T037 – Imagens de São Domingos – «Forte Álamo da Guiné».


Legendas e numeradas de f1 a f8 (de um total de 59)

F1 – Mais uma vez apresenta-se aqui a vergonha das nossas vidas. ‘O rancho dos pobres’. Eram miúdos indígenas, que vinham nos fins das refeições, com as suas latas, à procura dos restos do rancho ou das messes para comerem, eles e famílias. Depois de levarem para as suas palhotas, voltavam novamente para levar o máximo possível. Isto chocava-me muito, mas nada poderia fazer, a não ser facilitar estas operações, a sopa dos pobres. São Domingos 1968.

F2 – Companhia perfilada para a entrada no refeitório geral das praças. Era uma norma usual para que houvesse disciplina e a contagem dos números de comensais. SD1969.

F3 – Trata-se do dia do Batalhão, que foi celebrado em 27 de Setembro de 1968, um ano depois da partida do paquete Timor com as tropas. Foi a única celebração. A cerimónia constou de várias iniciativas que estão contadas e fotos captadas noutro tema que vai ser inserido na sua devida altura. SD27Set68.

F4 – Grupo especial numa ronda de rotina ao aquartelamento, composto por uma secção com 12 homens, e agora comandada por um Alferes ‘especial’. Todos os elementos eram da CCS do Batalhão, sem qualquer formação para este tipo de operações de rotina. SD1968.

F5 – Trincheiras a céu aberto, com várias saídas, abertas na terra vermelha protegidas com algumas palmeiras e em direcção ao Posto de Vigia das sentinelas. SD1968.

F6 – Trincheiras e abrigos feitos de bidões vazios e troncos de palmeiras, protegendo edifício militar, talvez uma caserna de telhado de zinco. SD em meados de 1968.

F7 – Caserna fortemente protegida por uma carreira de troncos de palmeira e bidões vazios, cheios de terra, ostras e cimento. SD em meados de 1968.

F8 – Posto de vigia dentro do arame farpado, composto por um esqueleto de troncos de madeira, acabando em cima com um pequeno cubículo, com bidões e troncos de palmeira como protecção, coberto com uma pequena estrutura de zinco, contra o sol e contra a chuva, algures num fim de tarde com o Sol a pôr-se a oeste. SD 1968.

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18734: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXV: Como se faz um alferes milicinao do Serviço de Administração Militar (III)