domingo, 24 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19617: Tabanca da Linha (2): 42º almoço-convívio, Algés, 21/3/2019: alguns dos melhores 'apanhados' pela objetiva do grande fotógrafo Manuel Resende (Parte I)


Raul Folques  (Murtal, Parede / Cascais)


Maria Irene (Lisboa)


Maria Irene e Virgínio Briote (Lisboa)


Jorge Araújo (Almada)


Manuel Joaquim ( Agualva-Cacém / Sintra)


Joaquim  Nunes  Sequeira (Colares / Sintra)


Mário Santos (Olhão)


Jorge Pinto (Massamá / Sintra)


Joaquim Grilo (Algés / Oeiras)


Miguel Rocha ( Linda-A-Velha / Oeiras)


Manuel Macias (Linda-A-Velha / Oeiras)



 Adolfo Cruz (Algés / Oeiras)



António Joaquim Alves (Carregado / Alenquer)



José Jesus (Trajouce / Cascais)



Francisco Palma  (Estoril / Cascais)




António Duque Marques (Amadora)



Jorge Canhão (Setúbal, ex-Oeirss)



Oeiras >Algés > Restaurante Caravela de Ouro > Tabanca da Linha > 42º Almoço-convívio > 21 de março de 2019 >  Alguns dos 'apanhados'

Fotos (e legendas): © Manuel Resende  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso camarada Manuel Resende não é apenas o régulo da Magnífica Tabanca da Linha, por direito sucessório... 

A morte do Jorge Rosales criou um vazio... E como o poder tem horror ao vazio, logo o régulo adjunto se perfilou para suceder ao "comandante" (como ele era carinhosamente  tratado, o Jorge Rosales)... 

Não houve tempo de reunir o conselho dos homens grandes da Tabanca da Linha... O Manuel Resende, sempre discreto, tem dado tantas e tão boas provas, como adjunto ou secretário, que os "Magníficos" logo decidiram, por unanimidade e aclamação, sentá-lo na "turpeça" da Magnífica Tabanca da Linha...

O Manuel Resende, entre muitos outros méritos e talentos, é um grande fotógrafo... É ele que faz a cobertura fotográfico dos eventos da Tabanca da Linha.... Ninguém como ele sabe "apanhar em flagrante" os Magníficos, antes do início das hostilidades gastronómicas...

Desta vez, estava tudo bom, e foi bem servido, os comes e os bebes... Parabéns à gerência do restaurante "Caravela de Ouro". No 42º almoço-convívio, que se realizou na passada 5ª feira, dia 21 de março, estavam presentes mais de meia centena de "Mangíficos" (e apenas duas "Magníficas", a esposas do Virgínio Briote e do Zé Carioca). Destaque para o camarada Raul Folques, que começou a aparecer na Tabanca da LInha, e a quem o nosso editor Luís Graça reiterou o convite para integrar também a Tabanca Grande. Por sua vez, ele ele teve palavras de grande apreço pelo trabalho realizado pelo nosso blogue. (Tem 12 referências no nosso blogue.)

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2. A propósito o Mário Santos, que é membro da Tabanca Grande, escreveu o seguinte na página do Facebook da Tabanca da Linha, com data de 22 do corrente:


O nosso muito obrigado ao Manuel Resende pela esplêndida organização do convívio do dia 21/03/2019. 

Como já é hábito, decorreu sem falhas, e num ambiente cordial entre amigos de longa data. Desta vez, fomos brindados com uma reportagem fotográfica individual de alto gabarito. 

Parabéns a todos os que compareceram, uma saudação especial aos ausentes e um grande abraço a todos...até Maio!!!

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Guiné 61/74 - P19616: Parabéns a você (1591): Braima Djaura, ex-Soldadado Condutor da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2019 > Guiné 61/74 - P19609: Parabéns a você (1590): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

sábado, 23 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
O que é bom tem a sua duração limitada, cumprira-se um tanto à risca um programa previamente negociado para rever recordações perduráveis e conhecer mais a preceito algumas regiões da Holanda do Sul, assim se foi a Amesterdão e Haia e a Leiden, se saborearam as panorâmicas das estradas secundárias e se andou nas fimbrias do Mar do Norte.
E, como já se mostrou, andou-se por museus excecionais, daqueles que apetece repetir, tão depressa quanto possível. Tudo começou com um telefonema a incitar a visita, lá naquele lado de um braço do Reno, encontrou-se uma viagem low cost, de Bruxelas andou-se de comboio e autocarro até ao destino, agora faz-se a viagem em sentido contrário, felizmente que o viandante tem amigos que o aboletam na chamada capital da Europa, onde ele se sente tão bem. É por isso que a próxima viagem vai começar na gare central de Bruxelas, a seu tempo visitará Namur, foi quase uma visita de médico, deu para matar saudades e dizer até breve, como adiante se verá.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (17)

Beja Santos

A visita está prestes a acabar, hoje vai deambular-se por canais, pólderes, zonas de horto, o viandante quer cheirar as flores da estação; e vamos a Katwijk, um município também na Holanda do Sul, move a curiosidade de ver uma praia no Mar do Norte, em pleno verão. As imagens são concludentes.



Antes de chegar à praia, percorre-se uma longa passadeira entre dunas, por aqui se posicionam esculturas que seguramente têm a ver com os hábitos da terra, aqui predomina a pesca, e aqui viveu Spinoza, um filósofo que trouxe uma visão radical sobre o mundo e sobre Deus.





O sol era esparso, vinha e partia, havia umas réstias de calor, suficientes para entusiasmar aqueles veraneantes que se resguardam nestas curiosas barracas, pois aqui o vento não perdoa.


Havia referência explícita a este bairro de pescadores de Katwijk, foi um prazer andar por aqui, era o fim de estação, Katwijk já estava a meio gás mas com muito comércio aberto, voltados para o mar, viandante e companha saborearam um fish and chips muito à inglesa, com uma saborosa cerveja Pilsen. E de seguida, foram à procura de plantas odoríferas.





Que paleta de cores! Na primeira imagem é uma hortênsia especial, a hortênsia Annabelle, que floco de neve, ao princípio o viandante lembrou-se das hortênsias açorianas, mas não é bem assim, esta é a Annabelle, é cá do sítio; depois temos dálias e verónica, em primeiro plano; e nas duas últimas imagens temos primeiro begónias de todas as cores e feitios e por último begónias com lobélias, havia um perfume especial no ar, era um horto muito cuidado, não faltava a preocupação de manter o ar borrifado naquela estranha época de secura. E meteram-se vários vasos no carro, já se disse que o holandês não vive só cercado de tulipas, gosta de flores de todas as condições.


Nesta sala se comia e conversava, por aqui se pavoneava um gato ronronante, muito amigo de certos restos de comida. Uma sala com vista para pólderes. Quem aqui vive trabalhou no Congo, mais propriamente em Kinshasa, trouxe muita estatueta que ali nos observa. E, como se vê, é impensável uma mesa não ter flores.


É a despedida, daqui se regressa a Gouda, depois Roterdão e depois a gare central de Bruxelas. Aqui acaba a viagem na Holanda, em Alphen aan den Rijn, nunca, em circunstância alguma, o viandante pensara ir viver uma semana junto de um braço do Reno. Para sua felicidade, assim aconteceu, como ficou contado.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19593: Os nossos seres, saberes e lazeres (312): Viagem à Holanda acima das águas (16) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19614: A galeria dos meus heróis (25): E na hora da nossa morte, ámen! (Luís Graça)


Luís Graça, CCAÇ 12,  CIM Contuboel, julho de 1969
A galeria dos meus heróis> E na hora da nossa morte, ámen!


por Luís Graça







"O meu país é o que o mar não quer"

(Ruy Belo, 1973)




1. Porra, meu irmão, meu herói, estou no teu velório!... Nunca me preparei, em vida, para este momento, para este papel!... Estou destroçado!... Desta vez, a gaja, a “gaidja”, como tu lhe chamavas, a puta da gadanha da morte, trocou-te as voltas... Tanto a fintaste, na guerra, e foi ela agora que te pregou a rasteira em tempo de paz!... O xeque-mate, a última emboscada!...

Bem podia ser eu a estar aí esticado que nem um carapau seco, de botas altas,  já gastas, cambadas,  engraxadas para a ocasião!... A cerimónia fúnebre, a tua última parada, a tua última formatura!... As mãos em oração, elevadas ao céu qual estátua jacente!... 


Os gatos pingados sabem do seu ofício. Vestiram-te a farda nº 1, já muito puída do uso e dos anos, com os amarelos dos galões de coronel desbotados... A cruz de guerra ao peito e as tuas demais condecorações de uma vida dedicada à tropa. E até a espada, não se esqueceram da tua espada de defensor da Nação.


Tu, que noutra encarnação só poderias ter sido um cavaleiro andante, um condestável, um bravo e fero guerreiro do Império!... (Desculpa a ironia, bem sabes que tu e eu nem sempre líamos as coisas pela mesma cartilha...)

Porra, meu irmão, meu amigo, meu companheiro, meu camarada... Chegou a tua vez, como chegará a minha.  Cedo de mais, pelo menos a avaliar pelas estatísticas da morte em Portugal. Ou talvez não, matematicamente falando, se calhar já tinha chegado a tua hora, o teu dia, o teu mês, o teu ano. Não importa, para quem te amava, a morte bateu cedo demais à tua porta!

E, no entanto, era uma morte anunciada, diz a tua viúva alegre, encolhendo os ombros, conformada, e limpando uma lágrima furtiva, quiçá hipócrita.(Mas quem sou eu para julgá-la?!) 

O teu médico oncologista, esse, não te escondeu (nem podia esconder) a verdade... “nua e crua”!... Porque um homem tem o direito de despedir-se da vida e de morrer em paz com a vida, com os outros e com Deus, sentenciou o capelão militar quando já estavas nos cuidados paliativos, no terminal da morte... 

Que atroz ironia, que insulto, como se a gente soubesse como isso se faz!... Isso, de um gajo despedir-se da vida. Como se nos tivessem ensinado, na família, na escola, na catequese, na igreja, no seminário, na Academia Militar, na tropa, na guerra…, a arte de bem morrer!... Ensinaram-te, isso sim, a andar a cavalo em toda a sela...

Também lá andei, na guerra,  mas nunca pensei na minha própria morte, mesmo vendo a morte, ali tão pertinho, a meu lado. Aos vinte anos, em qualquer guerra, não há combatente que não tenha desenvolvido um forte sentimento de imortalidade... Terrível ilusão!...É por isso que há heróis!... E soldados desconhecidos, mortos aos milhares, nas trincheiras das Grandes Guerras...


2. Imagina, pediram-me para te fazer o teu elogio fúnebre, amanhã, na igreja, na missa de corpo presente, mas eu não sei se serei capaz de dizer duas coisas a teu respeito, que valha a pena dizer, em público, e que não sejam meras palavras de circunstância... Invade-me a angústia, o pânico... Não quero dececionar-te, muitos menos aos teus filhos e netos, aos teus amigos, aos teus camaradas, que eu não conheço ou conheço mal... Sobretudo não me peças para repetir essa grandessíssima mentira, com que te formataram, a de que “é doce morrer pela Pátria!”… A tua Pátria, a minha Pátria, a nossa Pátria ? Qual delas, afinal ? Fico confuso...

E depois, meu mano, ao fim e ao cabo, o que é que eu sei de ti ?... Não sei se fostes um bom amante, um bom homem, um bom pai, um bom cidadão ou até mesmo um bom militar. Sei que fostes um bom irmão, um bom amigo. E que até nem eras mau cavaleiro, ainda ganhaste uns concursos de equitação quando eras novo e não havia guerra... E talvez isso me baste, ou deveria bastar-me: foste um homem bom. É o mínimo que eu poderia dizer de ti. É o mínimo que se pode dizer de qualquer gajo minimamente decente.


3. Porra, poderia estar eu no teu lugar. E no meu íntimo regozijo-me por estar vivo... Ou a
inda vivo, aos setenta!... Podia lá ter ficado, na Guiné, morto por uma roquetada ou uma mina. Pergunto-me: quantos anos ainda me restam ?... 

Quando olho para ti, ou para o que ainda sobra de ti, aí deitado na urna aberta, no teu esquife, arrepio-me… O raio da morte não tem pudor… E exala um cheiro tão forte, a cabra, que afugenta os vivos... Daí as flores, as coroas de flores, e as ervas aromáticas com que a gente a tenta esconjurar, afugentar, enganar, porventura engalanar... 

Os guineenses, animistas, no meu tempo, faziam o "tchoro", comiam, bebiam, dançavam, choravam e homenageavam o morto... A nossa Igreja, na morte,  apodera-se de nós, do nosso cadáver, e incita-nos, aos vivos,  ao arrependimento, ao nojo, ao jejum e à abstinência, à secura de sentimentos e emoções... Que este é um vale de lágrimas, que a vida é uma passagem,  que estamos em trânsito, mas que no fim teremos, os justos, a eterna recompensa da glória de Deus, de nos podermos sentar à sua direita... Repara: nunca à sua esquerda...

É verdade, és o “mano velho”, o “morgado”, e eu sou o “caçula” da família, como tu me chamavas, quando vieste de Angola, lembras-te ?… Uma década nos separa, mas podíamos ser irmãos gémeos, sempre o disseste ou o desejaste…

Porra, não morreste de pé, de espada em riste, a defender o "quadrado", como os nossos gloriosos antepassados, nas ditas guerras de pacificação do Império, agarrados à bandeira das quinas, branca e azul, no caso do tio-bisavô António, em Chaimite, em Moçambique, e já a verde-rubra, no caso tio-avô José, no Cunene, em Angola…

Claro que tinhas de seguir a carreira das armas, estava inscrito no teu ADN, numa família de nobres tradições como a nossa, mas arruinada, que deu alguns bravos soldados à Pátria… Desde 1640, habituámo-nos a viver "do soldo e do saque", como ironizava o nosso avô materno, Francisco, professor primário, antimilitarista, republicano dos quatro costados,  que casou, contrariado, a filha numa família monárquica (e muito pouco liberal)… Mas o amor falou bem mais alto, o que era raríssimo naquele tempo, em que os casamentos eram de conveniência... A nossa mãe foi uma santa, uma heroína... Enfim, não dávamos apenas soldados, a verdade seja dita: demos também padres, missionários, administradores, mestres-escola e, seguramente, freiras e frades, pelo menos até 1834…

4. Porra, mano, não sei se foste um bom cristão. Não pesei o teu saco de pecados, nem sei se os pecados têm peso… Mataste ? Nunca falámos disso, mas talvez tenhas matado na guerra, onde andámos os dois, cada um para seu lado, e com motivações bem diferentes… De resto, não se ganha uma cruz de guerra sem matar um ou mais inimigos, uma boa dúzia deles, no mínimo…

Torturaste ? Roubaste ? Desejaste a mulher do próximo ? Cometeste adultério ? Evocaste o santo nome de Deus em vão ? Adoraste o bezerro de ouro ?... Não sou juiz, muito menos o do Juizo Final… Mas não vou pôr as mãos no fogo por ti, no que diz respeito aos pecados mortais... E já nem sequer me lembro de quantos eram, os que nos ensinaram na catequese. Eu, dantes, sabia isso tudo na ponta da língua, a começar pelos dez mandamentos da lei de Deus... 

Porra, mano querido, olho para o teu cadáver, ponho a mão na tua testa, gelada como o granito da nossa casa, e causas-me horror e dó: o que fazem a um gajo depois de morto!... Mas, que importa?!, se amanhã, ao meio-dia, vais parar ao crematório. E tudo acaba lá, a mais de 900 graus centígrados. Ou talvez não, para nós que fomos ou ainda somos cristãos... Os gatos pingados, esses,  entregam um pote com as tuas cinzas à  viúva, tiram as luvas das mãos, tomam um banho, voltam a vestir o fato e a gravata, e metem-se no carro a caminho do aconchego do lar, doce lar… 


E a tua gaja, a viúva alegre, essa, ainda vai gozar metade da tua pensão de reforma de herói nacional, com um marmanjo qualquer que ela há-de conhecer no Facebook ou no ginásio onde faz Pilates e olhinhos sofridos de Barbie, a pestanejar de rimel, aos putos de vinte anos, cheios de testosterona…

5. Mas o que estás para aí a rosnar entre dentes ? Oiço já mal, mas mesmo assim sou capaz de reconstituir o teu pensamento, a tua voz, cavernosa, que vem, senão das profundezas do Inferno, pelo menos do outro lado do rio  que acabas de atravessar, na  barca de Caronte…

“Meu sacana!, desta vez passaste-me a perna!... Não pediste a bênção ao mano velho, como te ensinaram os nossos pais. Foste um cobardolas de merda, podias ter sido solidário comigo... Podíamos ter feito a nossa viagem juntos, sempre era menos penosa. Iríamos empoleirados, divertidos, na minha Chaimite, a cantar as canções da nossa alegre infância que eu te ensinei... Sempre tínhamos as férias grandes para estarmos juntos, na nossa quinta, apesar da diferença de idades!... Essa seria a tua derradeira (e verdadeira) prova de fraternidade, de amor e de amizade!... Mas não tenho esse direito, o de te pedir o supremo sacrifício da vida, nem que fôssemos irmãos gémeos verdadeiros!... Espero que ainda tenhas, ao menos, uma longa vida para te poderes ir lembrando, de quando em vez,  com saudade, deste teu pobre amigo, mano e mentor”…


E como vais querer ser lembrado ? Como um herói?!

“Sim, justamente como um herói. Lembras-te como tu me dizias ?!... Sempre tiveste a mania de recorrer à mitologia grega, com referências eruditas, chatas p'ra burro, para um gajo como eu que era de cavalaria, e que nunca gostei de estudar: ‘Meu herói, mais do que um homem, menos do que um deus’... Sempre me chamaste 'meu herói’... E eu até gostava, confesso, mas sem nunca te levar a sério. Quero, por isso, que te lembres de mim como um herói. Sempre gostei da tua definição de herói, mais do que homem, menos do que deus...”

Seja, então, feita a tua última vontade, grande cavaleiro!

“Podia ter morrido pela Pátria!?... Com Honra e Glória!... Mas, não, acabei por ser um burocrata da tropa, no fim da carreira, num daqueles serviços do Exército que ninguém quer chefiar"...

Deixa-te de tretas, tivemos muitas discussões em vida, sobre isso. E sobre o teu militarismo. Sempre foste um bocado militarista. Que tu tenhas recebido a cruz de guerra, tudo bem. E foi bem merecida. Felizmente que não foi a título póstumo... Estou a ser egoísta, desculpa lá, queria eu dizer: não fiquei, assim, privado de conviver contigo, mais estes quarenta e tal anos...


6. “É doce morrer pela Pátria”: ensinaram-me na Academia Militar, uma escola de valores e virtudes que tu nunca tiveste o privilégio de conhecer… E, se bem me lembro, onde nunca me foste ver, a não ser no juramento de bandeira, com os pais. Sem esquecer o Colégio Militar, de que guardo as melhores recordações e onde fiz amigos para a vida. Chamas a isto militarismo ?”

Não, aí já não te acompanho, nem nunca te acompanhei. Bem sabes que nunca tive jeito para a tropa, como tu e os nossos antepassados. E fiquei com fobia aos internatos. Fiz o que tinha a fazer, como português e cidadão, que foi o serviço militar obrigatório. Honrei a palavra dada ao nosso pai... Não fugi. E fui "infante", tropa-macaca, como a gente dizia na Guiné... Já tu tinhas dado uma volta pelo Índico, em 1958, quando eu entrei para o Seminário… E mal sabias tu que a Pátria te voltaria a chamar, desta vez, para Angola, três ou quatro anos depois... Sempre receei ter que ir a Lisboa, com os pais, ao 10 de junho, para receber uma qualquer cruz de guerra tua, a título póstumo... Tinha esses pesadelos...

“A nossa querida e saudosa mãe queria que eu fosse para padre, contrariando o avô que era anticlerical, como sabes... E o nosso pai, esse, queria que eu seguisse a tradição da família… Acabei por ir para o Colégio Militar e entrar na Academia, graças aos pergaminhos da nossa casa e à nobreza da nossa linhagem… Mas sei que o nosso pai, que Deus lá tem, teve de fazer das tripas coração. Vivíamos acima das nossas possibilidades, com as míseras rendas dos caseiros e os roubos do feitor... Mais uma vez, valeu-nos a cunha do nosso primo general, que foi sempre um grande e leal amigo da família...” 


O seminário sempre era mais barato. Ir para Lisboa era um pesado encargo para a família. E a nossa mãe, com a sua intuição, o seu sexto sentido, parece que estava a adivinhar que os tempos que aí vinham, não eram propriamente cor de rosa...

Sobrou para mim, que acabei por ir para Montariol, em Braga... Já que tinha um filho oficial do Exército, um garboso oficial e cavalheiro, faltava-lhe, à nossa mãe, um missionário, barbudo, de sotaina branca, para dilatar a fé e o império. Mas eu cedo percebi que os votos de pobreza, obediência e castidade eram um fardo demasiado pesado para um jovem que não tinha cometido nenhum crime lesa-família ou lesa-pátria,  só queria afinal viver, e viver a vida do seu tempo… E que tempos, esses, os dos anos 60, meu irmão!

Fui aguentando, à custa de muitos sacrifícios pessoais e muito cinismo à mistura, só para não dar um desgosto à nossa mãezinha... Quando ela morreu, precocemente, ainda tão jovem, tão cedo e tão linda, eu estava no 10º ano, no Seminário da Luz, em terra de mouros... Há muito que tinha perdido a vocação ou percebido que não tinha vocação para missionário franciscano desterrado para Angola, Guiné ou Moçambique... 


Voltei ao Norte. Mal tive tempo de respirar o ar livre da noite do Porto (que na altura era uma chungaria), chamaram-me para a tropa e, de seguida, meteram-me num barco, misto de carga e passageiros, direitinho à Guiné.

“Estava eu em Moçambique, fui lá que me cobri de honra e glória , e ganhei esta cruz de guerra que ostento, com orgulho, ao peito”…

Aos 32 anos!... E eu com 22!… Em boa verdade, não tive infância, nem adolescência nem juventude... Tal como tu… Envelheci, pelo menos uma década, no seminário, na tropa, na guerra... 


Quando voltei da Guiné, fui à procura do tempo perdido... Andei na noite, na má vida, com más companhias, desperdiçando o resto dos meus verdes anos, dando cabo do fígado e arriscando a saúde... Felizmente, ainda não havia, nesse tempo, o VIH/Sida... Ou estava em incubação... 

À beira do abismo, na 23ª hora, conheci a Manela, que me levou, de novo,  para o caminho do bem... Estamos casados há 40 anos. Foi o segundo anjo que conheci na vida, depois da enfermeira paraquedista que me levou para o hospital militar de Bissau, e me salvou do inferno de...


7. Ai!, porra, já não me lembro do raio do sítio onde apanhei uma mina anticarro que matou uma meia dúzia dos nossos… Bula ou Buba ou Binta ou coisa parecida ?... Peço-te desculpa pela branca...  Como não me lembro também do nome desse anjo que veio do céu, para me salvar. Imperdoável!... A minha memória já não é o que era... Ainda gostava de a conhecer, a essa enfermeira paraquedista,  se por acaso ainda for viva, como espero... 

Acabou-se a guerra, para mim, nesse dia. E lá percorri as estações do calvário: Hospital Militar, em Bissau, Hospital Militar Principal, na Estrela, depois o Centro de Reabilitação de Alcoitão... E ainda tive que ir à Alemanha, ao Hospital Militar de Hamburgo... Muitos meses em tratamento e recuperação, uma prótese no calcanhar, enfim, foram as medalhas que eu trouxe da Guiné... E tenho uma pensão de merda como Deficiente das Forças Armadas.

Nunca ninguém me foi visitar, nem sequer as senhoras do Movimento Nacional Feminino... E muito menos o meu pai, o que eu entendo e até perdoo: Vila Nova de Cerveira ficava longe da capital e o pai, não sei se te lembras, já estava doente... A nossa mãe, essa, já tinha partido para a beira de Deus Pai.  

“Tiveste azar, irmãozinho… Os manos do meio, esses, lá se foram desenrascando, pior ou melhor. O António foi 'a salto' para França, para grande desgosto dos pais, era refratário e tornou-se um comuna de merda… O Jorge, depois do magistério primário, livrou-se da tropa, com um grande cunha de um médico militar do Porto; a mana essa, lá casou, tarde, com um chefe de finanças de Braga”…

Sabes ?!, nunca te contei isto!... Aos dez anos quis ficar órfão e depois morrer, quando fui para o Seminário de Montariol. É monstruoso, tenho que o admitir: desejei a morte dos nossos pais!... Eles, coitados, já não estão cá, e espero que não me oiçam... Mas, se me estão a ouvir, que me perdoem!... Agora, eu não sei é se Deus me vai perdoar. Nunca contei o segredo, nem sequer ao meu confessor nem ao meu diretor espiritual... Estou-te a contá-lo, pela primeira vez, e sei que me vais entender e perdoar....


"Achas que é normal um puto querer morrer na flor da idade ? Ou sentir um secreto prazer em imaginar-se órfão de pai e mãe ?... Eras um monstrozinho!"... 

Sim, quis matá-los!... Sentia-me só, abandonado, terrivelmente só, perante Deus Todo Poderoso… Para trás de mim, e cada vez mais distante, ficava o mundo… Um a um via desaparecer, por detrás de um vidro espesso, os rostos que me eram familiares e queridos, os dos meus pais, irmãos, tios, primos, mas também os dos meus amigos e colegas de escola…

“Também passei por esse choque, essa angústia, a da separação, quando fui para o Colégio Militar, lá longe, na capital do império… Passava da nossa casinha, da nossa quinta, da nossa querida família extensa, onde conviviam três gerações, para um casarão, uma instituição castrense dominada por seres poderosos, prepotentes... Tive medo, sobrevivi às praxes, enfim, sabes como era naquele tempo... Mas nunca me passou pela cabeça essas ideias malucas de suicídio ou de orfandade... Sempre foste, afinal,  um puto mimado, sobretudo pela mãe e pelo avô Francisco que te queria fazer doutor de letras!"...


Em boa verdade, eu sentia-me abandonado por todos, e até por ti, que eras o meu herói, o meu ídolo, o meu anjo da guarda!...


“Não te podia valer, por muito que o quisesse!... No início do último trimestre de 1958, eu já estava na Índia como alferes... Uma eternidade para lá chegar, seguimos o caminho de Vasco da Gama, deixámos tropa e material em Angola e em Moçambique…”

E tu, meu sacana ?!... Sempre foste um mulherengo, um gajo fraco com as mulheres, como eu mais tarde vim a descobrir!...Na altura, fiquei chocado e dececionado contigo, que eras o meu ídolo, quando te apanhei, nu em pelota, no espigueiro, montado na filha de um dos nossos caseiros... 'Boa como o milho', rías-te tu, meu safado... Armado em pinga-amor, um rabo de saias, caíste mais do que uma vez como a mosca no vinagre… 


"Eh!, nada de aldrabices, essa era a Joaquina das Bouças, ficámos até bons amigos. Estamos quites, tratei-lhe do passaporte e paguei-lhe a passagem de comboio para França, lá casou com um mouro, um gajo do Sul..." 

Abelhudo, era o que tu eras!... Sempre atrás do mel, sem te importares com os sarilhos de saias que arranjavas e as aflições   que causavas à nossa pobre mãezinha... Ficas a saber que não posso com a gaja que te caçou há 15 anos, no carnaval do Rio de Janeiro... Nem sei que idade tem, a 'coronela', muito mais nova do que tu!... Deve ter a idade dos teus filhos mais velhos, os do teu primeiro e trágico casamento, e que eu mal conheço. Felizmente que não tens filhos da brasileira...

“Não te admito que fales assim da minha legítima esposa, e agora viúva, face à lei de Deus e dos homens… Se me pudesse pôr de pé, ainda te dava com o pingalim”…


Desculpa, mano velho, não tenho o direito de me intrometer na tua vida e na vida da tua família… Estou apenas irritado comigo próprio, zangado com com o resto do mundo... Estou eu a querer falar contigo, baixinho, a sussurrar contigo, que já estás no mundo dos mortos, estou eu aqui a não querer perturbar o sono eterno dos que viajam contigo na barca de Caronte, e ouço, ao lado, as gargalhadas despudoradas da tua viúva e dos seus amigos… Alguém, tenho impressão que um gajo do teu curso, deve estar a contar uma anedota porca do tempo do Colégio Militar ou da Academia...

Mas que falta de pudor e de respeito por ti, que estás em câmara ardente,  recebendo a derradeira homenagem dos teus familiares, amigos e camaradas de armas!...


Acho que me vou retirar, com a tua licença, durmo mal, vou descansar um pouco, volto amanhã com a Manela, para rezarmos por ti e encomendarmos a tua alma... Vais ter com o nosso pai e a nossa mãe, e o nosso Jorge, coitado,  que Deus também já lá tem... 


Vou rezar por ti e pedir a Deus perdão pelos teus e pelos meus pecados. Nunca me hei esquecer das palavras que a nossa mãezinha nos obrigava a rezar:  antes de ir para a cama, e da oração ao anjo da guarda, vinha a Avé Maria que terminava com o "Agora e  na hora da nossa morte, ámen!".
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de março de  2019 > Guiné 61/74 - P19564: A Galeria dos Meus Heróis (24): Cirurgião no Hospital Militar de Bissau - II (e última) Parte (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19613: (De)Caras (125): Capitão de Infantaria Francisco Meireles, cmdt da CCAÇ 508, morto em Ponta Varela, Xime, em 3/6/1965 - Parte II (Jorge Araújo)


Foto 5 - Xime (1965) > A última foto do Capitão Francisco Meirelles na Guiné.



Foto 4 – Bissau (Ago1965). – Desfile militar da CCAÇ 508, que antecedeu o seu regresso ao continente. [Foto do álbum de Cândido Paredes,  no sítio Lugar do Real, com a devida vénia]. 


Foto 3 – Bissorã (1964). – Cândido Paredes (o 1.º da esquerda) na companhia de camaradas da CCAÇ 508 e jovens junto a uma tabanca de Bissorã. [Foto do álbum do próprio, disponível no sítio Lugar do Real, com a devida vénia] 




Foto 2 – Bissorã (1964). – Duas dezenas de militares da CCAÇ 508, em Bissorã, em pose para a fotografia. [Foto do álbum de Cândido Paredes (sentado no tejadilho do camião), com a devida vénia). In: http://lugardoreal.com/imaxe/candido-paredes-e-camaradas-15.



Foto 1 – Lisboa, Cais da Rocha - 14Jul1963. – Militares da CCAÇ 508 preparando-se para zarpar no cargueiro «Sofala» com destino a Bissau (Guiné). [Foto do álbum de Cândido Paredes, natural de Favaios, Vila Real (o 3.º da direita), Soldado Auto Rodas da Unidade que esteve em dez locais diferentes durante a comissão ultramarina, com a devida vénia, Lugar do Real].




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue desde março de 2018



A COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (1963-1965) E A MORTE DO SEU CMDT CAP INF FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 NA PONTA VARELA: A ÚNICA BAIXA EM COMBATE DE UM CAPITÃO NO XIME (PARTE II)


1. INTRODUÇÃO

Dando continuidade ao publicado na Parte I do tema em título – P19597 (*) – os conteúdos deste segundo texto foram organizados seguindo a mesma metodologia, com a divisão em dois pontos.

No primeiro, recuperaram-se mais alguns registos avulsos, reforçados com imagens, da história colectiva da Companhia de Caçadores 508 [CCAÇ 508] durante a sua presença no CTIG, entre 20Jul1963, chegada a Bissau, e 07Ago1965, data do embarque de regresso à metrópole, na medida em que no livro da CECA [Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974], 7.º Volume, Fichas das Unidades, não existem registos.

No ponto seguinte, continuaremos a descrever (citar) o que
de mais relevante retirámos das narrativas publicadas no livro [capa ao lado] elaborado em memória do capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965) pela sua família, e cuja morte ocorreu por efeito do rebentamento de uma mina antipessoal accionada em Ponta Varela, Xime, no dia 3 de Junho de 1965, 5.ª feira.


2. SUBSÍDIOS HISTÓRICOS DA COMPANHIA DE CAÇADORES 508 (BISSORÃ, BARRO, BIGENE,  OLOSSATO, BISSAU, QUINHAMEL, BAMBADINCA,  GALOMARO, PONTA DO INGLÊS E XIME, 1963-1965)

2.1 A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 7 [RI 7], de Leiria, a CCAÇ 508 embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 14 de Julho de 1963, domingo, sob o comando do Cap João Henriques de Almeida (de acordo com a informação do camarada Manuel Bernardo), seguindo viagem a bordo do cargueiro "Sofala" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 20 do mesmo mês, sábado.

Como curiosidade, dá-se conta que este «Sofala», comprado pela CNN [Companhia Nacional de Navegação] em Maio de 1943, em Moçambique, onde se tinha refugiado no início da segunda guerra mundial, correspondia ao antigo cargueiro alemão «Aller». [In: http://lmcshipsandthesea.blogspot.com/2011/08/o-cargueiro-sofala-de-1973.html].


2.2. SÍNTESE OPERACIONAL

Na historiografia do contingente da CCAÇ 508 estão contabilizadas, durante a sua comissão de dois anos no CTIG (1963-1965), importantes missões em dez locais diferentes, a saber: Bissorã - Barro - Bigene - Olossato - Bissau - Quinhamel - Bambadinca - Galomaro - Ponta do Inglês e Xime.

A primeira foi iniciada com a atribuição da responsabilidade pelo subsector de Bissorã, verificada entre 01 de Agosto de 1963 e 04 de Setembro de 1964 (treze meses). Nesta última data, seria substituída pela CART 643, do antecedente ali colocada em reforço, seguindo para o sector de Bissau, a fim de se integrar no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área, com um grupo de combate [pelotão] destacado em Quinhamel, ficando na dependência do BCAÇ 600. Aí permaneceu durante mais cinco meses.

No início de Março de 1965, com dezoito meses já contabilizados, foi atribuída à CCAÇ 508 uma nova missão em zona operacional, sendo transferida, por fracções, para Bambadinca, onde o seu comando ficou instalado, assumindo, então, a responsabilidade do respectivo subsector, com grupos de combate [pelotões] destacados em Xime e Galomaro e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697, designado, a partir de 11 de Janeiro de 1965, por Sector L1, sediado, à época, em Fá Mandinga, sob o comando do Tenente-Coronel Mário Serra Dias da Costa Campos.

Em 16 de Abril de 1965, a CCAÇ 508 foi substituída pela CCAV 678, sendo deslocada para o Xime, tendo assumido a responsabilidade do respectivo subsector, criado nessa data, com grupos de combate destacados em Ponta do Inglês e Galomaro.

Em 06 de Agosto de 1965, após a chegada da CCAÇ 1439 para treino operacional, a CCAÇ 508 foi rendida no subsector do Xime por forças da CCAV 678, recolhendo imediatamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso ao Continente, após dois anos de comissão, onde contabilizou uma dezena de baixas.

A viagem de regresso iniciou-se a 07 de Agosto de 1965, sábado, a bordo do vapor «Alfredo da Silva», com a chegada ao cais de Alcântara, Lisboa, a ter lugar no dia 14 do mesmo mês, sábado.


3.  A MORTE DO CAPITÃO FRANCISCO MEIRELLES EM 03JUN1965 – DESCRIÇÃO DE ALGUNS FACTOS E DO SEU AMBIENTE



A primeira parte relativa à descrição de factos relacionados com a morte do Cmdt [o 2.º] da CCAÇ 508 – capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (1938-1965) – está narrada no P19597 (*), como referido na introdução. O livro publicado em sua memória, também citado acima, foi a principal fonte de pesquisa para a elaboração deste trabalho. Deste modo, os detalhes e as afirmações aqui reproduzidas, neste ponto, correspondem ao conteúdo transcrito no louvor que recebeu do Brigadeiro Sá Carneiro, por proposta do Tenente-Coronel Costa Campos, Cmdt do BCAÇ 697, e narrado no referido livro, pp9-11.


3.1. SÍNTESE DA PRIMEIRA PARTE



Em 3 de Junho de 1965, 5.ª feira, foi o capitão Francisco Meirelles, então Cmdt da CCAÇ 508, incumbido de mostrar aos operadores da RTP como se fazia a detecção de minas, muito frequentes naquela zona [Xime-Ponta Varela], pois em menos de três meses tinham sido levantadas mais de 40.

Perto do meio-dia, a umas centenas de metros da tabanca de Ponta Varela, rebentou repentinamente uma mina antipessoal que tudo levou a crer ter sido armadilhada depois da primeira passagem pelo local ou então comandada à distância, dando origem à morte do capitão Francisco Meirelles e de mais três militares da CCAÇ 508. Os operadores da TV [RTP] Afonso Silva e Luís Miranda, que ficaram ilesos, com um sangue-frio impressionante, começaram a filmar a cena poucos momentos após a explosão de que resultou a morte do capitão Francisco Meirelles e de mais três elementos da sua Unidade, havendo assim, além das testemunhas sobreviventes, um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento. […] Op.cit. pp10-11.

3.2. O QUE SE SEGUIU…

Em função da ocorrência acima referida, as forças que tinham ficado a fazer segurança ao longo do percurso de imediato acorreram ao local.

"Entre elas, vinha o Tenente-Capelão militar, sacerdote salesiano, Padre Nazário Domingos de Carvalho, que, apesar do risco, ainda pôde acompanhar os últimos momentos do Capitão Meirelles e prestar-lhe os socorros espirituais e aos restantes mortos e feridos. O Capitão Meirelles que jorrava sangue de uma ferida sobre o coração faleceu exangue, sem ter recobrado o conhecimento.

Como as viaturas estavam a alguns quilómetros de distância, os feridos foram evacuados a pé e ao dorso, ficando no local uma secção a guardar os mortos. Passados minutos, foi atacada a tiro pelo IN, pelo que teve que defender-se, não havendo felizmente a lamentar novas vítimas. Algum tempo depois foram os mortos retirados para o Xime, onde os soldados da Companhia [CCAÇ 508] mostraram bem a dor que os invadiu pela perda do seu Capitão.

Na madrugada de 4 [Jun65], os corpos, acompanhados por quase toda a Companhia, foram levados para Bafatá, onde ficaram sepultados o 1.º cabo [José Maria dos Santos Corbacho] e os soldados [Domingos João de Oliveira Cardoso e Braima Turé (tio, por afinidade, do nosso amigo e gã-tabanqueiro, José Carlos Mussá Biai)], e onde um avião foi buscar o corpo do Capitão Meirelles.

Trazido para Bissau, ficou depositado na capela militar de Santa Luzia, sendo velado por camaradas, civis e por muitas senhoras de Bissau, entre elas as Senhoras D. Beatriz de Sá Carneiro e D. Ana Maria de Magalhães Castelo Branco, esposas, respectivamente, do Comandante do C.T.I. da Guiné e do Chefe do Estado-Maior do Comando.

Em 5 de Junho de 1965, pelas 10 horas, houve missa de corpo presente, rezada pelo Tenente-Capelão Padre Nazário, finda a qual o cortejo fúnebre, com grande acompanhamento e com a assistência do Senhor Brigadeiro Sá Carneiro, dirigiu-se para a capelinha do cemitério onde o caixão permaneceu até ser removido para a Metrópole. Aqui chegou no vapor «Manuel Alfredo» na madrugada de 18 de Julho de 1965, precisamente quando se perfazia um ano depois da partida para a Guiné". (Op. cit. pp10-11) […]


4. NA BUSCA DE IMAGENS CAPTADAS PELOS REPÓRTERES DA RTP



Influenciado pela descrição produzida no parágrafo "com um sangue-frio impressionante, os operadores da TV Afonso Silva e Luís Miranda, que ficaram ilesos, começaram a filmar a cena, poucos momentos após a explosão, havendo assim, além das testemunhas sobreviventes, um documentário fotográfico da operação e das consequências do rebentamento", segui em frente na busca dessas imagens, na medida em que soube que parte dessa reportagem filmada foi transmitida pela RTP, em 16 de Setembro desse ano, precedidas por uma intervenção de Pedro Moutinho.

4.1. O PRIMEIRO CONTACTO COM A RTP

Em 29Nov2018, 5.ª feira, pelas 15h40, enviei o seguinte e-mail:

Na qualidade de ex-combatente na Guiné, gostaria de saber da possibilidade de obter imagens relacionadas com a morte do capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles, ocorrida em 3 de Junho de 1965, na Ponta Varela (Xime), transmitidas em 16 de Setembro de 1965, e captadas pelos operadores de TV Afonso Silva e Luís Miranda.

Antecipadamente grato.

Com os melhores cumprimentos,

Jorge Araújo.


4.2. A RESPOSTA DO ARQUIVO RTP


Em 03Dez2018, 2.ª feira, pelas 14h37, recebi a seguinte resposta:


Exmo. senhor
Jorge Araújo

Acusamos a receção do seu e-mail de 29 de Novembro, o qual mereceu da nossa parte a melhor atenção.

Serve o presente para informar que já localizamos em Arquivo as imagens pretendidas, as mesmas têm cerca de 31m 16s de duração.

Agradecemos que nos informe o fim a que se destinam as imagens, para lhe podermos enviar o orçamento definitivo.

Ficamos a aguardar o seu contacto.



4.3. A RESPOSTA ENVIADA AO ARQUIVO DA RTP


Em 03Dez2018, 2.ª feira, pelas 23h15, enviei a seguinte resposta:

Antes de mais, agradeço, sensibilizado, as informações supra.

Quanto aos fins a que se destinam as imagens, elas pretendem reforçar/confirmar a narrativa que estou em fase final de concluir na qualidade de coeditor de um blogue de ex-combatentes, espaço de partilha colectivo criado com o objectivo de ajudar os antigos combatentes a reconstruir o puzzle da memória da guerra colonial na Guiné. Tem uma dimensão histórica, cívica, pedagógica e sociocultural, com testemunhos na primeira pessoa, quer escritos quer em imagens, e que na sua pluralidade, são um espólio disponível, e riquíssimo, para todos aqueles que queiram conhecer, compreender e aprofundar, o que foram os "Anos da Guerra do Ultramar" (1961-1974).

Iniciado em 23 de Abril de 2004, o blogue «blogueforanadaevaotres.blogspot.com» ou, simplesmente, «Luis Graca & Camaradas da Guine», é considerada a maior rede social na net, em português, centrada na experiência desta guerra. Com uma existência de mais de catorze anos, regista já uma cifra de onze milhões de visualizações/visitas.

E a narrativa está relacionada, como deixei expresso no primeiro contacto, com a morte do Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles ocorrida em 3 de Junho de 1965, na Ponta Varela (Xime), local mítico e fatídico da guerra, com baixas de ambos os lados, e onde, também eu, vivi e sobrevivi a grandes emoções/tensões nos diferentes combates que aí travei/travámos com os guerrilheiros do PAIGC.

Acresce dizer, neste contexto, que possuo o livro com o nome do "Capitão Francisco Meirelles", composto e impresso na Livraria-Editora Pax, Rua do Souto, 73/77, Braga, s/data, e que serviu, justamente, de base à elaboração do texto. Este, após, a sua conclusão, será editado no blogue supra.

Eis, pois, a justificação dos fins a que se destinam as imagens da RTP.

Antecipadamente grato pela atenção dispensada, sou,

Com os melhores cumprimentos,

Jorge Araújo.

Continua…
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Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); p195.

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p321.

Ø Capitão Francisco Xavier Pinheiro Torres Meirelles (s/d). Braga. Editora Pax.

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

19MAR2019.

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sexta-feira, 22 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19612: Tabanca da Linha (1): 42º convívio, Algés, 21 de março de 2019: Caras novas: o Constantino Ferreira d'Alva, nosso grã-tabanqueiro nº 711, desde 16 de fevereiro de 2016



Oeiras >Algés > Restaurante Caravela de Ouro > Tabanca da Linha > 42º Convívio  > 21 de março de 2019 > À mesa, o Constantino Ferreira d'Alva e o António Graça de Abreu.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Afinal, o Constantino Ferreira [d'Alva] já era nosso grã-tabanqueiro desde 16 de fevereiro de 2016! (*)...Só que não nos conhecíamo-nos pessoalmente... Nem eu liguei o nome à pessoa. Conheci-o ontem, no almoço da Tabanca da Linha. E quem mo apresentou foi o António Graça de Abreu.

O António "desencaminhou-o" para a Tabanca da Linha. É a primeira vez que  ele vem à "Magnífica", de que o António Graça de Abreu é... sócio-fundador. Ambos só se conheceram agora, num recente cruzeiro a Cuba. Têm, afinal, em comum, o gosto pelos cruzeiros e... a guerra da Guiné!... E já têm marcado para o início de 2020, um cruzeiro, de 4 meses, de volta ao mundo...

Conversa puxa conversa, descobri então que o Constantino Ferreira:

(i) foi fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71):

(ii) é portanto um camarada do meu tempo (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12): viajámos juntos, no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969 (**); e penso que regressámos juntos, no T/T Uíge, em 17/3/1971;

(iii) a CART 2521, mobilizada pelo GACA 2 (, tal como a minha conhecida CART 2520, que estve no Xime e com quem, esteve sempre em Aldeia Formosa, e teve vários comandantes: cap mil art  José de Sousa Ramos Duarte; cap mil art  Jacinto  Joaquim Aidos; cap mil inf José Vieira Pedro; e alf mil Rogério da Silva Correia;

(iv) à conversa, à mesa,  disse-me que era natural de Arganil, e trabalhara na TAP como tripulante de cabine, estando reformado há uns largos anos; naturalmente que conhecia (e era amigo de) o José Brás e de outros amigos meus da TAP, como é o caso do Jorge Mateus; enfim, revivemos algumas histórias...

É caso, camarada (e, a partir de agora, amigo) Constantino, para repetir um dos nossos "slogans" pereferidos:  O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

Fico à espera dos teus prometidos textos, sobre o teu tempo de Guiné, que  em tempos escreveste para o jornal "A Comarca de Arganil". (LG)
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Notas do editor:

Fur mil art Constantino Ferreira d'Alva
(*) Vd. poste de 16 de fevereiro de 2016  > Guiné 63/74 - P15756: Tabanca Grande (482): Constantino Ferreira D'Alva, ex-Fur Mil Art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71)

(...) Por indicação do meu amigo José Brás, venho apresentar-me ao "serviço" da Tabanca Grande.

Constantino Ferreira:

Prestei serviço militar na Guiné, de Abril de 1969 a Junho de 1971.
Furriel Miliciano
Bissau, Buba, Aldeia-Formosa, foi o meu destino.
A minha companhia foi a CART 2521.

A coluna que nos veio "buscar" a Buba, usou pela primeira vez a estrada nova, teve três mortos nessa famigerada "estrada nova". Regressou connosco a Aldeia-Formosa pela estrada velha. Nunca mais foi usada a "estrada nova".

A TECNIL, que rasgou essa nova estrada, permaneceu em Aldeia Formosa a construir a nova pista alcatroada, para ser utilizada pelos caças Fiat. Tudo para sul e para leste, tinha sido estrategicamente abandonado.


Assim começou a minha "andança" por "estradas" e bolanhas da Guiné. Escrevi no Jornal de Arganil, algumas "viagens no tempo" sobre esses tempos passados na Guiné, que poderei enviar para o blogue, se for considerado conveniente.

Por agora, apenas envio um compacto biográfico. (...) 





Guiné 61/74 - P19611: Efemérides (300): 21 de julho de 1973, o último Dia da Cavalaria comemorado no CTIG, ainda com Spínola, em Bula, num sábado de copiosa chuva africana


Guiné > Região do Cacheu > Bula > 21 de Julho de 1973 > Dia da Cavalaria > O Gen Spínola passa revista às tropas acompanhado pelo Brigadeiro Alberto Banazol, comandante militar.


Guiné > Região do Cacheu > Bula > 21 de Julho de 1973 > Dia da Cavalaria >  O desfile das Panhard

Fotos (e legendas): © Leonel Olhero (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Já aqui falámos do nosso camarada José Ramos, ex-1º cabo condutor de Panhard AML, do EREC 3432, que esteve em Bula, de 1972 a 1974. Sentou-se à sombra do poilão da Tabanca Grande, em 4 de outubro de 2018, no lugar nº 778. Vive na Lourinhã e é coordenador da ação social da Liga dos Combatentes-Núcleo de Torres Vedras;

 Recorde-se que ele é o fundador e editor do blogue Panhard Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974. Desse blogue, reproduzimos, com a devida vénia, o último poste publicado, com data de 17 de março de 2019.

DIA DA ARMA DE CAVALARIA - 1973

Sob um copioso dia de chuva africano, no ano de 1973, voltou a comemorar-se em Bula, com a presença de altas individualidades e delegações de algumas unidades da arma presentes no TO, o Dia da Cavalaria.

Do livro "Ultrajes na Guerra Colonial",  do ex-Fur Mil de Cavalaria Leonel Olhero [, também do EREC 3432 e membro da nossa Tabanca Grande,]  respigamos partes sobre este dia, do seu diário de comissão.


"Bula, 21 de Julho, sábado. Dia da Cavalaria. 

Vieram. Spínola, o velho e poderoso. (...) E  com fanfarra, e tudo!, as cerimónias aconteceram debaixo de impetuosa chuva (...)


(...) Houve muita pompa!, e manga de ronco! Desfilaram também Panhards e estandartes de batalhões da arma, errantes pela Província.

(...) Acabaram os festejos com a final de um torneio de futebol, que decorria ainda, quando na estrada de Binar milícias foram emboscadas. Um morreu. Houve feridos e entre eles um soldado enfermeiro branco."


Na interessante leitura dos textos deste camarada podemos encontrar outros acontecimentos, narrados na primeira pessoa, que refletem o melhor e o pior da sua comissão, mas que são também um testemunho, para as gerações futuras, dos muitos acontecimentos que todos os que vivemos esses tempos enfrentávamos.

Mal sabíamos que seria a ultima vez que o Dia da Cavalaria se celebraria na Guiné. (***)
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19036: Blogues da nossa blogosfera (105): Panhard, Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, criado e editado por José Ramos, ex-1º cabo cav, EREC 3432 (1972/74)