sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Aqui se fazem tréguas na indagação do que terá sido o pensamento estratégico dos dois Comandantes-Chefes que precederam Spínola, não se perca de vista que a história da guerra da Guiné carece fundamentalmente de uma investigação sistemática ao período que vai de 1962 a 1968, pairam ainda muitas nebulosas, há muita pesquisa em arquivos por fazer, a verdade histórica continua altamente condicionada.
Veio à ribalta o Capitão José Pais, que comandou a CCAÇ 14, em Farim, e abre-se o livro do diário de JERO, em Binta, em meados de 1964, andava tudo numa deriva, vai chegar a tropa do Capitão do Quadrado, entrou tudo num virote.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (32)

Beja Santos

“Muitos colegas foram feridos
os azares vão aparecendo.
Quando já estavam curados
o Diogo Augusto ia morrendo.

Ao caminharem pela estrada
feriram o furriel Ferreira
e no David à sua beira
acertaram com uma granada.
Nesta grande emboscada
Marques e Varela atingidos,
nos momentos aborrecidos
o Santos aleijou uma mão.
Neste mês de S. João
muitos colegas foram feridos.

O 490 a penar
muitos feridos já tem
e 6 baixas também
e não deixam de actuar.
Estão a ter muito azar
sempre com ataques sofrendo.
Vão o tempo percorrendo
nos arredores de Farim
e até que se chegue ao fim
os azares vão aparecendo.

O Garcês se aventurou,
pelo Comandante foi louvado.
Depois de ter rastejado
duas armas apanhou.
A sorte o acompanhou
mas tiveram azar muitos soldados:
depois de dois meses passados,
Varela e seu companheiro
foram feridos num carreiro
quando já estavam curados.

Helicóptero mandaram chamar
e para Bissau os levou.
O Varela na Amura ficou
levando o tempo a coxear.
O Santos, no Hospital Militar,
a operação lhe vai fazendo
12 dias não comendo,
começou a emagrecer
depois de tanto sofrer,
Diogo Augusto ia morrendo.”

********************

É da mais elementar justiça, já que continuamente aqui se fala em Farim, sede do BCAV 490, procurar uma peça literária alusiva, felizmente que ela existe. No dobrar do século, como é do conhecimento dos interessados, a literatura da guerra da Guiné viu uma das suas dimensões reforçada, o género memorial, começaram a aparecer livros de memórias às catadupas em detrimento do romance, novela, conto e até historiografia. “Coisas de África e a Senhora da Veiga”, por José Pais, edição de autor, 2001, é um grande livro de memórias, um documento inusitado pela fala do coração. O então Capitão José Clementino Pais era já um experimentado oficial do Exército: alferes, foi prisioneiro na Índia; depois, combateu para os lados de Nambuangongo; teve seguidamente uma comissão em Cabo Verde, e à quarta foi de vez, arribou à Guiné à frente da CCAÇ 14, feriu-se com gravidade em Farim, seguiram-se três anos de internamento hospitalar. É uma prosa onde não há enxúndia, é tudo económico e hábil, tem recorte de relatório. O desfiar das recordações anda sempre à volta de uma questão central que é cuidadosamente demarcada e depois segue em espiral. São narrativas avulsas que podem navegar entre o sentimental e a bruteza mais dura que a guerra consente. Para quem testou tal prosa, é bem penoso, constrangedor mesmo, diante desta arquitetura de contos reduzidos à medula, quase agrestes na geometria, ensaiar o resumo desta prosa de primeiríssima qualidade.
Fiquemos aqui com uma tocante história de amor, “A Xuxa e o soldado Marquito”.

“O Cabo Sila procurou nosso capitão, coisa de dimensão tamanha se passa na tabanca, envolve pessoal da CCAÇ 14, tropa Mandinga, sediada no perímetro de Farim, e convém esclarecer que quartel no sentido habitual do termo era coisa que não havia: uma arrecadação e um cubículo que servia de gabinete ao capitão, ao 1.º Sargento e a um Cabo ajudante entregue à papelada. Os poucos furriéis habitavam numa casa na povoação e os soldados na tabanca. É nisto que começa a história.

- Então diga Sila. Que se passa?
- Tem mesmo ‘pobrema’ nosso capitão. Tem menininha que gosta mesmo do soldado Marquito e já fugiu de casa do pai três “vez” para ir ter com Marquito!
- Então o que há a fazer é casá-los. Se gostam assim tanto um do outro!?
- Mas, nosso capitão, Xuxa é Fula e Marquito é Mandinga.

E Sila continou:
- Tem ainda outro ‘pobrema’ mais difícil.
- Sim. Diga lá.
- Menininha já casou com sobrinho do ‘Homem Grande’ de Jumbembem e ‘Homem Grande’ veio ontem na coluna para saber o que se passa.

Havia para ali coisa séria e explosiva. Foi chamado Marquito, confirmou tudo mas não tinha 3 mil pesos para casar com a Xuxa. Chamou-se a autoridade religiosa, não havia problema de casar Fula com Mandinga, a questão era devolver o dinheiro ao ‘Homem Grande’ de Jumbembem. À cautela, nosso capitão convocou reunião com toda a tabanca, até o chefe administrativo compareceu. Nosso capitão até cita o Corão. Chegou-se a um compromisso, nosso capitão adianta os 3 mil pesos, Marquito depois pagará em prestações. Nosso capitão, finda a reunião, pergunta a Sila se a reunião tinha corrido bem. 
- Muito bem nosso capitão. Mas agora ‘vai ter pobrema’, vais ter muito soldado a querer casar!

No dia seguinte, o primeiro-sargento, alarmado, comunicou que 27 soldados também queriam casar.
Estabeleceram-se umas regras que o General Comandante-Chefe, Spínola de seu nome, aprovou e casaram-se todos.
Só os que ainda não tinham ‘mujer’.”

E já que estamos em maré literária, é igualmente de elementar justiça abrir alas a um documento que faz parte da História, o diário da CCAÇ 675, conhecido como o 1.º Volume de “Dois Anos de Guiné”. É a todos os títulos um texto singularíssimo. Será porventura o primeiro diário de uma unidade militar na Guiné, meticulosamente escrito e documentado. Quem lhe deu letra de forma foi um furriel-enfermeiro de nome José Eduardo Reis de Oliveira, JERO assim ficará conhecido. O comandante da companhia era Alípio Tomé Pinto. O livro foi dado à estampa em 1965, em edição pirata, tivesse o Estado-Maior do Exército conhecimento desta ousadia e o hoje General Tomé Pinto passaria por muitos amargos de boca, descaro como este nunca se vira, contar tintim por tintim a história da unidade militar, logo a partir de maio de 1964, viagem a partir de Lisboa, chegada ao estuário do Geba, instrução operacional e em junho, no fim do mês, a companhia vai para Binta, Tomé Pinto ficará conhecido como o Capitão de Binta ou o Capitão do Quadrado.
Logo a descrição do aquartelamento:
“O local tinha uma forma mais ou menos rectangular, limitada por vedações de arame farpado num perímetro de cerca de 800 metros. Na ‘arquitectura’ de Binta avultavam a estrutura enorme de seis grandes barracões que tinham servido para armazéns de mancarra, agora abandonados e cheios de imundícies. Existiam ainda quatro habitações de pedra e cal, pequenas, duas das quais habitadas por famílias indígenas, uma outra onde dormiam os soldados do pelotão do Alferes Sequeira, da CCAV 489, que desde há três meses se encontrava na região, rodeada por bidons cheios de terra e troncos de palmeira, e ainda outra habitada por um indígena funcionário da Casa Gouveia. Os arruamentos eram regulares mas mal cuidados, com montes de lixo por toda a parte.
Disseminada ao longo de um caminho que saía do aquartelamento, estendia-se durante cerca de dois quilómetros a tabanca de Binta, com alguns bons edifícios de adobe e cal, e com muitas moranças, agora quase na totalidade desabitadas. A referir ainda uma importante serração de um metropolitano de nome Ribeiro, na Província há cerca de 30 anos, importante negociante de madeiras”.

Houvera uma receção com tiroteio, Tomé Pinto não está pelos ajustes, inicia a 3 de julho o reconhecimento da região envolvente, vão começar os estragos. População controlada pelo PAIGC anda por ali muito perto. Há nativos que são cercados, recusam a parar, são abatidos. Entra-se na tabanca de S. João. Junto à tabanca foram encontradas uma mala com manuscritos antigos, e três bicicletas, uma delas carregada com um saco de arroz, catanas e ferramentas agrícolas.
A seguir, parte um contingente para uma batida à região de Lenquetó, situada a cerca de 12 quilómetros de Binta:
“Passámos pelo esqueleto carbonizado de uma camioneta da serração de Binta que o inimigo havia destruído há poucos meses.
Às 4.45 horas estávamos perto do nosso objectivo. Ouviu-se por momentos com nitidez no silêncio da noite o ruído característico do pilão. Não muito longe cães latiram. Lentamente, a distância que nos separava de Lenquetó foi percorrida. Às 5.15 horas começou-se o envolvimento da tabanca, instalando-se em meia-lua os dois grupos de combate. Poucos momentos depois, viram-se alguns indivíduos sair caminhando na nossa direcção, sendo-lhes gritado que fizessem alto. Retrocederam rapidamente fazendo fogo de pistola de dentro da tabanca. As nossas tropas abriram fogo e durante alguns momentos 70 armas automáticas crepitaram fragorosamente numa mensagem de morte. A reacção do inimigo embora diminuta fez-se sentir. Um ‘suicida’ descortinou o nosso Capitão em pé e avançou para ele correndo com um ‘canhangulo’ em posição de fogo. Foi abatido depois de meia dúzia de passos”.

Esta mentalidade ofensiva vai continuar, chegam ou louvores, sucedem-se as batidas, os golpes de mão, as emboscadas com êxito, faz-se contacto com a população no Senegal, começam as obras de beneficiação, as forças do PAIGC começam rapidamente a sentir que a vida não lhes corre de feição, toda aquela região era cultivada por população controlada, todo aquele mês de julho vai permitir à CCAÇ 675 um relativo e provisório domínio de terreno.
Nem tudo são rosas, e JERO passa ao papel o que se viveu em 29 de julho de 1964:
“Quando anoiteceu, uma secção comandada por um cabo, foi emboscar-se junto da serração, apenas a 50 metros do aquartelamento, com a missão de aprisionar qualquer indivíduo que viesse a sair da casa de um nativo, que se suspeitava querer passar para os terroristas.
Tinha havido o cuidado de recomendar a todos os soldados para não fazerem fogo, pois se na verdade alguém saísse de tal casa suspeita, não levaria armas. Só em última instância e em caso de fuga utilizariam as armas. Infelizmente, apesar de todas estas recomendações e de não correrem qualquer espécie de perigo do exterior, a fatalidade aconteceu.
Um soldado, já depois da secção instalada, ao deslocar-se por detrás de um colega seu, foi tomado inexplicavelmente por um inimigo e atingido com um tiro à queima-roupa.
O estampido alarmou toda a gente e momentos depois soube-se da triste novidade.
Socorrido o mais rapidamente possível ainda no local do desastre pelo médico e enfermeiro da companhia, logo se verificou ser desesperado o seu estado. Conduzido depois ao posto de socorros do aquartelamento, entrou em coma, vindo a falecer poucos minutos depois.
O infeliz soldado, de nome Augusto Gonçalves, de Santiago do Cacém, veio assim a acabar de maneira estupidamente trágica os seus dias, morto por um próprio colega em que a noite e o medo fizeram disparar precipitadamente a sua G3.
Mas a vida não pára e a nossa missão iria continuar.
Embora com o luto na alma, não cruzaríamos os braços nem nos deixaríamos abater pela fatalidade.
Em breve o inimigo voltaria a sentir a força e a coragem indómita da tropa de Binta. E os resultados obtidos no nosso primeiro mês de operações falavam melhor do que ninguém do valor e da qualidade dos homens da 675”.

Depois desta viagem a um livro de memórias e a um diário (deste, voltaremos a falar) vamos regressar à “Resenha Histórico-Militar da Guiné” neste período de 1964, impõe-se procurar um pouco de luz para perceber como os altos comandos procuraram sustar a sublevação, organizar populações aterrorizadas, contrariar um inimigo ainda mal municiado mas já determinado, em 1964 o PAIGC está posicionado a pé firme na região Sul, a população pulverizou-se, quem ficou debaixo da bandeira portuguesa vive no perímetro dos destacamentos, quase todos eles na orla marítima, os outros, perto da fronteira ou no interior, irão sendo sistematicamente flagelados, instala-se o corredor de Guileje; ainda em 1963, forças do PAIGC atravessaram o Corubal, instalaram-se relativamente perto do Xime, cultivam bolanhas e não estão muito longe do Xitole; e consolidaram posições nas matas do Morés, vão estabelecendo corredores a partir do Senegal. Reconheça-se, entre outros méritos, que esta Resenha Histórico-Militar abre alguma luz sobre o delineamento estratégico de Louro de Sousa e Arnaldo Schulz, em termos de investigação é insuficiente, é certo e seguro que há muito papel nos arquivos dos ministérios da Defesa Nacional e do Ultramar que precisam de ser pacientemente examinados e sistematizados para se perceber qual o alcance da linha estratégica que os dois primeiros Comandantes-Chefes imprimiram à máquina militar, desde que começou a luta armada até à chegada do Brigadeiro António de Spínola.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 8 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20324: Notas de leitura (1234): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (31) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): “Astronomia”, por Mário Cláudio; Publicações D. Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20346: Parabéns a você (1709): António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 (Guiné, 1972/74); Orlando Pinela, ex-1.º Cabo Reab Mat da CART 1614 (Guiné, 1966/68) e Coronel Cav Ref Pacífico dos Reis, ex-Cap Cav, CMDT da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20342: Parabéns a você (1107): César Dias, ex-Fur Mil Sapador do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/70)

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Guiné 61/74 – P20345: Agenda cultural (712): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74 Memórias de Gabu” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Camaradas, 
Vou apresentar a minha nova obra (o nona), em Beja a 10 de dezembro, a seguir Lisboa (Casa do Alentejo), entre outras iniciativas que já tenho programadas.

Uma ida ao Porto não está fora dos meus planos.



“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 MEMÓRIAS DE GABU”

“UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 – MEMÓRIAS DE GABU” é o nono livro do meu pecúlio como jornalista/escritor e o segundo como ex-combatente em solo guineense.

A temática, agora sustentada com novos textos, sendo certo que alguns deles foram recuperados e trabalhados face ao tema tratado da primeira edição – “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU” -, é mais um desafio à nossa existência como antigos militares lançados à força para as frentes de combate.

Procurei, embora sinteticamente, ser o mais abrangente possível, diligenciando trazer à estampa temáticas que mexem irreversivelmente com a nossa comum presença num espaço que nos fora substancialmente cruel.

As memórias da guerra não se apagam e cada um de nós ainda hoje revive situações horripilantes pelas quais passou. Reconheço que existem camaradas que recusam abordar vivências passadas que lhe vão na alma. Respeito escrupulosamente essa forma de sentir.

Há camaradas que procuram olvidar realidades que na generalidade todos ou quase todos conhecemos. Recusam o confronto com cenas atrozes onde foram incontestáveis guerrilheiros numa luta por vezes desigual. Fica, pois, a nossa plena aceitação.

Mas esta obra contempla, também, a presunção deste vosso velho camarada que não se esconde num templo onde as lamentações jamais deverão esbarrar num muro em que as lamúrias tendem em cair no esquecimento.

A guerra Colonial não está assim tão distante no tempo. É recente. Porém, raros têm sido os órgãos de decisão governamental, e não só, a abordar o tema que mexeu com gerações e abalou futuros que se perspetivavam risonhos.

Neste contexto, o livro aborda temáticas exuberantes no que concerne a vicissitudes de que fomos alvos por terras da Guiné e simultaneamente ao agitar gritos de revolta quando em causa se coloca o nosso próprio estatuto como antigos combatentes.




Hoje, a guerra Colonial perdeu visibilidade. Poucos são aqueles que dela falam em público, sobretudo em meios de comunicação social nacional e que por ordem analógica das coisas se deixam levar por tédios e brandos costumes. Poucos são, também, aqueles que se debruçam sobre a inequívoca veracidade onde a morte, estropiados, ou os stressados de guerra, de entre outras doutrinas que recaem sobre os climas dos pós traumáticos, designadamente, são meras personagens de um país que simplesmente os esqueceu.

O livro aborda também o tema dos abandonados. Sim, os abandonados, aqueles que ingloriamente lutaram pela Pátria, uma Pátria que não sendo aquele sumptuoso manto doutrinal que nos fora “vendido” nos bancos da escola, foi também aquela na qual todos nós nos envolvemos.

A guerra, essa desumana realidade, foi propícia a inegáveis circunstâncias que desabaram para incertezas futuras. Da guerra colonial sobram infalibilidades que há restos mortais de camaradas que por lá ficaram literalmente abandonados.

Camaradas, vale a pena através da leitura deste livro revermo-nos no tempo em que nós jovens fomos atiradas para as frentes de combate como uma mera mercadoria chamada “carne para canhão”.

O livro tem o preço de capa 16 euros, sendo o primeiro lançamento no dia 10 de dezembro de 2019, 21h30, na Biblioteca José Saramago, em Beja.

Depois seguir-se-ão outros lançamentos. Lisboa será, em princípio, o destino seguinte. Por mim estarei disponível em deslocar-me por o País fora, levando na minha “mala de cartão” um rol de experiências que são tão-só as tuas próprias experiências.

Camaradas, bebemos água da mesma fonte e comemos do pão que o diabo amassou. Digamos, em uníssono, que somos gentes e proclamamos simplesmente justiça, não obstante o universo de dificuldades até agora deparadas.

Deixo aqui expresso que a obra “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL GUINÉ-BISSAU 1973/74 - MEMÓRIAS DE GABU” só foi possível vir a público graças aos textos que amiudadamente transcrevo no nosso blogue – Luís Graça & Camaradas da Guiné -. Este foi, para mim, uma rampa de lançamento para investir no cosmos da escrita sobre outras temáticas entretanto não abordadas, neste caso o da guerra.

Por fim, fica o meu profundo agradecimento ao Luís Graça, o fazedor do prefácio, ao meu camarada ranger Magalhães Ribeiro pela sua amável disponibilidade em me colocar os textos no blogue e a todos vocês camaradas que fazem o favor em me aturarem nas minhas eloquentes dissertações guerrilheiras, que também são as vossas, neste terreno de jogo onde fomos meros figurantes no conflito na Guiné.

Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

8 DE NOVEMBRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P20323: Agenda cultural (711): A não perder: curso, 15 euros por 4 tardes de sábado (, 9, 16, 23 e 30 de novembro), na Livraria-Galeria Municipal Verney, Oeiras, sobre "A Herança Judaica em Portugal": (i) a antiguidade na península ibérica; (ii) sinagogas, judiarias e comunidades; (iii) a Inquisição no património mental; e (iv) Amsterdão e Nova Iorque: duas cosmopolitas comunidades da diáspora.

Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I


Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (, antiga Av da República, que partia da Praça do Império), ao fundo o cais do Pidjiguiti (ou Pindgiguiti, como se escreve agora...), o porto de Bissau,  o ilhéu de Rei... Em primeiro plano, à esquerda, parece-me o edifício da administração civil da época colonial, hoje é a sede o ministério da Justiça.  O edifício a seguir, branco, no cruzamento da Av Amílcar Cabral com a Rua 19 de Setembro é a RTP África.


Foto nº 2 > Guiné- Bissau > Bissau > c. 2010 > Vista aérea do centro histórico: Av Amílcar Cabral (, antiga Av da República, que partia da Praça do Império). Em primeiro plano, a Catedral de Bissau.


Foto nº 11 > Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010>  A fachada da Catedral de Bissau (ou  Sé Catedral de Nossa Senhora da Candelária). Foi consagrada em 1950. E em 1977 passou a ser a sede da diocese de Bissau, criada nesse ano.


Foto nº 6 > Guiné- Bissau > Bissau > c.  2010 > CEIBA Hotel Bissau | Um hotel de 4 estrelas, sito na Av dos Combatentes da Liberdade da Pátria.


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > c.  2010 >  Av Amílcar Cabral (, antiga Av da República), ao fundo o Palácio Presidencial e a Praça dos Heróis da Liberdade da Patria (, antiga Praça do Império). O antigo palácio do Governador ardeu na sequência da guerra civl de 1998/99, tendo sido posteriormente reconstruído pela República Popular da China.(sem grande respeito, diga-se de passagem, pela traça original).


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > c.  2010 >   Em segundo plano, à direota, o Hospital Nacional Simão Mendes, na Av Pansau na Isna, paralela à Av Amílcar Cabral.


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > c.  2010 > Bissau Velho,  o forte da Amura (hoje Panteão Nacional), o porto, o ilhéu do Rei...


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Bissau > c.  2010 > Porto de Bissau...


Foto nº 8   > Guiné.Bissau > Bissau > c.  2010 > Ao centro, o Palácio Colinas de Boé, sede da Assembleia Nacional Popular (Parlamento),sito na Av Francisco Mendes... O edífício, de arquitetura moderna,  foi construida pela China. Foi inaugurado em 2005. à esquerda, frente ao Palácio Colinas do Boé, fica o CEIBA Hotel.


Foto nº 7   > Guiné.Bissau > Bissau > c. 2015/16/17 > Mais uma vista aérea da cidade, com o CEIBA Hotel à direita, na Av Francisco Mendes. Há aqui um rotunda, no lado direito, vem a Av Brasil, depois continuada pela R Ermelinda Gomes.


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bissau >  c. 2010 > Av Combatentes da Liberdade da Pátria  > Veja-se o caos do trânsito. Esta avenida é a que nos leva até ao aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, a uma  distância de 7,5 quilómetros.

(...) "Começa-se a entrar nos bairros periféricos e extremamente populosos de Bissau como o Bairro da Ajuda, o Bairro Militar ou o Bairro do Quelelé.

Sem se sair da avenida de duas faixas de cada lado (muitas vezes três!), e já depois de passar a Rotunda da Chapa de Bissau, encontra-se do lado direito a Grande Mesquita de Bissau. Mais à frente, do lado esquerdo, a Embaixada da União Europeia e de alguns países, a sede do BCEAO (Banco Central dos Estados da África Ocidental), o Palácio da Justiça e o complexo que acolhe o gabinete do Primeiro-Ministro e alguns dos ministérios governamentais – a Primatura" (...). Fonte: Guia Turístico: À descoberta da Guiné.Bissau, 2ª ed. revista e atualizada. (Da autoria de  Joana Benzinho e Marta Rosa | Afectos com Letras - ONGD, 2018, 176 pp.)


Foto nº 6  > Guiné-Bissau > Bissau >  c. 2010 > Antigo edifício da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau, sita na Av Amílcar Cabral, do lado esquerdo de quem desce da antiga Praça do Império.


Foto nº 10  > Guiné-Bissau > Bissau >  c. 2010 > Parece ver-se ao centro o "relvado" do Estádio Lino Correia.

Fotos:  © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69):

Data - 7/11/2019, 12h49

Assunto - Fotos da Guiné-Bissau, da década de 2010

Luís:

Estas fotos, com vistas aéreas de Bissaum, são de um amigo meu... Têm interesse ? Se sim, publica...

Pois, o pior são as legendas.

Trata-se de um amigo que ainda espera que eu vá lá à Guiné, com tudo pago e "chauffeur" privativo.

Eu tenho mais de 100 fotos, nem sei, que ele me mandou...  Talvez mais, são minhas, para meu uso, os créditos fotográficos vou ter de lhe perguntar se ele quer ver aqui o seu nome e do seu Hotel e Restaurante.

Foram enviadas por email, em lotes de 40 e mais, por isso devo ter mais de uma centena.

Mas não sei descarregar de uma forma fácil, estas tive de as editar uma a uma e guardar numa pasta o que é muito chato de fazer. 

Não sei como arranjar mais desculpas para me furtar à tal viagem à Guiné, pois já não tenho idade para isso.

Quem nunca mais lá voltou mais, nomeadamente a Bissau, vai ter algum curiosidade em ver como é a cidade hoje, mais de meio século depois... Há ainda alguns pontos de referência fáceis de identificar: a Catedral, o antigo Palácio do Governador,  a Amura, o porto... Podes numeras as fotos e acrescentar as legendas que entenderes... Estiveste lá em 2008, ainda te lembras de alguma coisa... Eu só lá voltei em 1984 e 1985...

Um abraço para todos,
Virgílio Teixeira

Guiné 61/74 - P20343: (De)Caras (141): "Nha Maria Barba" ou Maria da Purificação Pinheiro (Boavista, 1900 - Bissau, 1975): expoente máximo da morna e da morabeza da Boavista, esteve no Porto, no Palácio de Cristal, em 1934, na 1ª Exposição Colonial Portuguesa: notas de leitura de um trabalho de pesquisa biográfica, feita por Antonio Germano Lima, da Universidade de Cabo Verde




Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa  > Cantadeiras da Boavista. Maria Barba (Maria da Purificação Pinheiro) é a primeira da esquerda, de pé, segundo indicação do nosso amigo Nelson Herbert, que nos enviou esta foto, sem citação de fonte. Usa o lenço típico da sua ilha. As restantes cantadeiras eram as seguintes (, não sabemos a ordem): Maria Rodrigues Pereira, Vitória Santos Brito, Luisa Benvinda Santos e Maria Basília Ramos.



Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa  > Cantadeiras da Boavista, Cabo Verde, com homem da Boavista, de pé em segundo plano; há um homem de óculos, no primeiro plano, e por detrás uma senhora, de fato claro, que deviam pertencer à organização. Maria Barba é a primeira da esquerda, de pé. A representação de Cabo Verde, composta por 19 elementos, tinha como delegado "o sr. Machado Saldanha, colonial distintíssimo" ("Ultramar", nº 11, 1 de junho de 1934, p. 4).

Nota de António Germano Lima: Foto emprestada de "Les métis des îles du Cap Vert" [Os mestiços de Cabo Verde], Stuttgart : Ferdinand Enke Verlag, 1937. - [9] p., il. Autoria de António Augusto Mendes Correia (Porto, 1888 . Lisboa, 1960), antropólogo, professor da Universidade do Porto. A foto foi tirada no Porto, Portugal, por ocasião da Exposição Colonial de 1934.





Cabeçalho do "Ultramar - Orgão Oficial da I Exposição Colonial", Porto, nº 11, 1 de junho de 1934 (Diretor: Henrique Galvão). Cortesia de Hemeroteca Digital, CM Lisboa.


nome próprio da Maria Barba era Maria da Purificação Pinheiro, de acordo com o jornal "Ultramar", orgão oficial da Exposição Colonial, dirigido por Henrique Galvão,  n º 11, Porto, 1 de junho de 1934.

"A representação da colónia de Cabo Verde"(título da notícia na pág. 4) era composta por 19 elementos, entre cantadeiras e dançarinas (todas da Boavista), músicos e artesãos.  Facto notável, o jornal referia que desse grupo de 19, "17 sabiam ler e escrever", um proporção de longe superior à média da população metropolitana.

Segundo Germano Lima, na sua página do Facebook, Maria Barba morreu em Bissau, em 2 de julho de 1975, com 70 anos. "Estive cerca de dois meses em Bissau a investigar, fui ao cemitério onde supostamente terá sido enterrada, mas o guia não conseguiu-me ajudar a localizar a sua cova!". 


1. Por mão do nosso amigo Nelson Herbert, guineense com raízes cabo-verdianas, jornalista da VOA - Voice of America,  chegámos a este texto sobre Maria Barba, expoente máximo da Morna da ilha da Boavista,  que viveu (a partir do início da década de 1949 e morreu em Bissau, em 1975) (*), texto esse que é da  autoria do investigador e escritor António Germano Lima. 

O texto original remonta a 1990, mas vamos fazer referência à versão que ele publicou na sua página do Facebook, em 6 de junho de 2012.  Ainda não temos autorização do autor para o reproduzir na íntegra. Nem vamos reproduzi-lo na íntegra, dado o excesso de referências locais bem como ds notas de pé de página. 

Vamos, isso, sim, com a devida vénia,  destacar o interesse do texto para um melhor conhecimento desta cantadeira, esquecida (**), que viveu a última metade da sua vida em Bissau, na antiga Rua Engº Sá Carneiro (hoje, Rua Eduardo Mondlane), sendo a sua família vizinha da família do Nelson Herbert, membro da nossa Tabanca Grande.


2. Breve nota curricular sobre o autor, António Germano Lima:

(i) nasceu na Vila das Pombas, Paul, Santo Antão, Cabo Verde, em 30 de janeiro de 1952.

(ii) frequentou o ensino secundário no antigo Liceu Gil Eanes, no Mindelo, São Vicente, a ilha em frente da sua terra natal;

(iii) em 1980 licenciou-se em Pedagogia (,na especialidade de Administração Escolar), pela Universidade de Brasília;

(iv) exerceu em Cabo Verde vários cargos de direção ligados à Educação e ao Desporto;

(v) dos seus trabalhos de investigação, publicou vários artigos em jornais e revistas especializadas, nacionais e estrangeiros;

(vi) editou, em 1997, o livro “Boavista: Ilha de Capitães (História e Sociedade)” e, em 2002, “Boavista, Ilha da Morna e do Landú”.

Fonte: Adapt. de Cabo Verde Info



3. Notas de leitura, por Luís Graça

"Maria Barba não é ficção nem criação figurativa dos boavistenses; foi uma existência real"  


por António Germano Lima


[Docente da Universidade de Cabo Verde, Praia, 6 de Junho de 2012, Página do Facebook de António Germano Lima; originalmente publicado no Jornal Voz di Povo na década de 90 do século passado.]

O autor aborda três tópicos, relevantes para a história da morna, género musical por excelência da cultura cabo-verdiana, em vias de ser oficialmente classificada pela UNESCO, no próximo mês de dezembro, como "património imaterial da humanidade" (**):

(i) As cantadeiras de Morna da Boavista;

(ii) Maria Barba: símbolo da morabeza boavistense;

(iii) Maria Barba na 1ª Exposição Colonial Portuguesa (Porto, 1934)

Nos excertos que faremos do texto, vamos respeitar a ortografia usada pelo autor. Por outro lado, não vamos sobrecarregar o poste com pesadas referências bibliográficas nem notas desnecessárias,



(i) As cantadeiras de Morna 
da Boavista


A Ilha da Boavista sempre foi terra de cantadeiras, poetas e músicos. E é considerada o "berço da morna".  E mais: era uma terra de cantadeiras-compositoras, como foi o caso, talvez mais notável, da Maria Barba. 

(...) "Dos queixumes e lamentações, típicos da morna antiga boavistense, produziram-se a kantadeira de diante (1ª voz) e o grupo de kantadeiras de baxon (coro),  provavelmente originárias dos trabalhos colectivos livremente realizados na Ilha da Boavista, tais como pastorícia, lavoura, apanha do sal, da urzela e da semente de purgueira, lavagem de roupa e apanha da água nas ribeiras e nas fontes, etc." 

Explica-se depois,  em nota de rodapé que as cantadeiras eram "mulheres que antigamente cantavam em salas de baile", (...) "regressando a casa após um dia de trabalho no campo ou nas ribeira": a  "cantadeira de diante" era a mulher que cantava a morna a solo (1ª voz),  sendo seguida e acompanhada, no "baxon" (coro), por um grupo de outras que vinham  imediatamente atrás.  

Como fonte principal de informação, o autor cita Désiré Bonnaffoux ("Música Popular Antiga de Cabo Verde"), que diz o seguinte: "quantas vezes, até aos anos 1930, as moças da vila de Sal-Rei, Boa Vista, que à tarde iam buscar água à fonte, voltavam ao cair da noite cantando uma Morna muito singela,  composta por algumas delas naquela tarde!"...

Não havia bailes nem salas de bailes sem a imprescindível presença destas cantadeiras: 

Baltazar Lopes, segundo Germano Lima, "informa que as kantadeiras boavistenses tiveram um papel importante não só na composição de mornas como na sua difusão para as outras ilhas". 

Recorde-se que há 3 variantes da morna, a da Boa Vista, a mais antiga, remontando ao séc. XIX; a da Brava, do início do séc. XX, com Eugénio Tavares; e de São Vicente, dos anos 30/40, com B.Leza. Bana (1932-2013) e Cesária Évora (1941-2011), naturais de São Vicente, são nomes maiores da morna, mas já de outra geração. 

Aliás, a Cesária ainda não tinha nascido quando "o meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), ex-1º cabo inf nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Rainha), chegou ao Mindelo, em julho de 1941. Mas são do mesmo signo, o Leão, o meu pai nasceu a 19 de agosto de 1920, a Césaria a 21 de agosto de 1941.

Por essa altura, a Maria Barba ou estava a partir para a Guiné ou já lá estava. Mas a sua criação, a morna "Maria Barba", era ainda popular no Mindelo, e ficou no ouvido dos expedicionários... O meu pai, pelo menos, ainda a contarolava, muitos anos depois. Bana, por sua vez, só começa a sua carreira nos anos 60, e acaba por ser responsável por manter viva a memória de Maria Barba, que vive esquecida em Bissau.

O autor, Germano Lima, cita depois um extensa lista de cantadeiras que ficaram na Boavista, do princípio do séc. XX até fim da década de 60,  lista essa em que vêm logo a cabeça dois nomes maiores: Benvinda Santos Livramento e a Maria Barba, mas também Vitória Brito, representantes de uma geração da morna boavistense que se extinguiu.


(ii) Maria Barba: símbolo 
da morabeza boavistense


"Uma das provas do espírito acolhedor, de convivência sadia, alegre e amiga da gente boavistense, genericamente alcunhada de kabreiro, é a morna Maria Barba, cuja origem e conteúdo decorrem de um diálogo de despedida entre a célebre kantadeira Maria Bárbara, conhecida por Maria Barba, e o Tenente Serra (...) da Marinha Portuguesa, de passagem pela Ilha em missão de serviço geodésico."

O ten Serra morou, inclusive, na ilha, havendo ainda, em meados dos anos 90, restos da sua casa. 

Mss quem era a Maria Barba ?

Era natural da Povoação-Velha, onde nasceu entre 1895 e 1900 (, segundo um informante local, António Lima, conterrâneo da Maria Barba, e que " teve a sorte de conviver com [ela], já de idade avançada, na Guiné-Bissau". O autor apurou depois que a cantadeira morreu em Bissau, em  2/7/1975, com 70 anos, pelo que terá nascido em 1905. 

(...) "Era filha de Nhâ Barba da Povoação-Velha; seu pai era João de Deus Vitória, natural da Vila de Sal-Rei; era irmã do tocador de viola conhecido por Ti Pó, e de Sátiro, naturais da Vila de Sal-Rei. " (...)O pai era considerado um "proprietário abastado", segundo os padrões locais.

Diz o autor que Maria Barba teve duas filhas, Lixinha e Txutxa, que "emigraram para a Argentina, de onde nunca mais regressaram" (sic)...Não diz se são filhas de um 1º casamento. Nelson Herbert conviveu com os seus netos em Bissau... Filhos de quem ? De rapazes, de outro casamento ? Um ponto  a esclarecer...

Sobre o tenente Serra, que ficou imortalizado pela letra da Maria Barba, sabe-se que "conviveu maritalmente com a kantadeira Vitória Brito, com a qual teve duas filhas: Linda, nascida por volta de 1928, e Djina, mais tarde" (...), as quais emigraram e se casaram no Senegal e nos EUA, respetivamente. (Vitória Santos Brito também fará parte da representação de Cabo Verde na 1ª Exposição Colonial Portugesa, de 1934, no Porto.)

O autor, Germano Lima,  não tem dúvidas sobre a existência real de Maria Barba e da sua importância para a história da morna que, diga-se de passagem, não é só canção, mas também dança:

(...) "De todas as kantadeiras de sala de baile da Boavista, é consenso geral que a Maria Barba, kantadeira de diante, foi a maior de todos os tempos. Ela ficou a ser conhecida para além das fronteiras da Ilha, ao cantar numa sala de baile, para o Tenente Serra, uma das mornas mais antigas da Boavista. Do diálogo então entabulado entre os dois, por um lado, ficaram decalcadas, sobre a melodia dessa morna antiga, novas letras e, por outro, a morna foi rebaptizada com o nome de Maria Barba, perdendo-se as letras e o nome da morna que se pensa original" (...).

E continua Germano Lima:


"O informante João Santos Ramalho (...)  que viveu a cena, conta que, contrariamente ao que se tem dito, Maria Barba não foi espreitar à janela ou à porta da sala do baile onde se entabulou o diálogo entre ela e o Tenente Serra, mas era uma das damas da noite nesse baile: no momento do diálogo, de madrugada, Maria Barba fazia par com o Tenente Serra, querendo, entretanto, deixar de dançar pois tinha de partir, naquela madrugada, para a Manga [, zona extensa e de muita pastagem, quando chove, explica-se em rodapé],para a matança de gafanhoto".

O Cabo Chefe da Povoação-Velha incumbira o Cabo de Polícia de intimar Maria Barba, no dia do baile, para, no dia seguinte, ir trabalhar na matança de gafanhoto, no âmbito da "paga kabesa" (, cada família destacava um elemento para a realização de trabalhos coletivos ou comunitários).


O informante Ramalho, ele próprio, "acompanhava, ao violão, o violinista da noite quando o diálogo entre o Tenente Serra e a Maria Barba se deu, produzindo uma nova poética da morna". 

O autor reproduz depois  extratos das letras da morna Maria Barba, "recuperadas por Eutrópio Lima da Cruz":

TS-Maria Barba, canta mais uma morna
para a despedida do Senhor Tenente Serra. (Bis)

MB-Ó Senhor Tenente, N ka ta kantâ mais
pamô N ta ta bai pa Manga pa matansa de kafanhote.
Ó Senhor Tenente, ali Kóbe de plisa dja bem b’skó-me.
Ai se N ka bai, el ta mandó-me preza pa Porte, oi, oi.

TS-Quem é o Chefe desta povoação?,
porque, Maria Barba, tu não vais ainda.
Quem é o Chefe desta povoação?,
porque, Maria Barba, tu não vais ainda.
...........................................

MB-Saúde Senhor Tenente, saúde, Senhor Engenheiro!
Um muito obrigada de Maria Bárbara.
Ó Senhor Tenente, óra ke busé bai pa Lisboa
ai ka busé skesé de nos, oi, oi.
...........................................


(iii) Maria Barba na 
1ª Exposição Colonial Portuguesa 
(Porto, Palácio de Cristal, 1934)

Maria Barba e outras cantadeiras da Boavista não ficaram conhecidas apenas na sua ilha.A sua fama ultrapassou mesmo as fronteiras de  Cabo Verde, tendo, por exemplo,  participado, um grupo delas,   na 1ª Exposição Colonial Portuguesa (Porto, Palácio de Cristal,  1934). A sua presença está documentada nos jornais da época. 

(...) "Durante este evento, Maria Barba, Luísa Benvinda Santos (Pantxa de Benvinda) e Vitória Brito, todas de Povoação-Velha, Lusy de Totó, da Vila de Sal-Rei, e Marí Jíjí, da Bufareira, cantaram no Palácio de Cristal, no Porto" (...).

As  cantadeiras foram acompanhadas por uma "orquestra" (conjunto tradicional) composta por 4 instrumentos (violino, violão, viola e cavaquinho) e 8 tocadores (dois por instrumento. 



Nha Maria Barba, com um dos netos ao colo,  em Bissau, c. anos 50, na sua casa em Bissau,  na Rua Eng Sá Carneiro (hoje, Rua  Eduardo Mondlane)... Nos anos 60/70,  em frente da casa ficava a messe de sargentos  da FAP.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert (2019).  Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem  complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


E remata o autor:

(...) "Muitos outros dados poderíamos aqui avançar sobre esta figura, a Maria Barba, que tanto contribuiu, no seu tempo, para a divulgação da morna, em Cabo Verde, em Portugal e na Guiné-Bissau. Os seus ossos repousam, hoje, num dos cemitérios da Guiné-Bissau, para onde emigrara, já de meia-idade [, no início dos anos 40].

"Quando a saudade apertava o seu peito e cantava a morna que leva o seu nome, no fim acrescentava o seguinte dístico: - Oi toda vez ke N ta kantâ ese morna / el ta faze-me lenbrâ Bubista, nha téra (...).  

(...) "Por isso, pensamos que a memória da Maria Barba merece, não só uma melhor referência mas também, e sobretudo, um pouco mais de atenção por parte das autoridades competentes: que tal a transladação dos seus ossos para a sua querida Boavista (Governo de Cabo Verde, em colaboração com o Governo da Guiné-Bissau) e a elevação de um busto na Povoação-Velha (Câmara Municipal, com ajuda das forças vivas da Boavista)? 

"Desta forma, a kantadeira Maria Barba ficaria solidamente na nossa memória colectiva e, assim, ninguém mais ousaria atentar contra a sua existência real."

Mantenhas para o autor, a quem agradecemos a informação e o conhecimento que quis partilhar connosco, bem como para o Nelson Herbert, bom amigo que, afinal, ainda está em Washington, esperando reformar-se "nos próximos 2 a 3 anos e passar mais tempo no Mindelo".

[Notas de leitura elaboradas por L.G] [***]

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Notas do editor:

(*) 11 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

(**) Vd. postes de:


9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (184): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...

12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20335: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (112): Nha Maria Barba, ou avó Barba, a grande cantadeira de mornas da ilha da Boa Vista, foi minha vizinha, em Bissau: morávamos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a dos serviços metereológicos e da messe de sargentos da FAP... (Nelson Herbert, Mindelo, Cabo Verde)

(***) Último poste da série > 2 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20303: (De)Caras (114): Ainda o comerciante António Augusto Esteves, transmontano, fundador da Casa Esteves, falecido em Lisboa em 1976 (Lucinda Aranha)

Guiné 61/74 - P20342: Parabéns a você (1708): César Dias, ex-Fur Mil Sapador do BCAÇ 2885 (Guiné, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/70)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20339: Parabéns a você (1106): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20341: Historiografia da presença portuguesa em África (186): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (2): "Portugal Vasto Império", por Augusto da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Iniciou-se este punhado de reflexões com uma carta endereçada ao Governador da Guiné a propósito de um questionário etnográfico onde se conferia larga importância ao conhecimento da vida dos indígenas, a sua vida material e a sua constituição moral, conhecê-lo para educá-lo nos bons valores da cultura ocidental, a preponderante.
Nesse mesmo ano surgiu a obra a que agora se faz referência, surgida no início do Estado Novo, maturada durante a Ditadura Nacional, apologia do Império Português, mas onde se fala do perigo espanhol, da indiferença do povo para os valores imperiais, são inquiridas personalidades vincadamente nacionalistas, integralistas, militares das campanhas de África, um grande empresário e até um republicano, que é zurrado pelo seu comentário ao militarismo nacionalista. Seja como for, levantava-se a consciência imperial, pobretes na Europa, mas com vasto Império, imensas riquezas para explorar, o sonho de muitos era levantar a agricultura e desbravar tais riquezas pelas várias partidas do mundo.
Do racismo se falará mais adiante.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (2)

Beja Santos

Em 1934, em circunstâncias completamente diferentes àquelas em que o Capitão Vellez Caroço se dirigiu ao Governador da Guiné para justificar o seu questionário etnográfico para melhor se conhecerem as minúcias da vida material dos indígenas, para melhor se exercer a ação colonizadora e de soberania na Guiné, a Imprensa Nacional publica um inquérito organizado por Augusto da Costa entre 1926 e 1933, o inquérito aparecera no Jornal do Comércio e das Colónias, tinham sido ouvidos Afonso Lopes Vieira, Pequito Rebelo, Fernando Pessoa, Bento Carqueja, Sousa Costa, Marcello Caetano, José Francisco da Silva, Fernando Garcia, João Ameal, João de Almeida, Paiva Couceiro, João de Azevedo Coutinho, Hipólito Raposo, Fidelino de Figueiredo, Alberto de Monsaraz, Américo Chaves de Almeida.
Augusto da Costa era inequivocamente nacionalista e tradicionalista, as suas preocupações aqui expressas prendem-se com o Império, o que fazer dele quando potências poderosas como o III Reich e o Reino Unido procuram entendimento para retalhar Angola e Moçambique, Augusto da Costa insiste que Portugal é a terceira potência colonial do mundo, que o país permanece indiferente a todas estas potencialidades e verbera:  
“Aos intelectuais portugueses se impõe o dever sagrado de levantar as forças morais do país, acordando a consciência nacional. A imprensa, não há que esconde-lo, tem graves responsabilidades: porque os jornais e jornalistas são capazes de manter o espírito público em tensão durante um mês seguido, dando-lhe todas as minúcias e particularidades de um crime misterioso, são os mesmos que se negam, pelo cansaço, a manter no público esse mesmo estado de espírito, quando se trata de mostrar os perigos que ameaçam as colónias portuguesas”.

O escritor e jornalista endereçou a um conjunto de intelectuais um pequeno questionário, com as seguintes fórmulas:
- sim ou não Portugal, potência de primeira grandeza na Renascença, guarda em si a vitalidade necessária para manter no futuro, na nova Renascença que há de seguir-se à Idade Média que atravessamos, o lugar de uma grande potência?;
- sim ou não Portugal, sendo a terceira potência colonial, tem todos os direitos a ser considerada uma grande potência europeia?;
- sim ou não Portugal, amputado das suas colónias, perderá toda a razão de ser como povo independente no concerto europeu?;
- sim ou não o moral da nação pode ser levantado por uma intensa propaganda, pelo jornal, pela revista e pelo livro, de forma a criar uma mentalidade coletiva capaz de impor aos políticos uma política de grandeza nacional, e na hipótese afirmativa, qual o caminho a seguir?

Como se depreenderá, até porque este inquérito se espraiou por diferentes anos compulsivos da Ditadura Nacional e na alvorada do Estado Novo, para além da diversa substância das respostas houve perspetivas políticas de diferente valência. Entenda-se o que Augusto da Costa pretendia: a Idade Média eram as trevas que atravessaram a monarquia constitucional e o republicanismo, gente que acreditava no parlamentarismo e liberalismo de má memória, o Renascimento aparecera com a Ditadura Nacional, havia perigos, a Espanha republicana ali ao lado, esperanças como o Acto Colonial de 1931, mas tudo imerso em dúvidas. A escolha dos intelectuais não fora arbitrária. Marcello Caetano não era indicado como assessor de Salazar mas como diretor da revista Ordem Nova, há muito boa gente que tem esquecido que o último líder do Estado Novo era simpatizante da extremíssima-direita. Fernando Pessoa acreditara em Sidónio Pais e deu apoio à Ditadura, no início; alguns deles, como Pequito Rebelo ou Hipólito Raposo, vinham do integralismo; foram questionados militares das campanhas de África como o Contra-Almirante José Francisco da Silva, Brigadeiro João de Almeida e Paiva Couceiro. Pequito Rebelo considerava que Portugal era uma nação agrária e colonial, o seu futuro estava na agricultura e nas colónias, Fernando Pessoa terá respondido em dia não, torcia o nariz à grande potência, deve ter arreliado quem o questionava respondendo coisas assim:  
“Portugal grande potência construtiva, Portugal Império – aqui, sim, é que, através de grandeza e de decadência, se revela o nosso instinto, e se mantém a nossa tradição. Nas mais negras horas da nossa decadência, prosseguiu, sobretudo no Brasil, a nossa acção imperial, pela colonização; e foi nessas mesmas horas que em nós nasceu o sonho sebastianista, em que a ideia do Império Português atinge o estado religioso”.

 Fernando Pessoa, por Almada Negreiros

A generalidade dos inquiridos não admite a hipótese da perda das colónias. Há quem aproveite para bater em tudo o que se passou depois da revolução francesa, veja-se o Dr. Sousa Costa:  

“Quanto à anarquia, essa explica-se pelas ideias falsas que os enciclopedistas, os seus filhos, netos e todos os outros herdeiros ou parentes espirituais inocularam nas grandes massas urbanas e proletárias. São essas massas, como se sabe, numa época de centralização absolutista e de activo industrialismo, quem constitui as elites populares. Para onde elas se inclinam, para aí se inclina a balança do equilíbrio social”.
O mesmo deponente, questionado se seríamos uma grande potência europeia, responde assim:  
“O exemplo da Holanda é flagrante, e constitui a melhor resposta a dar àqueles que consideram Portugal pequeno demais para tão grande território. A nossa pequenez continental serviria de justificação a todos os ataques, a todas as ambições que pairam sobre as nossas colónias. Porque não atacam a Bélgica? Porque não atacam a Holanda? Simplesmente porque nem a Holanda nem a Bélgica dão as provas de abandono que nós damos à nossa melhor riqueza; porque tanto a Bélgica como a Holanda cuidam seriamente da sua riqueza, não dando motivos a que os outros as apodem de povos perdulários. Porque tanto a Bélgica como a Holanda administram a sua fortuna. Se nós entrássemos pelo mesmo caminho, se tanto interna como externamente administrássemos as riquezas que ainda nos restam de um património já largamente desfalcado, não seria a nossa pequenez continental argumento que servisse para alguém justificar os seus instintos de rapina”.

 O jovem Marcello Caetano

Marcello Caetano também parecia estar em dia não, respondendo que o moral da nação podia ser levantado por uma intensa propaganda de forma a criar uma mentalidade coletiva, deu resposta terminante:  

“Acredito pouco na formação de uma mentalidade colectiva, irmã-gémea da soberania nacional e da opinião pública. Quanto a mim, o remédio é este: a par da propaganda intensa, a acção dirigida no intuito de alcançar o poder para uma minoria inteligente realizar aquilo que vagamente a grande massa poderá apoiar, mas não compreender. Eu não espero nada dos políticos. Espero, sim, de uma política nobre servida por homens dignos. Livro, revista,… Acho-os úteis para chamar a atenção dos homens de escola para o problema. Mas que, os que já se interessam por ele há muito e para ele acharam soluções, busquem pô-las em prática no ambiente novo em que vivemos, sem as peias da politiquice e os embaraços da verborreia estéril do Parlamento”.

A verdadeira voz dissonante foi a de Fidelino de Figueiredo, desdramatizou a perda das colónias, se tal acontecesse não atingiria as garantias da nossa independência, e escreveu:  
“Há muitos países na Europa sem os prestígios históricos e sem a individualidade de Portugal, que gozam tranquilamente a sua independência, sem possuírem colónias e sem as terem perdido”.
E enquanto é perguntado sobre uma política de grandeza nacional, o antigo diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa não esconde ser adverso do militarismo político, o que deixou Augusto da Costa encabulado, ainda por cima Fidelino atacara como gato a bofe a censura prévia, Augusto da Costa sentiu-se no dever de apoiar o 28 de Maio e lançar as suas estocadas à Rússia e à Espanha republicana.

O livro com base no inquérito de Augusto da Costa fazia a apologia do Império Português, apresentava-nos como imperialistas, havia que reabilitar o orgulho do vasto império, estabelecer os nossos deveres imperiais, rever a nossa fraca cultura histórica e lembrar a superfície total do Império Português, distribuída pelas sete partidas do mundo, um império com missão espiritual, se o nosso patriotismo era vibrante, havia que dar definição e consciência ao instinto vital da raça, moldar a opinião pública, dar-lhe consciência imperial, definir novas leis para o império, o Dr. Salazar já resolvera o problema financeiro e fizera aprovar em 1931 o Acto Colonial: Portugal, depois de ter sido a pequena casa lusitana, transformou-se, por força da fatalidade histórica e geográfica, num vasto império. O Estado Novo terá ouvido Augusto da Costa, nesse mesmo ano de 1934 realiza-se a I Exposição Colonial no Porto, lá esteve presente a Guiné, com pompa e circunstância. O Império tomara conta das elites, de alguns bancos e de alguns empresários. A Agência Geral das Colónias começou a trabalhar a todo o vapor. Mas não se desenvolveu a tal mentalidade coletiva que Augusto da Costa aspirava. E quando se desenvolveu, bastantes anos mais tarde, foi para mandar gente empobrecida para os colonatos, o novo Eldorado.

Do racismo que se irá aparelhar ao colonialismo, falaremos mais adiante.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 6 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20318: Historiografia da presença portuguesa em África (182): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (1): Questionário Etnográfico elaborado pelo Capitão Vellez Caroço (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (184): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...