domingo, 2 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21216: Blogues da nossa blogosfera (134): Diogo Picão: "A guerra do meu tio"

O músico, saxofonista, compositor 
e letrista, o lourinhanense 
Diogo Picão 
 1. Do blogue do Diogo Picão,  tomamos a liberdade de reproduzir, mais abaixo,  o texto "A guerra do meu tio"... 


Muitos de nós gostariam de ver os nossos filhos e sobrinhos escreverem textos com a qualidade e sobretudo a sensibilidade, a ternura e a empatia deste texto.

Claro que não é um jovem qualquer. É um talentoso e promissor músico, saxofonista, compositor e letrista, o lourinhanse Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia"

Trocou há anos a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista. É autor de bem humoradas letras, ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas. Vivendo apenas da música, foi, entretanto, um dos milhares de artistas que foram apanhados, sem rede, pela crise provocada pela pandemia de Covid-19, com concertos e outros eventos desmarcados... 
Capa do primeior álbum 
do Diogo Picão, "Cidade saloia" 
(2018)

 Tem dois tios que foram à guerra do ultramar ou guerra colonial, há muito esquecida (, ou cuja memória é hoje recalcada pelos portugueses...): um, tio materno,  foi alferes paraquedista, em Angola (BCP 21, 1970/72),  o outro, tio paterno,  foi "infante", furriel miliciano de infantariam no leste da Guiné, numa altura em que o leste esteve a ferro e fogo, em especial a zona fronteiriça em 1973/74 (CCAÇ 3545 / BCC 3883, Canquelifá, 1972/74).

 O primeiro, Jaime Bonifácio Marques da Silva,  fala da guerra, e é membro da nossa Tabanca Grande, o outro nunca fala da guerra, nem quer que lhe falem da guerra.

O Diogo merece a nossa atenção, apreço e aplauso... Vejam só este precioso pedaço de prosa: "Com ele [, o meu tio,] percebi desde criança que as guerras não são como nos filmes, mesmo que sejam realistas e bem-feitos, com fotografia impecável e correção de cor. Na guerra real ao que parece as pessoas vão morrendo devagar, repetidamente e durante muito tempo." 


2. Blogue do Diogo Picão > julho 30, 2020 > A guerra do meu tio (**)

O meu tio fala muito da guerra. Especialmente às refeições, mas qualquer hora é apropriada. 


Com ele percebi desde criança que as guerras não são como nos filmes, mesmo que sejam realistas e bem-feitos, com fotografia impecável e correção de cor. 

Na guerra real ao que parece as pessoas vão morrendo devagar, repetidamente e durante muito tempo. A mina que pisaram é a mesma mas morrem primeiro durante as entradas, às vezes ainda estão vivas durante o prato principal, para logo a seguir, na sobremesa, morrerem outra vez. Noutras alturas deixam de respirar nos pesadelos repetidos. 

Ao que parece a guerra não é uma coisa que acabe para quem lá esteve, a guerra é mais um estado de espírito, uma memória, quase um membro a mais no corpo, um terceiro braço cheio de cortes e nódoas negras no qual se vai trocando o penso todos os dias do resto da vida. 

Todos sabemos como são as ideias, elas vão trotando de um lado para o outro do cérebro e é como se estivessem todas ligadas e fossem muito íntimas umas das outras, quase amantes, mesmo quando nunca se conheceram. 

Qualquer assunto leva o meu tio a falar sobre a guerra: se alguém foi à casa de banho durante a refeição talvez se lembre daquele soldado que foi verter águas sem pedir autorização e acompanhamento armado, e acabou emboscado com um tiro certeiro; se alguém enche o copo de vinho recorda-se do quanto se bebia depois das operações no mato para que os tiros deixassem de soar na cabeça por umas horas; se alguém pisa num pedaço de queijo que caiu da mesa, ele lembra-se invariavelmente do Arsénio, o primo que pisou uma mina [, em Angola,] e se esvaiu em sangue antes do helicóptero chegar.

O primo Arsénio é a pessoa que mais demora a morrer. Morreu muito novo mas de alguma maneira estranha para mim ele continua vivo. Vai morrendo pouco a pouco e nunca deixa de estar presente nas ocasiões especiais da família. Sempre se sentou à mesa nos natais, nas sardinhadas de Verão, nas festas de aniversário, tanto dos adultos como da criançada que hoje já foi substituída pela nova geração. 

Eu nunca o vi presencialmente, a guerra foi antes de eu me lembrar da vida, mas o primo Arsénio para mim tem vinte e poucos anos, é magro e alto como o meu tio, não fala muito mas acena com a cabeça em concordância enquanto ouve as histórias de guerra, come de forma frugal, e falta-lhe alguma parte do corpo que nunca consigo ver qual é. Acredito que uma perna mas a imagem é um pouco baça e às vezes vejo-o a caminhar, então não sei bem. 

Também todos sabemos que as memórias são tramadas, se com os vivos de carne e osso já é difícil não os pintar de tantas cores que eles nunca vestiram, quanto mais com os mortos, ou com aqueles que estão sempre a morrer. 

Lourinhã  > Monumento aos Combatentes
do Ultramar. O Arséno Bonifácio Marques
da Silva foi um ds 20 jovens lourinhanenses
que morreunnesta  guerra, em 4/9/1972.
Em Angola,em combate. Era sold at,
CCS/BCAÇ 12.  A sua terra,
Seixal, Lourinhã, não  o esqueceu:
há um largo com o seu nome. 

Foto: Luís Graça (2012)
A mãe do primo Arsénio, a minha tia-avó Felicidade, nunca me falou dele. Não sei como ele era para ela mas deduzo que o mesmo que muitos filhos para muitas mães: um pedaço grande de tudo. E nesta morte continuada para mim há um facto: os helicópteros atrasam-se sempre. Seja nos incêndios ou a ir buscar o primo Arsénio, nunca estão onde são precisos na hora certa. A tecnologia ainda está obsoleta, os helicópteros chegam sempre quando as chamas já lavram desenfreadas e o primo Arsénio já se esvaiu em sangue.

Outra coisa que creio ter aprendido ao longo dos anos, a ouvir o meu tio sobre tiros, homens fardados e madrinhas de guerra, é que o bem e o mal são conceitos muito vagos. Devemos perdoar quem matou? Devemos respeitar quem morreu? E se quem matou também morreu? E se quem morreu também matou? 

Uma guerra parece ser sempre a derrota do diálogo e a vitória da força bruta aliada a interesses mais refinados. E mesmo que historicamente se acredite que uns estão do lado errado e outros do lado certo, se é que alguma vez isso existiu, os soldados de todos os lados estiveram lá a dar o peito às balas e alguns a encherem-se delas. 

Muitos contrariados, muitos obrigados, muitos encharcados em propaganda, muitos com fantasias nacionalistas, alguns com sede de sangue. É sempre mais fácil julgar de fora quando tudo já passou e estamos a assistir guerras no conforto do sofá em que os bons e os maus vestem fardas diferentes. 

Os combatentes que pisam o terreno são sempre carne para canhão, mesmo aqueles que concordam com a guerra em que foram alistados. As decisões são a maior parte delas assinadas em secretárias sem lama, em salas com retratos pomposos e imaculados e com palavras que os soldados não usam no quotidiano. E quando as altas patentes se reformam, e as ideias que defendiam ficam velhas, e às vezes vergonhosas, os soldados continuam a acordar à noite emboscados por um pesadelo sem pernas. 

E por mais que se fale, que se cale, que se beba, que se durma, aqueles que não conseguiram proteger ou que tiveram de matar continuam a morrer. E estão todos reunidos na memória. Inimigos e amigos vivem juntos depois de fecharem os olhos.

O meu tio fala muito da guerra. Ainda bem, fico mais tranquilo. Imaginem quem guardou aquelas explosões e aquele mato, aquelas entranhas todas dentro do peito. O meu outro tio nunca me falou da guerra mas sei que alguma coisa também morre dentro dele todas as noites.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Canquelifá > CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche, 1972/74) > c. 18-31 de Março de 1974 > A paisagem desoladora da tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas... Foto, de autor desconhecido, do álbum do Jacinto Cristina (Sold At Inf, CCAÇ 3546, 1972/74)

Foto: © Jacinto Cristina (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


5 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20124: Os nossos seres, saberes e lazeres (352): A festa da Atalaia, Lourinhã: oito dias pantagruélicos porque aqui o marisco é rei... Na festa da Atalaia, alarga-se o cinto e aperta-se a saia... (Luís Graça)

sábado, 1 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21215: Os nossos seres, saberes e lazeres (404): Alfredo Keil, um bom pretexto para ver a pré-primavera no agreste Cabril (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos,
Foi graças a um livro de Aires Henriques sobre o Cabril e as suas belezas, que cheguei à obra poética de Alfredo Keil, "Tojos e Rosmaninhos". Depois consultei o magnífico catálogo que acompanhou a exposição de 2001, exposição magnífica que revelou que o criador da música do Hino Nacional, foi um grande pintor tardo-romântico, grande desenhador, amante da natureza, legou-nos paisagens sublimes, um bom fotógrafo e um espantoso colecionador. Percorreu a região do Cabril na companhia de Luigi Manini, um coreógrafo no Teatro Nacional de São Carlos que aproveitou alguns dos temas do Cabril para cenários de óperas de Alfredo Keil, ali mostradas ao público.
Anunciava-se a primavera, o céu estava descoberto, lancei-me por aqueles córregos para saborear a beleza ímpar daqueles pedregulhos que beijam o Zêzere, são águas que correm da Barragem do Cabril para a Barragem da Bouçã. E por ali andavam alguns sinais da primavera, e um verde intenso e as amendoeiras em flor, no fundo tínhamos chegado a fevereiro, a natureza desperta, o ciclo recomeça, tudo se transforma.

Um abraço do
Mário


Alfredo Keil, um bom pretexto para ver a pré-primavera no agreste Cabril

Mário Beja Santos

Alfredo Keil é mais conhecido por ser o autor da música do hino nacional, juntou-se a Henrique Lopes de Mendonça para compor um hino combativo a repudiar a humilhação do Ultimatum, período bem marcante da vida nacional. Keil não consta como nome cimeiro das artes plásticas portuguesas. No entanto, foi um grande artista polifacetado, mestre da paisagem, fotógrafo inovador, poeta, compositor de música de câmara, sinfónica, instrumental e operática. Quando se deslocou ao Zêzere, fez-se acompanhar de um famoso cenógrafo de óperas, Luigi Manini, está hoje comprovado que ele soube captar as penedias e o mundo rural daquela região. Numa importante exposição que veio a público em 2001, na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, no Palácio da Ajuda, mostraram-se obras de Keil nas Lezírias ribatejanas, no Tejo em Abrantes, em Tomar, Meandros do Zêzere, incluindo até quadros a óleo com excursionistas a contemplar os desfiladeiros e as fragas a pique. Dessa grande viagem, Keil escreveu uma obra poética por ele ilustrada, Tojos e Rosmaninhos, a poesia não ficou para a história mas a arte do desenho é um deslumbramento.

O Cabril, visto por Luigi Manini, nas suas deambulações com Alfredo Keil no Zêzere


Num final de janeiro, numa tarde cheia de amenidade, e uma luz um tanto coada, com imagens das obras de Manini e Keil no Zêzere metidas no telemóvel, fui satisfazer a curiosidade de visitar esse local agreste, com águas domadas entre a barragem do Cabril e a barragem da Bouçã. Estavam a chegar alguns sinais da primavera, era oportuno saudá-los. Elas aqui ficam.


O Zêzere tem o condão de correr para o Tejo entre megatoneladas de calcário e xisto, torce-se e retorce-se em meandros, pois não tem a lisura de quilómetros a direito, encurva, tem por vezes vegetação à flor da água, mas a imponência deste curso líquido é a inclinação das margens, raramente amaneiradas com vegetação luxuriante, no essencial o que sobressai é a penedia que vem do alto, gretada, segmentada, brutal.



Enquanto se desfruta o Zêzere disciplinado pelas barragens, dá-se com o sinal pré-primaveril, é um dos primeiros, não são jacintos, são junquilhos selvagens. O português não faz turismo, como o inglês, para vir desfrutar estes avisos de que a primavera já está menos distante. Nem fazemos excursões para ver as acácias em flor, parece que a chegada da primavera está circunscrita às amendoeiras, não temos o uso nem o costume de andar a olhar o que a natureza rude exibe, bem discreta, para tocar a campainha de que a nova vida já está desperta. Mas há mais, a verdura está exuberante, aqui não virá um jardineiro roçar estes campos, verdes ficarão até fenecerem, é um verde quase mineral, o novo tapete de quem sai do sono do inverno.



Estas duas imagens de penedia agreste parecem ao viandante propícias para um bom cenário de ópera, ainda bem que o Luigi Manini por aqui andou e consagrou, são telas guardadas nos arquivos do Teatro Nacional de São Carlos. Mas a ponte filipina, da segunda fotografia, é de uma beleza estarrecedora, agora só suspiramos por aquela arte de bem construir, com dimensões harmoniosas, já ninguém se lembra, a memória apaga-se depressa, de que tempos houve em que aquela ponte era a única possibilidade de trânsito entre as gentes que saíam de Pedrógão Grande e que queriam ir até à Sertã, ou a Oleiros, ou a Proença-a-Nova, ou até mais longe. Havia uma empresa de viação em Cernache do Bonjardim, carreiras de e para Lisboa, em Cernache se enviesava para Castelo Branco e outros destinos, mas era a ponte filipina que dava mobilidade às gentes deste rincão já da Beira Interior.



Percebe-se um encantamento que provoca uma amendoeira em flor, tem algo de sinfonia pastoral, não possui a majestade da magnólia, nem a embriaguez daqueles campos de acácias que enchem de amarelo quilómetros à beira da estrada. Podem as amendoeiras formar conjuntos desta alvura de algodão rosado, mas podemos tomá-las uma a uma como odes à alegria da primavera, e daí perceber-se a atração que provocam ao fotógrafo e mesmo ao aguarelista ou pintor de telas de óleo, é um emaranhado de cor que ainda por cima se pode aprimorar quando o céu é plenamente azul, como no caso vertente. E é a saudar esta pré-primavera que o viandante se despede com promessas de regressar.


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Nota do editor

Último poste da série de 25 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21197: Os nossos seres, saberes e lazeres (403): Nadir Afonso, as invisíveis cidades geométricas, ao alcance da Matemática (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21214: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (13): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
A aranha entretece a sua teia, trata-se de um destino a dois, o que começara por ser uma inusitada proposta para ajudar a fazer um livro de memórias sobre a guerra da Guiné deu para que duas almas se fossem conhecendo, acontece que elas estão disponíveis para amar, há a vantagem mútua de não haver conveniências financeiras, ambos trabalham que se farta, nenhum dos dois precisa da gosma do dinheiro do outro, e já não escondem a dependência afetiva. Mas as memórias da Guiné continuam, e prosseguirão, mal sabe a Annette Cantinaux que tem narrativas sobre mais que um ano e meio de alegrias e dramas, muito sangue e muita fraternidade aqui serão alvo de descrição, e de Lisboa, não poucas vezes, partirão memórias embebidas nas lágrimas, há sofrimentos que nunca se reparam.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (13): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Chère, très chère Annette, estou a enviar-lhe esta carta ao fim da noite, parto amanhã para Bruxelas no voo das 6h50 da manhã, conto estar em forma para que se cumpra esse extenso e maravilhoso programa que preparou para o nosso fim de semana de três dias, e sei perfeitamente que lhe votou o maior carinho. Receberá esta carta, pois, quando eu estiver a regressar, e ainda bem que assim é. Sei que está a coligir com uma enorme devoção estes primeiros meses da minha guerra da Guiné, percebeu perfeitamente que me procuro inserir no meio, aqui ninguém é tratado por números, só por nomes, já sei distinguir Gibrilo (que vem do Anjo Gabriel, referido no Corão) Embaló de Gibrilo Mané, o primeiro é um soldado milícia que começou por falar comigo com os olhos postos no chão, manifestação de respeito, peguei-lhe pelo queixo e olhei-o de frente, “Gibrilo, somos dois homens com os mesmos deveres, o de nos respeitarmos mutuamente, não sou régulo, aceita-me como irmão”; Gibrilo Mané é também milícia, tem divisas de 1.º Cabo, é maqueiro, pouco depois de eu chegar ao Cuor foi tirar um novo curso ao hospital de Bafatá, regressou muito contente com a aprendizagem. Começaram a aparecer as histórias mais imprevistas da minha vida, imagine que uma noite destas estava eu na chamada messe a jogar ao loto com os furriéis e todos os cabos, e apareceu à porta um militar branco todo esfarrapado a perguntar onde se encontrava, caiu redondo na soleira, prontamente foi transportado para o meu abrigo, pus o quartel em estado de sítio, vigilância redobrada, como fora possível aquele homem entrar em Missirá sem ter sido detetado pelas diferentes sentinelas?

Deixei-o descansar cerca de uma hora, vinha nitidamente prostrado, coisa estranha ou tinha sido açoitado ou rasgara-se na densa vegetação, a roupa esfarrapada, golpes na carne, o calçado desfeito. Nenhuma das sentinelas dera pela sua entrada, o que me deixou estarrecido. À cautela, mandei fazer comida, quem assim chegava podia vir esfaimado. Acordou, devorou o arroz e as salsichas, bebeu desalmadamente. E contou uma história que nos pôs os cabelos em pé. Pertencia ao Batalhão de Mansoa, qualquer coisa como uma distância de 100 quilómetros de Missirá, irresponsavelmente saiu sozinho do quartel e foi banhar-se numa bolanha, aqui apanhado à mão por uma patrulha do PAIGC. Foi parar a uma base, não sabia qual, também não sabia em que dia tudo aquilo acontecera, o que interessa é que dois dias depois, e já sujeito a interrogatórios, aproveitou a calada da noite e embrenhou-se pela mata densa, correu, desorientou os perseguidores, conseguira apanhar uma estrada de terra batida, viu luzes, passou pelo cavalo de frisa sem falar com ninguém, identificou-se. Foi então que eu e o Cabo Teixeira preparámos uma mensagem para Bambadinca, tudo aquilo me parecia irreal, uma fábula, deixei o dito militar (deu nome, posto e referiu a unidade de Mansoa) vigiado e a mensagem seguiu, fui descansar, mas sempre em sobressalto, aquilo não podia estar a acontecer. Bambadinca respondeu ao amanhecer, era tudo verdade, eu que trouxesse o dito soldado desconhecido para ser recambiado para Mansoa. Annette, isto é um simples episódio da minha nova vida, aparecem-me soldados a pedir adiantamentos, uma noite destas o cabo maqueiro entrou-me na morança com um soldado milícia que pretendia dentro de dias seguir para o regulado do Cossé, queixara-se ao Cabo Adão, ele mandou-lhe baixar as calças, fiquei petrificado, aquele homem tinha um testículo que ia até aos joelhos, houve na manhã seguinte que fazer coluna e levar o doente ao médico, o cerimonial do casamento ficava adiado.

Chegou o Ramadão, solidarizei-me, num dos costureiros de Bambadinca (eles espalham-se desde o porto até ao mercado) adquiri 14 metros de popelina, mandei fazer calção, camisote e camisa, tudo branco com bordado roxo. Venho mostrar ao régulo, abraçou-me, tinha ali mais um irmão muçulmano, emprestou-me a sua espada, o cofió, o amuleto que eu ponho ao peito com um versículo do Corão, amanheceu, estou radiante por me dar tão bem com pessoas que desconhecia completamente há três meses, volto à minha morança e fardo-me, ainda usarei este fato no Ramadão, quando a convite for à mesquita para uma oração comum. Será devorado pelo fogo na noite de 19 de março de 1969, como todos os meus bens.

Este afã de vida embriaga-me, é um viver galvanizante, não há horas mortas, a despeito das profundas saudades dos meus entes queridos e eu saber que tinha sonhos e que gostava muito de ir ao cinema, ao teatro, ao bailado, à ópera, aos concertos, às exposições. É uma vida que ficou entre parênteses, aqui, agora, é procurar melhorar a existência com quem convivo.


A segunda imagem que a Annette pode observar marca uma grande alegria na minha vida: juntaram-se duas canoas para poder transportar o novo balneário de Missirá, bidons com chuveiros acoplados. Não me pode ver, estou de costas, visto uns calções manhosos, o Geba está na vazante, levamos a bom porto esta preciosa mercadoria que será transportada pela bolanha de Finete, esta noite será o assunto principal nos serões de Missirá, melhores banhos se anunciam.

Não quero incomodá-la mais com estas recordações da Guiné, a ficção do nosso romance. Mas não lhe podia deixar de enviar uma outra surpresa, a imagem do local onde vou praticamente todos os dias, e que fica a sensivelmente doze quilómetros e meio de Missirá.


Local de Mato de Cão onde fazemos a vigilância das embarcações

Estou empolgado por esta viagem, tenho muito para conversar com a Annette, sinto que se abre uma janela que ilumina o meu futuro no horizonte. Cheguei aos 50 anos, tenho os filhos crescidos, obviamente que tenho que os ajudar, mas penso ter direito à felicidade. Tal como a Annette, amo Bruxelas, as imagens que se seguem, para si particularmente comuns, deslumbram-me a qualquer momento. É seguro que iremos os dois passar por um ou mais locais aqui mostrados. Mas se lhe envio estas imagens é para lhe dizer, por minha honra, que não me importaria de aí passar mais tempo, como se essa cidade fosse minha, porque ela é muito sua, e isso dá-me um infinito prazer. Receberá esta carta depois de eu regressar, terei tempo entretanto de lhe dar conta de todos os meus sonhos em aberto. Não sei se deva dizer bien à vous ou bien à toi, iremos os dois considerar este fim de semana, afetuosamente, Mário.

Palácio da Justiça, Bruxelas, edifício mais gigantesco não conheço

 Cite Hellemans, Marolles

Boulevard Lemonnier, Bruxelas

Mercados multiéticos, Bruxelas
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21195: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (12): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21213: Os nossos regressos (38): Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70): uma longa viagem de nove dias, no velhinho T/T Carvalho Araújo, de 16 a 26 de junho de 1970, com um dia no Funchal (Fotos: Otacílio Luz Henriques)


Foto nº 436  > Viagem de regresso Bissau - Lisboa > T/T Carvalho Araújo > Ao largo, c. 16-26 de junho de 1970 > O 1º cabo bate-chapas Otacílio Luz Henriques


Foto nº 405 > Guiné > Bissau > T/T Carvalho Araújo > Partida: 16 de junho de 1970


Foto nº 438 > T/T Carvalho Araújo >  Ao largo, c.  16-26 de junho de 1970 > O navio estava já em fim de vida...


Foto nº 419 > Guiné > Bissau > T/T Carvalho Araújo > Partida: 16 de junho de 1970. O navio 'engalanado'... Regressa casa,vivo e são, era o maior ronco...


Foto nº 434  > T/T Carvalho Araújo >  CCS/BCAÇ 2852 > Ao largo, c.  16-26 de junho de 1970 > Um camarada do 1º cabo Otacílio Luz Henriques, em primeiro plano, a fumar um cigarro, debruçado sobre a amurada do navio.


Foto nº 421 >  T/T Carvalho Araújo > Temos dúvida se ainda está no cais de Bissau, em16 de junho de 1970, ou já está atracado no porto do Funchal...


Foto nº 410 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Baía do Funchal > c. 16-26 de junho de 1970


Foto nº 423 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 >  Baía do Funchal > c. 16-26 de junho de 1970


Foto nº 431 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Baía do Funchal > c. 16-26 de junho de 1970 > Parece  er a zona da Barreirinha (hje, da "noite funchalense").. À direita, a zona do Lazareto.


Foto nº 437 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Baía do Funchal > c. 16-26 de junho de 1970 >  O núcleo histórico do Fnchal, com a marina, o Forte de São Tiago, etc,


 Foto nº 426 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio  pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970 > Hotel ?


 Foto nº 425 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio  pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970 > Em primeiro plano o 1º cabo Otacílio Luz Henriques, em segundo plano a cidade e, ao fundo, à direita,  a baía do Funchal


Foto nº 414 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio  pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970  > Ao  fumdo, à esquerda, parece ser a zona do Lido.


Foto nº 426 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970 > Em primeiro, a igreka que se vê, com duas torres, parece ser a de Santo António, segundo o nosso coeditor Carlos Vinhal.


Foto nº 407 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970 > Vista da baía do Funchal, ao fundo à esquerda, a ponta do Garaju.


Foto nº 441 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970


Foto nº 404 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo > BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa > Passeio pelo interior da ilha > c. 16-26 de junho de 1970


Foto nº 415  > Madeira >  T/T Carvalho Araújo >  BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa >  Funchal  > c. 16-26 de junho de 1970 >  Estádio dos Barreiros, hoje estádio do Marítimo... Foi inaugurado em 1957..(E remodelao em 2009.)


Foto nº  432 > Madeira >  T/T Carvalho Araújo >  BCAÇ 2852 > Viagem Bissau - Lisboa >  Funchal  > c. 16.26 de junho de 1970 >  A Igreja de São Martinho 

Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)


1. Já aqui publicámos, em tempos, bastantes fotos do álbum do Otacílio Luz Henriques, ex-1º cabo bate-chapas, do pelotão de manutenção comandado pelo alf mil Ismael Augusto, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), e também viola baixo do conjunto musical "Os Bambas D' Incas" de que faziam parte, ainda, o José Maria de Sousa [, Ferreira], soldado do pelotão de intendência de Bambadinca (viola solo),   e os primeiros cabos, todos da CCS,  o Tony ("cantor romântico", vocalista), o Peixoto (bateria) e o Serafim (viola ritmo). 

No Pelotão de Manutenção, constituído por 32 militares, havia, além do comandante, o alf mil  oficial de manutenção Ismael Augusto (. membro da nossa Tabanca Grande), um 2º srgt mecânico auto (o Daniel), um fur mil mec auto (o Herculano José Duarte Coelho), dois 1ºs cabos mec auto (João de Matos Alexandre e António Luis S. Serafim), mais três soldados mec auto (Amável Rodrigues Martins, Rodrigo Leite Sousa Osório e Virgílio Correia dos Santos)...

O pelotão tinha  ainda um 1º cabo bate-chapas (o Otacílio Luz Henriques, mais conhecido por "Chapinhas"), um correeiro estofador (1º cabo Norberto Xavier da Silva) e ainda um mecânico electro auto (1º cabo Vieira João Ferraz). Os restantes dezanove elementos do pelotão eram condutores auto: primeiros cabos (2) e soldados (17)...


T/T Carvalho Araújo
2. Para comemorar os 50 anos do regresso do Comando e CCS/BCAÇ 2852, mais a CCAÇ 2404 (um das 3 unidades de quadrícula do batalhão), no T/T Carvalho Araújo, com partida de Bissau em 16 de junho de 1970 e chegada a Lisboa a 26, vamos publicar mais umas fotos do álbum do "Chapinhas". 

São imagens de "slides", digitalizados, mas de qualidade variável. Selecionámos as melhorzinhas, sendo a maior parte do Funchal e arredores. Têm algum interesse documental.

O navio ficou um dia no Funchal, o que permitiu que alguns militares, em grupo, alugassem  táxis e fossem dar uma voltinha pela ilha. Foi o caso do Otacílio, que tirou "slides" de algumas paisagens. Mas o álbum não traz legendas e a numeração não é exatamente cronológica, tem a ver a com a ordem da digitalização... Guardámos apenas os três últimos dígitos para identificar as imagens.

Alguns dos nossos leitores poderão ajudar-nos a completar as legendas, a começar pelo coeditor Carlos Vinhal, que pertenceu a uma companhia madeirense, a CART 2732, mobilizada pelo BAG 2, sita no Pico de S. Martinho, no Funchal. (E que partiu para o TO da Guiné a partir do cais do porto do Funchal.)

Muitos de nós, no regresso, fizemos estas voltinhas, nalgumas escassas horas. Cinquenta anos depois a Madeira está bastante diferente, seguramente tem muito mais cimento... Mas continua a ser a  "pérola do Atlântico"...

O T/T Carvalho Araújo levou 9 dias a fazer uma viagem de cinco dias, em condições normais. Segundo o comandante da CCS/BCAÇ 2852, o alf mil trms Fernando Calado, o navio esteve parado em alto mar mais um dia, por causa de um tufão.

Incrivelmente, dou conta de que o Otacílio ainda não é membro da Tabanca Grande; fiquei à espera, estes anos todos, do seu endereço de email e de uma foto atual... Nem sei se ele visita o nosso blogue. Alguém me disse que andava entretido com um monte alentejano que tinha comprado... Vou reparar esta injustiça: O Otacílio Luz Henriques tem 14 referências no nosso blogue. Um alfabravo fraterno para ele, se nos ler...


Foto nº 516 > Viagem de regresso Bissau - Lisboa > T/T Carvalho Araújo >  BCAÇ 2852 > Ao largo, c.  16-26 de junho de 1970 > Aproximação ao continente, se não erro.


Foto nº 513 > Viagem de regresso Bissau - Lisboa > T/T Carvalho Araújo >  BCAÇ 2852 > Estuário do Tejo (?)  > Chegada a 26 de junho de 1970 


Foto nº 520 > Viagem de regresso Bissau - Lisboa > BCAÇ 2852 > T/T Carvalho Araújo > Estuário do Tejo >  Ponte Salazar e Monumento de Cristo Rei > Chegada a 26 de junho de 1970.

Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21208: Os nossos regressos (38): O pessoal do Comando e CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968 / 70) chegou a Lisboa, no T/T Carvalho Araújo, a 26 de junho de 1970 (Fernando Calado)

Guiné 61/74 - P21212: Parabéns a você (1842): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21209: Parabéns a você (1841): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico do BCAÇ 2930 (Guiné, 1970/72); Jaime Mendes, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69); Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66) e Victor Tavares, ex-1.º Cabo Caçador Paraquedista da CCP 121 (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21211: Bombolom XXV (Paulo Salgado): Amaral Bernardo, um homem bom, um homem grande


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007: a saída do obus 14, de noite.

"Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um supositório de 50 quilos lançado a 14 km de distância... Era um pavor quando disparavam os três ao mesmo tempo... 


"Era costume pregar sustos aos periquitos... Eu também tive honras de obus, quando lá cheguei... Guileje não tinha nenhum obus, mas sim três peças de artilharia 11.4. A peça era esteticamente mais elegante do que o obus" - disse-me o Amaral Bernardo, no dia em que o conheci pessoalmente, no Porto, no seu gabinete no Hospital Geral de Santo António, que é a sua segunda casa, e onde é (ou era, em 2007) o director do ensino pré-graduado da licenciatura de medicina do ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/HGSA Ciclo Clínico (ou seja, responsável por mais de meio milhar de alunos, um batalhão; reformou-se, entretanto]...


José Maria Ferreira do Amaral Bernardo, professor catedrático convidado, aposentado, Hospital Geral de Santo António, e  ICBAS, Porto  [ex-Alf Mil Médico da CCS / BCAÇ 2930, Catió, e CCAÇ 5, Catió, Guileje, Bedanda, 1970/72: ,membro da nossa Tabanca Grande ]

Fotos (e legendas): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de Paulo Cordeiro Salgado [, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72); administrador hospitalar reformado; natural de Torre de Moncorvo]

Date: quinta, 30/07/2020 à(s) 12:30

Subject: Amaral Bernardo - algumas plavras

Três breves episódios sobre o Camarada, ex-alferes Médico, Dr. Amaral Bernardo, que hoje faz anos (*),

Tenho tido o privilégio de manter um contacto frequente com o nosso Dr. Amaral Bernardo.

Primeiro – O Amaral Bernardo é um intelectual emotivo. Vê-lo apresentar o livro Quatro Rios e Um Destino, de Fernando de Sousa, é comovedor, é infinitamente gratificante.

Neste livro, o autor afirma (transcrevo):

«Este livro, fala de realidades. Fala de mim, da minha vivência, da minha forma de ser e de estar, da minha entrega a tudo aquilo em que acredito. Das minhas convicções, dos meus sentimentos, da minha passagem, por uma Guerra e, suas consequências, de pesadelos sem fim, das muitas emoções.

Nele procurei inserir e exaltar os ensinamentos assimilados, das várias gerações com que me fui cruzando neste caminho da vida, de várias épocas, em dois mundos e duas culturas diferentes.»


Na oportunidade, na messe do Porto, onde decorreu a apresentação do livro, o Dr. Amaral Bernardo, escolhido pelo Sousa, exibe o grande humanismo que o norteou na missão para que foi chamado. Referiu a grande capacidade de resistência à dor do militar ferido, a quem tratou, antes de mandar evacuar para Bissau. O Dr. Amaral Bernardo exibiu, no momento clínico que promoveu, um grande profissionalismo e grandiosidade ética que sempre o norteou.

A falar dos outros, dos que sofreram consigo, mostra-nos o médico atento, organizado e sofredor - no meio de ataques e de andanças pelo Sul da Guiné.

Segundo – Em 1997, voltou o Dr. Amaral Bernardo, já professor no ICBAS [, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salzar, o Porto], à Guiné-Bissau. Num projecto de cooperação – responsável médico na formação de quadros médicos no Hospital Nacional Simão Mendes.

Ali, a mesma atitude generosa, competente, emotiva. Mas firme. Organizada. O que lhe valeu a estima dos médicos guineenses. Nem podia ser de outra forma, pois o Amaral Bernardo não pactua com amadorismo. Mas não esquece o seu humanismo. Que o digam os médicos Dr. João Maria Goudiaby, Dra. Alice e Dr. Armando. Este episódio foi por mim acompanhado de muito perto.

Finalmente, na apresentação do meu livro Milando ou Andanças por África, na Associação Portugal – África, Porto. Vi-lhe as lágrimas reclamarem-lhe a emoção. Sentida.

Amaral Bernardo, és um homem bom. Homem Grande.

Parabéns e muitos anos de vida.

Paulo Salgado (**)
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Notas do editor: