domingo, 21 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22023: Blogues da nossa blogosfera (155): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (64): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


REFLEXÃO SOBRE A LIBERDADE

ADÃO CRUZ

(Auguste Rodin, O pensador)

A Liberdade é um conceito que não é fácil de entender. A Liberdade é um conceito multifacetado que nos obriga a uma reflexão profunda mas clara, uma reflexão que possa constituir uma espécie de calibração para todos nós.

Na minha maneira de ver, a Liberdade, nas suas inúmeras vertentes, não pode existir fora de nós se não existir dentro de nós. E para que ela exista dentro de nós tem de ser racional, tem de assentar em três grandes pilares, o Pensamento, a Razão e o Amor à Verdade, as grandes riquezas do ser humano. O Pensamento como coração e cérebro do discernimento filosófico, a Razão como validação desse pensamento, tendo por base o conhecimento científico, único caminho da Verdade, ainda que muitas vezes difícil e sinuoso. E o Amor à Verdade, como sangue ou seiva que o percorre e alimenta.

Só tendo consciência plena dessa Liberdade individual, da nossa Liberdade interior, só tendo consciência de que não nos enganamos a nós mesmos, seremos livres para poder entender e ser capazes de defender a Liberdade ou as liberdades fora de nós, sejam elas de que natureza forem, existenciais, laborais, sociais e políticas. Não falo, propositadamente, em liberdade religiosa ou em liberdade de crenças. Qualquer pessoa tem o pleno direito de acreditar no que quer que seja, no entanto, na minha maneira de ver, não podemos compreender que o faça livremente, dado que qualquer crença ou religião assenta em premissas não racionais, isto é, premissas que tornam impossível a conquista da Liberdade Interior.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22005: Blogues da nossa blogosfera (154): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (63): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P22022: Blogpoesia (725): "Cacho de uvas"; Quando não há pão..."; "Chove nas vielas" e "Suavemente", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


Cacho de uvas

Família numerosa de filhos.
Cada um o mais saboroso.
Brilham ao sol e chuva.
Sabem a mel no calor de Agosto.
Cada ramada é um altar de prendas.
Enchem o lagar numa noite de canseira.
A fermentação do mosto, um milagre ali mesmo à vista.
Sua transformação em vinho.
Algum dele tem mesmo honra de ir ao altar,
Para ser o sangue do Criador.
Fruta abundante entre todas abençoada.


Berlim, 15 de Março de 2021
8h53m
Jlmg


********************

Quando não há pão...

O pão é escasso para a fome geral.
Sua mãe é a injustiça.
Há quem se aproveite com o que é de todos.
A lei que tudo rege quem a ditou
Foi o Criador.
Sem discriminar.
A ganância gera este clima de guerras geral
Que avassala o mundo.
Depois não se queixem das pandemias
Que arrasa tudo.
Não há fortes nem fracos.
Ficam todos esmagados e humilhados.


Berlim, 16 de Março de 2021
1051m
Jlmg


********************

Chove nas vielas

Estão molhadas as vielas dos bairros de Lisboa.
Chovem sonhos enamorados.
Uma fonte inesgotável.
Os tempos que passaram.
As saudades nunca secam.
São estrelas nas noites negras.
São vida da alma dorida.
Se foram e não voltam.
Quem nos dera.
É a lei que Deus ditou...


Berlim, 17 de Março de 2021
21h9m
Jlmg


********************

Suavemente

Melodia suave deleita e consola.
Fruto saboroso dum talento do som.
Partilhado e oferecido gratuito.
Fonte de sonho.
Fica feliz quem a ouve e saboreia.
O talento é dado.
Retê-lo para si, seria ingratidão.
Cada um tem seus talentos e dotes,
Para servir à mesa da amizade.
É assim que foi escrito na lei,
O seu Autor final.


Berlim, 19 de Março de 2021
18h00m
Jlmg

____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22004: Blogpoesia (724): "Pelas esquinas das vielas"; "Sacadas de flores"; "Mar das imperfeições" e "Os lampiões das vielas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

sábado, 20 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22021: Recordações do meu avô Fernando Brito (1932-2014) (Cláudio Brito) - Parte I: Angola, Teixeira de Sousa, 20 de janeiro de 1964: "A Pátria são os seus filhos e eu também os tenho"





Angola >  Leste > Província do Moxico > Vila Teixeira de Sousa [, hoje Luau]  > 20 de Janeiro, 1964 > O então 2º Sargento Fernando Brito convivendo com população considerada "terrorista"


Fotos (e legenda): © Cláudio Brito (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso amigo e membro da Tabanca Grande, nº 697, Cláudio Brito, neto do falecido major SGE, Fernando Brito (1932-2014), que fez duas comissões na Guiné, como 1º srgt, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e 1ª C / BART 6523 (Madina Mandinga, 1972/74) (*):



[Foto à esquerda: O Fernando Brito, com o neto, pouco antes de morrer]



Data - domingo, 7 mar 2021, 14:36

Assunto - Fotos do meu avô Fernando Brito  



Olá, Luís Graça, Espero que esteja bem.

Prometi-lhe há uns anos enviar uma parte do meu espólio fotográfico militar, mas no meio de 4 mudanças de casa, só agora as coisas estão a ser desempacotadas. Mando-lhe 4 fotos e um texto que, sendo da minha opinião, pode utilizar como bem lhe prouver no blogue.

Muita tinta tem corrido ultimamente fomentada pelo debate do que foi o racismo estrutural (ou é), se Portugal é ou não um país racista, se o nosso colonialismo e guerra colonial foram atos criminosos ou heróicos e se temos ou tivemos essas atitudes, na nossa História. Chega a um ponto que as falácias históricas e o discurso carregadinho de ideologia (Esquerda ou Direita) começa a fartar na sua forma de querer ver as coisas preto e branco e cansa ouvir um diálogo sobre adjetivado que, a par e passo, faz juízos de valor sobre situações que, de todo, os interveninentes do diálogo não viveram ou não compreendem ou não se debruçaram sobre o seu estudo.

A conclusão que tiro é simples: é fácil julgar o passado e fácil usar o passado como carne para canhão e arremesso político. O passado já foi, as pessoas já morreram ou estão a morrer ou não falam ou não querem falar e, por isso, chamá-los de "Heróis", "Criminosos", "Racistas", "Intelectuais", "Desertores", "Apátridas", "Fachos", "Traidores", etc, são chavões que eles aguentam bem. Mas a simples verosimilhança de tal está longe de ser comprovada no preto e branco dessas palavras.

Deixo-vos quatro fotografias: Angola, Teixeira de Sousa, 1964, onde o meu avô, um simples 2º Sargento na altura, deleitava-se com um banho e abraçava as crianças do "inimigo" como se suas fossem. (Qual inimigo? Grupos marionetas numa Guerra Fria que apenas queriam a independência da sua terra?)

Numa das fotos escreveu: "Novamente, este terrorista que não tem culpa da ambição do Homem" e noutra escreveu "Jamais as minhas mãos se mancham em crianças".

A História tem estas partes cinzentas, amarelas, verdes, vermelhas e azuis, na qual um guerreiro patriótico é também um pai de família humanista que não vê heroísmo nenhum em matar uma geração de soldados de 18 e 19 anos, em apontar uma arma a um autóctone e a disparar contra um acampamento de mulheres, homens e crianças, por um interesse político/territorial (a ambição do Homem) e, mesmo assim, tudo fará para proteger estes jovens, jamais virando costas à Pátria, porque, como escreveu numa das fotos: "A Pátria são os seus filhos e eu também os tenho".

Urge sabermos respeitar esta gente, estudando friamente o que aconteceu, deixando de lado ideologias que idolatram fantasmas ou praticam a iconoclastia, mas sim compreendendo o que fizemos, porque o fizemos, quais as causas e consequências de tal e quem verdadeiramente praticou atos heróicos (humanistas) e quem verdadeiramente perpetrou crimes muito além do serviço militar. Urge para calar os politiqueiros que usam o passado como se um carregador de uma arma se tratasse.

Um forte abraço, Cláudio Brito.
____________

Anexo > Fotos: Teixeira de Sousa, 20 de Janeiro, 1964.
2º Sargento Fernando Brito
Um banho no mato, para refrescar as ideias.

_________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

Guiné 61/74 - P22020: Os nossos seres, saberes e lazeres (442): Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo! (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Arrebitou-me a orelha quando soube que o Convento de Jesus de Setúbal abrira ao público, depois de nova requalificação. É uma agradável surpresa que se pode agora contemplar depois de uma nova fase de trabalhos, a igreja e o convento têm a cara lavada e a harmonia do claustro desvanece-nos. Não há templo como este, e pode muito bem acontecer que o trabalho de Diogo Boitaca possa ser visto como o ensaio-geral do que irá acontecer nos Jerónimos e no Convento de Cristo em Tomar. O que acontece é a estreita harmonia que o arquiteto encontrou no rasgado das janelas, tira aquele ar sombrio que tantas vezes encontramos em templos parecidos.
Era inevitável a visita à Galeria Municipal, a obra-prima de Jorge Afonso e aquele retábulo de catorze quadros é um deslumbramento. Não percam.

Um abraço do
Mário


Convento de Jesus de Setúbal, com o restauro recente, ainda mais belo!

Mário Beja Santos

Confesso que esta igreja do antigo Mosteiro de Jesus ou Convento de Jesus de Setúbal sempre me fascinou, sempre que visitava a cidade era inevitável pôr-lhe os olhos em cima, contemplar esta delicadeza do que terá sido o ensaio geral do estilo manuelino que irá consagrar-se nos Jerónimos e no Convento de Cristo, em Tomar. Fiquei várias vezes à porta, a igreja conheceu os seus períodos de estaleiro, instâncias internacionais chegaram a alertar para o estado de degradação deste templo magnífico. Em outubro reabriu para nosso desfrute, convido todos a visitar a maravilha, foi desenhado por um nome sonante da época, Diogo Boitaca, estávamos em 1494, tudo começou por um voto da ama de D. Manuel I, freira que viveu em conúbio com um frade, até nasceu prole, em arrependimento nasceu este templo em brecha da Arrábida, que não tem rival. Proponho aos curiosos que cirandem antes de entrar, há outro olhar mais rasgado que agora o novo relvado permite, numa das últimas visitas que aqui fiz havia uma pista de skate, múltiplos grafitis, era um desconchavo na perspetiva, a bota não batia com a perdigota. O relvado, que se irá mostrar, harmoniza a aproximação e a despedida.

Dentro do restauro até o hornaveque foi reabilitado, por incultura fui ver o que era o hornaveque, pois fiquei a olhar para este belo pano da capela-mor e a sua aprimorada janela.
Hornaveque do Convento de Jesus
Entra-se numa porta de enorme sobriedade, estamos dentro de uma igreja-salão, janelas rasgadas para permitir uma luz homogénea, todo este interior é leve com os seus arcos de janelas e colunas torsas, tudo em brecha da Arrábida, o olhar sobe até às abóbodas e não deixa de surpreender o teto com as suas nervuras espiraladas. Diz a literatura a propósito que é o mais importante monumento nacional urbano de Setúbal e um dos mais relevantes exemplares da arquitetura manuelina ao sul do Rio Tejo. Impressiona pelas proporções, é evidente que se sente que falta qualquer coisa no altar-mor, lá iremos a outro local ver uma preciosidade restaurada, um dos retábulos mais audaciosos da nossa pintura religiosa.
Foi inicialmente ocupado por freiras Clarissas, melhor dito por um grupo de freiras Franciscanas da Ordem de Santa Clara. Rezam os cartapácios que é indiscutivelmente o primeiro ensaio em Portugal de uma igreja-salão, daí este pormenor de que o espaço é etéreo, houve o cuidado de Boitaca em pôr as três abóbadas à mesma altura.
A capela-mor é revestida de azulejos verdes e brancos datados do século XVI e nas paredes laterais podemos ver painéis de azulejos do século XVII. Quem aprecia azulejaria tem aqui muito para mirar e se deleitar, vejam estes detalhes.
A porta surpreende o visitante, parece inusitada, há para ali uma espécie de agressão ou intromissão fora do tempo, ou os azulejos foram partidos porque a porta veio depois, alguma coisa aconteceu. A menina que serve de rececionista explicou que por aquela escada o sacerdote subia até ao coro alto para dar a comunhão às monjas. É inusitado, mas regala o olhar. Feita a visita, sai-se para outra novidade, o Museu de Setúbal com diferentes núcleos, podemos visitar os chamados pintores de Setúbal, pintores portugueses do século XVI. Bem se procura na papelada consultada em que local se ratificou o Tratado de Tordesilhas, aquele em que dois monarcas peninsulares julgavam ser possível repartir o mundo. Tanto quanto me é dado lembrar, nunca visitei o claustro, e daí o meu embasbacamento. Foi-se à procura de notícia nos jornais sobre esta reabertura, e encontrou-se a saga. O convento fechou várias vezes nas últimas décadas, devido aos riscos de ruína. Teve obras de requalificação e reabriu em 2012, foi encerrado em 2015 para uma nova fase de trabalhos, que incluíram a recuperação da zona dos claustros, Sala do Capítulo, Coro Alto e espaço envolvente do convento, o tal hornaveque. Depois da abolição das ordens religiosos meteu-se aqui um hospital, com o nome de Espírito Santo, e funcionou até 1959. Veja-se agora o claustro e a harmonia do seu traço, mais brecha da Arrábida, oxalá que depois da pandemia aqui se encontre espaço para eventos culturais, é bem merecedor.
Estamos agora no Coro Alto, houve restauro da pintura, mais um acervo de beleza, é o culminar das obras de requalificação, ainda há muito para fazer, a presidente da Câmara de Setúbal numa entrevista disse que os contribuintes setubalenses já aqui investiram seis milhões de euros.
Depois do regalo à visita, um último olhar ao Convento de Jesus, a toda esta sensação de leveza, e de transporte para os céus, encontraram-se aqui soluções inovadoras para a época, como os arcos de volta perfeita, a abóbada assente sobre arcos abatidos e redes de nervuras, não sei ser mais encomiástico, procuro seduzir o leitor a arranjar oportunidade para me dar razão.
E daqui saio para a Galeria Municipal, sita na Avenida Luísa Todi, abriu ao público em 2013, o edifício foi a representação do Banco de Portugal em Setúbal entre 1917 e 1994, a traça é de Adães Bermudes, um dos sumo-sacerdotes da arquitetura da época, há ali linhas evocativas da Arte Nova, entra-se e chegou a altura de ver o belo retábulo do altar-mor do convento.
Tive direito a visita-guiada, a única dúvida que não vi resolvida é se estas catorze tábuas, uma das obras-primas da pintura religiosa portuguesa e seguramente o trabalho mais importante de Jorge Afonso, nome cimeiro da Arte Seiscentista, estavam no altar-mor, atenda-se à dimensão, para o caso não tem importância, se estou a incorrer num disparate alguém entendido que me corrija sobre a localização do retábulo. O fundamental é que se deve ter um guia de todos os pormenores das peças, saber um pouco da história religiosa e contemplar estas preciosidades dá mais sentido à fruição estética, o visitante que se previna, textos alusivos na internete não faltam.
Fachada da Galeria Municipal, traço Adães Bermudes
Parte do retábulo do altar-mor do Convento de Jesus, Galeria Municipal
Vista parcial das fabulosas pinturas do altar-mor do Convento de Jesus, na Galeria Municipal
Núcleo de Arte Sacra do Museu de Setúbal nas antigas instalações do Banco de Portugal

Daqui a um bocado vamos sentir o prenúncio do lusco-fusco, tenho procurado, devido à pandemia em viajar em sentido contrário às horas de ponta, gosto muito do meu passe de 20€ que me dá direito ir até Algés ou a Cascais, visitar Palmela ou Vila Franca de Xira, ou sair do comboio em Sintra e ir ver o mar. Despeço-me que ainda tenho uma boa caminhada pela frente até à estação da CP, e espero que gostem do relvado que substitui a pista de skate e que tanta harmonia traz a este esplendoroso monumento nacional.

Até à próxima.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22012: Os nossos seres, saberes e lazeres (441): Vicente, o corvo do Parque da Cidade do Porto, que não empatiza por dádivas, mas somente por quem estiver na mesma onda (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

sexta-feira, 19 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22019: Tabanca Grande (516): Joaquim da Silva Correia (Penalva do Castelo, 1946 - Oliveira de Azemeis, 2021), ex-1.º Cabo, Pel Mort 1242 (Buba, 1967/69): em sua memória, no dia do Pai (e em apreço ao gesto do seu filho, António Correia), reservamos o talhão n.º 838, sob o nosso simbólico poilão

Chaves > BC 10 > 1967 > Joaquim da Siva Correia (1946-2021)


S/l > 1967 > O Joaquim da Silva Correia, o terceiro a contar da esquerda na instrução da especialidade de armas pesadas de infantaria (na foto, um morteiro 81)
 

Guiné > Bissau > Outubro de 1967 > Render da guarda ao palácio do Governador > O 1º cabo Correia, na ponta esquerda, seguido de três praças


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) >  O 1.º Cabo Correia, posando para a fotografia, a "tocar guitarra elétrica", frente ao espaldão do morteiro 81.


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) > Um momento de confraternização: ao centro, na mesa, de camuflado, em segundo plano, reconhecemos a figura de um alferes, que seria o comandante do pelotão, ou o Clemente, ou o Simão. Pode ser o Simão, que deve ter rendido o Clemente (a avaliar pela lista gravada na "pedra de Buba").


Guiné > Região de Quínara > Bula > Pel Mort 1242 (1967/69) > Dois graduados do pelotão: o do lado esquerdo, deve ser o alf mil Simão, comandante do pelotão que deve ter rendido o Clemente, o outro deve ser um furriel, talvez o Albuquerque (, como na consta na "pedra de Buba").


S/l > S/d >  O Joaquim da Silva Correia, à civil, antes da tropa, presume-se

 
 
S/l > s/d > O Joaquim, já casado e pai de dois filhos, depois do regresso da Guiné
Fotos (e legendas) : © António Correia (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Joaquim da Silva Correia foi 1.º cabo, apontador de armas pesadas de infantaria, do Pel Mort 1242 (Bula, outubro de 1967 / agosto de 1969).  Acaba de morrer, de doença oncológica, no passado dia 11. Foi o seu filho, António Correia, quem nos deu  a triste notícia (*). 

Residia em Macieira de Sarnes, Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, embora fosse natural de Penalva do Castelo, distrito de Viseu. Deixa viúva, dois anos mais velha, e três filhos; além do António, mais duas raparigas. Ia fazer 75 anos em 16 de junho.

Em conversa telefónica com o António Correia, prometi-lhe, em homenagem ao pai e por apreço pelo seu amor filial, integrar o nosso camarada a título póstumo na Tabanca Grande, se ele entretanto no mandasse, digitalizadas, algumas das fotos do álbum da Guiné. Foi o que ele fez, fotografando, cheio de boa vontade, com o telemóvel, diversas folhas, por inteiro,  com fotos do tempo da Guiné. A qualidade é fraca, e são raras as legendas, mas dá para recuperar algumas imagens. Ele prometeu-me mandar novos ficheiros com melhor resolução.

No dia do Pai, 19 de março de 2021, prestamos aqui a nossa pequena homenagem ao nosso infortunado camarada Joaquim da Silva Correia e, através dele,  ao seu valoroso Pel Mort 1242 que até agora não tinha ninguém que o representasse condignamente na nossa Tabanca Grande. Ele fica no lugar n.º 838. (**)

Recorde-se que o Pel Mort 1242 foi mobilizado pelo BC 10, Chaves, Esteve em Buba, desde outubro de 1967 até agosto de 1969, adido ao BART 1896 (Buba, 1966/68), e depois ao BCAÇ 2834 (Buba, 1968/70). Este pelotão deve ter tido esquadrões de morteiro 81 destacados noutros aquartelamentos, do sector de Buba, S2. Sabemos que regressou no T/T Uige, em 23/8/1969. Em 2013 havia, em Buba, ainda de pé um memorial com o brasão e a lista, gravada na pedra, de todo o pessoal do pelotão (*).

Como dissemos ao António Correia, os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Apreciamos o seu gesto, ao procurar, ainda em vida do pai, procurar camaradas do pelotão. Com pena, disse-nos que o só o ex-alferes mil Simão respondeu ao seu apelo, em tempo útil. Ele autoriza-nos, entretanto,  a publicitar aqui os seus contactos:

Telem: 919 966 724
Email: antonio.correia@live.com.pt


2. Na passada quarta-feira, dia 17, o António, mandou-nos a seguinte mensagem:

Olá, boa tarde, Sr Luís,

Desde já agradeço, da parte da minha família, pelo que fez pelo meu pai.

Hoje vim a casa da minha mãe e tirei umas fotos do álbum, amanhã digitalizo para ficar melhor.

Cumprimentos, 
António Correia.
__________

Notas do editor:

Guiné 61/74 - P22018: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (44): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Tudo leva a crer que os cinquentões enamorados tiveram umas férias da Páscoa a preceito. Houve mau tempo durante dois dias, mas não foi suficiente para os desmoralizar, foram ver exposições, andaram à cata de surpresas em alfarrabistas e adelos. Aqui não se fala numa reunião de trabalho onde houve discussão acalorada entre os diretores da associação, mais adiante se explicará porquê. Annette anda mordida pela curiosidade, pede imagens antigas, talvez seja uma forma de ela se querer identificar com coisas do passado neste amor transbordante. É ciosa em querer compreender tudo quanto está a pôr em ordem na comissão do Paulo, houve que remexer numa ferida, as dolorosas recordações de uma tragédia que ocorreu em Canturé, no regulado do Cuor, em 15 de outubro de 1969, tudo tão doloroso que ainda havia a mágoa de não ter agido com a devida solicitude em saber da sorte dos seus sinistrados depois da guerra, Paulo sente que falhou aos cânones da camaradagem, nunca nos largámos nas horas amargas, Paulo seguiu para a frente, e hoje continua a sofrer pela incúria praticada.

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (44): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette adorée, a viagem para Lisboa correu lindamente e no horário previsto, vim diretamente para o trabalho, comi uma sopa e dois pães, não tive mãos a medir na elaboração de papelada e na organização da agenda para as próximas semanas. Por muito que te tenha agradecido as férias encantadoras que vivi a teu lado, quero deixar por escrito todo o meu sentimento de gratidão, o dia de Páscoa foi inesquecível, os teus filhos muito afáveis e adorei conhecer a tua irmã por adoção, os esclarecimentos que ela me deu sobre a tua infância e juventude enterneceram-me, bebi-lhe todas as palavras, assim se desenhou no meu espírito uma Annette voluntariosa, a lutar pela sua autonomia, conhecedora de um dom especial para as línguas e pelo gosto de viajar, algo que é obrigatório para ter sucesso na vida de intérprete internacional.

Cinjo-me, tão-só nesta carta, ao que tu me pediste quanto a fotografias espúrias do que era a minha vida profissional, que tipo de recordações te podia enviar sobre as minhas estadias em Bruxelas e mais adiante lembraste a necessidade de criar uma atmosfera para tudo quanto se passou depois da mina anticarro de Canturé, em 15 de outubro de 1969.

Vou tentar sumular os meus procedimentos de viagens a Bruxelas antes de te conhecer. Estive em Bruxelas pela primeira vez em 1978, Portugal batera à porta das Comunidades Europeias, logo estabeleceu que os diferentes ministérios enviariam peritos para ações de sensibilização. O ministro António Barreto, titular do Comércio e Turismo, que criara no ano anterior uma lei orgânica contemplando um departamento do consumidor, escolheu-me para o programa respetivo. Visitei os serviços da Comissão Europeia, então a funcionar na Rue Guimard, num local aprazível entre o Parque Real e a área do Parlamento Europeu. Depois de uma ensaboadela, fui lançado em serviços convergentes com política do consumidor, nomeadamente na área da Saúde e Ambiente. Tive reuniões de trabalho com as quatro associações europeias do tempo, e imediatamente encontrei afinidades com o dirigente das cooperativas europeias, Albrecht Schöne, e dos sindicatos socialistas, André Cornerotte, hoje uma amizade inquebrantável. Visitei igualmente organizações não-governamentais ligadas à defesa de direitos de cidadania e a vários lobbies empresariais acreditados pela Comissão Europeia, entre eles o da indústria farmacêutica.

Tive um dia de folga, de carta na mão palmilhei Bruxelas e comecei a interiorizá-la. Graças aos programas de televisão, entre 1979 e 1984, aqui vim a reuniões de autores e apresentadores de programas televisivos de consumidores, sempre à minha custa reservei um dia para curtas viagens na Flandres e na Valónia, aliás duas destas reuniões irão ocorrer em Paris e Veneza. Depois chegamos à adesão e com ela a participação em reuniões quer como funcionário público quer como membro da Confederação Europeia dos Sindicatos. Se na primeira condição a ajuda de custo era satisfatória, na segunda era quase simbólica e tive que me adaptar à escolha de modestos hotéis e mesmo de albergues, almoçava nas cantinas, havia por vezes jantares de trabalho e senti-me na obrigação de propor jantares com colegas, designadamente quando tínhamos tarefas em comum. Envio-te hoje um pequeno rol de papéis avulsos que falam de Bruxelas ou das reuniões em estações televisivas portuguesas, até descobri a imagem de um encontro internacional de educação do consumidor, que se realizou em Lisboa, meses antes de eu elaborara documentação para professores, este encontro servia igualmente para testar da validade na área de ensino, fiquei feliz com os elogios recebidos. Eu penso é que tu queres fotografias com o quarentão, encontrei uma de um colóquio em que participei com um investigador que admiro profundamente, o arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles, o programa não era fácil nem para ele nem para mim, tínhamos que discretear sobre os imbricamentos entre as políticas ambientais e as medidas de consumo, as formas de agir comum. O trabalho que tive nessa ocasião preparou-me para uma reflexão que mantenho em continuidade: como ultrapassar os compartimentos estanques das análises de ambientalistas e defensores de consumidores, os primeiros projetam o seu trabalho na produção e param no mercado, enquanto os defensores dos consumidores começam no mercado e dissecam a problemática do consumo, desde os direitos de informar e formar até às leis de proteção nesta vertente da cidadania no consumo.

Junto duas imagens referentes a duas recrutas que dei no regresso da guerra da Guiné, em Mafra, a futuros oficiais milicianos. Antes de partir para a guerra eu tinha como profissão a mecanografia, era devoradora de tempo, não podia imaginar ter meios para tirar rapidamente primeiro o bacharelato e depois a licenciatura, encontrei um expediente que foi um contrato até cinco anos com o Ministério do Exército, teria que dar recrutas durante um período e depois seria colocado em Lisboa, tive muitíssima sorte, depois de dar instrução fui colocado numa entidade chamada Agência Militar, um autêntico banco, era o oficial que ia buscar dinheiro aos milhões ao Banco de Portugal. Passei a ter tempo para estudar na biblioteca e voltar cedo para casa para continuar a estudar. Em cerca de três anos, e tendo repetido cadeiras para melhoria de nota, estava licenciado e fui mesmo colocado como professor na variante de História de Arte, veio o 25 de Abril e a minha vida mudou de rumo, o rumo em que nos descobrimos naquele acaso feliz da reunião na Rue Froissart, que mudou as nossas vidas, por sua vez.

Vamos agora para o que me pedes sobre a tragédia da mina anticarro, procurei dar-te elementos no dia em que almoçámos em Antuérpia, tive que amenizar o discurso quando vi muita mágoa no teu rosto enquanto te contava as peripécias vividas. Depois da explosão, verifiquei o caos à volta, havia um ferido grave, o condutor, e mais seis feridos, não era fácil avaliar o que era uma mera contusão de ferimentos graves. Senti angústia e perplexidade em quase todos os meus camaradas, recorri ao que estava mais sereno, Mamadu Djau, dei-lhe a incumbência de ir procurando tratar com primeiros-socorros quem deles necessitava e havendo condições arrumar os bidons de combustível, os sacos de arroz, as caixas, tudo quanto saltara da viatura com o impacto da explosão. Retirei-me sozinho e trouxe atrás de mim três crianças, na marcha senti dores excruciantes no joelho direito e pressenti que tinha perdido a visão do olho esquerdo, levara com uma lufada de terra e ácido ou talvez mesmo de explosivo, sentia tudo em carne viva. E assim chegámos a Finete onde Bacari Soncó me ajudou a lavar o rosto e percebi que não tinha perdido a visão completa do olho esquerdo. Formou-se um contingente para ir buscar os feridos, e lá fui aos tombos pela bolanha de Finete, o canoeiro atravessou o Geba, o comerciante José Maria andava ali perto e levou-me à sede do batalhão. Jantavam e conversavam acaloradamente na messe dos oficiais, quando me viram sentiram que tinha havido uma desgraça, quando se entra chamuscado e a coxear algo de sinistro aconteceu. O segundo comandante dirigiu logo as diligências necessárias para chegar rapidamente apoio a Finete, o médico levantou-se da mesa, mandou chamar o enfermeiro e dois maqueiros, em minutos estavam todos de mochila às costas. Este mesmo segundo comandante teve com os sinistrados uma afabilidade inesquecível: mandou recolher pedaços de bifes e meter em pães, arranjou-se um saco de fruta, achocolatados e outras atenções. E regressámos a Finete, o principal desvelo foi para o condutor, de nome Manuel Guerreiro Jorge, o estado era deplorável, não eram só as fraturas expostas, entrara em falência, cerca de uma hora depois de chegarmos a Finete o médico fechou-lhe os olhos. Havia soldados marcados por estilhaços, o estado de Cherno Suane era muito grave, um duplo traumatismo craniano, ele seguia no guincho e foi disparado para cima de um morro de bagabaga. O cabo Alcino Barbosa coxeava, veio-se a apurar que era uma fratura de calcâneo. Minha adorada Annette, quando tudo isto te contei naquele pequeno restaurante não longe da Catedral de Nossa Senhora em Antuérpia, envolvidos por uma temperatura amena, procurei não te incomodar muito, voltei a Missirá, conversei com o régulo em particular, e tive a única crise de choro convulsivo, limpei ao rosto e disse ao régulo que não se atormentasse, a vida recomeçaria, houvera um revés, mas eu continuava pronto para me manter no posto, ele iria ver em breve, só precisava de ir a Bissau tratar dos olhos e comprar óculos novos, viria rapidamente, muito antes de, a contragosto, partir de Missirá para Bambadinca.

Annette, por razões de pudor eu sou muito sumário nesta descrição, podia falar-te numa emboscada que aconteceu e muito mais. Como companheira que me estás destinada até ao fim dos meus dias quero que saibas do meu remorso em não ter acompanhado, como era meu dever, quando regressei a Portugal, os meus camaradas feridos, à semelhança do que pude fazer com os guineenses mutilados. É amargor que guardo e que te confesso.

Vou ter uns dias atribulados pela frente, mas prometo continuar à noite a juntar mais papéis para te enviar rapidamente. E quero falar das férias, pois claro, e terminar dizendo-te como me sinto muitíssimo bem na tua Bruxelas, se acaso for essa a decisão que tomarmos nos próximos anos. Bien à toi, Paulo.

(continua)

Não resisti a comprar este bilhete-postal de um jovem numa banheira com desentupidor na mão, em plena Feira da Ladra, indiferente ao bulício que por ali vai. Pena de não ter ido lá neste dia para ter sido eu a tirar esta imagem…
Quando olho estas imagens pergunto-me o que a vida trouxe de muito bom às suas vidas depois das guerras em que participaram. Só muito raramente encontro um ou outro dos meus instruendos. Um deles é o Dr. João Nabais, homem de museus, outro tem o nome épico de Vasco da Gama, homem da Figueira da Foz que já visitei. É mais uma lição da vida: a muito nos aproxima e com a mesma força nos afasta.
Estava feliz neste tempo, o meu livro sobre educação do consumidor custara-me os olhos da cara, mas ainda hoje é uma referência. Annette se olhares para o ano ali está escrito 1998, conheci-te no ano seguinte, só pasmo como a fotografia esconde os já inúmeros cabelos brancos

Referências de alojamentos pobretanas que me davam condições de trazer lembranças para os filhos
Os debates televisivos sobre consumo e qualidade de vida eram então frequentes. Fiz sempre o possível para nunca dizer não a quem me convidava
Gonçalo Ribeiro Telles tinha um dom muito especial na comunicação, era um encanto poder conversar com ele em colóquios ou sessões de trabalho. Era o exemplo vivo de que os sábios são intrinsecamente simples
Annette, pode ser que aconteça na nossa vida, irmos aos Bijagós, aqui te deixo uma recordação e um bilhete-postal de um pôr-do-sol na Ilha de Bubaque, com infinito amor
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21997: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (43): A funda que arremessa para o fundo da memória