quarta-feira, 7 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

IN MEMORIAM

Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021)


1. Em mensagem de ontem, 6 de Abril de 2021, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), trouxe até nós a triste notícia do falecimento da sua ex-esposa Maria Cristina, no Lar de Santa Catarina Labouré:

Aos meus amigos,

A Cristina faleceu no Lar de Santa Catarina Labouré, onde vivia desde Fevereiro do ano passado, vítima de paragem cardio-respiratória.

O Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, sofrendo de problemas respiratórios graves, enfisema pulmonar, vasculite, demência.

Haverá velório na quarta-feira entre as 17 e as 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande, quinta-feira, no mesmo local, celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação.

Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina,
Mário


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2. Nota dos editores:

Cristina Allen foi esposa do Mário Beja Santos, casaram na Catedral de Bissau no dia 20 de Abril de 1970.

Tiveram duas filhas, a Maria da Glória, que infelizmente já nos deixou,  e a Joana, mãe da pequena Benedita que é alegria do avô Mário.

Cristina Allen, membro de longa data da Tabanca Grande,  tem 15 referências no nosso Blogue, incluindo  um dos postes dedicado à sua filha Maria da Glória (Locas) após o seu prematuro desaparecimento.

Pelos contactos de trabalho, constantes, com o Mário, íamos sabendo da evolução do estado de saúde da Cristina, podendo assim testemunharmos a dedicação dele à sua companheira e mãe de suas filhas.

Porque o Mário é merecedor da nossa maior gratidão pelo muito que tem feito por este Blogue, deixo-lhe, assim como à sua filha Joana, em nome dos editores e da tertúlia, as nossas mais sentidas condolências.

1970 > Cristina Allen em Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22041: In Memoriam (389): Ilídio Sebastião Vaz (1945/2021), ex-fur mil enf, CCaç 14 (Bolama e Cuntima, 1969/1971): morreu em Havana, Cuba, em sequência da Covid-19 (Eduardo Estrela)

terça-feira, 6 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22074: Manuscrito(s) (Luís Graça) (203): Para a Joana, que hoje faz anos: "E os adultos, esses, já morreram todos. Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer” (Louise Glück | Frederico Pedreira, "Uma Vida de Aldeia", Lisboa, Relógio de Água, 2021, p. 133)


Página do Facebook da Joana Graça / Joana Carneiro... Com a devida vénia...

Joana:

1. Queria-te oferecer, como prendinha de anos, a novela gráfica “Balada para Sophie”, da genial dupla Filipe Melo e Juan Cavia (Lisboa, Tinta da China, setembro de 220, 320 pp). 

Simplesmente,  está esgotada. Mas fica prometido um exemplar da 2ª edição ou reimpressão.

Vê e ouve aqui ao menos a interpretação ao piano da Balada, pelo autor e pianista Filipe Melo (que é amigo do João e a quem dei umas "dicas", há uns anos, para o guião de uma outra BD, também portentosa, "Os Vampiros", cuja história se passa na fronteira da Guiné com o Senegal, em dezembro de 1972). 

[Sinopse: "Guiné, Dezembro de 1972.Em plena guerra colonial, um grupo de soldados portugueses é destacado para uma operação secreta no Senegal. Porém, à medida que vão sendo consumidos pela paranóia e pelo cansaço, esta missão aparentemente simples vai transformar‑se num verdadeiro pesadelo. Embrenhados na selva, estes homens terão de confrontar sucessivos demónios – os da guerra e os que trouxeram consigo."].

2. Em alternativa, trouxe-te um livro de poesia, em edição bilingue, inglês/português. Não conhecia a autora, Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura 2020. Nova-iorquina, de ascendência judaico-húngara.

Acho que vais gostar: A Village Life (2009) / Uma Vida de Aldeia, numa belíssima e rigorosa tradução de Frederico Pedreira, também ele poeta. [Edição da regógio d'Água, Lisboa, 2021, 160 pp.]

Lê-se na badana: 

 “Teve uma infância e adolescência difíceis, mas um contacto precoce com autores gregos e latinos permitiu-lhe acolher a herança clássica e escrever uma poesia que , através de imagens universais, aborda a fragilidade essencial dos seres humanos”.

Acho que vais gostar. É o meu “feeling”. E mais: acho que podias escrever poemas quase tão bons como estes,   naqueles “notebooks”, baratuchos,  do Auchan,  que eu te costumo oferecer, e que tu approveitas da primeira à última folha, com notas, pensamentos, poemas, (in)confidências, desenhos, esboços de qualquer coisa… que um podia poderão transformar-se em livro. Tenho sempre a esperança que tenhas mais golpe de asa do que eu. Porque talento, felizmente, não te falta para o desenho e a escrita.


3. Folheando o livro, "Uma Vida de Aldeia", lendo na vertical, destaquei uma meia dúzia de versos:

(...) “Para poder nascer, o nosso corpo faz um pacto com a morte,

e, a partir desse momento, tudo o que tenta é fazer batota”
(p.77)


(...) “Que belas estão as flores – símbolos da resiliência da vida.

Os pássaros aproximam-se vorazes.”
(p. 105).


(...) “Nada prova que estou viva.

Há apenas a chuva, a chuva é infindável”
(p. 117).


(…) “E as pequenas coisas que antes nos

faziam felizes

já não conseguem chegar a nós”
(p.125)


(...) “E os adultos, esses, já morreram todos.

Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer”
(p.133)…


(...) “Corpo meu, (…)

não é da Terra que irei sentir falta,

é de ti que eu irei sentir falta”
(p.137).


Joana, é uma escrita muito feminina, austera, depurada, de alguém que sabe fazer, com as palavras, a necessária logoterapia que transforma a(s) nossa(s) fragilidade(s) em beleza poética. As palavras não servem para mais nada, se não para criar beleza e reordenar a realidade. Sem as palavras, teríamos o caos. 

Que tenhas um lindo dia 6 de abril de 2021

Teu pai e tua mãe (que, todos os anos, por este dia, às 10h30, deixa cair uma lágrima ternurenta  com a memória do teu parto, no Hospital de Santa Maria há 43 anos).

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Nota do editor:

Último post da série > 4 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22066: Manuscrito(s) (Luís Graça (202): A Páscoa: este ano resta-nos a saudade... e as fotografias e os vídeos de antanho. E a Covid-19 que nos confina e nos espreita.

Guiné 61/74 - P22073: Blogoterapia (296): Melancolia - Em dias chatos e aborrecidos, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Miguel Torga

Foto (editada): Com a devida vénia a SAPO Viagens


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 5 de Abril de 2021:

E
m dias chatos, aborrecidos, tramados, nefastos, em que tudo de mau acontece, sem querer especificar, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis. Nessa atmosfera de sons em harmonia, surge a melancolia que é um estado de alma nem alegre nem triste, enfim é uma tristeza suave que ajuda a viver e a suportar a realidade nua e crua das mágoas em ferida que o pessimismo avoluma.

Talvez o meu problema seja a dicotomia de viver entre duas vidas, ou minha falta de jeito para utilizar as palavras adequadas quando me dirijo aos outros, enfim um problema criado pela solidão social e intelectual e no entanto eu valorizo o auxílio que outros com mais poder dialéctico me poderiam trazer.

Fernando Pessoa bebia vinho ou aguardente, bebidas nacionais, no Martinho da Arcada ou na Brasileira e escreveu odes e poemas imortais para a posteridade.

Cafés que Luís de Camões, grande poeta e grande boémio, não frequentou porque no seu tempo não havia, perdia-se por vielas e tabernas com marinheiros e plebeus, e por palácios com reis e nobres ociosos segundo reza a lenda, a arquitectar o grande poema, que escreveu, como um grande hino à Pátria.

Eu como outros amigos com menos talento ficaremos contentes se encontrarmos algum companheiro paciente e lúcido para escutar as nossas lamúrias na esperança de que ele seja um deus que tudo cala e tudo perdoa.


Neste devaneio da memória, surge Miguel Torga, meu ídolo maior, com o rosto farto, seco e rugoso esculpido em granito pelo vento agrestes das montanhas a lembrar o meu velho pai , um homem com raízes fundas também nesse "Reino Maravilhoso" de terras pobres que obrigavam a meditar e marcavam os rostos com rugas acentuadas.

Tão longe tão próximo, uma figura tutelar, outro herói nacional que me acompanha desde a adolescência.

Nos últimos Diários, com a idade a avançar mas com uma lucidez sempre jovem, impressiona-me o pessimismo e a angústia de viver que revela, e de que não dá explicações. Chegado a um alto patamar da vida em prestígio, fama e homenagens, esse grande lutador, destinado a ser lavrador ou pastor, que em ciência e livros se transformou num oráculo amado e admirado por todo um povo. Talvez eu tenha que ler a biografia dele, se a houver, para conseguir interpretar essa tristeza que a mim me contagiava.

O tempo abriu. Está um lindo dia de Primavera. Não há dias felizes, há horas felizes!

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI


Foto 1 - Região de Tombali > Evacuação de feridos durante a «Operação Gienah III» realizada em 13/14 de Dezembro de 1967, na península de Pobreza, rio Tombali, pelo DFE 12 [foto publicada em https://blogue.mlemasantos.com/Homenagem_ARebBrito.pdf], com a devida vénia.


Foto 2 - Assistência a ferido. Foto do álbum de Dálio João Gil Carvalho, retirada de https://www.facebook.com/photo?fbid=2566873993323847&set=g.338457706221055, com a devida vénia.


Foto 3 – Região do Óio > Bissorã > “Acto de enfermagem” (prestação de cuidados de saúde realizada pelo camarada Armando Pires). Foto do próprio – ex-fur mil enf da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã; 1969/70) – P10629, com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.




 

MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»


OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE VI

 

► Continuação do P21980 (V) (07.03.21)


1.   - INTRODUÇÃO


Continuamos a partilhar no Fórum os resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local): médicos e enfermeiros/as, na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos e feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


No gráfico abaixo está representada a população do estudo agrupada pela variável "ano".

 


Gráfico 1 – Representação gráfica dos "casos do estudo" agrupada na variável "ano".

 

3. - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)


3.11 - FRANCISCO PINHO DA COSTA, ALFERES MILICIANO MÉDICO, DA CCAÇ 1439, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima primeira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe – a quarta das distinções contabilizadas durante o ano de 1966, e a única atribuída a um (Oficial) Médico – teve origem no desempenho tido pelo militar em título, quando, em 21 de Agosto de 1966, domingo, a sua viatura, incluída numa coluna que se deslocava em direcção a Porto Gole, accionou um engenho explosivo, seguida de emboscada, tendo provocado alguns feridos com gravidade, sendo ele um destes. 


 Mesmo ferido, não deixou de prestar a assistência da sua especialidade, só pedindo a sua evacuação quando entendeu que tinha concluído a sua missão (infografia abaixo).


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG:


"Condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, prestando serviço na CCAÇ 1439, porque no dia 21Ago66, domingo, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo IN, que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local de rebentamento e sob o fogo da emboscada IN, revelando uma extraordinária coragem, sangue-frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão.


O Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 299).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do Alferes Médico, Francisco Pinho da Costa, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada João Crisóstomo, ex-alf mil inf da mesma unidade, no P19813 (22.05.2019) – Parte III: "a vida em Missirá" – a propósito de uma foto (à civil) com um alferes médico (foto ao lado).

Acrescenta que não se lembra do nome dele. Sabe apenas que era o médico do Batalhão que estava em Bafatá (e do qual a CCAÇ 1439 fazia parte ou a que estava agregada). O médico anterior a ele tinha sido uma das vítimas duma mina com emboscada. O comandante do Batalhão de Bafatá [BCAV 757; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso (?)] fazia parte dessa coluna, mas não estava a comandar. O capitão Pires, cmdt da CCAÇ 1439 tinha-nos dito expressamente que ele não estava como comandante e pertencia-nos a nós "protegê-lo e entregá-lo".


Este (o médico anterior) era um indivíduo mais baixo, também com óculos, cara redonda… Partiu as pernas e foi evacuado na mesma altura para Bissau e nunca mais ouvi falar dele; também não me lembro do nome dele. Vou ver se o Figueiredo se lembra; (se me não engano o Figueiredo era o condutor do Unimog que sofreu a mina; eu ia ao lado dele, fomos os dois projectados cada um para seu lado, mas, com sorte, sem nada quebrado; recordo-me bem de ter sido projectado, e ao aterrar no solo ter encontrado ao meu lado a minha G3 de cano metido na terra; nem de propósito teria sido tão bem "enfiada" no chão…). (…)


Por outro lado, é muito provável que esta ocorrência esteja relacionada com a «Operação Gorro», realizada entre 19 e 24 de Agosto de 1966, onde participaram forças da CCAÇ 1439, CCAÇ 1551 e 1 GC da CCAV 1482. Esta actividade operacional tinha por objectivo realizar uma série de patrulhamentos e emboscadas na região de Colicunda, em exploração de uma notícia que referia que o IN cambava o rio Geba naquela região, transportando material e munições para Jugudul. Ao ser capturado 1 elemento IN, que fazia os reabastecimentos de Lasse para Chubi, foi detectado um acampamento IN, composto por 6 casas de mato, que foi destruído. Foi morto 1 elemento IN. (CECA; 6.º Vol.; p 408).



3.11.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1439

= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA



Mobilizada pelo Batalhão Independente de Infantaria 19 [BII 19], Unidade pertencente à Região Autónoma da Madeira, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439], embarcou no cais do Funchal a 02 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», que havia saído de Lisboa a 31 de Julho p.p., sob o comando do Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires, tendo chegado a Bissau a 06 do mesmo mês.


3.11.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1439


Apóa sua chegada a Bissau, em 06Ago65, a CCAÇ 1439 seguiu imediatamente para o Xime, a fim de efectuar treino operacional com forças da CCAV 678 [18Jul64-27Abr66; do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque] e assumiu a responsabilidade do subsector do Xime em substituição da CCAÇ 508 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (1.º) e do Cap Inf Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles (1938-1965) (2.º)], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66; do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], com amissão de intervenção e reserva do sector. 

Em 10Set65, por troca com a CCAV 678 foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca. Nestas funções, tomou parte em diversas operações de que se salientam, pelos resultados obtidos, a «Operação Bravura», de 14 a 24Ago65, na região de Galo Corubal e a «Operação Avante», em 29 e 30Ago65, na região do rio Buruntoni. Em 09Out65, por troca com a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65; do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º)], assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar]. 

No período, efectuou várias operações nas regiões de Madina Belel, Missirá e Porto Gole, em que capturou bastante armamento e material. Em 08Abr67, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca com a CART 1661 [06Fev67-19Nov68; do Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º)] e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve, temporariamente, como subunidade de reserva do sector. Em 17Abr67, seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu no dia seguinte, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 349).


3.12 - ANTÓNIO JOSÉ PAQUETE VIEGAS, SOLDADO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCS/BCAÇ 1877, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima segunda ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a quinta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Abanão 5», realizada em 06 de Novembro de 1966, domingo, na Região de Teixeira Pinto (hoje Canchungo), quando tomou a iniciativa de, debaixo de fogo, chegar à frente da coluna em que seguia, procurando socorrer os feridos graves provocados por emboscada montada pelo IN (infografia abaixo).


► Histórico



 

◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 02, de 12 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG:


"Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], Regimento de Infantaria n.º 15."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, porque na «Operação Abanão 5», em 06 de Novembro de 1966, domingo, durante uma emboscada feita pelo inimigo, debaixo de fogo e revelando valentia, sangue-frio e desprezo pela vida, correu prontamente do meio da coluna, onde se encontrava, para a testa da mesma, a fim de socorrer um ferido grave que se esvaía em sangue.


O Soldado Viegas, indiferente ao perigo, mostrou sempre durante a operação bastante serenidade e compreensão dos seus deveres humanitários, manifestando o maior empenho a todos auxiliar, tendo a sua pronta e rápida acção contribuído para que o ferido grave pudesse ser evacuado em boas condições.


De salientar que foi a primeira vez que tomou parte em operações e se ofereceu voluntariamente para esta operação." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 155).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para além dos fundamentos acima expressos, nada mais foi encontrado na bibliografia consultada, impedindo-nos, assim, de descrever, em pormenor, o contexto que determinou o louvor ao Soldado auxiliar de enfermeiro, António José Paquete Viegas, e posterior condecoração.


3.12.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1877
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA


Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 15 [RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], constituído pela CCS e pela CCAÇ 1499, a primeira das três Unidades de Quadrícula, embarcaram no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, em 02 de Fevereiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas, tendo desembarcado em Bissau a 8 do mesmo mês. As outras duas Unidades de Quadrícula – a CCAÇ 1500 e a CCAÇ 1501 – haviam embarcado antes, a 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, igualmente a bordo do N/M «UÍGE».


3.12.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO BCAÇ 1877


O BCAÇ 1877 foi, inicialmente, colocado em Bissau na situação de reserva à ordem do Comando-Chefe, sendo as suas subunidades [CCAÇ's 1499; 1500 e 1551] destacadas em reforço de vários sectores. De 28Mai66 a 30Jun66, assumiu a responsabilidade do Sector O1-A, então criado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo as subunidades estacionadas em Teixeira Pinto e Cacheu e seus destacamentos, em área temporariamente retirada ao BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], com a finalidade primária de actuar ofensivamente na área do Churo, efectuar o controlo dos itinerários e estabelecer contactos com as populações. 


Em 15Jul66, assumiu, outra vez, a responsabilidade do Sector O1-A, então novamente activado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo a anterior zona de acção, e a partir de 11Out66, a área de Jolmete, então transferida do BCav 790. Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas e de acções ofensivas sobre o inimigo, infligindo-lhe sensíveis baixas, apreensão e destruição de diverso material e dificultando a sua consolidação no terreno. Destaca-se, pelos resultados obtidos a série de operações "Arromba", realizadas na região de Banhinda - Lecache - Peche, entre outras.

Em 07Jan67, o Comando e a CCS (reduzidos) renderam, no Sector L2, o BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], com a sua sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Contuboel, Fajonquito, Geba, Bafatá e Pirada, este retirado à zona de acção em 01Jul67; entretanto o 2.° Cmdt e o resto da CCS mantiveram-se no Sector 01-A, até serem rendidos pelo BCAV 1905 [06Fev67-19Nov68; do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos], em 08Fev67. 

Nesta situação, continuou a desenvolver intensa actividade de patrulhamento e de reconhecimento sobre as linhas de infiltração inimigas, além de garantir a segurança e desenvolvimento socioeconómico das populações. Destacam-se, entre outras, as operações "Inquietar I" e "Inquietar II", realizadas na região de Sare Dicó. Dentre o material capturado mais significativo, no conjunto da actuação nos dois sectores, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 3 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 1 lança-granadas foguete e 15 granadas de morteiro. Em 24Set67, foi rendido no sector de Bafatá pelo BCAV 1905 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967. (CECA; 7.º Vol.; pp 78-79).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo IV; Cruz de Guerra, 1967; Lisboa (1992).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2021

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Nota do editor:


Último poste da série > 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21980: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte V

Guiné 61/74 - P22071: Parabéns a você (1948): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22065: Parabéns a você (1947): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22070: Os nossos seres, saberes e lazeres (445): A minha primeira viagem (de comboio) para além do Ave, Minho... Uma aventura, até Ermidas do Sado, Santiago do Cacém, Alentejo ! (Joaquim Costa)


Linha do Corgo > Comboio a vapor. Fomte:cortesia de Vivadouro


1. Mensg
em do Joaquim Costa [, natural de V. N. Famalicão, vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros: é engenheiro técnico reformado; foi Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)]

Date: domingo, 4/04/2021 à(s) 01:28
Subject: Os nossos  Seres, Saberes e Lazeres

Meu caro Luís

O post do colega Joaquim Ascensão sobre a sua atribulada viagem de comboio desde a sua terrinha (Leandro), muito próximo da minha (Calendário – V.N. de Famalicão), até ao "odiado" CISMI em Tavira (*), fez-me suar aos ouvidos o distante e saudoso som dos nossos comboios a vapor.

Dando seguimento às minhas memórias de Paz, que podes enquadrar nos nossos seres, saberes e lazeres, envio-te a "crónica" da minha primeira viagem de comboio para alem do Ave, deixando ao teu critério a oportunidade e interesse da sua publicação.

A minha memória está gasta mas continuam intactos, os "frames", que guardam as minhas viagens de comboio:

Fazer a viagem de Famalicão à Póvoa do Varzim, para ir à praia, no comboio a vapor em linha estreita (infelizmente encerrada em 1995 dando lugar a uma ciclovia), onde partíamos de camisa branca e chegavamos de camisa preta;

A viagem do Porto a Chaves, nas magníficas linhas do Douro e Corgo (esta, infelizmente desativada em 2'10, dando lugar, em partes do seu percurso, a uma ciclovia), aqui já contada (P21893), em que a maioria dos passageiros eram cabras;

As viagens diárias para o Porto (quando freqientava ISEP. Instituto Superior e Engenharia do Porto) utilizando a linha do Norte e muitas vezes a linha estreia até à estação da Trindade (infelizmente já desativada);

A viagem para a tropa (Caldas da Rainha – aqui também já contada - P21844), na linda linha do oeste, com o meu saco carregado com 4 "granadas" de Alvarinho;

As viagens de Famalicão até Tavira, Estremoz e Portalegre, com os comboios cheios de tropa que mais parecia o prelúdio da 2ª Guerra Mundial;

A maravilhosa e ternurenta viagem, na companhia do meu saudoso Pai, de Barrimau – V.N. de Famalicão, até Ermidas Sado, em visita ao meu irmão Manuel, ele também um ex-combatente da Guiné.

Como já referi na minha apresentação ao blogue (P21827), o meu irmão Manuel (infelizmente já falecido), fez parte dum contingente que foi mobilizado "rápido e em força" para a Guiné logo a seguir aos ataques do PAIGC, em 1963, a Tite, Buba e Fulacunda, ou mesmo antes com os ataques da FLING a Susana e Varela em 1962.

 A sua guerra acabou por ser outra numa luta entre a vida e a morte com uma pneumonia que o apanhou logo à sua chegada e o atirou para uma cama do hospital de Bissau. Passado pouco tempo regressou a casa, ainda em convalescença, com passagem à reserva por invalidez

Infelizmente não tenho dados sobre o seu batalhão, mas seria muito reconfortante encontrar algum camarada, que acompanhe o blogue, do mesmo contingente. Apenas sei que o seu batalhão todos os anos fazia a sua reunião anual, na modalidade de piquenique, na região de Viana do Castelo e/ou Braga.

Todos nós, por muito que o neguemos, já olhamos mais para o retrovisor do que para a frente de estrada das nossas vidas. Pelo que é com muita nostalgia e tristeza que vejo grande parte da nossa rede de linha férrea e ser substituída por ciclovias, assim como míticos cafés das nossas cidades, que eram muito mais que a nossa segunda casa, nos tempos de estudante, terem dado lugar a bancos nos anos 80 e a lojas dos chineses nos dias de hoje.

Conto esta história da minha primeira viagem de comboio, para além do Ave, como singela homenagem ao meu saudoso pai e irmão.

Um abraço amigo e grato pela casa que construíste há dezassete anos e que abriga toda esta família do Blogue.

Joaquim Costa

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A minha primeira viagem (de comboio) para além do Ave

por Joaquim Costa

No ano da Graça de 1964, após uma mobilização atribulada para a Guiné (onde chegou com uma grande pneumonia, tendo quase de seguida regressado a Portugal, com passagem à reserva, sem nunca ter visto Bissau) o meu irmão Manuel empregou-se na CP e foi colocado em Ermidas Sado, Santiago do Cacém,  no Alentejo. 

Era uma altura em que os funcionários públicos tinham um ordenado de miséria mas algumas regalias. No caso o próprio viajava de comboio para qualquer ponto do país gratuitamente e os familiares tinham direito a 3 viagens por ano.

Para além de duas viagens gastas na ida à praia na Póvoa do Varzim, depois de muitas reuniões familiares, lá se chegou a consenso sobre o destino a dar à terceira viagem. Tendo em conta todos os afazeres, tais como: manter aberta a mercearia/taberna, a guarda dos cães, dos gatos, dos coelhos, das galinhas, do porco, etc, desta vez aproveitava a viagem, de longo curso, o pai Zé e o puto mais novo, a casa do Manel no Alentejo.

Como seria de esperar os preparativos da viagem estavam ao nível dos preparativos da viagem de Vasco da Gama à Índia.

É impossível descrever a alegria e ansiedade pela chegada do momento: dizia a carta do Manel que,  além de comboio,  tínhamos de andar de barco... Era muito à frente !

Composta a cesta à moda do Minho com o arroz de frango, bolinhos de bacalhau, presunto, salpicão etc, etc, e, o mais importante: dois garrafões de vinho verde tinto de palhinha. Um de 5 litros para o Manel e um pequeno de 2 litros para a viagem.

E aqui vamos nós. Apanhar o comboio das 6 da manhã no apeadeiro da aldeia (Barrimau), mudar em Campanhã com destino a Lisboa. Nenhum incidente, tudo como o programado e o puto maravilhado com o desfrutar de um mundo novo que desconhecia.

Chegados a Santa Apolónia,  começamos a aperceber-mo-nos de que entravamos num mundo novo, e muito diferente da nossa querida aldeia.

Lá continuamos o nosso caminho, o pai Zé com o seu fato e gravata, eu de fato e gravata, completamente desconfortável e já com bolhas nos pés devido aos sapatos (fato e sapatos só os tinha utilizado, uma vez, no casamento do Manel), o meu pai com a cesta a cheirar a bolinhos de bacalhau numa mão e na outra o garrafão de 5 litros, eu com uma pequena mala com roupa numa mão e o garrafão de 2 litros na outra. Toda a gente a olhar para nós e muitos lançando “bocas” trocistas: "Deve ser boa a pinga! Que cheirinho sai dessa cesta!"

O meu pai pergunta como chegar ao Terreiro do Paço. Um taxista oferece os seus serviços. O meu pai negoceia, pergunta que tempo demorava e quanto custava a viagem: 

 Está decidido... vamos a pé.

Aqui vamos nós, a transpirar por todos os poros, com todo aquele aparato de cesta minhota e dois garrafões de vinho, caminhando a pé de Santa Apolónia ao Terreiro do Paço. Não estava nos nossos planos esta receção do povo de Lisboa, todos os carros que passavam apitavam e mandavam todo tipo de piropos.

Chegamos ao Terreiro do Paço,  exaustos, mas felizes por aquela receção. Aqui todos queriam ajudar-nos, levar o cesta, os garrafões … contudo o meu pai nunca largou o dele , nem eu o meu. Foi uma das advertências que o Manel nos fez: Nunca largar nada e sempre com a carteira bem guardada.

Entrado no barca senti aquela sensação de entrar num mundo encantado onde por magia sou possuído de poderes sobrenaturais, voando como uma pássaro sobre as águas. Estava com medo de acordar receando que, afinal, tudo não passasse de um sonho. Via-se ao longe, nas duas margens do rio, os estaleiros para a construção da ponta 25 de abril, com centenas de trabalhadores parecendo formigas em grande azafama.

Chegados ao Barreiro, e,  ao tomarmos conhecimento que só tínhamos o comboio ao fim da tarde, o meu pai arriscou o almoço num restaurante, guardando o produto da cesta para o Manel e para os donos da casa onde habitava, um excelente casal de alentejanos.

Entramos, creio que os dois pela primeira vez, num restaurante. Sentia-se um restaurante frequentado por trabalhadores das empresas locais, contudo, não foi uma entrada discreta, à nossa frente entrou um casal a quem ninguém ligou mas a nossa entrada, com toda a nossa trouxa, fomos logo fulminados com os olhares de todos os presentes com um sorriso irónicO visível nas suas caras.

Abeirou-se de nós o dono do restaurante, com um sorriso trocista, mas muito amigável, metendo conversa: 

 vocês entram-me assim no restaurante com estas duas bombas! 

Logo nas primeiras palavras denunciamos o nosso falar cantado à moda do Minho ao que logo fomos bombardeados com a viagem do homem a Braga e ao Gerês,  criando-se assim um ambiente mais solto para nós que nos sentíamos intimidados com todos aqueles olhares. 

Da conversa sobre o Minho e o vinho verde fomos na sugestão do prato do dia, e único: bacalhau cozido com grão, embora com algum receio de estarmos perante uma brincadeira do homem (acontece que na altura, na aldeia e em toda a região do Minho, o grão não fazia parte dos produtos utilizados na cozinha, quanto muito, por vezes, juntava-se sim, esta iguaria à (b)vianda para os porcos), mas contudo arriscamos.

Convém lembrar, também, que lá em casa, às refeições não havia rações individuais, a panela vinha para a mesa e cada um tirava uma pequena parte e só retirava a segunda vez depois de todos já se terem servido (a velha máxima de que antes de se começar a comer há sempre lugar para mais um - podia-se ficar com fome mas chegava sempre algo a todos), e quando eram batatas cozidas com bacalhau a norma era todos colocarem um pouco de azeite com alho no prato, tirava-se uma batata de cada vez, envolvia-se no azeite, comia-se, a aguardava-se que todos tirassem a sua para, se ainda houvesse, repetir o gesto. 

Como nunca tínhamos comido tal coisa, nem nos passava pela cabeça que fosse comestível, aplicamos a regra de casa: colocar o azeite no prato, tirar um grão de cada vez, tirar-lhe a pele, envolvÊ-lo no azeite e tentar colocá-lo no garfo para o levar à boca. Tarefa nada fácil. Durante toda esta atribulada batalha com o grão, reparamos a galhofa geral na sala. 

Só queríamos fugir dali, já que pensávamos que estamos mesmo a comer (tentar comer) comida para porcos. Só à saída, com grande alívio meu, verifiquei que afinal todo o pessoal comia grão, mas colocado em grande quantidade no prato e, com a ajuda preciosa de uma faca, levavam à boca (com a pele) grandes garfadas de grão. Foi a primeira vez que que constatamos que a faca tinha outras funções para além de cortar presunto e chouriço...

Chegou a hora da partida do comboio para o Alentejo. Entramos, mas já o mesmo estava cheio de trabalhadores e soldados. Tivemos que ficar na plataforma, de pé. Todos os presentes, com um ar irónico mas amável, nos procuravam ajudar na arrumação dos haveres. 

Entretanto, um homem, já para lá da meia idade (de lencinho ao pescoço e chapéu alentejanos), olhando persistentemente para o garrafão que estava à minha guarda, meteu conversa:

 − Então, compadres,  vêm do norte? 

Denunciámos as nossas origens com a pronuncia do norte adocicada com o falar cantado do Minho: 

  ... E o vinho desses garrafões é verde? É branco ou tinto? 

   É tinto  − respomdei o meu pai, − Lá na aldeia costuma-se dizer que vinho branco, pão de trigo e caldos de galinha é para os doentes. 

− Ah ! branco já bebi mas tinto nunca provei. 

Fez-se silêncio, mas o homem, com os olhos vidrados, não deixava de olhar para o meu garrafão, e volta à carga:

  − Então, para onde vão? 

− Para Ermidas d Sado para casa do meu filho que trabalha lá nos comboios: se nos fizesse o favor de avisar quando estivéssemos a chegar ficava lhe muito agradecido  − disse o meu pai. 

− Claro que sim,  compadre, podem ficar descansados que eu avisarei −  disse o homem muito solicito. 

  Agradecido − disse o meu pai. 

Passado uns minutos, o meu pai sentiu uma secura na garganta, fruto do bacalhau do almoço que estava um pouco salgado,  e levou o meu garrafão aos lábios. Ao ver o olhar embebecido do companheiro de viagem ofereceu-lhe um pouco. O mesmo não se fez rogado e lançou com sofreguidão o garrafão aos queixos. O meu pai ficou preocupado porque o homem ficou com os lábios colados ao gargalo. Passado uns segundos, largou, arrotou, e exclamou: 

 −  Mas que grande pomada!


De paragem em paragem o homem aproveitava para meter conversa: 

− Ainda falta, não se preocupem que eu aviso quando estivermos a chegar, ainda há tempo para mais uma prova, Sr. José. 

E zumba, mais uma golada, e assim foi em todas as paragens até à ultima gota do garrafão.


A viagem continuou em silêncio, já que o nosso companheiro de viagem sentou-se num banquinho, rebatível, que vagou, e adormeceu.


Passado mais umas paragens, um outro homem, que acompanhou divertido ao esvaziar do garrafão, com um sorriso nos lábios bateu no ombro do meu pai e disse: 

  Estamos em Ermidas Sado. 

 Apanhamos a cesta, os garrafões (o meu muito mais leve) e abalamos rápido para fora do comboio. O Homem que era suposto avisar-nos quando chegássemos ao nosso destino continuou num sono profundo. Provavelmente até ao fim da linha…

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22063: Os nossos seres, saberes e lazeres (444): Quando vi nascer a Avenida de Roma (2) (Mário Beja Santos)