sábado, 26 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22318: Os nossos seres, saberes e lazeres (457): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (4): As Necessidades, a olhar o Palácio e a percorrer em júbilo a Tapada (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Nas alegrias do desconfinamento dá gosto ver os jardins pejados de visitantes. A Tapada das Necessidades é um espaço maravilhosos, está aliás num perímetro onde quem gosta de visitar a oásis lisboeta tem por onde se movimentar: os jardins de Belém, incluindo o Jardim Tropical, subir ao jardim da Tapada da Ajuda e não esquecer a sua ligação ao Jardim Botânico da Ajuda e lá mais em cima Monsanto. O que timbra e singulariza a tapada é a sua história multissecular que vem dos tempos conventuais, e os Bragança não se pouparam a incluir neste espaço de refrigério espécies arbóreas do maior interesse, há catos de todas as variedades, espaço para crianças, aos poucos sente-se que património edificado parecia ao abandono retoma à vida, e o jardim ganha mais história, ainda por cima a beijar os muros do único ministério instalado num palácio (não esquecendo os departamentos da Cultura dentro do Palácio Nacional da Ajuda). Certas decisões como aquela que tomou Jorge Sampaio em ter o seu escritório no que fora o ateliê da rainha D. Amélia, e que estava num estado de completa degradação, permite olhar a Casa do Regalo como uma recuperação feliz, como algumas outras que estão em curso no interior da Tapada, e que tanto a valorizam. Nada como confirmar com os vossos próprios olhos o que aqui se mostra, e que é muitíssimo pouco.

Um abraço do
Mário


As Necessidades, a olhar o palácio e a percorrer em júbilo a Tapada

Mário Beja Santos

A Tapada das Necessidades tem a sua existência associada a um convento que veio dar lugar a um palácio, tudo começou nos tempos da corte do magnífico D. João V, depois sonhou-se num palácio real, quando a família Bragança se transferiu para a Ajuda, aqui ficaram os recém-casados Carlos e Amélia, como aqui vivera D. Maria II e D. Fernando II e a sua ranchada de filhos, e a altas horas da noite D. Pedro V esperava o seu pai para o censurar discretamente, o rei enviuvara e metera-se de amores com uma cantora de ópera, mais tarde sua mulher, a condessa d’Edla. Em 1 de fevereiro de 1908, aqui deram entrada os cadáveres de D. Carlos e do Príncipe Real. Daqui saiu apressadamente D. Manuel II em 3 de outubro de 1910, oferecera-se um jantar de gala ao presidente do Brasil, a marinhagem para aqui lançou uns tiros de canhão, o rei partiu para Sintra, depois Mafra, onde se juntou à família, e da Praia da Ericeira partiu para o exílio. Nunca houve a pretensão de imitar Versalhes, é gracioso na adaptação conventual e a Tapada era refrigério para muita gente, investiu-se a sério na plantação de árvores, é um espaço gracioso e no desconfinamento volta a encher-se de gente, tem entrada gratuita. Anda por aí uma polémica se se deve abrir espaço de hotelaria e restauração, correm abaixo-assinados, a procissão ainda vai no adro. Aqui se vai não para protestar, mas única e exclusivamente para aliciar quem vive em Lisboa ou arredores ou visita a capital encontra aqui um oásis que carece de reparações permanentes e acentuada manutenção pelas espécies raras que conserva e até por fazer ligação com o departamento de Estado que se dissemina pelas instalações palacianas. Hoje só se vê o palácio por fora, a tapada é o fulcro das nossas atenções.
Fachada do Palácio das Necessidades, entrada da capela, com o fontanário em primeiro plano
O largo, o fontanário e vista sobre o Tejo com a Ponte 25 de Abril ao fundo
Entra-se na Tapada e este magnífico dragoeiro dá-nos as boas-vindas
Na Tapada, ao visitante é permitido captar certos ângulos do Ministério dos Negócios Estrangeiros
Um lago e o seu idílio na Tapada das Necessidades
Não há catos como os da Tapada das Necessidades
O jardim dos catos visto de um ângulo que não permite ainda perceber a imensa variedade que nos espera
Mais catos exuberantes
Casa do Regalo, antiga ateliê da rainha D. Amélia, hoje escritório do ex-Presidente da República Jorge Sampaio
Casa portuguesa estilo Raúl Lino, felizmente restaurada e espera-se que com uso
Outra fonte perto de uma cascata e também perto da Casa do Regalo
Aproveitando a chegada da Primavera, um belo espaço de lazer
Entrada da estufa
Pormenor escultórico
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22297: Os nossos seres, saberes e lazeres (456): De visita obrigatória: exposição Representações do Povo, Museu do Neo-Realismo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22317: Tabancas da Tabanca Grande (6): O régulo vitalício, José Belo, da sempre saudosa Tabanda da Lapónia, de regresso de Key West, traz-nos uma história da espionagem russa e sueca durante a guerra fria, em 1982, ao tempo ainda de Olof Palm

1. Mensagem de José Belo que acaba de ultrapassar as duas centenas de referências no nosso blogue... 

Para quem não sabe, ele foi (e continua a ser) um "Maioral", ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70) e é hoje cap inf ref do Exército Português... 

Temos  um especial carinho por ele por ser o único exemplar que conhecemos, vivo, de uma espécie que nunca chegou a existir ou que pura e simplesmemte  desapareceu há muito: os luso-lapões... A ser verdade que ele é um exemplar único, então é porque é ou foi "desenhado" como um protótipo... Se  o não fosse, hoje seria coronel de infantaria reformado e andaria pela linha do Estoril a mostrar as mazelas e as sequelas de guerras passadas... Felizmente para ele a Pátria / Mátria / Fátria mandou-o para longe... ou não fez nada para o trazer de volta... Vive na Suécia há 4 décadas. Mas nunca se sabe por onde pára...

Por acaso, soubemos, pelo blogue da Tabanca do Centro, em poste de 14 junho último, que o José Belo tinha acabado de regressar "depois de uma muito interessante estadia em Key West, Florida,  com muito jazz e não só".... E esclareceu: "Voltei à Suécia para participar num encontro de antigos juristas de Direito Internacional tanto americanos como suecos"... Coisa que poucos sabem, ele é também jurista, especializado nesta área, a do direito internacional...

Há dias fez "prova de vida" (, como convém nas nossas idades...), perante a Tabanca Grande,  e veio relembrar-nos então um episódio, já esquecido por todos nós,  de um grave incidente, ocorrido em outubro de 1982, há quase 40 anos, com um submarino atómico russo que "encalhou" em águas territoriais suecas. Era então primeiro ministro Olof Palme (1982-1986) (já o tinha sido em 1969-1976). 

Como é sabido, a Suécia é uma país neutral ... com uma relação especial com a NATO (a que não pertence nem nunca pertenceu). O que não a impediu de ser uma potência regional, crítica da política externa imperialista tanto dos EUA como a URSS.

Porque todos fomos filhos e vítimas da "guerra fria" que opôs uma metade do mundo contra outra metade, faz-nos bem recordar estas histórias de modo a aumentarmos a nossa capacidade de resistência e resiliênca face à guerra, a todas as guerras, frias ou quentes (de que Deus nos livre!).  Bem vistas as coisas, a nossa geração nasceu e viveu, uma grande parte da sua vida, em plena guerra fria, o período de grande tensão geopolítica que opôs dois blocos militares, a NATO e o Pacto de Varsóvia, durante quase meio sécul0, de 1947 a 1991 (, ano da dissolução da URSS). Houve alturas, gravíssiamas, em que estivemos quase à beira da III Guerra Mundial.

Em suma, bem vindo de regresso a casa, Zé Belo! (LG)

 
Date: terça, 22/06/2021 à(s) 11:44
Subject: Ainda a espionagem russa e sueca durante a guerra fria 


Durante um considerável período de tempo os soviéticos usaram os seus submarinos estacionados no Báltico para tentar infiltrações nas numerosas defesas marítimas suecas.

Tendo em conta existirem numerosos arquipélagos ao longo das costas suecas (só o arquipélago de Estocolmo é formado por mais de 40 mil(!) ilhas ) esta tarefa de defesa é complicada.

Os incidentes eram frequentes e levavam ao uso de cargas de profundidade  por parte da marinha sueca.
Um caso extremo sucedeu a 27 de Outubro 1981.

O submarino soviético U-137 encalhou nuns rochedos junto de Thorhamnkär, na entrada do estreito que conduz à maior e mais secreta base naval sueca de grande importância estratégica.
Esta base está rodeada de um vasto perímetro de segurança onde é proibida a estadia de cidadãos não suecos.

Dispõe de profundos túneis cavados na rocha onde tanto barcos como instalações de radar e artilharia de costa se encontram resguardados.

O submarino, navegando à superfície aproveitando condições meteorológicas extremas, conseguiu infiltrar-se até cerca de dois mil metros da base na altura em que  encalhou. Dispunha de modernos  mísseis de carga atómica.

De imediato, e temendo represálias aquando do regresso à União Soviética, o comandante do submarino e grande parte da tripulação pediram exílio político às autoridades suecas.

O primeiro ministro sueco na altura era Olof Palme (1927-1987) que de imediato procurou soluções políticas para o incidente. Os soviéticos no entanto não aceitaram negociar.

Apresentaram um ultimato de muito curto prazo no qual exigiam a devolução do submarino com a totalidade da tripulação. Caso tal não viesse a suceder no prazo estipulado,  eles viriam buscar o submarino usando todos os meios para tal necessários.

Ao mesmo tempo em que grande parte da esquadra soviética do Báltico estacionava no limite das águas territoriais suecas precisamente frente à base naval. Os suecos deslocaram reforços marítimos, aéreos  e terrestres para a zona.

Veementemente aconselhados internacionacionalmente, acabaram por aceitar o ultimato rebocando o submarino, com a totalidade da tripulação, até junto da armada soviética.

Como seria de esperar, aquando do regresso à União Soviética, a história terminou "menos bem" para o Comandante e alguns membros da tripulação.

E incidentes mútuos continuam nos nossos dias com uma Rússia pós-soviética.

Um abraço, J. Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 30  de maiode 2021 > Guiné 61/74 - P22239: Tabancas da Tabanca Grande (5): Convívio de 4 tabancas (Sra da Graça, Matosinhos, Candoz e Atira-te ao Mar) na terra das 3 pontes, Peso da Régua

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22316: (In)citações (186): As várias idades ou "Estar vivo é o contrário de estar morto" (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)

O descanso dos guerreiros

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 24 de Junho de 2021:


AS VÁRIAS IDADES

É natural quando nos dói perna ou braço, dizermos com um ar mais ao menos no gozo, que é da idade.

Mas isto da idade tem que se lhe diga pois há uma idade para tudo. Assim há a idade de gatinhar, andar, ir para a escola, trabalhar, ir para a tropa, casar, ser pai, ser avô e também haverá o momento que nos dizem que temos idade para descansar.

Recordo-me quando jovem não me portar dentro dos cânones considerados correctos ter a desculpa de que era da idade e também me lembro da minha mãe já ser mais pequena que eu e dizer, que eu tinha idade de levar uma bofetada se me armasse em parvo.

Como dizia o meu sócio e amigo Henrique (cordoeiro) que herdou a alcunha do pai, que foi ao seu tempo um industrial de cordoaria numa terra sem luz eléctrica e em que os fontenários só deitavam água (estrategicamente vertida de um regador) no momento, que Sua Exa abria a torneia no dia da inauguração, dizia então que lhe doía a perna do lado da Charneca e não era da idade, pois a outra tinha a mesma idade e não lhe doía nada.

Acabei de fazer 71 anos e dizem os animadores que é uma idade bonita. Concordo, e passados estes anos que a vida tanto me ensinou, já não conta a quantidade mas qualidade, o certo é que ela boa de se viver em todas as idades.

Todo este palavreado vem ao fim ao cabo como forma de agradecimento a todos que me endereçaram os parabéns no passado 17 de Junho. Para o ano cá estarei novamente, porque como diz a “grande” Lili Caneças num rasgo de filosofia “QUE ESTAR VIVO É O CONTRÁRIO DE ESTAR MORTO”.

“Caturreira!” que é verdade.

Um abraço a todos os camaradas

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22248: (In)citações (185): A escrita da vida, poema breve (Joaquim Pinto de Carvalho, régulo da Tabanca do Atira-te ao Mar, Lourinhã / Cadaval)

Guiné 61/74 - P22315: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (58): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Se é lícito recapitular o que se vai passando na vida deste Paulo Guilherme, ele tem um ganha-pão como técnico, é professor contratado, colabora com a imprensa, nunca o vemos gemer sob o peso das obrigações diárias, tem várias bocas a ajudar, são riscos que corre por conta própria, aceitou vários tipos de representação, a que mais lhe apraz é representar a Confederação Europeia dos Sindicatos nas políticas de Saúde e do Consumo junto das instituições europeias. Vai cimentando amizades, e daí pedir conselho a quem coliga uma estima fraternal, é o caso de Gilles Jacquemain, começaram por aceitar conjuntamente elaborarem documentos para o Conselho Consultivo de Consumidores, encontram-se regularmente em Bruxelas, e Paulo começa a viver situações tempestuosas com os seus colegas europeus, a Comissão Europeia torce o nariz, é preciso manobrar com delicadeza em várias direções. Mas Gilles não só conhece o romance amoroso de Paulo com Annette Cantinaux como ele próprio deve saber mais coisas sobre a Guiné, esta carta é uma entre muitas demonstrações em que Paulo pede conselho e satisfaz a curiosidade desse belga que de guerra colonial só retém na memória a saída precipitada do Congo e a catástrofe subsequente, pois congoleses e descendência é coisa que não falta na Bélgica, em pleno século XXI.

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (58): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon cher Gilles, mon frère en Bruxelles, dentro de dias tens-me aí, organizei com Annette uma viagem a Ypres e a Pas de Calais, imagina tu para visitar sobretudo cemitérios. Já estive em Ypres e confesso-te que aquele cenário alegórico das batalhas me quebrou o coração, aquelas centenas de milhares de mortos para coisa nenhuma. Não esperava integrar nestes dias motivos de trabalho, mas algo de surpreendente aconteceu e tenho que te contar, pois há que agir prontamente.

Mal chegado daquela viagem relâmpago em que fui fazer a conferência no Espaço Senghor, e onde tive o prazer de te rever, recebi um telefonema de um funcionário superior do Serviço de Política de Consumidores, Jean-Marie Courtois. Deixou-me alarmado. Começou por me informar que se tratava de matéria delicada e dava a seguinte informação em privado. Como tu te recordas, o meu colega catalão da Associação Europeia de Consumidores, Javier Pardos Guzmán, comprometera-se a fazer para a Comissão um trabalho sobre o impacto nos consumidores dos dois primeiros anos do Euro. O trabalho foi entregue e pago. Acontece que Javier fez chegar à Associação um trabalho que era dado como original e que fazia parte do contrato que assumíramos com a Comissão Europeia no âmbito do nosso programa de atividades por ela financiada. Obviamente que a Françoise Maniet, a nossa secretária e representante permanente, nos enviou cópia para lermos antes de seguir aos serviços da Comissão, pareceu-me trabalho decente, telefonei a Bengt Ingerstam para Estocolmo, concordou comigo. Acontece, disse-me Courtois, que este trabalho já fora divulgado no Ministério de Saúde e Consumo de Espanha como original, como original chegou à Comissão Europeia, a título de encomenda aos catalães, e tínhamos agora um texto mal maquilhado em nome da Associação de Consumidores, pedia-me insistentemente que descalçássemos a bota um quanto antes. Podes imaginar o estado de espírito com que telefonei a Javier, começou por negar perentoriamente qualquer mixórdia, seguramente era um problema de má tradução, às tantas confessou que havia repetição de capítulos em ambos os trabalhos e mais adiante pediu-me para eu mandar retirar o trabalho atribuído à associação, seria em dois meses substituído por um estudo original referente à evolução do crédito hipotecário na Catalunha nos últimos cinco anos.

Sei muito bem que estes assuntos te escapam, não tens nenhum envolvimento com a nossa associação de consumidores, socorro-me da tua amizade e da tua competência para me dares conselho. Na próxima reunião da Direção o assunto tem que ser posto em cima da mesa, acresce que também temos alguns problemas de rebelião com os franceses que se recusam a subordinar o nosso programa de atividades financiado pela Comissão às matérias que esta propõe para estudo em função do seu próprio programa, acham tratar-se de uma ingerência, de uma maneira de nos dificultar a desenvolver a especificidade da nossa organização que se timbra por ser um associativismo da vida quotidiana, em estreita ligação com o consumo responsável e solidário, visando modos de consumo e de produção mais sustentáveis. Ora nós aceitámos apresentar uma radiografia das nossas 16 organizações sobre estudos efetuados quanto ao consumo responsável e solidário, eles teimam num programa diferenciado, não querem responder sem insistir que as associações de consumidores de caráter europeu não têm qualquer dever de subordinação às prioridades da Comissão, parece-me uma rematada agressividade com quem connosco contratualizou de boa fé e nos está a financiar o nosso trabalho coletivo. Perdoa-me o incómodo, preciso que reflitas sobre a situação em que estamos a viver, peço-te muito que conversemos em Bruxelas dentro em breve. Obrigado por tudo.

Agradeço-te igualmente a manifesta curiosidade com que tu acompanhas a história ficcionada da Rua do Eclipse. A Annette embrenhou-se de tal modo nesta minha comissão na Guiné que faz perguntas a toda a hora. Por exemplo, não percebe bem o quadro depressivo que eu descrevo naqueles meses em que transitei do Cuor para Bambadinca, acha surpreendente eu não me sentir melhor correndo menos riscos, eu e os meus homens. Consegui juntar algumas folhas sobre o meu dia-a-dia de autêntico distribuidor, pronto-socorro e vigilante. Descrevo-lhe que saio às seis da manhã e vou buscar população a Samba Juli, a última tabanca na estrada que leva de Bambadinca a Mansambo, população que vem ao médico, como a seguir marcho para ir buscar alimentos e correio a Bafatá, outro levará os doentes tratados a Samba Juli; regresso de Bafatá, a viatura segue com almoço para a Ponte Undunduma e cabe-me analisar correio e tratar de assuntos da justiça militar; depois de almoço na messe, tenho direito a uma pausa, pelas 15 horas, com outro pelotão, seguimos de Amedalai para Demba Paco, alguém já picou a estrada, seguimos com presteza para levar munições e sacos de arroz, trazendo eventualmente civis adoentados, estamos de regresso pelas 17 horas; tenho permissão para me refrescar e acompanhar as aulas dos meus soldados; pode acontecer que seja necessário jantar mais cedo para montar a emboscada ou seguir para os Nhabijões. Quando há folga, tudo pode acontecer desde leituras a jogos de cartas ou ir conversar com a professora primária, Dona Violete, ainda não tive oportunidade de te contar mas quando cheguei a Bambadinca, em novembro de 1969, resolveram praxar-me, isto é, inventaram uma responsabilidade totalmente inexistente, que eu ficaria como ajudante às ordens da professora, lá me apresentei, com cara de caso, quando lhe falei da missão ela desatou a rir, era uma senhora muito bem-disposta, de idade indefinida, com muito sangue cabo-verdiano e cabelo oxigenado, com uma maquilhagem muito contida e que recebia à inglesa, havia sempre na sala um bolo fumegante. Propusera-lhe inicialmente vários temas de conversa, já que ela tinha sido professora no Cuor: onde se teria situado Sambel Nhantá, que tipo de indústrias e empreendimentos agrícolas houvera no Cuor, como efetivamente se tinha desencadeado a subversão naquele regulado. Foram serões deliciosos, fiquei a saber que Sambel Nhantá fora nome de régulo e de uma povoação que mais tarde deu pelo nome de Sansão; falou-me daquela Sociedade Agrícola do Gambiel de que ainda restava uma formidável construção em pedra; que sempre viveu em Bambadinca e que um barco de manhãzinha cedo a deixava em Gã Gémeos, seguia de burro para Missirá, à tarde regressava; que a área mais próspera do Cuor era Canturé; a população, no passado, era maioritariamente islamizada, mas nunca puseram problemas a que as crianças fossem à escola. E dessas conversas retive o tom quase magoado como me foi referindo a chegada da luta armada, logo nos inícios de 1963, um verdadeiro tremor de terra que levou ao desaparecimento de todas as localidades com exceção de Missirá e Finete, esta parecia que ia morrer, mas em 1965 apareceram tropas de milícia e a bolanha é tão fértil que as populações se sentiram protegidas e regressaram, Mandingas e Balantas. Falava emotivamente das belezas do Cuor. Quando me despedia, dizia-me sempre: “Que tema quer tratar a seguir, senhor alferes?”. Eu dava uma sugestão, beijava-lhe a mão e agradecia-lhe sempre o saboroso chá preto, tudo isto decorria numa atmosfera que parecia completamente fora de um cenário bélico.

Não te incomodo mais, estou a trabalhar a mata-cavalos para deixar as avaliações dos meus alunos, ainda tenho que expedir uma carta para a Françoise Maniet, felizmente tu estás a preparar a tomada de posição do documento que nos pediram para o Conselho Consultivo de Consumidores, senão já nem tinha tempo para dormir. Esqueci-me de perguntar pela tua mulher e mais família, espero que todos estejam bem. Pensa no pedido que te fiz, quero procurar agir com o melhor bom-senso possível com estas situações do colega catalão e do grupo francês. Não te esqueças que te ofereci a minha casa em julho, quando estiver para passar férias em Bruxelas. Depois volto com a Annette para Lisboa. À bientôt, une énorme amitié, Mário
Alguém me sugerira que lesse cuidadosamente um famoso álbum de Schuiten e Peeters, uma crítica devastadora que faz destruições provocadas no centro da cidade pela ganância dos promotores e mobiliários: a destruição do centro medieval para canalizar e abobadar o rio Sena; o delírio do Palácio da Justiça, construção megalómana, sempre que sujeita a trabalhos intermináveis; a destruição da Casa do Povo, do arquiteto Victor Horta para dar lugar a uma insípida fachada encurvada, quase sem graça nenhuma; a Bruxelas que se transformou em Brüsel, o delírio do fachadismo, derruba-se o antigo mantendo a sua fachada, criando cenografia para construções que fingem o antigo.
A Cité du Logis, em Watermael-Boitsfort, é um caso ímpar de construção social entre as duas grandes guerras é de tal modo paradigmático este equipamento urbano que está classificado, deverá manter-se intocável. Aqui muito perto, Gilles Jacquemain encontrou um novo escritório para a Associação Europeia de Consumidores, melhor notícia eu não podia ter tido, a centenas de metros vivem queridos amigos, os transportes para o centro da cidade de Bruxelas são acessíveis e a floresta de Soignes, a deslumbrante floresta de Soignes faz fronteira.
Jamais em tempo algum regressei de Bruxelas sem vitualhas para a família. Eram os pedidos dos filhos pequenos, eram as novidades em queijaria e charcutaria, por vezes arranjando situações delicadas de fedor dentro do avião, quando me esquecia de pedir para que aqueles queijos de odor intenso fossem hermeticamente fechados. O que aqui se mostra é o mercado dominical em Boisfort, é aqui que eu compro uns pedacinhos de queijo. Especialidades que vêm de França, comos os queijos Comté du Jura, o Cantal, e outras sumidades. Madame Germaine recebe sempre com um belo sorriso o cliente português.
Sou um caçador que não resiste ao cheiro da pólvora – metáfora mal-amanhada para referir que assim que vejo uma banca com livros vou farejar caça. Inesperadamente, perto da Praça Real, em Bruxelas, dei com uma Feira do Livro da banda-desenhada, irresistível, os anos passam e cada vez mais gosto da BD francesa e belga.
Bozar é o diminutivo do Palácio das Belas-Artes, uma casa de cultura onde aconteceram exposições lendárias e funciona um auditório onde têm subido ao palco alguns dos maiores intérpretes mundiais. Aqui vi um recital memorável da Maria João Pires, selecionou sonatas de Mozart e Beethoven, concluiu retumbantemente com improvisos de Schubert. Esta porta é de uma grande beleza, todo o edifício mantém a traça Arte Deco, tudo bem dimensionado, sensibiliza-me esta ligação entre a estética e o funcional, entrosamento perfeito.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22294: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (57): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22314: Ser solidário (238): Ainda é possível fazer, até ao fim do mês, a consignação do IRS a favor da ONGD "Ajuda Amiga", NIPC 508617910, de que é presidente da direção o nosso camarada e amigo Carlos Fortunato, ajudando assim a finalizar a contrução da escola de Nhenque, Bissorã, que deve entrar em funcionamento no ano lectivo de 2021/22


 Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Nhenque > 31 de março de 2019 > Esta e outras  crianças contam com a solidariedade dos amigos e camaradas da Guiné...

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Caros/as leitores/as, amigos/as e camaradas:  

Aqueles que ainda não entregaram a declaração modelo 3 do IRS, ainda podem (e devem...) fazê-lo até ao fim do corrente mês. E na altura podem (e devem) pensar nas crianças de Nhenque, em Bissorã, região do Oio, Guiné-Bissau, que estão ansiosas por ver a sua escolinha inaugurada, e pronta a funcionar já no início do ano lectivo de 2021/22.

O projecto é da ONGD portugesa "Ajuda Amiga", fundada e dirigida por camaradas nossos.
Uma das suas caras mais conhecidas  é  o Carlos Fortunato (, ex-.fur mil arm pes inf, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71; por erro sistemático no nosso blogue, tem passado estes anos todos por furriel de transmissões;  como ele nos corrigiu amavelmente,  sempre foi, no CTIG um operacional da G3...
). 



Em 2021 ficará construída uma sala polivalente, com uma pequena arrecadação que servirá de secretaria, biblioteca, sala de reuniões, etc., duas salas de aulas e duas latrinas, uma para as meninas, outra para os meninos.

Amigo/a, camarada: se quiseres (e puderes) ajudar, basta, no preenchimento da folha de rosto, da declarção modelo 3 de IRS,  no Quadro 11 (Consignação de 0,5% do IRS), pôr uma cruzinha no campo 1101 (Instituições particulares de solidariedade social) , e escrever o NIF da Ajuda Amiga, 508617910, assinalando a seguir a consignação   que pretendes fazer (IRS e/ou IVA)




2. Podes também ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente este projeto da Escola de Nhenque), fazendo uma transferência, em dinheiro,  para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga: 


A Ajuda  Amiga tem cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue.


3. Recorde-se aqui o apelo desta portuguesíssima ONGD:


(...) As crianças têm que atravessar uma bolanha com mais de um quilometro com crocodilos para irem à escola


O Complexo Escolar está a ser construído por módulos à medida que se conseguirem os recursos necessários.

O primeiro módulo está a decorrer e será finalizado em 2021, é constituído por duas salas de aulas, uma sala polivalente (biblioteca, sala de reuniões) com um pequeno armazém para guardar material escolar, duas latrinas (uma para meninas, outra para meninos), dois depósitos de 10.000 litros cada para água e colocação de um contentor para armazenagem de materiais de construção, isto irá permitir dar aulas até à 4ª classe e assim os mais pequeninos não terão que atravessar a bolanha com crocodilos, para irem à escola.

Esta escola irá resolver uma uma situação dramática, pois as crianças têm que atravessar uma bolanha com mais de um quilometro com crocodilos para irem à escola de Bera que fica do outro lado, devido à falta de escolas nesta zona. As crianças para conseguirem passar pelos crocodilos atravessam acompanhadas por familiares mais velhos, que levam paus para afastarem os crocodilos e as defenderem dos seus ataques.  (...)

Os membros da Ajuda Amiga que se deslocam para apoiar os nossos projetos suportam eles próprios as suas despesas, e as despesas de funcionamento da Ajuda Amiga são pagas com as quotas dos sócios.(...) 


A Ajuda Amiga também tem página no Facebook. Aqui pode ver-se melhor os progressos feitos na construção da Escola, que está em fase de acabamentos.

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Nota do editor:


quinta-feira, 24 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22313: FAP (124): Memórias de lugares da guerra... A Base Aérea 12 de Bissalanca (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)



1. Em mensagem de 22 de Junho de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos das suas memórias na BA 12 de Bissalanca


MEMÓRIAS DE LUGARES DA GUERRA...
A BASE AÉREA 12 - BISSALANCA


Embora tenha noção de que tudo isto é parte de um passado longínquo, ele será sempre parte intrínseca de todos nós e da nossa história, que perdurará não só enquanto vivermos, mas também para além da vida, consubstanciado nos nossos contos e narrativas. Esse passado sofrido e glorioso, que são pedaços das nossas vidas....

Foi assim, historiando um pouco... que decidi narrar-vos o início atribulado da minha viagem para a Guiné; recordo-me que na escala pela Ilha do Sal, o C-54 H - Skymaster parecia uma lata velha, com o pessoal assustado com a turbulência, a pista transformada em lago e depois o dilúvio, numa terra onde há muitos meses não chovia uma gota.

Ainda recordo o banho de chuveiro no "Hotel abarracado" ... de água salgada... e depois, o arrastar de camas a tentar fugir das goteiras que caíam dos tectos esburacados. Acabei na rua em cuecas a tirar do corpo a água salgada com água da chuva... e a fugir dos percevejos que se passeavam pelos lençóis... e que tinha visto pela primeira vez na vida.

Depois, já no dia seguinte na BA12, quando abriram a porta do avião, aquela sensação de ar rarefeito, desagradávell quente e húmido, bafiento, pegajoso... e o pensamento de que tínhamos chegado a um local amaldiçoado... e tudo isto, aos 18 anos, ainda com a personalidade e experiências de vida apenas na fase de formação.

Alguns dias depois, já na linha da frente da Esquadra de Fiat G-91 onde fui colocado, a famosa 121... tive o bizarro conhecimento de que vários camaradas de outras Esquadras que tinham sido companheiros de Liceu, Escolas Comerciais e Industriais, alguns até colegas de turma nos mesmos estabelecimentos de ensino, eram, pasme-se: Furriéis, Sargentos e Alferes Milicianos.
Alguns de nós com habilitações académicas para Sargentos ou Oficiais, éramos simples 1.°s Cabos... Especialistas...

O clima, quente e húmido, a má qualidade da água, comida e sofriveis instalações, completaram o quadro de tudo com que não sonhávamos ou desejávamos...

As grandes amizades, companheirismo, convivência, solidariedade, cumplicidade, começaram a tomar conta de todos nós... Começámos a perceber que nos 2 anos seguintes, estes eram os valores a que nos teríamos de agarrar para conseguirmos passar pela missão o melhor possível...

A responsabilidade e o espírito de missão foi-se enraizando e pouco tempo passado, já faziam parte do grupo. Aos poucos, fomo-nos familiarizando também com os nossos chefes, que nos introduziram nos procedimentos técnicos de manutenção e apoio de voo. Inspecções, segurança, procedimentos pré e pós voo...

A vida na Guiné não era para ninguém uma pera-doce... contudo a nossa irreverência era uma arma poderosa.

As linhas da frente da BA12, em placa de cimento, chegavam fácilmente por volta do meio-dia, bem acima dos 40° graus centígrados... Não havia sombras, água... e o protector solar ainda não era uma opção.

Eu, e os meus camaradas da Linha dos G-91, tínhamos todos terminado o Liceu ou Escola Técnica e este era o nossa primeira actividade... como especialistas FAP. Todos entre os 18 e 20 anos de idade, com excepção do Chefe de Linha, o 1.° Cabo Especialista R/D Fernando Vilela, que tinha sido nomeado a partir da Linha da Frente dos T-33 na BA2, e era o único já com alguma experiência na manutenção e apoio de voo. Todos os Sargentos, tal como outros 1.°s Cabos mais antigos, permaneciam no "conforto" do hangar onde se efectuavam as inspecções programadas, ou se resolviam reparações mais complexas.

A expectativa dos primeiros voos era enorme, tal como a curiosidade em conhecermos os nossos Aviadores a quem nos dois anos seguintes iríamos dar a nossa imprescindível colaboração...
Não houve qualquer apresentação formal, chegavam de Jeep, vindos das Esquadras, cumprimentavam, fazíamos a inspecção prévia juntos, retirando as cavilhas de segurança do Trem de aterragem, subíamos a escada, eram amarrados à Martin Baker e depois de retiradas as seguranças, estavam prontos para partir...

Foi assim que as minhas rotinas diárias, no G-91, com o Ten Cor Costa Gomes, Capitão Vasquez, Capitão Costa Pereira, Tenentes Vasconcelos, Nico, Balacó e Neves se iniciaram no último trimestre de 1967. Mais tarde, com o decorrer da Comissão, os mais antigos, como o Capitão Costa Pereira e Tenente Vasconcelos, foram respectivamente rendidos pelo Capitão Amílcar Barbosa e Tenente Roxo da Cruz, tal como o Coronel Manuel Diogo Neto, futuro Comandante da Zona Aérea Cabo Verde/Guiné, (CZACVG).

Como tudo na vida, todos nós desenvolvemos personalidades, maneiras de ser e actuar diferentes. Foi assim também relativamente aos nossos Pilotos da Esquadra de Tigres. Havia a classe mais extrovertida e faladora, assim como os economizadoras da palavra, que só diziam o que era absolutamente indispensável...

Os G-91 eram entregues, diáriamente,  ao mesmo Mecânico, até por uma questão de responsabilização... Já com os Pilotos creio ser sido diferente, uma vez que chegavam do GO (Grupo Operacional) com missões já atribuídas...

Em boa verdade, começaram a haver preferências de quem dava saída a quem... Nenhum de nós gostava de apanhar o nosso Ten Cor, era antipático, pouco comunicativo e com uma postura de quem pertencia a um outro mundo...

Depois, havia também preconceito com alguns dos Tenentes... Porque eram empertigados, oriundos da AM, um porque se dizia que era de sangue azul e nem sequer olhava a direito para nenhum de nós... outro porque tratava todos os subordinados com afastamento e até algum desprezo... Parecia terem esquecido que estávamos todos envolvidos numa guerra terrível e de que necessitávamos da solidariedade e cooperação de todos. Eram, todavia todos bons Pilotos, apesar da inexistência da experiência de combate.

Eu, cá por mim, tinha preferência por um par de jovens Tenentes, que tinham chegado à Base no mesmo dia que eu, e a quem podia pedir para fazer umas piruetas, ou uma rapada, caso ainda chegássem com algum JP4 no Fuel Collect Tank... (reserva).


Verificação do Pylon

Bissalanca 1968

Bissalanca 1968

No final, direi que foi com grande orgulho e espírito de missão que contribuí para que a actuação da Esquadra de Intervenção Tigres de Bissalanca tivesse sido um sucesso e tivesse contribuído para a protecção dos nossos camaradas do Exército e Marinha. No final, numa guerra assimétrica, estávamos todos dependentes uns dos outros. Quem nos dera ter o poder de fazer rewind ao relógio da vida, e voltarmos todos aos bons tempos da nossa meninice e juventude...

Um lamento sincero por todos os que não foram bafejados pela sorte, e não conseguiram regressar... ou voltaram fisicamente diminuídos.

Grande abraço
Mário Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22015: FAP (123): Em louvor do ex-fur mil pil av António Galinha Dias e da tenente enfermeira paraquedista Maria Zulmira André Pereira (1931-2010) que fizeram a evacuação Ypsilon do cap cubano Pedro Rodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, na sequência da Op Jove (Jorge Narciso / Maria Arminda)

Guiné 61/74- P22312: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte II: Mas antes, viveu em Angola, fez o 1º COM na EAMA, Nova Lisboa, foi instrutor na CICA, e comandante de colunas logísticas.

 


Foto nº 1 > Região Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa > EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) > 1º COM > 9 de outubro de 1967 >  Distribuição de fardamento. O João Rodrigues  é o primeiro da ponta,do lado direito, de óculos.



Foto nº 2 > Região Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa > EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) > 1º COM > 23 de dezembro de 1967 > Juramento de bandeira... "Cábula  para decorarmos"...



Foto nº 3 > Região Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa > EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) > 1º COM > 23 de dezembro de 1967 > Juramento de bandeira...  (Capa da revista da RMA, nº 18, janeiro de 1968)



Foto nº 4 > R
egião Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa > CICA > 1968 > Comandando uma coluna, em fase de instrução de condutores auto. Uma mauser lá em cima, que era o que tínhamos lá, na altura...



Foto nº 5 > R
egião Militar de Angola (RMA) >  
 Nova Lisboa > CICA >  Brincadeiras no intervalo de uma coluna.


Foto nº 6 > R
egião Militar de Angola (RMA) >  Nova Lisboa > CICA >  Pausa para a bucha.


Foto nº 7 > R
egião Militar de Angola (RMA) 
 > Algures em Angola (, na realidade,imediações de Nova Lisboa, CICA) >  "Perto do Paraíso"... Na placa lê-se: "Se o Paraíso Terreal existe algures, não poderá ficar longe da daqui"


Foto nº 8> R
egião Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa >  CICA > 1968 > Juramento de bandadeira de condutores auto, 1º pelotão.



Foto nº 9 >  R
egião Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa >  CICA > 1968 > Juramento de bandadeira de condutores auto, 2º pelotão.


Foto nº 10 >  Região Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa >  CICA > 1968 > 



Foto nº 11 >  Região Militar de Angola (RMA) > Nova Lisboa >  CICA > 1968 >

 


Foto nº 12 > Região Militar de Angola (RMA) >   1968 > Capa do Jornal da RMA, nº 18, janeiro de 1968





Foto nº 13 > R
egião Militar de Angola (RMA) >  Luanda >  1968 > Contar-capa do Jornal da RMA, nº 18, janeiro de 1968.




Foto nº 14 > 
Região Militar de Angola (RMA) >  Luanda >  1968 > Contar-capa do Jornal da RMA, nº 18, janeiro de 1968.

Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo  (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com base nas informações que já nos deu a seu respeito, bem como na sequência a dúvidas e questões postas anteriormente (*), vamos resumir aqui os antecedentes militares do João Rodrigues Lobo; antes de ser mobilizado para a Guiné, em rendição individual:


(i) vivia em Luanda, tendo chumbado no exame de admissão ao Instituto Superior Técnico, em Lisboa; ("Não cheguei a frequentar o IST em Lisboa . Chumbei no exame de admissão realizado em Luanda. Depois da passagem á disponibilidade frequentei o Curso de Engenharia mecânica da Universidade de Luanda mas desisti porque arranjei um óptimo emprego como Agente de Navegação internacional"):.

(ii) por ter interrompido os estudos, foi chamado a cumprir,  na RMA - Região Militar de Angola, o serviço militar obrigatório;

(iii) foi incorporado em 9 de outubro de 1967 na EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola), criada em 1955, Nova Lisboa (hoje, Huambo), indo frequentar o 1º COM (Curso de Oficiais Milicianos), em Angola;

(iv) desse 1º COM, dado por Comandos, "só saímos 6 para Transportes Rodoviários pois tinhamos óculos, e não podiamos ficar nos Comandos; um reprovou, ficámos cinco e eu fui para a Guiné";

(v) como cadete jurou bandeira em 23 de dezembro de 1967;

(vi) tirou a especialidade de Transportes Rodoviários no CICA - GAC 1, em Luanda;

(vii) como aspirante a oficial miliciano, foi instrutor de condução auto no CICA. de Nova Lisboa;

(viii) foi depois colocado no Quartel General de Angola - 4ª Repartição, sendo comandante de MVL (Movimento de Viaturas Logísticas) ao norte de Angola.

(ix) é mobilizado para o CTIG, em rendição inidvidual, chegando a Bissau, na véspera do Natal de 1968, para ir comandar o PTE/BENG 447.

Sobre a sua passagem pela RMA. mandou-nos 14 fotos: "Estou nas 1-3-4-5-6-7-9-10-11.
Julgo não serem precisos mais pormenores para já."

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22311: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (21): Martins, o caçador de rolas

Enxalé 1972 – Entrada da Tabanca
Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Em mensagem do dia 17 de Junho de 2021, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art da CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), lembra a aventura do Martins, o caçador de rolas.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

21 - MARTINS, O CAÇADOR DE ROLAS

Os recursos alimentares no Enxalé não eram os melhores, dependíamos totalmente do Xime e eram muitas as dificuldades em transportar os escassos artigos alimentares de uma margem para outra do rio Geba, mas lá nos íamos desenrascando com o que nos chegava da Companhia, às vezes também conseguíamos um frango que comprávamos na tabanca e que o nosso "Espanhol" o assava não à moda da Guia, mas sim à moda de Barrancos de onde era natural. O local também era propício para que alguns dos nossos atiradores fazendo jus da sua pontaria, se dedicassem à caça das rolas com a melhor amiga, a G3. Foi o caso do Martins que de quando em vez lá ia arranjando uns petiscos.

Normalmente as caçadas eram efectuadas junto à bolanha virada para o lado do Geba e com poucos riscos de segurança associados. O Martins porém resolveu arriscar mais e entendeu ir à caça das rolas para a mata densa oposta à bolanha e que ficava numa zona mais perigosa e apesar dos meus avisos para que tivesse cuidado e não fosse para aquele lado do matagal, continuou a fazê-lo, mas não foi necessário ir para aquelas bandas muitas vezes para que os meus pressentimentos acontecessem.

Estava eu na área da cozinha à conversa com alguns dos nossos militares quando de repente se ouve o rebentamento de uma granada seguido de algumas rajadas de tiros. Inicialmente pareceu-me uma flagelação vinda daquela zona da mata e até pensei mandar para aquela área uma bazookada ou duas, quando alguém grita: "O Martins está no mato". Fiquei para não ter vida, lá levaram o Martins pensei. De imediato peço para 7 ou 8 elementos me acompanharem numa tentativa de localizar o Martins e possivelmente resgatá-lo. Havíamos percorrido umas duas centenas de metros, na nossa rectaguarda um elemento do nosso pelotão faz um disparo para nos alertar e grita que o Martins está no quartel.

Foi um alívio para mim, mas não acalmou logo a minha ira, nem sequer quis ouvir qualquer justificação do referido militar, só passados dois ou três dias fiquei a saber do que aconteceu. Depois de ter feito um disparo e quando se preparava para recolher uma ave abatida, o Martins ouve algumas vozes e apercebe-se que são alguns guerrilheiros, que possivelmente se preparavam para o agarrar. O Martins não perdeu a calma e instintivamente saca de uma granada de mão que tinha pendurada à cintura e atira-a na direcção de onde havia avistado os seus presumíveis captores e de imediato corre à procura de abrigo no quartel, estes fazem-lhe umas rajadas mas sem lhe acertar e assim o Martins salva-se de ser caçado e de eventualmente fazer um passeio até à Guiné-Conacri, ou de vir numa caixa de pinho até a Metrópole.

Um grande abraço para o pessoal da nossa Tabanca Grande.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

Guiné 61/74 - P22310: Historiografia da presença portuguesa em África (268): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (5) (Mário Beja Santos)

Instalações da Sociedade de Geografia antes de vir para a Rua das Portas de Santo Antão


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
A Sociedade de Geografia vai entrar num período de consternação, chegou a hora do Ultimatum britânico, como veremos das atas das sessões anuncia-se um tanto sub-repticiamente, nos anos anteriores fala-se muito dos estudos científicos, dos caminhos-de-ferro, e subitamente chega um tenente-coronel que faz uma exposição mais do que minuciosa sobre a presença portuguesa e os conflitos surdos que estão a surgir com os ingleses, mais adiante o mesmo tenente coronel lança um brado alerta em dezembro de 1889 e Luciano Cordeiro, indiscutivelmente a figura motora da Sociedade de Geografia de Lisboa deste tempo, faz aprovar uma moção histórica, é um texto vigoroso, de indiscutível firmeza e patriotismo. Ninguém desconhece que o Ultimatum de janeiro de 1890 terá consequências profundissimas na vida portuguesa, é como que uma espada de Dâmocles no prestígio do rei D. Carlos, o símbolo da realeza, sobre o qual irão cair as maiores acusações, emerge o republicanismo, culturalmente o país será avassalado pelo decadentismo, toda aquela humilhação é um rastilho de pólvora que conduzirá à incapacidade dos partidos do constitucionalismo perceber que se vivem horas de emergência, seguir-se-á o governo de João Franco, depois o regicídio e as peripécias do curto reinado de D. Manuel II, finge-se que nada tem a ver com aquela humilhação e aquele abatimento provocados pelo Ultimatum, mas todo aquele entusiasmo em pôr de pé o III Império não naufragou na praia, a República tomará porta-estandarte.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (5)

Mário Beja Santos

Recapitulando os textos anteriores, verifica-se que os primeiros dez anos de vida da Sociedade de Geografia de Lisboa nos conduzem ao melhor conhecimento das aspirações das camadas sociais que apostavam com entusiasmo no levantamento do III Império Português. África seria o coração do novo Império, o do Oriente era então um amontoado de pequenas parcelas e o Brasil tornara-se independente. Havia que ocupar África, conhecê-la e defendê-la da cobiça de outras potências, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, a Itália, os bóeres da África do Sul, e até mesmo Leopoldo da Bélgica, sonhavam em fazer recuar as possessões portuguesas. A leitura das atas das sessões destes primeiros anos permite conhecer o que estes homens sugerem, que ideologia possuem, como funciona este grupo de pressão constituído por membros da aristocracia, políticos influentes, cientistas, financeiros, comerciantes e, a diferentes níveis, muitos curiosos. Dá-se como demonstrado que esta Sociedade de Geografia de Lisboa cresceu e enrijeceu como impressionante grupo de pressão, é inegável o papel histórico que desempenhou: no incremento das explorações, como as de Serpa Pinto, Capelo e Ivens, nos estudos sobre hidrografia, cartografia, o Meridiano de Greenwich… Mas nem tudo se concentra exclusivamente em Angola e Moçambique, aqui e acolá há referências ao termalismo no Gerês, a estudos etnológicos e antropológicos, ao Padroado Português do Oriente, às cristandades da Índia e Ceilão.

Passada esta década de verdadeiro entusiasmo, vejamos agora o período que precede o Ultimatum Britânico. Continuam a aparecer trabalhos do foro das ciências filológicas, geográficas e etnológicas, caso do Dicionário Corográfico de Moçambique, os dialetos crioulos de Cabo Verde. Em 1887 presta-se homenagem ao falecido Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, António Augusto de Aguiar. Na primeira sessão de janeiro de 1888, um sócio apela a que se iniciem as investigações demográficas nas províncias de além-mar, “a fim de que possam apreciar-se as qualidades e aptidões da raça tropical e as suas tendências para formar colónias e dar incremento à população indígena na África Central”. O cunho científico da Sociedade revela-se bastante apurado, já dera parecer no ano anterior sobre o sistema internacional de boias e balizas. O novo Presidente é o Conselheiro Francisco Maria da Cunha. Dá-se igualmente parecer para que a Sociedade empreenda a publicação de um Dicionário Toponímico Português, em que se determinem quanto possível os nomes de lugares portugueses em todas as épocas e onde igualmente constem as designações locativas dadas pelos descobridores, viajantes e escritores portugueses aos diversos lugares por onde andaram.

Entretanto, concede-se a Medalha de Honra da Sociedade a Paiva de Andrade, mas os caminhos-de-ferro são preocupação permanente e em 5 de março de 1888 Luciano Cordeiro fez uma exposição sobre a linha do caminho-de-ferro de Lourenço Marques a Pretória e na sua sequência aprovou-se a seguinte moção: “A Sociedade de Geografia continuando a interessar-se vivamente pela prosperidade e segurança do distrito de Lourenço Marques, e congratulando-se pelas diligências e medidas tendentes a acautelar e a prevenir as necessidades e perigos da transformação que se está operando naquele distrito, faz votos por que se empreguem todos os esforços para consolidar, desenvolver e garantir a mais rápida e completa nacionalização de Lourenço Marques como parte integrante e inalienável do território e nação portuguesa”. As sessões da Sociedade diversificam os temas, tanto se apela à organização do serviço de pescas no continente e ilhas como se emite parecer sobre as obras públicas no Ultramar e a construção dos caminhos-de-ferro ou na Índia ou de Ambaca e Lourenço Marques.

Estamos já em 1889, e na aparência ainda não se sente a carga explosiva que está a caminho, o Ultimatum Britânico. Em março, o Major Serpa Pinto, acalorado e patriótico, mandou para a Mesa uma proposta para que a Sociedade tornasse a insistir para que se formasse uma Sociedade Antiescravagista Portuguesa, que secundasse e auxiliasse a generosa propaganda aberta na Europa pelo Cardeal Lavigerie contra o tráfego da escravatura. No mês seguinte, destaca-se o Tenente-Coronel Joaquim José Machado que discursou largamente acerca das condições das nossas colónias na costa oriental e também na costa ocidental de África, chamando a atenção da Sociedade para que se representasse ao governo com relação à expansão colonial inglesa que é extraordinária e rápida nos territórios portugueses do sul de África e à qual precisamos opor medidas enérgicas, marcando fronteiras e afirmando a ocupação portuguesa; passando à costa ocidental, falou da extrema riqueza do planalto de Moçâmedes e da necessidade urgentíssima de abrir comunicações com o litoral a fim de que o desenvolvimento se amplie. Foi uma enorme comunicação, ocupou-se de muita coisa: reocupação de Maputo, dos impraticáveis limites fixados pela sentença de MacMahon, da vontade de toda a gente de Maputo em ser governada por portugueses, das intrigas de alguns ingleses contra Portugal, da urgência em marcar fronteiras para o norte do rio Incomati, chamou a atenção para a “inglezação” de Lourenço Marques e os seus perigos; a necessidade de aumentar a população portuguesa em Moçambique. É um documento extenso, espalha-se por 45 páginas das atas das sessões, e tanto quanto parece é de leitura obrigatória para os investigadores que se ocupam deste período colonial e focados nesta região.

Começa também a falar-se nas comemorações da descoberta da Índia, tem-se em mente a Exposição Internacional Marítima e Colonial de 1897. E o que até agora pareciam sinais de alarme já emite fumos de incêndio. Em novembro de 1889, o Tenente-Coronel José Joaquim Machado prossegue com informações do que se está a passar nos territórios de África que delimitavam a Província de Moçambique.

Em dezembro, Luciano Cordeiro declarou que se havia reunido a Direção juntamente com a Comissão Africana para apreciar e resolver acerca das propostas do Tenente-Coronel Machado. Alguém mandou para a Mesa a seguinte proposta:“Proponho que seja nomeada uma comissão que estude as bases para a organização de uma companhia nacional, à qual sejam conferidos amplos poderes para utilizar toda ou parte da província de Moçambique, valorizando as inúmeras riquezas que ali existem inertes”. Luciano Cordeiro riposta, era absolutamente contrário à organização de companhias soberanas e que só admitia soberania no Estado. Citava-se a Companhia das Índias, mas devia lembrar que a Inglaterra sentia o solo da Índia tremer-lhe debaixo dos pés e que não estava longe o momento em que perdesse aquele grande império, que afinal não conseguira senão escravizar. A Austrália havia-se desenvolvido sem companhias soberanas, e era um império civilizado. Não receava, pois, a nova companhia sul-africana, recentemente organizada em Inglaterra, se finalmente a nossa administração e a nossa política colonial se resolvessem a serem o que deviam ser: previdentes, práticas e enérgicas; mas que cada povo tinha os seus processos e as suas tradições, e que não sendo Portugal um povo de mercantões como o povo inglês, não lhe parecia ser este o modo de opor-se à invasão inglesa nos territórios africanos. Há nuvens negras no horizonte e aprova-se uma moção relativamente a uma nota diplomática em que o governo britânico protesta junto do governo português contra a área atribuída ao distrito do Zumbo pelo decreto que o reconstituiu, e declara não reconhecer nenhum direito ao exercício da soberania portuguesa nestes territórios. A moção refere que não há fundamento para a ocupação ou jurisdição britânica em todos estes territórios, tudo isto deve derivar de falsas e capciosas informações geográficas, históricas e políticas com que o espírito de seita e aventura tem ultimamente pretendido iludir a opinião sobre a influência de Portugal em África. E o documento assinado em 2 de dezembro de 1889 por Luciano Cordeiro, a moção da Sociedade de Geografia reza o seguinte: “1.º - Faz votos porque a diplomacia britânica, melhor informada, lealmente afaste o equívoco em que evidentemente labora, de sobre a antiga cordialidade e recíproco respeito dos dois países, cujo honrado acordo tão proveitoso há sido e tão necessário é à paz e à civilização de África; 2.º - Confia que os poderes públicos, inspirados na vontade unânime e na incontestável justiça da nação, manterão firmemente o direito e a integridade da soberania portuguesa; 3º - E afirma que os territórios incorporados no distrito de Zumbo e os das zonas do Zambeze, do Chire e do Niassa a que se refere a nota inglesa, sempre, desde as suas primeiras descobertas e explorações, feitas pelos portugueses, foram em boa ciência e segundo o direito, considerados como incluídos na influência e na tradição jurisdicional da soberania de Portugal, tendo sido e estando por ela ocupados onde e como entende conveniente e sem interrupção de nenhuma outra soberania culta, em qualquer tempo e lugar”.

E assim chegamos à sessão de 20 de janeiro de 1890, espelha a indignação pelo Ultimatum, chovem protestos, distingue-se o de Luciano Cordeiro, fazem-se propostas concretas de afastamento dos interesses britânicos: deixar de usar a libra-esterlina, cunhando moeda do tipo da convenção monetária de que fazem parte alguns países continentais, abolindo o curso legal da moeda inglesa; denúncia do tratado luso-britânico de 1842; decretar um imposto especial de residência para os ingleses estabelecidos na metrópole, etc.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22286: Historiografia da presença portuguesa em África (267): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 – P22309: (Ex)citações (388): A propósito do meu aniversário, muito obrigado e... (João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439)


1. Mensagem do nosso camarada João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439 (EnxaléPorto Gole e Missirá, 1965/67), com data de 22 de Junho de 2021:

Meus caros amigos e camaradas da Guiné
Primeiro um Grande abraço ao António José Pereira da Costa que, com a sua decisão de fazer anos no mesmo dia que eu, tornou o meu aniversário ainda melhor. Mas há um outro aniversariante hoje, que talvez nunca tenha tido o cuidado de enviar os dados certos e ficou despercebido... o Júlio Pereira, teve a ideia de nascer, não só no mesmo dia, mas no mesmo ano que eu. E depois fomos os dois para a Guiné, ambos experimentámos minas no mesmo dia...
Somos quase gémeos... portanto talvez ainda seja possível ao nosso camarada Luís Graca, como comandante de todos nós, dar as suas instruções para que ele ainda seja lembrado…


E obrigados meus queridos Luís Graça e Alice, e aos meus bons camaradas José Martins, Valdemar Silva, Helder Sousa e José Câmara.

Levantei-me cedo pois ontem mesmo reencontrei pelo telefone um amigo meu, Eric Saul, fundador das "Visas for Life Exhibits" sobre os diplomatas salvadores durante a Segunda Guerra Mundial, que não vejo há dezoito anos. E já agora, aqui vai, (que o saber não ocupa lugar): Ele, eu e o Rabbi David Baron (de Beverly Hills) fomos os organizadores da grande exposição na ONU no ano 2000, na qual, (sem peneiras, mas em abono da verdade,) o nosso Aristides de Sousa Mendes recebeu a sua primeira grande homenagem em Nova Iorque, pois foi ele o diplomata que recebeu o maior destaque nesse acontecimento: o dia da abertura da exibição (dum mês) por pressão minha (obriguei-os a mudar dia da abertura) foi aberta no dia 3 de Abril, data da sua morte. E segundo obriguei-os a refazer o filme - documentário "Diplomats for the Dammed" quando ao ver o filme em ainda em (WIP) (projecto ainda em progresso) verifiquei que ele não fazia parte do elenco... quando se perceberam disso ficaram de boca aberta... perante os meus protestos o Rabbi David Baron, co-produtor do filme, respondeu que infelizmente "já não havia nada a fazer"... mas eu tanto insisti, que passadas três semanas telefonou-me da Califórnia para me informar que tinha providenciado refazer o filme para incluir o nosso Aristides. (No caso de alguém duvidar, eu tenho os documentos comprovativos destas "mudanças”.) Por isso no dia 17 de junho de 2003 quando exibi o filme em Nova Iorque no prestigioso "National Arts Club" convidei o Rabbi para vir apresentar o filme; ele aceitou e veio a Nova Iorque onde foi o "Keynote Speaker”.

Um grande abraço a todos
João

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 – P22301: (Ex)citações (387): "Memórias da Minha Aldeia" (José Saúde)