Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 11 de julho de 2021
Guiné 61/74 - P22362: Blogpoesia (744): "De novo, Mafra"; "Azul é o mar da Ericeira"; "O sorriso das flores" e "Notas do piano", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
De novo, Mafra
Uma cavalgada longa de 3 mil km.
Felizes. Tanta gente diferente passou a nosso lado.
Autoestradas infindas.O sorriso no olhar das famílias.
Na festa das férias.
A pequenada exuberante e irrequieta à volta de seus pais.
Sucederam-se espaços e ambientes diversos.
Verdes. Áridos.
O sol sempre sobre nós iluminando o caminho.
Finalmente a chegada.
Nada mudou.
Agora é a nossa vez.
Amanhã iremos ver o nosso mar...
Mafra, 4 de Julho de 2021
7h12m
Jlmg
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Azul é o mar da Ericeira
Como o azul do céu brilha, assim brilha o mar e o céu ao sol.
Infinito se estende até aos confins o mar azul.
Incessantes chegam até à areia ao sol as ondas.
Num vai e vem constante.
Trazem algas misturadas com a espuma branca.
Grasnam as gaivotas sem cessar.
Retiram do mar o seu sustento.
Fazem bandos alapados sobre a areia mastigando a pescaria que as mantem vivas.
Tímidas se banham as gentes no mar porque o calor não aqueceu ainda o mar.
Só Agosto as porá no ponto certo para um banho sem frio....
Ericeira, 4 de Julho de 2021
17h56m
Jlmg
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O sorriso das flores
Como ri às gargalhadas aquele jardim às cores!...
Rosas e malmequeres. Gladíolos e açucenas.
Fazem raiva a quem passa.
Tecem hinos e louvores.
Confinadas à sua cerca.
Bendito seja o Criador.
Tudo é grátis.
Seu preço é nosso amor.
Mafra, 5 de Julho de 2021
10h21m
Jlmg
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Notas do piano
Escorrem lentas, suaves, as notas do piano.
Tocam Schubert.
As atiça a inspiração.
Um talento que só alguns têm.
Em ondas breves, se evolam.
E, sobre as almas fustigadas de problemas, chove a chuva da ternura e da consolação.
Mesmo fechados, sorriem os olhos da assembleia inebriada.
Lenitivo para as asperezas do dia-a-dia.
Em estado quase divino, sossegam as consciências.
Ouvindo Schubert por Horowitz
Mafra, café Castelão, 7 de Julho de 2021
9he9m
Jlmg
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Último poste da série de 4 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22342: Blogpoesia (743): "Olá! Tudo bueno?..."; "As nuvens em bico dos pés"; "Planaltos e montanhas" e "Despedida", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
sábado, 10 de julho de 2021
Guiné 61/74 - P22361: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (15): A religião, a fé e o medo
1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 8 de Julho de 2021:
A religião, a fé e o medo
Quando a religião, a fé e o medo se misturavam, por vezes, aconteciam coisas que ainda hoje me dão que pensar. Não sou a pessoa mais indicada para falar destes assuntos…, mas, posso e quero falar sobre duas situações a que assisti quando da minha estadia em Cobumba. A primeira teve a ver com uma missa, a única que por lá aconteceu e a que eu assisti. Estávamos ainda há pouco tempo naquele sítio. Um dia, apareceu lá um padre não sei como nem de onde veio, talvez de alguma companhia próximo dali.
Naquele local, onde a missa aconteceu, estavam dois pelotões da nossa companhia, quase toda a formação e ainda uma secção encarregada do morteiro que lá se juntou a nós… Todos os que estávamos por ali, disponíveis, fomos assistir à missa. Não sei se seria hábito de todos os que assistiram à cerimónia irem à missa nas suas terras na metrópole. Eu não era um grande frequentador… os domingos e dias santos eram para mim os principais dias de trabalho.
Apesar da missa ter acontecido junto a uma árvore, não muito grande, sem nenhumas condições, todos os que a ela assistiram, de pé, estavam com muita atenção, parecendo estar a viver intensamente aquilo ali que estava a acontecer.
Algum tempo depois num dia em que eu estava de serviço, de condutor, ao fim da tarde, com mais seis camaradas fomos até junto ao rio Cumbijã com a viatura, onde esperamos pela chegada do sintex com o pessoal que nele regressava depois de uma ida a Cufar, como acontecia algumas vezes. Estávamos já há cerca de meia hora à espera que eles chegassem, e ao mesmo tempo íamos vendo e ouvindo os Fiat que andavam por ali perto a bombardear, em que era fácil de os observar. Se noutro tempo… algumas vezes, eles chegavam a voar quase junto às árvores, depois da chegada dos mísseis Strela as coisas mudaram muito no que diz respeito à altitude em que efetuavam os bombardeamentos!... Durante a conversa que fomos mantendo enquanto esperávamos, alguém do grupo disse que a “Maria turra” de que todos nós ouvíamos falar, tinha dito que em breve nos iam atacar.
Era uma conversa normal que ouvíamos com frequência, na rádio, em que ela dizia que tinham feito grandes estragos em alguns sítios com flagelações em que tinham destruído abrigos e provocado baixas nas nossas tropas, em que grande parte dessas notícias eram falsas. Entretanto, os Fiat foram embora enquanto nós íamos esperando pelo pessoal que tardava em chegar.
Passados poucos minutos, dos Fiat terem abalado começamos a ouvir rebentamentos, não muito longe, a nossa primeira sensação foi de que seriam os Fiat que tinham voltado a bombardear, mas a realidade era outra, foram precisos breves instantes para nos apercebermos que agora quem estava a ser bombardeados éramos nós.
Algumas vezes, ainda sou levado a pensar na frase, que, com frequência ouvia falar, que a fé move montanhas. Não sei se move…, mas em conjunto com o medo, pelo menos, naquele caso mudou comportamentos.
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17059: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (14): A minha ida ao Xime
Guiné 61/74 - P22360: In Memoriam (397): Renato Monteiro (Porto, 1946 - Lisboa, 2021), ex-fur mil, CART 2439 / CART 11 (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70)... "Morreu o meu querido amigo, no passado dia 7... Escrevo a notícia a chorar" (Valdemar Queiroz)
Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 (futura CART 11) > O Renato Monteiro à esquerda e o Cândido Cunha, à direita.
Foto: © Renato Monteiro (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Lisboa > 20 de junho de 2019 > Uma foto para a eternidade... O último convívio, num restaurante, para uma sardinhada, de quatro Lacraus... Da esquerda para a direita: Renato Monteiro (1946-2021), Abílio Duarte, Valdemar Queiroz e Manuel Macias, todos ex-fur mil da CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). O Abílio já não estava com o Renato há mais de 30 anos... A pandemia de Covid-19 e os problemas de saúde (do Renato e do Valdemar) não permitiram que esta sardinhada se repetisse em 2020 e muito menos em 2021.
Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Date: sábado, 10/07/2021 à(s) 16:25
Subject: Morreu o Renato Monteiro
Guiné 61/74 - P22359: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II A: Comentário adicional sobre os balantas: "Nhiri matmatuc Fortunato. Nhiri cá ubabe. Nhiri god mara santa cá cum boim. Udi assime?"...Traduzindo: "O meu nome é Fortunato. Eu sou branco, não sei falar bem balanta. Percebes o que estou a falar?"... Uma conversa com Kumba Yalá, em Bissorã, a dois dias da sua morte, aos 61 anos
Guiné-Bissau > Região do Óio > Bissorã > 2 de abril de 2014 > Carlos Fortunato e Kumba Yalá (Bula, 15 de março de 1953 - Bissau, 4 de abril de 2014)... (Antigo jogador do Louletano, antigo militante do PAIGC, fundador do Partido da Renovação Social, ex-presidente da República, morreria dois dias depois deste encontro com o Carlos Fortunato, vítima de uma paragem cardíaca, quando regressava de Catió em plena campanha eleitoral.)
Date: sexta, 9/07/2021 à(s) 10:42
Subject: Lendas e contos da Guiné-Bissau
Luís
Nesta lenda sobre os balantas, a história dos balantas-mané contada no livro ficou incompleta, porque não consegui reunir os elementos suficientes para poder ter uma versão que fosse devidamente confirmada e por isso não a quis escrever, mas apenas para servir de elemento para quem queira um dia aprofundar o assunto, vou contar o que ouvi, mas peço para ls nossos leitores terem as devidas reservas.
Desloquei-me à zona de Baiabo, referida no livro, e procurei quem pudesse contar o que foi o Reino dos Balantas-Mané que ali existiu, apenas consegui encontrar um idoso, que sofria de surdez, o que tornou a conversa muito difícil, o seu nome era Djola Indjai, segundo ele o reino tinha tido inicialmente a sua capital no Senegal, num lugar chamado Samé, mas devido à ameaça de invasão pelo Império Mandinga, a capital foi mudada para Cossibá na Guiné-Bissau, local que se enquadra na referida zona de Baiabo.
A decisão de mudar para Cossibá era para usar o rio Cacheu como proteção em caso de ataque mandinga. Os mandingas poderiam em alternativa atacar pelo oeste, mas teriam que vir pelo mar e atravessar o território manjaco e a leste ou pelo sul teriam que atravessar o território dos balantas.
O primeiro rei que derrotou os Mandingas, foi Ianhico Cubanjá. O segundo rei Mabu Sanca Camará teria mudado a capital do reino para Cossibá face à ameaça mandinga. A capital esteve em Cossibá até ao fim do reino, mas não resta nenhum vestígio desse tempo. Os reis seguintes foram Alanço Camará, filho de Mabu Sanca Camará, e o último rei foi Darame Camará, porque depois da sua morte não quiseram mais reis.
Nesta lenda sobre os balantas, é contada também a história do nome do Kumba Yalá, Foi curiosa a minha conversa em 2014 com o Kumba Yalá, ele começou por me perguntar o que fazia ali, respondi que pertencia a uma ONG portuguesa, a Ajuda Amiga, e que estava a distribuir livros pelas escolas. Começou a falar-me que tinha estado a estudar em Portugal, mas quando lhe falei o que sabia sobre ele, a sua tabanca e sua família, ficou desconfiado com tanto conhecimento, e vendo isso eu disse-lhe: "Nhiri matmatuc Fortunato. Nhiri cá ubabe. Nhiri god mara santa cá cum boim. Udi assime?" Traduzindo: "O meu nome é Fortunato. Eu sou branco, não sei falar bem balanta. Percebes o que estou a falar?".
O Kumba fez um grande sorriso, estendeu a mão e deu-me um forte aperto de mão, ele deve ter pensado "Ah! Este é um branco dos nossos!", porque sabem que quem como nós viveu ali os compreende.
Aproveitei a oportunidade para lhe pedir para me confirmar a história que eu tinha ouvido, que a origem do seu nome tinha origem no porco do Yalá e ele respondeu-me "Foi assim mesmo.". Foi uma conversa ocorrida em Bissorã dois dias antes da sua morte, a qual me deixou surpreendido, pois vi-o correr sem se cansar, mas o coração tem destas coisas.
Um abraço
Carlos Fortunato
2. Troca de mensagens entre o editor e o autor, a propósito do tema:
(i) Luís Graça, 8/07/2021 à(s) 22:19:
Carlos, seria uma pena não publicares essa história... Mas pedes "reservas" ...Até onde posso ir? Posso publicá-la como anexo à parte II, o que só vem enriquecer o teu livro (na perspectiva de uma eventual 2.ª edição)... se me de deres o teu OK.
E parabéns pela tua ousadia em falar balanta... Imagino que não haja só um dialecto, mas vários... Mantenhas. Luís
Luís, expliquei-me mal com a palavra "reservas" no meu comentário. Podes publicar o meu comentário, pois o pedido de "reservas" é apenas para as pessoas lerem com as devidas reservas, porque não foi uma recolha de dados que eu tivesse conseguido confirmar noutras fontes, embora alguns dados estejam de acordo com trabalhos feitos por vários historiadores, mesmo assim não tem o rigor necessário, pode conter informações incorretas, necessitava de ter encontrado outras pessoas que soubessem contar aquela história, infelizmente o que me disseram é que apenas existia o Djola Indjai.
Aquele abraço, Carlos Fortunato
Guiné 61/74 - P22358: Os nossos seres, saberes e lazeres (459): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (6): A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Dispondo de abrigo em Tomar, visito vezes sem conta este espaço magnífico que decorre da doação que José-Augusto França fez à sua terra natal, aqui bem perto deste Núcleo de Arte Contemporânea nasceu, caminha para 99 anos, na Travessa da Saboaria, dentre as instalações que o Infante D. Henrique mandou construir no âmbito da vida socioeconómica e como administrador da Ordem de Cristo. Coleção com obras de muitíssima qualidade, o visitante tem logo no rés-do-chão desenhos de grandes mestres como Almada e Mário Eloy, ou Bernardo Marques, obras surrealistas de referência, os dois andares seguintes, incluindo as escadarias e os recantos, estão cheios de magnificências das Artes Plásticas - Joaquim Rodrigo, Noronha da Costa, Lourdes Castro, René Bertholo, Carlos Calvet, Cutileiro, Júlio Resende. A documentação distribuída e as publicações à venda em muito ajudam à compreensão deste acervo da Modernidade, veio de uma coleção particular de um historiador de Arte que conviveu com figuras representativas de todos estes movimentos e que pôde oferecer a Tomar expressões eloquentes das principais correntes estéticas que atravessaram o século XX. De visita obrigatória, de entrada gratuita todas as tardes de terça a domingo.
Um abraço do
Mário
A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (2)
Mário Beja Santos
O Núcleo de Arte Contemporânea José-Augusto França está instalado num prédio adaptado para o efeito com projeto do arquiteto Jorge Mascarenhas, integra uma centena de obras de arte da coleção deste escritor e historiador que nasceu em Tomar em 1922. A inauguração efetuou-se em 2004 e proporciona a quem visita tão bela coleção momentos de fruição ímpares devido à qualidade das obras e até mesmo a coerência do gosto de quem a doou. José-Augusto França cedo se começou a relacionar com artistas plásticos e a fazer crítica, que se prolongou sobretudo entre os anos 1940 e 1970.
Atingida a idade sénior maior, ele próprio justificou os termos desta doação e de outras que tem feito no encerramento de casas onde habitou. Doou livros a bibliotecas, obras-de-arte a museus. Algumas das obras que fazem parte desta doação à sua terra natal, tocam-lhe profundamente, caso da pintura de Fernando Lemos que ele durante décadas viu ao acordar na sua casa em Lisboa e que aqui se reproduz na brochura que apresenta a coleção. Aspirou sempre a que este núcleo de Arte Contemporânea ficasse associado a exposições individuais, e muitas dezenas delas aconteceram em Tomar que em sede própria puderam ver Graça Morais, Júlio, Fernando Azevedo, Vespeira, Romy Castro e tantos outros.
Vamos prosseguir esta visita. Este acervo está historicamente marcado pela eclosão do surrealismo e do abstracionismo e também da Nova-Figuração, o visitante tem também ao seu dispor obras do Modernismo anterior e do variado pós-Modernismo que vem dos anos 1970 até à atualidade recente. Não se ilude que há falta de representações de artistas ilustres, mas no rés-do-chão o visitante pode contemplar nomes consagrados como Almada Negreiros, Bernardo Marques, Mário Eloy, António Pedro, Dacosta, Fernando Azevedo e Vespeira, eles ali aparecem em comunhão com Moniz Pereira, Fernando Lemos e Vasco Costa.
José-Augusto França escreveu um texto soberbo sobre as fotografias de Lemos: “Entre o sujeito que fotografa e o objeto fotografado existe um equívoco que é a máquina fotográfica. Leis de uma rigorosa ótica dão-lhe um papel de passivo reprodutor do que enquadra. Mas aí começa o engano – e logo nas leis, cujo rigor tem complicações matemáticas que deformam as perspetivas do real. Daí que não seja passivo, mas ativo o aparelho. Ativo por uma fatalidade física que o acaso, a ela sujeito também, inesperadamente prolonga (…) Um livre acaso, uma dignidade da imaginação”.
Folheto distribuído na inauguração em 2004, tendo na capa um quadro de Fernando Lemos, que José-Augusto França tem sempre presente, estava no seu quarto em Lisboa, era a primeira coisa que ele via quando acordava
Muita coisa tem acontecido entre 2004 e 2021, o acervo não é estático e é bom que as obras arejem, estabelecendo novos diálogos, novos olhares. Veja-se este Manuel Amado, um artista que cuida em permanência da luminosidade em espaços exteriores e interiores. Mostram-se obras raras de Júlio Resende, de um fabuloso Noronha da Costa já falámos e a visita pode culminar frente a um severo díptico de Romy Castro datado de 1990.
Lembra-se ao visitante que há um escaparate com folhetos disponíveis e na receção podem ser adquiridas publicações e merchandising alusivos à doação José-Augusto França.
Visitar Tomar e não ficar a conhecer esta preciosa coleção de arte não é crime de lesa pátria mas ficará como dano cultural que só é sanável com nova visita a Tomar…
Nota do editor
Último poste da série de 3 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22338: Os nossos seres, saberes e lazeres (458): A doação de José-Augusto França à cidade de Tomar (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P22357: (In)citações (189): Palavras que ficaram por ser ditas no convívio da Quinta da Senhora da Graça, de 30/5/2021... Os amigos não morrem (Margarida Peixoto)
Foto de Manuel Carmelita / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Date: sexta, 9/07/2021 à(s) 21:21
Subject: Convívio Quinta Senhora da Graça.
(**) Último poste da série >7 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22348: (In)citações (188): Lembrando a nossa CCAÇ 1439 (João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)
Guiné 61/74 - P22356: Agenda cultural (775): "No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português" (Livros Horizonte, Lisboa, 2021, 192 pp.): livro de Jorge Monteiro Alves, jornalista e repórter de guerra... Uma biografia não autorizada de Marcelino da Mata, o último herói do império.
Ficha técnica:
Título: No mato ninguém morre em versão John Wayne; Guiné, o Vietname português
Autor: Jorge Monteiro Alves
Edição: 07-2021
Editor: Livros Horizonte, Lisboa
Idioma: Português
Tipo de Produto: Livro
Páginas: 192
Dimensões: 155 x 235 x 15 mm
Encadernação: Capa mole
ISBN: 9789899984837
Preço de capa_: c. 15 euros
(i) natural do Porto, mora em Paço de Arcos, Oeiras;
(ii) foi jornalista, editor de Política Internacional no “Jornal de Notícias”, embora a sua verdadeira paixão fosse a reportagem de guerra;
(iv) foi o primeiro português a entrar na cidade cercada de Sarajevo no período mais quente dos combates, em 1992;
(v) é autor dos livros “Nunca passes além do Drina” (Papiro Editora, 2006), “A generala” (Chiado Books, 2014), "Carmencita" (Chiado Books, 2014), “O meu Deus é melhor que o teu” (Chiado Books, 2021).
«Portugal teve o seu Vietname na Guiné. Ali, ao longo de 11 anos, num território do tamanho do Alentejo, morreram mais de três mil soldados portugueses, vítimas de um adversário temível e de um clima impiedoso. Muitos mais ficaram estropiados e com feridas na alma para toda a vida. Lutaram em condições pavorosas e, apesar de tudo, muitos foram além do que exigia o dever.»
«O contexto adverso deste relato é o que ficará para a História. Para os seus homens, Marcelino da Mata foi um líder e um herói. Para o PAIGC, um temível inimigo. Para nós, Portugueses, alguém cuja memória merece uma análise desapaixonada e contextualizada.»
Francisco Gomes de Oliveira, in Prefácio.
Último poste da série > 8 de julho de 2021 > uiné 61/74 - P22351: Agenda Cultural (774): A segunda decoração d’A Brasileira: Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré (Mário Beja Santos)
sexta-feira, 9 de julho de 2021
Guiné 61/74 - P22355: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (60): A funda que arremessa para o fundo da memória
Queridos amigos,
Annette interroga Paulo Guilherme quanto à natureza dos seus relatos, pergunta-lhe se tudo quanto ali se diz é a clara certidão da verdade, de acordo com o que a memória permite e os papéis guardam. A resposta surpreende-a: há omissões, há segredos invioláveis, há papéis enganadores, caso de relatórios de operações que não podem ser tomados a sério. E dentro daquela vivência intensa manda o pudor que nem tudo se conte, viu-se gente com muito medo, havia um canalha que procurava permanentemente guias médicas, doía o dedo ou doía o ouvido, sempre doente, por coincidência adoecia na véspera da operação. E há histórias secretas, como a daquele oficial que até se quis mutilar para não aturar quatro alferes que o achincalhavam. Nem tudo se conta, dentro e fora da guerra. Parece que Annette ficou um tanto desconsolada, mas convicta que há segredos sobre os quais ninguém se atreve a escrever.
Um abraço do
Mário
Rua do Eclipse (60): A funda que arremessa para o fundo da memória
Mário Beja Santos
Mon adoré Paulo, proporcionaste-me ontem à noite, na longa conversa telefónica que tivemos, momentos intensos de meditação. Quando procurei voltar ao teu passado na Guiné e te pedi que tivesses a maior das franquezas comigo, queria saber se estavas a contar integralmente, e de acordo com as tuas lembranças, tudo o que efetivamente acontecera no período em que foste militar. Surpreendeu-me a tua pronta resposta: há a verdade histórica, há omissões, silêncio mais ou menos absoluto sobre certos factos, em consciência não pretendi adulterar ou perverter a sequência cronológica dos acontecimentos nem dos seus protagonistas. Mas nunca ultrapassei, por razões de pudor, a decisão de os pôr por escrito. Dou às pessoas silenciadas o dever do arrependimento e a liberdade de consciência.
Sentada, enquanto conversávamos, fui tomando notas dos esclarecimentos que prestavas, foste mesmo ao início da tua preparação militar em Mafra, tudo te parecera positivo ali, menos a comida, desnecessariamente abominável, não havia necessidade de aparecer um caldeiro com arroz de frango que metia patas e cabeças, um nojo. Foi ali que descobriste satisfação de te saber capaz de ir a trote até Mafra e voltar, adaptaste-te às marchas, rias-te interiormente das justificações ideológicas para a guerra colonial dadas pelos instrutores. Sentiste benefícios do período da especialidade em que foste exposto a muita dureza. Guardas a melhor das lembranças do período em que foste dar recruta na ilha de São Miguel, vejo nos teus papéis inúmeras referências a um certo deslumbramento quanto à descoberta de que possuías capacidade para liderar, há mesmo uma expressão curiosa que retive de uma carta enviada a um familiar: “Descobri que sei comandar, faço-o sem rispidez ou teatralidade, mas não ponho esse princípio da liderança como primordial quando voltar à vida civil, agora é vital que o aceite e desenvolva, pois irei acabar naturalmente com essa voz de comando”. Não escondes mesmo que houve algum choque adaptativo na vida da caserna e que a primeira noite em Missirá foi determinante para as decisões que tomaste nos dias seguintes, ias formar uma mentalidade ofensiva, procurar melhorar as condições de vida de quem ali vivia. Mas logo nessa noite te confrontaste com o furriel que mostrava frascos com dedos e orelhas, disseste-lhe sem hesitação que tal não voltaria a acontecer enquanto estivesses ali. Quando te falei neste assunto, respondeste que tinha ficado escrito não por razões de moralidade de última hora, era o princípio que exigias a ti e de ti para os outros, somos militares, iremos combater a sério, mas não somos torcionários.
Quando te abordei sobre questões de sexualidade, e tendo tu descrito num documento um episódio passado com um soldado branco e um africano, foste perentório: só me interessou explicar àquele homem as consequências da impulsividade, ele teria que pensar o que sucederia ao outro, daí não ter registado o nome deles, tudo decorreu na confidencialidade, ninguém soube da história. Falaste na complexidade do mando: fazer a guerra, cuidar do abastecimento de militares e civis, zelar pela segurança, em casos extremos fazer a justiça com o apoio do régulo, ser confidente, e disseste ter recebido muitas confissões, ouvido muito desespero, procuraste zelar pelos outros, usando sempre, quando possível, da absoluta discrição.
Viste gente cheia de medo em vários teatros da guerra, jamais contarás a conversa havida com um comandante de Bambadinca que contou a história de um comandante de unidade, altamente deprimido por se sentir desautorizado pelos seus alferes, e tu foste enviado para subtilmente pôr aquela gente a fazer guerra e só ali não voltaste mais porque te garantiram que o dito oficial seria doravante respeitado. Impossível contar a história, trazer nomes à baila. Entendeste que devias passar sumariamente pela profunda depressão de um teu colaborador que teve que ser evacuado e sujeito a tratamento psiquiátrico durante anos, aliás confessaste que te sentias altamente responsável de ter estado desatento a certos sinais e sobrecarregá-lo com tarefas que agudizaram o seu estado depressivo.
De algum modo deixaste-me alarmada quando me falaste no interesse muitíssimo relativo que têm os relatórios das operações e deste-me o exemplo concreto daquele que escreveste sobre o acidente da mina anticarro em Canturé, em outubro de 1969. Ninguém te perguntou nada sobre o relatório que, aliás, viria a ter aspetos úteis no futuro, na medida em que falaste nos sinistrados que ali viste ao duplo traumatismo craniano de Cherno Suane, teu guarda-costas, foi graças a esse relatório que conseguiste muitos anos depois que o processo dele fosse reexaminado e Cherno obteve o estatuto de deficiente das Forças Armadas. O que concretamente me disseste é que em muitos relatórios há referências despudoradas a mortos, que nunca ninguém viu, e também deste o exemplo concreto que te ofereceste para inserir em material destruído durante flagelações a Missirá e Finete as quantidades de material que te pediam em Bambadinca, inclusivamente tiveste um inquérito, veio um coronel a Missirá perguntar como é que tu tinhas desassombro em pôr tantos cobertores, lençóis e fronhas, capacetes destruídos durante as tais flagelações, tudo aquilo somado dava para três contingentes de Missirá e Finete? Tu contaste a verdade, a história acabou por ali.
Terrível é o que igualmente contas do processo de averiguações com aquela criança queimada por uma granada incendiária deixada abandonada num carro de apoio em Finete, em 1966 (dois anos antes de chegares à Guiné), a criança tirou a cavilha e ficou com as costas e pernas literalmente queimadas, era uma granada de fósforo. Recebeste ordens para orientar o processo, inquiriste a mãe da criança, ela própria também queimada quando procurou ajudar o filho, ela confirmou que a granada estava numa viatura militar, mandaste deprecadas para capitão, alferes e sargentos da dita unidade militar, uns não se recordavam de nada, outros não sabiam o que se tinha passado exatamente, alguém se lembrou que houvera evacuação da criança e da mãe, a culpa morreu solteira. E Abudu Cassamá, a criança sinistrada, nunca teve direito a qualquer indemnização de um ato de negligência militar. E em conversa ao telefone, meu adorado amor, tu disseste-me que nada mais podias fazer, para quê trazer nomes à baila, quantos atos desumanos foram cometidos assim, faltando ao dever de justiça?
Continuo, meu amor, a pensar em tudo quanto me disseste, no fundo, a vida em atmosferas tão intempestivas como aquelas que enfrentaste possui as suas conspirações de silêncio, guarda em poços fundos histórias imundas, segredos em que ninguém quer mexer. E, felizmente, como me é dado ver até agora da tua comissão militar não houve horrores de violações, brutalidades dementadas, barbaridades sobre as vítimas da guerra. Estou absolutamente convicta de que esses horrores, a terem existido, nunca te calarias.
Oh, ainda faltam dias para chegares, sei que estás cheio de trabalho, parto amanhã para Bruges, é uma surpresa, uma itinerância com os novos intérpretes, tenho a certeza absoluta que tu adorarias andar comigo nestas viagens. Mas eu depois conto-te tudo. Bisous, meu cavaleiro andante, meu estrénuo senhor do meu coração. Bien à toi, Annette
Quando concluía o meu livro "Nunca Digas Adeus às Armas", os primeiros três anos da guerra da Guiné, Húmus Edições, 2020, pus-me à cata de imagens elucidativas e com as quais eu me identificasse, não só pela qualidade como espelharem factos históricos do referido período. Assim cheguei ao contacto com o João Sacôto, que me autorizou a usar imagens suas estampadas no blogue. No conjunto disponibilizado, duas impressionaram-me muito. A primeira representa a partida do Cachil, um ponto da Ilha do Como onde depois da Operação Tridente criara um destacamento. A segunda notoriamente tem a ver com a partida de regresso, estamos no Pidjiquiti, os militares indumentam-se com a farda que precedeu a cor de sardão, uma imagem serena, trocam-se impressões antes do batelão os transportar para o navio. Como eu gosto destas imagens!
Foi em 2015 que estive pela última vez com o Benjamim Lopes da Costa, meu antigo 1.º Cabo do Pelotão de Caçadores Nativos 52. Zanguei-me com ele seriamente na noite de 3 de agosto de 1969, o Benjamim perdeu a cabeça durante um encontro com uma coluna de abastecimento que apanhámos, na noite escura, desatou aos impropérios, dei-lhe ordem de prisão. A cordialidade que nos unia foi mais forte, restabelecemos a amizade sempre que ele vinha a Lisboa tratar do seu problema canceroso fazia festa. Infelizmente, nunca mais tive notícias do Benjamim.
Pedi ao João Crisóstomo fotografias da sua passagem por Missirá. Como me agrada vê-lo ao lado do régulo Malam Soncó, de quem guardo uma saudade sem consolo, foi um interlocutor espantoso, e o que me surpreende é vê-lo aqui ainda tão viçoso e dois anos depois, quando o conheci, era verdadeiramente um homem grande, cabelo todo branco, ainda direito, mas a amarrecar, os olhos iam perdendo brilho. Mas a lucidez e bom-senso surpreendiam-me a qualquer momento do dia.
O meu mais recente desgosto, preludia seguramente outros que por aí virão, desaparecimento de gente que marcou a minha vida. Mas o que devo a Mamadu Camará não tem qualquer forma de recibo, quer pela dádiva da sua vida, prontificou-se para se sacrificar salvando-me dos estilhaços de uma granada de morteiro 82, em julho de 1969, estávamos em Missirá. Adorava os seus fatos completos, fizera-se um cavalheiro que ia visitar a família à Irlanda. Muçulmano heterodoxo, adorava a atmosfera dos pubs…
Nota do editor
Último poste da série de 2 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22335: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (59): A funda que arremessa para o fundo da memória
Guiné 61/74 - P22354: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte II: Ficha técnica, prefácio de Leopoldo Amado, lendas balantas (pp. 1-14)
Capa do livro. Ilustração de Augusto Trigo |
Autor: Joaquim Carlos Martins Fortunato
Capa e contra capa - ilustrações do mestre luso-guineense Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador, a sua obra é uma referência
Página de abertura - ilustração do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas balantas - ilustração do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas bijagós - ilustrações do pintor guineense Ady Pires Baldé
Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela
A lenda de Sundiata Keita - ilustrações do mestre Augusto Trigo
A lenda de Djanqui Uali - ilustrações do mestre Augusto Trigo
A lenda de Alfa Môlo - ilustrações do mestre português José Ruy, um dos maiores ilustradores portugueses
A lenda da canoa papel - ilustrações do pintor guineense Lemos Djata;
Contos - ilustrações do mestre Augusto Trigo.
Paginação gráfica do miolo: João Filipe Feitor Pais
Edição: Ajuda Amiga/MIL/DG Edições
Impressão e acabamento: VASP DPS
1ª Edição: Fevereiro de 2017
ISBN: 978-989-8661-68-5
Reservados todos os direitos, de acordo com a legislação em vigor
Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
ONGD - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
Site http://www.ajudaamiga.com
Nota
ortográfica |
3 |
Prefácio |
7 |
Prólogo |
9 |
Lendas
balantas |
11 |
Lendas
bijagós |
15 |
Lendas
mancanhas |
23 |
A lenda de
Sundiata Keita |
29 |
A lenda de
Djanqui Uali |
43 |
A lenda de
Alfa Môlo |
49 |
A lenda da
canoa papel |
55 |
Conto - A
lebre e o lobo no tempo da fome |
59 |
Conto - O
camaleão ganha a corrida ao lobo |
63 |
Conto - O
casamento do lebrão |
65 |
Conto - O hipopótamo
dá boleia ao lobo |
69 |
Conto - O
leão e o javali no tempo da sede |
73 |
Conto - O lobo e a lebre vão à pesca |
75 |
Conto - O lobo que queria comer os filhos da
lebre |
79 |
Conto - O menino e o patu-feron |
81 |
Breve
história do Império do Mali |
85 |
Breve
história do Império de Cabú |
89 |
Bibliografia |
93 |
Notas
Finais |
95 |
Foi com redobrado prazer e honra que acolhi o privilégio de ter sido convidado pelo meu amigo Carlos Fortunato para prefaciar o seu livro “Lendas e contos da Guiné-Bissau”, de resto, um livro em que se entrecruzam dois campos de pesquisa, em cujas intercessões torna-se possível divisar a constatação de que, infelizmente, persiste ainda um enorme muro de desconhecimento e de incompreensão que adejam África e, mais especificamente, sobre os guineenses e a Guiné-Bissau, donde a razão de ser do livro que agora o Fortunato dá à estampa, com o claro fim de reduzir os fossos de incompreensão existentes.
Com efeito, apesar de a longevidade deste período temporal ser relativamente longa, por nele perpassar o colonialismo e o pós-colonialismo, antecedidos ambos por um outro longo período de presença litorânea e comercial dos europeus em África, iniciada ainda no século XV, apesar disso tudo, como dizíamos, ainda não se proporcionaram, mesmo nos dias de hoje, formas mais clarividentes e mais racionais (entenda-se inteligíveis, eficientes e mesmo eficazes,) de propiciar um mais vasto interconhecimento sobre os guineenses e a Guiné-Bissau, os quais curiosamente personificam, pelo menos na obra em questão, a África. E a esta opção do autor, convém que se diga, não é alheia nem a sua vivência na Guiné e nem a sua ligação profunda com os guineenses e a Guiné-Bissau (dir-se-ia, a sua África), concorrendo tudo neste seu livro, para alicerçar uma visão de compreensão e entendimento do “outro” civilizacional.
Aliás, neste livro, para além de ser patente e inequívoca a simbolização de África pela via da personificação da Guiné-Bissau e dos guineenses, torna-se também curioso a aferição da forma como o autor, deliberadamente, procede a transposição biunívoca entre um mundo da realidade vivida e experimentada (assaz estudada e, por isso, imensamente publicitada), e, essoutra, menos conhecida, mas nem por isso menos importante, mas prenhe de lendas e mitos nos quais também se entrecruzam umampostulação teórica e empírica estribada na efabulação e na qual pontuam – numa harmoniosa triangulação explicativa – os ensinamentos que dão corpo a profunda sabedoria popular, em suma, uma espécie inteligibilidade ética e racional negligenciadas e mesmo desprezadas, mas igualmente cosmológicas e mesmo ontológicas na interpretação do autor.
E é justamente sobre essa abissal dimensão do desconhecimento, que o autor nos propõe combinações curiosas de inteligibilidade alternativas, sumamente criativas como antídotos subsidiários em prol de uma compreensão mais simples e, porventura, mais solidária, discorrendo sintomaticamente os esteios temáticos, curiosamente, por narrativas e modalidades literárias que, longe de pretenderem subestimar a cientificidade das abordagens comuns sobre África, também privilegiam histórias transmitidas pelos griots (uma espécie de embaixadores andarilhos da cultura), para além do fabulário, dos mitos, dos mitos fundadores, das lendas, dos enigmas e outras formas de expressão cultural igualmente genuínas e que podíamos, legítima e cumulativamente, apelidar de “estruturas mentais”, parafraseando o Philippe Ariès, estudioso francês que, à semelhança de Michel Foucault, seu compatriota, logrou colocar em relevo a importância do estudo das mentalidades.
Esta é, a nosso ver, a escolha essencial que o autor privilegiou nesta linda obra em que, na verdade, a interpretação do real e/ou a sua representação (verdade ou crença) é frequentemente feita a partir dos sentidos e do conhecimento adquirido, numa roda vida de indagação incessante sobre o que é real, de facto, pois que na aceção do autor, na medida em que as nossas explicações, estribadas ou não na cientificidade das coisas ou na sabedoria popular, afiguram-se mais como um conjunto de normas do que evidências, na justa medida em que um facto ou um ato é-nos sempre apresentado – tal como uma certa cosmovisão africana – através de um campo enorme de intrincados contextos, passíveis sempre estes de suscitar inúmeras escolhas interpretativas, a partir de interface cultural que jaz entre a aprendizagem e o desejo de melhor conhecer e de melhor explicar as coisas, os fenómenos e a própria cultura.
Nesta despretensiosa obra do Fortunato, sobressai, com efeito, uma narrativa em que, por via de regra, a verdade ampara toda uma narrativa próxima da realidade, a partir de um inextricável e enorme manto de esplendor cultural e de grandeza histórica.
Leopoldo Amado
Conheci a Guiné-Bissau em 1969, quando ali prestei serviço militar, e uma parte de mim lá ficou, obrigando-me a lá voltar, e ligando-me a ela para sempre, como uma segunda pátria.
A Guiné-Bissau é um país cativante, pois o guineense faz de cada visitante um amigo, recebendo como mais ninguém o faz.
A Guiné-Bissau é o ponto de encontro de muitas culturas, e isso dá-lhe uma enorme riqueza humana e cultural. As lendas e os contos são uma pequena parte dessa riqueza.
A razão de ser do presente livro é, preservar o passado e promover a compreensão intercultural, mostrando alguns momentos de grandeza da história da Guiné-Bissau, alguns dos nomes que a marcaram e um pouco da sua cultura.
As lendas e contos apresentados neste livro, são histórias que continuam a ser contadas à volta da fogueira ou cantadas pelos artistas, povoando o imaginário de quem as ouve. As recolhas das lendas e dos contos foram feitas ao longo dos anos, em contactos que tive na Guiné-Bissau, e em Portugal junto dos imigrantes guineenses.
Este livro foi escrito a pensar nos jovens, e tem por isso uma escrita simples e muitas imagens. O estudo do período histórico onde se desenrolam as lendas, permitiu acrescentar informação adicional, complementando e enquadrando um pouco as mesmas.
Cabe-me por fim agradecer aos que empenhada e entusiasticamente colaboraram desinteressadamente na construção desta obra. Sem eles, ela não teria sido possível.
A todos, o meu muito obrigado.
O autor [Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]
Segundo uma lenda balanta, durante a criação do Mundo, Deus colocou os primeiros balantas junto ao rio Mansoa, na tabanca (aldeia) de Mancalã, perto da cidade de Mansoa. Os balantas eram ali felizes e prosperavam - arroz, milho, feijão, óleo de palma, mangas, cajus, limões, nada faltava aos balantas.
Com as suas enormes pás os balantas lavraram as bolanhas (1), construíram diques e ouriques, e o verde encheu os seus arrozais.
Os espíritos malignos espreitavam, e viam com inveja a felicidade dos balantas, pois Deus ao criar o Mundo colocou na terra espíritos bons e espíritos maus, afastando-se e deixando os homens à sua sorte.
Junto ao rio Mansoa, vivia um espírito maligno, o qual com inveja da felicidade dos balantas fez um dia transbordar a água do rio, o que destruiu as suas casas e inundou com água salgada as suas plantações.
Foram assim os balantas obrigados a abandonar as suas terras, e a espalharem- se pelo mundo.
Esta é a lenda, que explica a razão de os balantas se terem separado, dando origem a vários subgrupos.
A dispersão dos balantas por diversas regiões, segundo o historiador Carlos Lopes (2), ocorreu a partir da região do Óio, na qual Mansoa se inclui, existindo assim uma certa convergência com o que é referido na lenda.
Os balantas teriam partido do Óio, à procura de outros terrenos adaptados ao seu tipo de rizicultura, acabando por se instalar num território mais vasto, que vai desde Casamansa até ao rio Corubal.
O nome da tabanca de origem dos primeiros balantas varia consoante, a pessoa que conta a lenda.
A organização tradicional da sociedade balanta, sempre foi pouco hierarquizada, dado não aceitarem a existência de reis ou outras figuras semelhantes.
A única figura tradicional que representa o poder é o chefe da tabanca, o qual ouve o conselho dos homens grandes.
A organização dos balantas e a sua força, derivam dos seus sentimentos de igualdade, solidariedade e unidade. Não existem classes ou castas, nunca tiveram escravos ou servos e não aceitam que um membro seja evidenciado ou destacado.
O subgrupo dos balantas-mané foge à regra do que foi dito anteriormente, pois durante um breve período de tempo possuíram reis, mas a tirania e crueldade do último rei levou-os a regressarem à organização tradicional, convictos que uma só pessoa nunca deveria ter tal poder.
Os balantas-mané também chamados de balantas-bejaa (3), são balantas com ligações à etnia mandinga, e a sua cultura mostra essa ligação.
Os balantas-mané estão concentrados no sul do Senegal e na zona de fronteira da Guiné-Bissau.
Grandes trabalhadores, os balantas destacam-se também pelo seu espírito guerreiro. A palavra “balanta”, é uma palavra de origem mandinga, que significa “aquele que resiste”, foram assim designados face à sua resistência ao domínio mandinga.
Apesar do que foi dito anteriormente, apresenta-se a seguir uma breve história, de um nome que se destacou.
Na tabanca balanta de Kone, perto de Bula, nasceu um menino muito franzino, mas que, apesar do seu pouco peso e tamanho, era resistente.
Um dia, sem ninguém perceber porquê, um porco agarrou-o pela roupa com os dentes e largou a fugir para o mato com o menino.
As mulheres apontavam para o porco e gritavam:
- Kumba Yalá, kumba Yalá - em balanta, o porco é chamado de kumba, Yalá era o dono do porco.
Veio gente acudir aos gritos de kumba Yalá. Todos corriam atrás do porco do Yalá, mas este continuou a correr sem ninguém o conseguir fazer parar, e acabou por desaparecer no mato, deixando para trás os seus perseguidores.
A sua mãe N´Tutituti já desesperada pensava o pior, mas, depois de muito procurar o menino foi encontrado ileso, assim como o kumba do Yalá, que estava perto dele, e que afinal só o tinha querido levar a “passear”.
A partir desse dia, as pessoas que passavam pela tabanca perguntavam pelo menino do kumba Yalá.
E assim, seguindo a boa tradição balanta, em que são os acontecimentos que devem dar o nome às pessoas, ficou o menino com o nome de Kumba Yalá (4).
O menino cresceu, jogou futebol no Louletano, licenciou-se em filosofia, tornou-se um poliglota, um político, e no ano 2000 tornou-se no 8º Chefe de Estado da Guiné-Bissau. O nome de Kumba Yalá sempre o acompanhou, mesmo quando se converteu ao islamismo e mudou de nome.
Figura polémica e marcante da política guineense, Kumba Yalá, era também conhecido como o homem do barrete vermelho, do qual nunca se separava.
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