segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22556: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte V: Ordem de serviço, nº 279, de 28 de novembro de 1970, pp. 3, 4 e 5




1. Mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]

Date: sábado, 3/07, 23:07 | Subject: Contributos para o blog.

Como combinado começo a enviar o que julgo serem alguns contributos pessoais para o blog, embora um pouco personalizados.

Duas Ordens de Serviço de Maio e Novembro de 1970, cujos originais me foram dados por nelas constar o meu nome, mas que revelam um pouco do que foi o BENG 447, e o que foi por este Batalhão construído.

De notar que a primeira é assinada pelo Major Engº João A.Lopes da Conceição e a segunda pelo Tenente Coronel Engº João António Lopes da Conceição.(*)







Cópia da Ordem de Serviço nº 279, de 28 de novembro de 1970, do BENG 447, pp. 3, 4 r 5 )pp. 1397/8/9)

2. Comentário do editor LG
:

Em relação ao art. 5º da página 1397 (Cópia de sentença), destaque-se o seguinte, por mera curiosidade: a 4 militares do BENG 447, dois cabos e dois soldados, foi instaurado procedimento criminal pelo TMT  (Tribunal Militar Territorial) da Guiné por alegadamente , "em acção conjunta e de comum acordo", em 4 de julho de 1969, a bordo do N/M "Rita Maria", terem subtraído fraudulentamente os seguintes artigos:  

(i)  nove caixas de vinho no valor de 1687$00 (escudos),  o equivalente, a preços de hoje, a 518,25 €;

(ii) nove pacotes de 72 caixas de fósforos cada um, no valor de 178$64 (o equivalente hoje a 54,88 €).

Trata-se de um simples "fait-divers" ou dá para entender um pouco melhor o que era a "justiça militar" de então ? Claro que um "roubo" era/é sempre um "roubo"... 

Não sabemos o desfecho deste caso: o João Rodrigues Lobo guardou cópia desta Ordem de Serviço, de 28 de novembro de 1970, por nela constar a atribuição, à sua pessoa, da Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné... E estava já em fim de comissão. 

Mas é possível que os alegados quatro autores do "surripianço" de 54 garrafas de vinho e de 648 caixas de fósforos da "despensa" do N/M "Rita Maria", propriedade da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, do Grupo CUF,  tenham recebido o "castigo exemplar": provavelmente ficaram mais uns meses na Guiné, até pagarem a totalidade da indemnização que era devida aos donos dos bens "surripiados"...LG

domingo, 19 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22555: Blogpoesia (748): "Palavras coloridas"; "De novo, no bar motocas" e "O meu voo", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Palavras coloridas

Minhas palavras sejam balões coloridos a voar por esses ares acima.
Voem longe, brilhem ao sol.
Derramem encanto e esperança
Aos olhos que as contemplem
Ou sonhos de alegria aos mais tristes que houvera.
Me devolvam consolação
Para minha ânsia a soluçar.
Sosseguem meu coração
Nas horas negras de acordar.
Que suas cores garridas amortalhem minha vida
Até minha hora de morrer.


Berlim, 12 de Setembro de 2021
16h9m
Jlmg


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De novo, no bar "motocas"

Mesmo com chuva seu encanto é total.
Aqui continuam as mesmas pessoas do costume.
Os "motocas" todos empoeirados aqui estão.
Cavaqueando descontraidamente suas agruras e tristezas.
A natureza tem o mesmo encanto de sempre.
As árvores revestidas de chuva transmitem bem-estar.
Tantas recordações por aqui esvoaçam.
Somos clientes há uns bons aninhos...


Bar dos "motocas"15 de Setembro de 2021
14h45m
Jlmg


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O meu voo

Agora é tão baixinho o meu voo.
Parece que perdi o fôlego de voar.
Se foram aqueles rasgos que me levavam às alturas.
É fraco o meu élan.
Voo raso ao chão frio e seco.
Mas sinto em mim a esperança da chuva
Que me inspire neste inverno
Já que não é a primeira vez...


Berlim, 16 de Setembro de 2021
17h14m
Jmendes Gomes

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22537: Blogpoesia (747): "Sou um chorão..."; "Meu lar" e "Sei dum rio - Camané", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22554: Agenda cultural (784): Foi dia de festa na Tabanca dos Melros, em Fânzeres, Gondomar, o dia 11, em que o António Carvalho lançou ao mundo o seu livro - II (e última) Parte: registe-se com agrado o apoio que "O Bando do Café Progresso" deu ao nosso novel escritor


Foto nº 1 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Sessão de autógrafos > O autor, o Zé Manel Cancela (Penafiel) e o Eduardo Moutinho dos Santos (Porto).



Foto nº  2> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Eduardo Campos (Maia) e Manuel Carmelita (Vila do Conde)


Foto nº 3 > Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Mais dois dos nossos grã-tabanqueiros: o José Ferreira da Silva, escritor, do outro lado do rio (Crestuma), e o Zé Manel Lopes (Règua), o poeta Josema, a quem une uma  grande amizade com o António Carvalho, conforme ele lembrou na apresentação do livro: "Se algo positivo essa guerra, a da Guiné, nos deixou, foi o nascer de amizades que nem a morte pode acabar. É uma amizade cimentada por momnetos muito difíceis e de uma solidariedade imensa. Em 26 meses vivemos muitas emoções em conjunto".



Foto nº  4> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > À esquerda, o nosso Zé Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos à conversa com o Zé Manel da Régua.



Foto nº  5> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > As nossas queridas amigas... Da esquerda para a direita, Margarida Peixoto (Penafiel), Joaquina Carmelita (Vila do Conde), Carminda  Cancela (Penafiel),  e Luisa Valente Lopes (Régua)




Foto nº  6> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > A Luisa Valente Lopes  (Régua) e a Ana Carvalho (Medas / Gondomar), filha do António Carvalho.



Foto nº  7 >  Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Almoço > Mais uma linda perspetiva da "degustação dos aperitivos" debaixo da grande latada de vinho americano (ou morangueiro, ou seja, um "produtor direto") que dá o célebre "vinho doce" ainda muito apreciado na região pelos mais velhos (, embora a sua produção, comercialização e consumo... sejam proibidos).


Foto nº  8> Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 11 de setembro de 2021 > Lançamento do livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" > Almoço > Aperitivos > Em primeiro plano, da esquerda para a direita: Eduardo Moutinho dos Santos e Eduardo Campos. E segundo plano, Luís Graça (Tabanca de Candoz).


Fotos (nº 6): © Fernando Súcio (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fotos (nºs restantes): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda ( e última) parte do relato da sessão de apresentação do livro do nosso amigo e camarada António Carvalho (Medas / Gondomar) (*), É de lembrar, com regozijo, a presença de 8 dezenas de amigos e camaradas do autor. 

Não foi a reportagem (fotográfica) que eu gostaria de ter feito, por causa das minhas limitações de mobilidade. Houve outros camaradas, membros da Tabanca Grande, com quem falei e não registei em fotografia, como por exemplo o médico Rui Vieira Coelho ou o António Barbosa, de Gondomar, que veio acompanhado de dois netos. Mas tive o prazer de conhecer dois dos nossos "periquitos", o Joaquim Costa (Fânzeres / Gondomar) e o Manuel Oliveira (Vila Nova de Gaia).

Estive à mesa, ao almoço, e conversei longamente com o Zé Teixeira e o Eduardo Moutinho Santos. E gostei de rever o Gil Moutinho, régulo da Tabanca dos Melros. Registo com agrado o apoio que os "bandalhos" (os membros de "O Bando do Café Progresso") deram ao seu camarada, o "bandalho" António Carvalho, a começar pelo Ricardo Figueiredo, que não esteve presente e que escreveu no prefácio:

(...) "Conheci o António Carvalho, no Grupo do Café Progresso das Caldas à Guiné – um grupo de antigos combatentes da Guiné, de que ambos fazemos parte – que religiosamente se encontra, desde pelo menos o ano de 2007, às segundas quarta - feiras de cada mês, para uma reunião de “trabalho”  gastronómico e cultural, onde o exercício da catarse é feito de forma coletiva e em que a camaradagem se aprofunda cada vez mais, sublimando a amizade construída nos campos de batalha." (...) (**).

Pela minha parte foi um prazer ter dado também o meu pequeno contributo para fazer deste evento a festa que o António Carvalho (e Medas) merecia.

PS - Recorde-se que o livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro). Os pedidos devem ser dirigidos ao autor, António Carvalho:

Email: ascarvalho7274@gmail.com | Telemóvel: 919 401 036
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sábado, 18 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22553: Os nossos seres, saberes e lazeres (468): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Só muito crescidinho é que passei a visitar este palácio onde é marcante a influência italiana na arquitetura, que passou a ser habitado por D. Luís e a sua família, mais tarde adaptado a museu e biblioteca. Se nas pinturas do teto, na magnificência dos seus soalhos, há sinais evidentes de décadas de decoração anteriores a 1862, é bem claro que coube a Maria Pia de Sabóia o papel de refinar o gosto do espaço habitado pela família real. Tenho tido a sorte de ir vendo ao longo das décadas intervenções de grande qualidade, há cada vez mais espaço recuperado, é um gosto ir ao site do Palácio e de estudar as suas publicações, todas elas de grande qualidade. O que penso que falta para estimular visitas mais frequentes é uma forma de captar a atenção para o espaço da biblioteca e dos jardins, a visita convencional é só aos espaços interiores do palácio, todos ganharíamos se se desse uma possibilidade ao visitante de visitar mais. Agora há que aguardar por novembro, pela inauguração do Museu do Tesouro Real.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (16)

Mário Beja Santos

A partir dos meus 12 anos, sobretudo nos fins de semana ensolarados, a minha mãezinha que Deus tem organizava passeios culturais e era inevitável a visita a museus, igrejas, capelas, havia a descrição das praças, até da Cerca Fernandina. E consigo guardar memória de visita ao Museu Nacional de Arte Antiga em que a Baixela Germain estava bem encardida, os tapetes puídos no Museu de Arte Contemporânea, até a Igreja de São Roque não era credora das cuidadas intervenções que tem hoje. E lembro-me perfeitamente de ela me ter dito que era o cabo dos trabalhos ir visitar o Palácio Nacional da Ajuda, que não estava aberto ao público. Pus mãos à obra, fui ler uma descrição de Norberto Araújo sobre o Palácio Nacional da Ajuda numa edição do então Secretariado de Propaganda Nacional (que teve a sua vitalidade entre meados dos anos 1930 e princípio dos anos 1950, transmudou-se em SNI). O palácio era então museu e biblioteca. O ilustre olisipógrafo refere os antecedentes, um palácio existiu no século XVIII e depois as inúmeras adaptações introduzidas na segunda metade do século XIX, passou a ser uma residência real permanente a partir de 1862. Vestíbulo com 47 estátuas de estilo italiano, fatura de artistas portugueses, centenas de salas e de dependências. O palácio, por essa época, era lugar de algumas receções e cerimónias de grande gala. Ali tinha sido recebido Alberto da Bélgica, acompanhado do príncipe Brabante, o futuro Leopoldo III. Enumera os Salões dos Arqueiros, do Porteiro da Cana, do Dossel, da Espera, do Despacho, da Música, de Mármore, de Sax, os Salões Vermelho, Verde e Azul, a Sala de Jantar, a Sala do Trono, o Salão de D. João V, a Sala do Corpo Diplomático, dos Embaixadores. Conclui dizendo que todas estas divisões guardam numerosos objetos de arte e um rico mobiliário. E seguidamente descreve a importantíssima biblioteca que ainda hoje não é de fácil acesso, mas que é património magnífico. Peguei seguidamente no guia do palácio organizado por Isabel da Silveira Godinho, data de 1988, era ela diretora do monumento nacional. Fala-nos da Real Barraca que antecedeu o projeto arquitetónico interrompido com a ida da família real para o Brasil, diz-nos quais as residências da família real enquanto decorrem os trabalhos do palácio e ficamos a saber que coube a Joaquim Possidónio Narciso da Silva, arquiteto da Casa Real, a decoração e a organização de todos os espaços destinados ao casal D. Luís e D. Maria Pia de Saboia. Mesmo com a chegada do casal continuaram os trabalhos de decoração, a rainha era infatigável, fizeram-se inúmeras encomendas e daí o visitante ser hoje deslumbrado com uma imensidão de obras de arte e rutilantes artes decorativas da segunda metade do século XIX. A rainha Maria Pia ficou sempre a viver no palácio, na companhia do Infante D. Afonso, o rei D. Carlos vivia nas Necessidades usando exclusivamente o Palácio da Ajuda para as cerimónias oficiais. Com o Estado Novo, o palácio foi transformado em museu e só mais tarde é que abriu ao público. Serve este preâmbulo para indicar que ao longo dos últimos anos tenho vindo a apreciar excelentes intervenções, algumas delas obras de mecenato, tetos repintados, substituição de tecidos, restauro de obras. O visitante entra pela Porta dos Arqueiros, segue-se a Sala do Porteiro de Cana e depois a Sala das Tapeçarias Espanholas, antiga Sala de Audiência, aqui se encontram tapeçarias executadas seguindo o desenho de Francisco Goya, oferecidas pela Coroa Espanhola por ocasião do casamento do futuro D. João VI com Carlota Joaquina de Bourbon. A sala tem vindo a sofrer alterações, seguramente que aqui se realizaram algumas receções de pompa, não é por acaso a enorme quantidade de cadeirões.
Surpreendem as sedas, os adamascados, as tapeçarias, há uma sala de passagem com retrato do rei D. Carlos pintado por Malhoa, segue-se a Sala do Despacho, muito provavelmente os salões seguintes têm sido objetos de redecoração, será o caso da Sala de Música, onde se davam concertos de música de câmara, vemos violoncelos e uma harpa, há o retrato de D. João VI a cavalo, vitrinas com peças decorativas das coleções de D. Luís e D. Maria Pia. No centro um piano de cauda. E passa-se para a antiga câmara de dormir de D. Luís, vou comparando as diferenças entre 1888 e a atualidade, o que se pode dizer é que tem havido muita intervenção e muito restauro, porventura muito rigor na colocação do mobiliário e dos objetos, de acordo com a lógica de quem dele usufruiu ao seu tempo.
Percorrem-se mais umas salas, as denominadas Salas Azul, em carvalho, o Jardim de Inverno, a Sala de Sax e a Sala Verde, a Rosa, para ser sincero com o leitor, sei que algumas estão para obras e outras estavam fechadas, assim se chegou à Sala de Jantar da Rainha e depois à Sala de Bilhar, não me lembro de ter visto o Ateliê de Pintura do rei D. Luís, sei que em dado momento entrei num vasto corredor que me levou ao andar superior, aí me aguardava o grande fausto. Antes, porém, estive na capela de D. Maria Pia, tudo em estilo neogótico, tudo muito severo, mas tocante. Não queria deixar de falar do Quarto da Rainha D. Maria Pia, pejado de quadros de membros da sua família, mobiliário riquíssimo, em ébano, a cama com baldaquino, tudo muito ao estilo de Napoleão III, no baldaquino em madeira dourada e esculpida temos as armas da rainha.
A idade já não ajuda a dar o máximo de atenção às salas com motivos chineses, com estilo império, com tapeçarias Gobelins, há sala de receção do corpo diplomático, havia notícia de restauros recentes na Sala do Trono, para ali avancei. Como se pode ver, é uma sala de grandes dimensões, ocupa o espaço que corresponde ao Torreão Sul do palácio. O teto é magnífico, consta que a intenção dos pintores foi exaltar a Majestade, o Rei D. Miguel. A sala é iluminada por um grande lustre em cristal e bronze cinzelado, de 180 velas, não faltam jarrões alemães e chineses, é patente a pompa e circunstância e daqui vou diretamente para a Sala de Banquetes, também imponente pelas suas dimensões e decoração, teto com uma alegoria ao aniversário do nascimento do rei D. João VI, é neste espaço que ainda hoje se dão banquetes de Estado. E creio que o leitor, caso ainda não tenha apanhado a fase dos últimos restauros, fique com a curiosidade acicatada para se ir deslumbrar com estes últimos faustos da monarquia que o sistema republicano não desdenha em determinadas solenidades.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22534: Os nossos seres, saberes e lazeres (467): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22552: (De)Caras (176): "Visitas destas não há todos os dias": o João Crisóstomo, em Agualva-Cacém, de passagem por Lisboa (Valdemar Queiroz)






Agualva-Cacém > 14 de setembro de 2021 > O prometido encontro do João Crisóstomo e do Valdemar Queiroz, junto à casa deste, na rua de Colaride


Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz / João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz:

Data - terça, 14/09, 23:02 (há 4 dias)
Assunto - Visitas destas não se tem todos os dias


O nosso camarada ex-alf mil João Crisóstomo, que há anos vive em Nova Iorque, EUA, prometeu visitar-me quando viesse a Portugal e assim fez, de passagem por Lisboa para a Eslovénia.

Nós não nos conhecíamos e há uns tempos que amavelmente me telefona para saber do meu estado de saúde.

Na semana passada avisou-me que passava por Lisboa dia 14 e queria dar-me um abraço. Acertamos a sua visita a minha casa e até me propus darmos uma saltada aos Fofos de Belas, aqui perto, e até dava para conversar, por ser o dia habitual das limpezas da casa.

Estava à sua espera na rua e foi com problemas respiratórios que recebi o meu grande amigo, por estar aflito ficou sem efeito seguirmos para Belas.

Deu para uma pequena conversa e ele ofereceu-me o seu livro LAMETA-Movimento Luso-Americano Para a Autodeterminação de Timor-Leste.

Não foi uma recepção condigna como ele merecia.

Abraços
Valdemar Queiroz

PS - Anexos foto do encontro

2. Comentário do editor LG:

O Valdemar, que é portador de uma doença crónica (DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) que lhe limita muito severamente a sua vida pessoal e social, vivendo sozinho na sua casa em Agualva-Cacém, ficou sensibilzado por este gesto do João Crisóstomo. E nós também. Daí termos decidido dar-lhe o devido destaque no nosso blogue, como um exemplo, singelo mas bonito, de solidariedade, fraternidade, amizade e camaradagem. (*)

Pessoalmente, eu sabia do que estava a ser planeado. O João escreveu-me, a dizer que vinha passar cerca de um mês na Europa, na Eslovénia (terra da Vilma) e em Portugal. E incusive desafiou-me também a aparecer, aproveitando a oportunidade para rever o Valdemar Queiroz (com quem estive em Contuboel, menos de dois meses, em junho/julho de 1969), o que não puder devido às minhas sessões de fisioterapia (, todos os dias ao fim da manhã).

(...) Na viagem para a Eslovenia vamos fazer escala em Lisboa e vamos ter de passar a tarde do dia 14, terça feira, em Lisboa. Saímos bem cedo no dia 15 para Zagreb e Eslovénia.

Vou aproveitar essa tarde para ir visitar um amigo/ camarada da Guiné que tem um problema de saúde que o impede de ir aos nossos encontros. Ele mora não muito longe de Lisboa, em Agualva-Cacém, Rua de Colaride (...).

(...) Não temos horas certas, mas como chegamos a Lisboa às 11.20 AM … devemos estar livres pela uma ou duas da tarde ( 14.00 PM) e seguimos logo ver o nosso amigo Valdemar Queiroz. Eu disse-lhe que devia estar com ele por volta das 16.00PM, mais ou menos. (...)


 
O que o Valdemar talvez ainda não saiba é que o João Crisóstomo acabou por "ficar em terra", enquanto a Vilma seguiu viagem para a sua querida terra natal...E tinham planeado comemorar lá os seus 10 anos de "enamoramento". (O João e a Vilma, velhos amigos da Europa, reencontraram-se ap fim de 40 anos, e casaram em Nova Iorque, em 2013, em segundas núpcias.) (**),

Devido às restrições sanitárias na entrada e saída de viajantes, impostos pela pandemia de Covid-19, o João ficou surpreendido pela obrigação de ter que fazer quarentena ("quarentine",em inglês), na Eslovénia, o que lhe "lixaxa" os seus planos ainda de ir a Paris e passar duas semanas em Portugal (na 1ª quinzena de outubro). 

O casal teve de fazer uma opção, algo dramática: a Vilma seguiu viagem para a Eslovènia (não há voos diretos de Lisboa para Lubliana) e o João ficou em Lisboa, na casa da mana Jacinta (!)... Sem babagens sem muda de roupa...(Parece que já recebeu a sua mala, de volta). Agora em Portugal, sobra mais tempo para dar umas voltas e fazer visitas aos seus muitos amigos..

Não tendo podido acompanhar o Rui Chamusco que o foi buscar ao aeroporto, espero dar-lhe um grande abraço fraterno, um dia destes, aqui na Lourinhã. (Sei que também anda com alguns problemas de mobilidade, tendo de recorrer a uma canadiana, como de resto se pode ver nas fotos.). Que sejas bem vindo, João, a Portugal, que tu nunca esqueces! E, tu Valdemar, espera por mim um dia destes, já uma "perna nova"...
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 3 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11448: Os nossos seres, saberes e lazeres (51): WE HAVE IT!!!.... Um linda história de amor, um reencontro ao fim de 40 anos, um casamento em Nova Iorque... E agora, que sejam felizes para sempre, meus queridos João (Crisóstomo) e Vilma (Kracum)! (Tabanca Grande)

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22551: In Memoriam (407): Celestino Augusto Patrício Bandeira (1946-2021), ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835 (Mejo, Guileje e Gadamael, 1968/69)

IN MEMORIAM

CELESTINO AUGUSTO PATRÍCIO BANDEIRA
Ex-Fur Mil da CCAÇ 2316/BCAÇ 2835


1. Mensagem de Rui Madeira e Silva, neto do nosso malogrado camarada Celestino Madeira, enviada ontem, dia 16, ao nosso Blogue:

Bom dia meus Senhores,
Esperando-vos bem.

Não sei se se lembram destes emails que trocamos há uns meses atrás, sobre o meu avô, Furriel Celestino Madeira, do BCaç 2835, CCaç 2316, Guiné 68-69.[*]

De qualquer modo, com muita pena minha, informo-vos de que o meu avô nos deixou hoje, depois de um ano muito complicado para eles e todos nós, familiares.

Quando falei com vocês, informei-vos que ele estava de boa saúde. Mas, sem que nada previsse, o Alzheimer tomou conta dele num ápice e a partir daí, o seu estado de saúde caiu a pique.

Aquilo em que eu gostava que me pudessem ajudar, seria no sentido de criarem um post no vosso blog a informar do facto e da data e local do funeral que vos indicarei oportunamente, assim como contatar alguém da unidade dele ou próxima, para que todos os camaradas dele e outros lhe possam prestar uma última homenagem.

Esperando ler de V. Exas,
Um abraço.
Os melhores cumprimentos
Rui Madeira e Silva


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2. Comentário do editor CV:

Os editores e a tertúlia deste Blogue apresentam as suas mais sentidas condolências à família do nosso camarada Madeira, agora falecido, assim como deixam um abraço ao seu neto Rui que em tempos nos contactou e que ontem nos deu esta triste notícia.
Cada camarada que parte vai deixando mais sós os que ainda da lei da morte se não libertaram. Aos camaradas da CCAÇ 2316 o nosso abraço fraterno.

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[*] - Vd. poste de 14 DE OUTUBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21448: Em busca de... (307): Camaradas do Celestino Augusto Patrício Madeira, ex-fur mil, CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 (Bissau, Mejo, Gandembel, Guileje, Gadamael, Ganturé, 1968/69) (Rui Pedro Madeira e Silva, neto)

Último poste da série de 31 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22500: In Memoriam (406): Alcobaça homenageia personalidades alcobacenses entre as quais José Eduardo Oliveira (JERO) que este ano nos deixou, vítima do COVID-19 (Joaquim Mexia Alves / Blogue da Tabanca do Centro)

Guiné 61/74 - P22550: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (70): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Jules acompanha Annette na viagem a Lisboa, passará uma semana na companhia dos dois. Paulo preparou-lhes um programa de arromba, muita digressão por lugares típicos, procura fazer comparações entre o passado da sua juventude e o presente, Lisboa conhecera um processo revitalizador depois da exposição de 1998, a dinâmica mantinha-se imparável, iam desaparecendo os armazéns que atravancavam a vista do Tejo, os bairros populares começavam a gentrificar-se e a conhecer referências no turismo internacional, os primeiros dias foram consagrados exatamente ao casco histórico tirando uma visita a Cascais e Estoril. Jules sente-se feliz com a receção, com as explicações que Paulo lhe dá sobre a evolução da cidade, mas tal como escreve à irmã o que o deslumbra é ver a felicidade da mãe, sempre entregue àquele estranhíssimo papel de cronista de algo que ultrapassa completamente Jules, uma tal guerra colonial em que Paulo andou metido, assiste a uma conversa estranhíssima em que se fala da vida hospitalar, de gente gravemente sinistrada, que compara as suas maleitas com as dos outros, e fica boquiaberto quando a mãe casquina uma cena tremenda de discussões no quarto onde Paulo tenta dormitar, um capitão furibundo com um furriel, chegam às vias de facto, um numa cadeira de pernas partidas e outro com uma faca romba, não se estivesse num hospital militar parecia uma comédia italiana.

Um abraço do
Mário



Rua do Eclipse (70): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Carta de Jules Cantinaux para a mana Noémie

Chère Noé, estou há quatro dias em Lisboa, sinto-me ultrapassado pela velocidade de tudo que o Paulo nos põe diante dos olhos, é uma cidade fascinante, ele começou por nos levar para uma zona chamada Alfama, tem a ver com a fundação da nacionalidade, depois da tomada de Lisboa aos Mouros nesta zona teriam ficado a viver as minorias muçulmanas e judaicas.

Quando olhamos este bairro histórico do Miradouro das Portas do Sol tem-se a sensação que tem um formato poliédrico, tudo pode ser posto a rodar, as formas encaixam perfeitamente. Quando cheguei, o Paulo logo me disponibilizou um mapa da cidade, um guia em francês, foi-me mostrando imagens antigas, reproduções de quadros de um pintor chamado Carlos Botelho, de um aguarelista chamado Roque Gameiro, falou-me da Lisboa antiga que ele conheceu nos anos 1950, os passeios que fazia aos fins-de-semana com a mãe, numa Alfama onde se cantava o fado, tal como noutros bairros populares que dão pelo nome de Mouraria e Madragoa. Procurou contextualizar a evolução da cidade, pediu-me para eu ler à noite alguns artigos sobre a cidade antiga e ler os textos do guia, fiz o possível por me documentar.

Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço, tomámos um táxi os três, visitou-se a catedral românico-gótica, o Paulo asseverou que tem os fundamentos assentes numa mesquita, é um edifício sóbrio, foi muito afetado pelo terramoto de 1755, o tesouro de alfaias religiosas é de uma sumptuosa riqueza. Subimos até outro miradouro, de nome Santa Luzia, uma vista espraiada sobre o Tejo, Paulo disse que do outro lado estava o Castelo de São Jorge, onde houve paço real e mesmo castelo dos Mouros, durante séculos esteve ao abandono, em 1940, por causa das comemorações dos centenários da fundação de Portugal e da sua independência, foi alvo de uma grande intervenção, visitei-o dois dias mais tarde, é uma outra panorâmica estarrecedora, para mim a mais bela de todas, bom, voltámos a subir para um outro miradouro, as Portas do Sol, e descemos junto a muralhas antigas que Paulo lembrou que eram medievais, e assim entrámos na Alfama.

Noé, senti-me num mundo antigo, há muitas obras de restauro em curso, mas aquelas ruas estreitas, os largos, os becos, as igrejas, as casas apalaçadas, as conversas em voz alta nas ruas dão um ambiente magnífico, é um passeio que se faz sempre com a curiosidade desperta, percorremos Alfama de alto a baixo, visitamos uma igreja que segundo a tradição foi onde nasceu Santo António e o Paulo contou-nos a devoção da mãe pelo Santo, todos os anos no dia 13 de junho ele acompanhava-a na procissão, tocava-lhe profundamente o apreço que a mãe sentia pelo milagreiro e casamenteiro.

Almoçámos num restaurante muito curioso em gabinetes privados, em frente dessa igreja, nunca tinha comido choco panado, a mamã pediu chocos com tinta, o que eu me ri quando lhe olhei para os lábios e os dentes, tudo enegrecido, mas tudo tão bem apaladado, com boa batata cozida e batata frita aos palitos. O Paulo pediu iscas, explicou-me que a receita portuguesa inclui banha, as iscas ficam a marinar em vinagre com louro, sal e pimenta, devem-se comer com batata cozida e uma porção de salada. Impressionou-me a variedade de sobremesas, os flans, mas o Paulo insistiu que eu provasse requeijão com compota, uma delícia. A mamã sempre feliz, às vezes corrigindo certas expressões do Paulo, por deferência comigo a conversa foi sempre em francês. E após o café tomou-se um novo táxi para uma zona chamada Chiado, o Paulo mostrou-nos um café recheado de obras de arte, de nome A Brasileira, e dizendo que mais tarde faríamos um passeio ali a preceito, descemos ao Rossio, falou-nos num importante hospital que aqui houve até ao terramoto, mostrou-nos a Igreja de São Domingos, onde tinham lugar casamentos reais e de onde partiam os condenados da Inquisição para morrer na fogueira.

Seguimos para a Praça dos Restauradores, o Paulo é admirador de um arquiteto do período Arte Deco e mostrou-nos um antigo cinema que está transformado em hotel mas que mantém exteriormente linhas maravilhosas, um risco surpreendente em que se cruzam o moderno e o antigo. Foi nessa altura que a mamã acusou cansaço e pediu para regressarmos a casa, ali ficámos os três a conversar à varanda e a olhar os quintais onde vi damas da noite, buganvílias, jasmins, árvores de fruto, muitos vasos espalhados com hibiscos, sardinheiras e camélias. O Paulo propôs que no dia seguinte fossemos a Belém e depois tomássemos o comboio até Cascais, faríamos depois um passeio junto ao mar até ao Estoril. Aceitámos, foi mais um dia extraordinário. E ontem andámos pelo Castelo de São Jorge, não me esqueço do nome de um largo, Menino de Deus, subimos à Graça, a dois miradouros, novo almoço típico, espetadas de peixe para todos, e de táxi seguimos para um local chamado Campo dos Mártires da Pátria, novo miradouro, chamado Torel, ali avistámos a tal Praça dos Restauradores e o tal antigo cinema Éden.

Novamente de táxi seguimos para outro percurso, a Madragoa, foi entrada por saída, Paulo ainda queria que visitássemos o Museu Nacional de Arte Antiga, a mamã e eu ficámos deslumbrados até pela riqueza de Arte Flamenga. E quando regressamos a casa o Paulo disponibilizou-me o catálogo de uma exposição que ocorrera em 1991 em Antuérpia, com o título de Feitorias, no âmbito da Europália Portugal, ele gosta muito de Antuérpia e mostrou-me um bilhete que tem junto da sua secretária, uma reprodução da descida da cruz, pintura de Rubens, está na catedral.

Querida Noé, sinto-me profundamente feliz por dois motivos. Nunca pensei em ter umas férias como estas, os aspetos típicos e o caráter desta cidade deslumbram-me, o acolhimento do Paulo não podia ser melhor. E vejo a mamã enternecida, é grande o amor que os une e eles não escondem o apreço mútuo. Há momentos em que me ponho à margem só para os ver conversar, inevitavelmente o tema da tal guerra da Guiné vem à baila, numa das últimas noites a mamã dava gargalhadas com as descrições que o Paulo fazia sobre a sua ida para um serviço de Neuropsiquiatria de um hospital militar em Bissau. Ele falava numa enfermaria de três camas, numa estava um capitão que pedira por duas vezes a vinda de meios aéreos para entregar aerogramas para a mãe, ato inconcebível, tresloucado, para o capitão era a coisa mais natural do mundo, veio para o hospital para se tratar; noutras estava um furriel que pisara um sistema de minas antipessoal, andara pelos ares, ficara fisicamente sem danos mas com profundas alterações psicológicas, o Paulo viera para tratamento, tomava vários medicamentos ao longo do dia, tudo se tornava difícil com as discussões permanentes entre os outros dois doentes, o capitão acusando o furriel de chanfrado e o furriel verberando o capitão como tarado sexual, todos os dias aparecia por ali uma lavadeira a quem o capitão acariciava os seios e depois entregava vinte escudos, cena patética, o Paulo deitado, sem tugir nem mugir, o furriel encrespando o capitão, que não lhe respondia.

Mas a mamã deixou de rir quando o Paulo abordou um aspeto insólito daquela estadia, à hora da visita aos doentes, noutras enfermarias, ouviam-se conversas em que se comparava quem estava mais doente do que o outro, isto é, quem só tinha perdido uma perna, uma mão ou um olho parecia que estava mais confortado que quem perdera duas pernas, duas mãos ou a vista toda. Nesse período em que os doentes andavam numa certa liberdade, parecia que todos se concitavam para junto das varandas ver os helicópteros com os feridos, era uma estranha partilha do sofrimento alheio. Depois trocavam-se notícias, procuravam-se patrícios doentes, dava-se informação sobre quem veio queimado, quem estava no bloco operatório, se havia estilhaçados da cabeça aos pés… Se a contabilidade dos danos já era confrangedora, o Paulo sentia-se assombrado com ele voyeurismo dos sinistrados, passou lá uma semana e todos os dias olhava para este espetáculo arrelampado.

Ficou combinado que amanhã vão falar os dois à noite sobre a visita das senhoras da Cruz Vermelha e do Movimento Nacional Feminino, foi aí, naquele quartinho de três camas, que aconteceu o espetáculo mais insólito da estadia do Paulo. Vou estar atento a essa tão bizarra conversa, a mamã toma nota de tudo, está sempre a pedir fotografias, às vezes duvido que ela esteja interessada em escrever um livro e queira mais um álbum comentado, mas também percebo, aquilo é um mundo completamente novo na vida dela, este romance que ela prometeu escrever tem para ela um grande valor simbólico, é como um conto das mil e uma noites que une indelevelmente o narrador e quem o escuta. Querida Noé, estou tão feliz por mim e pela mamã, não acredito que tu não queiras fazer férias em breve em Lisboa. Sabe-se lá se a mamã não virá para cá viver quando chegar a idade da reforma. Escrevo-te antes de partir, está prometido. Bisous, ton frère, Jules.

(continua)

Hospital Militar Nº 241, Bissau
Rua do Arco do Marquês do Alegrete, aguarela de Roque Gameiro
Cerca Fernandina de Lisboa
Miradouro Portas do Sol, Alfama
Antigo cinema Éden, do genial Cassiano Branco
Sala do cinema Éden, interior do antigo cinema, as linhas puras e dinâmicas da Arte Deco
Um dos mil recantos da Lisboa antiga
Edifício da Rua dos Bacalhoeiros, ao lado da Casa dos Bicos, hoje Fundação José Saramago
Descida da Cruz, Rubens, Catedral de Antuérpia
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22529: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (69): A funda que arremessa para o fundo da memória