segunda-feira, 25 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23199: Notas de leitura (1440): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Deste soberbo livro de viagens com várias peregrinações africanas, Pedro Rosa Mendes comentou que "A viagem acontece no domínio profundo das pegadas que outros deixaram - no sentido aborígene da palavra e na ração como uma pegada inscrita na memória. O conjunto é um trânsito permanente entre a atualidade, a História cultural, a biografia e a incursão pelo sonho - outros dirão, pela ficção, como registo documental". Pode ser lido como um caderno de bordo, um bloco de notas com conteúdos dispersos para diferentes reportagens, o que releva é a intensidade do olhar do viajante, começa em Tombuctu, assombrou-se com a Mauritânia, andou por territórios onde se fala português e está presentemente na África do Sul, um dos países mais desiguais do mundo, não perdeu a oportunidade de registar os comentários de portugueses que ali labutam.

Um abraço do
Mário



Ali para as bandas da Guiné e um pouco por toda a África (3)

Beja Santos

“A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007, é um livro de cambanças, tudo começa na mítica Tombuctu, seguiu-se a Mauritânia, o deserto do Saara é um referencial, por diversas razões: é o maior depósito de sal do continente africano, nele se cruzam as redes comerciais entre o Mediterrâneo e a África negra, há mesmo a registar a presença portuguesa na ilha de Arguim, ao largo da Mauritânia. Da Mauritânia seguiu-se para outras paragens, está-se neste momento na Ilha de Moçambique. E vem uma memória histórica:
“Vasco da Gama ancorou aqui em 1498, mas o que o navegador português encontrou naquele ponto da costa oriental de África, não foram, porém, as especiarias que tanto procurava. Foi, antes, um dinâmico estaleiro naval que os árabes fizeram crescer, e que ainda continua a ser um setor determinante na vida da ilha. Persas e árabes mantiveram, ao longo dos anos, um movimento comercial constante em toda a costa oriental, pelo que esta ilha no canal de Moçambique se tornou rapidamente na base do comércio português de especiarias proveniente do Oriente”.

Fala-se de escravatura e depois segue-se para Maputo. Amílcar Correia circula por entre os labirintos e tendas do mercado, vê os curandeiros em exercício e dá-nos uma informação:
“Xipamanine é um mercado absolutamente informal. De tal forma que não há organização não-governamental que possa aproveitar os seus preços baixos, devido à ausência de qualquer documentação ao qual se possa chamar fatura, para a compra de uma vulgar folha A4 ou de qualquer outro produto que só aqui se encontra. O que não impede, é bom de ver, que se possa comprar tudo o que se quiser. Até a roupa de comunhão que uma qualquer criança europeia vestiu numa cerimónia na década de 50, 60 ou 70!”.

E apresenta-nos um mercado tal qual: “Os clientes circulam ininterruptamente pelos corredores apertados e os locais de venda são uma espécie de beliches comprimidos: alguém a dormir ou a cozinhar no chão e a mercadoria amontoada no primeiro andar”. E adiciona um novo elemento, a violência juvenil: “Os miúdos das ruas de Maputo são temidos pela sua astúcia e insistência. E violência. Uma delinquência banal e inevitável nestas ruas da baixa, que se aproveita do movimento de pessoas e da concentração de comércio. Disputas entre crianças de rua acabam invariavelmente mal, diante da indiferença de quem passa ou do olhar dos seguranças que garantem a proteção dos estabelecimentos comerciais e respetivos clientes”.

E a viagem prossegue no Soweto, o repórter apresenta-nos quem lhe faz companhia, o padre António Nunes, nascido em Câmara de Lobos e imigrante na África do Sul desde os nove anos de idade, foi o primeiro e único português a ser ordenado padre pela diocese católica de Joanesburgo. Segue-se um interessante comentário do autor: “Ser padre católico e homem branco numa cidade como Soweto é uma dupla tormenta. Na township, os pecados não se redimem. O padre confessa, simplesmente, três arrependidos por mês. Os casamentos católicos são mais uma festa a acrescentar ao calendário de festejos tradicionais africanos. A pia batismal é utilizada para abençoar crianças filhas de mães solteiras muito jovens e muitas vezes já portadoras de SIDA (é negra a maioria dos 70 mil bebés que anualmente nascem já infetados pelo vírus) (…) A pobreza extrema é comum à esmagadora maioria dos habitantes deste subúrbio a quinze quilómetros de Joanesburgo. Mesmo assim, as famílias não hesitam em endividar-se quando morre um dos seus. A tradição obriga a quase dois anos de ritual fúnebre, que começa com uma grande festa para familiares e vizinhos, que continua um mês depois com outra festa para a limpeza das pás do enterro, de modo a que o infortunado seja vítima da sorte, e que termina mais tarde com os melhoramentos da sepultura. Este longo processo de despedida – uma profunda devoção ao antepassado – contribui para acentuar a pobreza da população”. E segue-se uma constatação: “A África do Sul democrática não melhorou as condições de vida desta gente. Os negros do Soweto continuaram a ser negros e continuaram no Soweto. Os cerca de dois a quatro milhões de pessoas que habitam a South West Township terão esperado mais da exemplar transição sul-africana”.

Fala-se da criminalidade que tomou conta de Joanesburgo e alguém observa que o desemprego, a corrupção e o crime são os cancros da sociedade sul-africana. É bem esclarecedora a conversa do repórter com Dinis Adrião, especialista em marketing policial. “O centro da cidade de Joanesburgo, afiança Dinis Adrião, registou uma descida da criminalidade nos últimos anos, devido à instalação de centenas de câmaras de vídeo que vigiam o crime nas principais ruas da baixa. Outrora florescente, o cogumelo de arranha-céus do centro da cidade foi conquistado por imigrantes indígenas e bandos armados, que o projeto Business against crime, uma parceria entre os comerciantes e a polícia, tentou devolver a Joanesburgo. As câmaras foram instaladas num complexo de arranha-céus emblemáticos na cidade: o Carlton, cujo edifício principal, um hotel de luxo, foi fechado por causa da insegurança. Passear nestas ruas durante a noite ou nos fins de semana ainda é um ato absolutamente oligofrénico e tão cedo não deixará de o ser. Desarmar a população na posse de armamento ilegal e reduzir o número de agentes que todos os anos morrem em serviço são as prioridades de uma força que quer passar a fazer policiamento com um caráter mais preventivo. Mas não só. A polícia de Joanesburgo pretende incentivar a vigilância da vizinhança, de modo a que um sinal estranho seja de imediato comunicado aos agentes e aos vizinhos. A ideia é a de que os agentes em áreas residenciais desenvolvam a memória do carteiro e saibam como se chamam os residentes e quais os seus hábitos e horários, para que não sejam surpreendidos por assaltantes mais dissimulados”.

Não vale a pena superlativar mais a delinquência em Joanesburgo. É um dos pontos altos de “A Balada do Níger”, esta circunavegação na região da África Austral. Há preocupações históricas e evidentemente aparecem portugueses no palco, vejamos este comentário:
“O início da ambição europeia de transformar o continente numa possessão sua poderá situar-se na Cidade do Cabo, com o estabelecimento de uma primeira colónia holandesa. Até aí, a presença europeia era sobretudo portuguesa, ao longo da costa, e limitada a uma presença militar que garantisse segurança e logística a caminho da Ásia.
A Companhia Holandesa das Índias Orientais decidiu radicar-se na extremidade do continente, após um grupo de náufragos ter construído um forte, em 1647, para assim se proteger dos ataques nativos. Uma expedição enviada pela Companhia Holandesa construiu uma igreja calvinista, organizou uma plantação de vegetais e de vinhas e uma quinta para a produção animal. E eis a Cidade do Cabo, em 1652, com base de aprovisionamento das embarcações que iam e vinham da Índia”
.

Assim apareceram os bóeres, chegará o tempo de um conflito mortífero com os ingleses. A viagem prosseguirá pelo Quénia e Tanzânia, Amílcar Correia dar-nos-á um olhar esplêndido sobre estas regiões em que se põe termo a esta bela reportagem intitulada “A Balada do Níger”.

(continua)

Joanesburgo
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23188: Notas de leitura (1439): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23198: 18º aniversário do nosso blogue (4): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte I: 28 de agosto de 1972, Bissau, a "guerra camuflada"


Título de caixa alta da edição de segunda feira, 28 de agosto de 1972, do "Diário de Lisboa", nº 18846, ano 52º- O primeira de quatro artigos de reportagem assinados pelo enviado especial à Guiné,  em julho de 1972, o jornalista Avelino Rodrigues. Era então comandante-chefe e governador geral da "província" o general António Spínola, no seu auge da sua popularidade.


Citação:

(1972), "Diário de Lisboa", nº 17846, Ano 52, Segunda, 28 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5494 (2022-4-24)

Cortesia de  Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 06815.165.26100 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17846 | Ano: 52 | Data: Segunda, 28 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "Exclusivo".| Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


1. Esta peça jornalística merece ser conhecida dos antigos combatentes da guerra da Guiné, de um lado e do outro, não só pela seriedade, honestidade intelectual e qualidade do trabalho do seu autor, Avelino Rodrigues, como pelo grande interesse documental que tem,  para se conhecer melhor os pontos fortes e fracos, bem como os riscos e as oportunidades que representava, em julho de 1972, a política spinolista, "Por uma Guiné Melhor". 

O jornalista esteve no CTIG durante 9 dias, não esconde nem escamoteia as limitações pessoais e contextuais do seu trabalho, representando por outro lado um jornal independente, que não era política e ideologicamente alinhado com o regime do Estado Novo. Mas soube aproveitar, com inteligência, a janela de oportunidade que lhe foi oferecida então pelo regime (e, mais concretamente, por Spínola, o primeiro interessado em que a sua política "Por uma Guiné Melhor" fosse conhecida na metrópole, nos círculos  tanto do regime do Estado Novo, "recauchutado" com Marcelo Caetano,  como da "oposição democrática").

Avelino Rodrigues (lisboeta, nascido em 1936), jornalista profissional desde 1968 (onde começou como redator em "O Século),  era então chefe de reportagem do "Diário de Lisboa" e editor do suplemento “Mesa Redonda” (1971/74).

2. Sobre este conjunto de quatro artigos de reportagem, já aqui escreveu o nosso crítico literário, o Mário Beja Santos, em 2013, o seguinte (*):

(...) Spínola, em meados de 1972, “namora” a imprensa de oposição, estabelece relações formais com Ruella Ramos e Raul Rego, responsáveis respetivamente pelos jornais Diário de Lisboa e República. Avelino Rodrigues é convidado a deslocar-se à Guiné, são lhe dadas garantias de ver o que é preciso ver da região em guerra. (...)

(...) Há pontos surpreendentes nesta reportagem: guerra assumida, sem ambiguidades; a ênfase no desenvolvimento e no reordenamento; a imagem de Spínola como um pacificador, veja-se a captura de Balantas na região de Ponta Varela que serão devolvidos à precedência depois de visitarem o Xime, receberem rádios, roupas e dinheiro; a noção de que a africanização da guerra é uma realidade; o chão Manjaco mostrado como a região modelo de acordo com o projeto de Spínola.

(...) A despedida da reportagem é cabalística, como consta: o pior será quando a guerra acabar. Para juntar a todas as peças que devem fazer parte da História da Guiné. Um abraço do Mário. " (...)

Tomamos a liberdade de republicar, na íntegra, no nosso blogue, este primeiro artigo, sob a forma, literal, de um "recorte de imprensa" (Diário de Lisboa, 28 de agosto de 1972, pp. 1, 12 e 13) no 18º aniversário do nosso blogue. E, também,  simbolicamente, no 48º aniversário do 25 de Abril de que o Avelino Rodrigues foi também um dos grandes "cronistas". (**)



 DL / REPORTAGEM, pp. 12/13

1. GUINÉ: CRÓNICA IMPERFEITA

PARADOXOS DA GUERRA CAMUFLADA











(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,  
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)


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(**) Último poste da série > 25 de abril  de 2022 > Guiné 61/74 - P23197: 18º aniversário do nosso blogue (3): Um blogue que tem querido e sabido incluir-nos a todos (Hélder Sousa, provedor do leitor)

Guiné 61/74 - P23197: 18º aniversário do nosso blogue (3): Um blogue que tem querido e sabido incluir-nos a todos (Hélder Sousa, provedor do leitor)

1. Mensagem de Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, nov 1970/ nov 72 

[ Ribatejano, de nascimento (Vale da Pinta, Cartaxo) e formação (Vila Franca de Xira), português, cidadão do mundo; Engenheiro Técnico Electrotécnico e consultor em segurança do trabalho; vive em Setúbal; membro da Tabanca Grande desde 11/4/2007, tem 176 referências no nosso blogue; colaborador permanente, com o pelouro  de "provedor do leitor". ]


O “nosso” Blogue faz anos, novamente! Pois cá estamos, de novo, a comemorar o aniversário do Blogue.

E refiro, salientando “estamos”, porque insisto na ideia de que o Blogue, embora tenha sido criado pelo Luís Graça, de há muito que, como escrevi aquando do seu 17º aniversário, ele foi “apropriado” pelos seus membros.

Quase todos têm esse sentimento de que “o Blogue é nosso”. E têm razão! Se o Luís e os membros iniciais têm o mérito de o terem começado, a verdade é que fomos todos nós, os que de alguma maneira o engrossaram com as suas contribuições, o ampliámos e lhe fomos dando a alimentação e a visibilidade, que contribuíram para a sua longevidade. E isso não é de modo algum despiciendo pois como as pessoas em geral se movem por modas o que agora é mais apetecível são as frases e as ideias curtas, os “twits”, os “facebooks”, etc., pois os tempos são de grande frenesim e não há tempo nem paciência (nem capacidade…) para ler mais que 4 ou 5 linhas de texto. Bastam umas quantas “bocas”, umas provocações, e já está!

Na verdade, no Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, e também como escrevi faz anos, desde que foi criado “já muito, muitíssimo, foi escrito, comentado, muitas fotos ilustraram as palavras, os locais e acontecimentos, muitos livros lá deram à estampa, muita poesia foi apresentada, muitas outras iniciativas foram potenciadas, publicitadas, acarinhadas, muitos estudos com maior ou menor profundidade foram apresentados, muita polémica (bastantes vezes desnecessária) foi desenvolvida.”

Tudo isto foi e é a vida do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”.

Mas também acrescentei mais e que acho não perdeu a atualidade e por isso considero que continua a ser verdade que “sobre o tema da guerra em África existem, ou existiam, muitos Blogues. Quase todos relacionados com as Unidades funcionais (do Batalhão, da Companhia, etc.) de quem promoveu esse repositório de memórias que, no geral, começaram por ser individuais ou do coletivo restrito. Ao nível do “Facebook” são os inúmeros os sites, muitos deles em “concorrência” de seguidores”.

No entanto, o “nosso Blogue” tem algo mais! Tem o seu “livro de estilo”, as suas regras. É verdade que as regras se fizeram para serem respeitadas e se assim fosse tudo seria muito bom. Mas também há quem pense que são para serem “quebradas”, torneadas, usadas nas partes convenientes. Afinal há de tudo e o Blogue também, por este aspeto, é realmente uma boa amostra da sociedade.

Esta questão da “representatividade” também chegou a ser tema de discussão. E em tempos também sobre isso escrevi que “é verdade que a representatividade é sempre questionável mas creio muito sinceramente que, pese embora o âmbito das questões que normalmente ocupam os conteúdos, no essencial tendo por pano de fundo a Guiné e as nossas vivências por lá, o universo dos que por aqui vão contribuindo e dos que apenas “espreitam” é bem ilustrativo da diversidade e pluralidade de opiniões, conceitos, participações. Há de tudo!”

Procurando não cometer nenhuma injustiça, por qualquer omissão que pudesse involuntariamente produzir, não citarei nomes dos mais recentes contribuidores que têm enriquecido o Blogue e com isso proporcionado ainda maior longevidade, mas é justo que refira o Cherno, relativamente à revelação da sua entrevista para a tese de mais um trabalho sobre “as coisas do nosso tempo”, pelo que tem de correção, de assertividade (que ele depois nos disse ter sido contida), de estar permanentemente a contribuir para um maior esclarecimento dos usos e costumes da Guiné. São situações destas que animam a vontade do(s) Editor(es) em continuar, pois o cansaço vai aumentando à medida do aumento dos anos e das maleitas.

Também escrevi em tempos que “se quisermos ser mais sentimentalistas para procurar os benefícios do Blogue, podemos lembrar quantas confissões de “blogueterapia” já foram produzidas, quantas romagens de saudade traduzidas nas visitas que já foram feitas e aqui indiretamente incentivadas, quantas iniciativas de solidariedade, quantas colaborações e contribuições para estudos mais ou menos académicos, quantas “tabancas gastronómicas” foram criadas, revelando por si mesmas a satisfação de encontrar pessoas que passaram por situações iguais ou semelhantes”. Tudo isto… não é nada pouco!

Por tudo isto só me posso sentir grato por, em boa hora, ter descoberto o Blogue e através dele ter aumentado o meu conhecimento geral e até particular em muitos aspetos da “guerra da Guiné”, por ter podido conhecer pessoas que estimo verdadeiramente, seja pela sua grandeza humana, intelectual, de solidariedade, de amizade genuína.

Volto a escrever que “O Blogue deve continuar. O Blogue tem que continuar”.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Vd. também 23 de abril de 2022  > Guiné 61/74 - P23190: 18.º aniversário do nosso blogue (1): Entrevista a Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, dada a Verónica Ferreira, doutoranda ("Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial", Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)

domingo, 24 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

Safim, Abril de 1974 - Lendo o jornal República


1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 5 de Fevereiro de 2022:

Amigos e camaradas,
Apesar de muito importantes, as fotografias não dizem tudo sobre nós. Esta mensagem e a fotografia anexa pretende recordar um período da nossa História que eu vivi intensamente.
A fotografia que vos trago hoje é de um membro da Delegação do MFA de 22 anos de idade da CCaç 4541/72, nos balneários do Quartel de Safim a ler o Jornal República.

Fundado em 15 de Janeiro de 1911, o jornal República, foi um Jornal da Oposição moderada ao Governo do Estado Novo e como muitas outras instituições e pessoas deste País não resistiu ao vendaval do PREC.

Na minha opinião, as duas datas mais importantes antes e depois do PREC são o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, por isso dou muita importância às Comemorações do 25 de Abril de 74 porque pôs fim ao Estado Novo e à Guerra Colonial e também dou muita importância às comemorações do 25 de Novembro de 75, porque sem esta data, continuaríamos seguramente a não ter, a democracia, nem o País que ainda temos hoje.

É no entanto necessário falar do que aconteceu entre estas duas datas, isto é - a 5.ª Divisão do MFA e o PREC-, para percebermos como chegámos ao 25 de Novembro de 1975.

Em 17 de Junho de 1974 é publicado na Guiné o Boletim Informativo n.º 2 do MFA na Guiné, em formato A3 que refere nomeadamente na sua pág. 4, cito - Constituição de uma Repartição de Relações Públicas e Acção Psicológica (espécie de 5.ª Repartição) a funcionar ao nível do EMGFA, - que mais tarde se assumiu na Metrópole em 9 de Setembro desse mesmo ano como - 5.ª Divisão do MFA .

Neste documento começam as minhas reservas com a orientação política do MFA na Guiné, que depois irão aumentar durante o período do PREC.
Ler o Jornal República, era comungar daquilo que no Jornal se escrevia, e acompanhar os seus problemas internos durante o PREC e em particular no Verão Quente de 1975, serviu para reforçar as minhas convicções.

Quando finalmente no dia 25 de Novembro de 1975, o Ten. Cor. Ramalho Eanes e o Maj. Jaime Neves puseram novamente o País nos eixos, foi com alívio verificar, que afinal não estava sozinho naquela barricada.
De facto até o Director, a equipa redactorial e colaboradores do Jornal República, nomes que não vou divulgar, nem emitir qualquer comentário, mas que estavam nessa barricada.
Foi necessário esperar 46 anos para receber a triste notícia dum Senhor, rijo mas moderado, o "Velho" Gen. Ramalho Eanes, ex-Presidente da República com apenas alguns "gatos pintados" e aquela coragem, à chuva a dar o exemplo, nas comemorações do último 25 de Novembro.

Foi uma comemoração desvalorizada e apagada, para dar um sinal político ao País, que as coisas tinham mudado e que eles é que mandam. Que mais disseram esses Senhores que mandam nisto tudo? Disseram apenas que o 25 de Novembro é uma data que divide os Portugueses. E é verdade, visto que do lado desses Portugueses, já só falta o casamento, porque a união de facto, há muito que já existe.

Luís de Camões tinha razão, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (...). Será que a próxima data a deixar de ser comemorada, seja o 25 de Abril?

Quando damos tudo por garantido, não damos valor aos melhores, não respeitamos os mais velhos, não defendemos os nossos heróis e procuramos apagar a História, afastamo-nos da razão. Quem sabe se não existe agora mais um problema, à procura de uma solução!

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur. Mil. At. Inf.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23184: (In)citações (203): Nós, os fulas e os nossos (mal-)entendidos. a propósito da expressão "(lavadeira) para todo o serviço" (Cherno Baldé / Mário Miguéis)

Guiné 61/74 - P23195: 18.º aniversário do nosso blogue (2): Bom dia, desde Bolama (Patrício Ribeiro, nosso colaborador permanente para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Porto


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Nascer do dia


Foto nº 3>  Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Praça principal, com a estátua do Ulisses Grant


Foto nº 4 A> Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Vista parcial da praça principal  (1)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Vista parcial da praça principal (2)


Foto nº 4 B > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Vista parcial da praça principal (3): à esquerda, jerricãs à espera de vez para abastecimento de água; à direita, máquinas utilizadas no arranjo das ruas


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Rua


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Rua principal (1)


Foto nº 6A > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Rua principal (2)


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Monumento italiano aos aviadores mortos em acidente na travessia  aérea transatlântica de 1931


 Foto nº 7>> Guiné-Bissau > Bolama > 24 de abril de 2022 > Monumento italiano aos aviadores mortos em acidente na travessia  aérea transatlântica de 1931

Fotos (e legendas): ©  Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem  complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e ex-director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com 15 referências no blogue;e, a partir de ontem, data do nosso 18.º aniversário (*), nomeado formalmente "colaborador permanente para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau" (*)

Data - 24 abrl 20222 08:30
Assunto - Bom dia, desde Bolama

Bom dia. Junto algumas fotos desde Bolama no dia 24.4.22, quando o sol começa a espreitar no meio das cabaceiras e mangueiros.

Fotos tiradas da praça principal, em que se pode ver os bidões junto ao fontanário público à espera que se abra a torneira da agua. 

Bolama, a antiga capital da Guiné. Neste momento é um museu a cair aos poucos. Em que a estrada principal, entre o porto e Bolama de Baixo, está a ser reparada. Que tenham um bom dia. Enviado pelo telemóvel. (**)

Patrício Ribeiro
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Notas do editir:

(*) Vd. a sua série habitual > 28 de outubro de2021 > Guiné 61/74 - P22666: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (19: ilha de Soga, arquipélago dos Bijagós, junho de 2021: II (e última) Parte: Os fantasmas da Op Mar Verde (invasão de Conacri, em 22/11/1970)

Guiné 61/74 - P23194: Parabéns a você (2056): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716/BART 2917 (Xitole, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23169: Parabéns a você (2055): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf da CCS/BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70)

sábado, 23 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23193: Blogpoesia (766): Com que idade começaste a sonhar? (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 19 de Abril de 2022, desta vez com um poema dedicado ao sonho e à realidade do 25 de Abril de 1974:

Carlos e Luís
Vai uma pequena participação para celebrar esta data, que apesar de talvez não ter sido a solução de todos os problemas que afectam Portugal, é mesmo assim um marco na minha vida e de muitos camaradas.
Juvenal Amado



Com que idade começaste a sonhar?
Foi num Verão cálido,
de ondas e areia sem fim.
Talvez num Outono dourado,
de uvas e parras perfumadas.
Ou Inverno rigoroso,
mãos enregeladas e lábios gretados.
Os sonhos na poeira da picada
Como saberemos os que os sonhos nos reservam.
Os jovens tendem a ter bons sonhos
A vida não os atingiu ainda.
Envelhecemos e sonhamos acordados
a dormir temos mais pesadelos
Delineamos como gostaríamos de ter sido
o que ganhamos e o que perdemos
Aproximamo-nos de uma data sonhada
Julgada impossível
Carregávamos o passado tormentoso
O Futuro incerto explodiu.
Numa suave Primavera
Saímos para a rua de cravo na mão
Tivemos orgulho do nosso tempo
Não trocaríamos esse dia por nenhum outro
Pátria numa coroa de verde caqui
Magnifica esplendorosa
Enfim o melhor sítio do Mundo.
Comecei a sonhar com Portugal
25 de Abril Sempre

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23000: Blogpoesia (765): "Para ti, Ó Mulher Grande", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845

Guiné 61/74 - P23192: Convívios (923): XII Almoço/Convívio do pessoal do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), dia 28 de Maio de 2022 em Venda da Serra-Mouronho-Tábua (Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário)

1. Mensagem do nosso camarada Constantino Neves (mais conhecido por "Tino Neves", ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), com data de 22 de Abril com o convite para o próximo Convívio do seu Batalhão a levar a efeito no próximo dia 28 de Maio em Tábua:


CONVITE

Caro Camarada


É com grande entusiasmo que vimos convidar-te para mais um almoço de celebração do nosso regresso no ano em que assinalamos 50 anos, e que constitui o 12.º Convívio e que é um marco histórico após a pandemia que nos vai assolando.

Agendamos o dia 28 de Maio para o nosso almoço convívio e marcamos a Quinta da Hortinha como servidor do citado almoço, como consta do meu anexo, cuja localização é Venda da Serra-Mouronho, com concentração às 12 horas junto à Câmara Municipal de Tábua.

Relembramos a todos a importância de se juntarem neste almoço, após a pandemia e que tanto tem coagido a nossa liberdade de conviver.

Como já é prática usual deste Grupo, as nossas Famílias são também convidadas a estarem presentes, para que em conjunto, possamos passar este dia da melhor forma e celebrarmos o nosso presente através de um passado que faz de nós o que em parte somos hoje, de forma a construir laços fortes para um futuro preenchido de convívio e boa companhia.

É salutar tirar do baú das recordações a nossa vivência dos longínquos anos 1969/1971, o que só se consegue com a presença e envolvimento de cada um de nós. Queremos que permaneça, que se repita e que traga a todos nós mmentos de amizade e conforto, capazes de alimentar a nossa vida, afastar fantasmas que ainda permanecem no nosso subconsciente e isto consegue-se, relembrando a nossa história... para a contarmos aos nosso netos.

Concluindo: o nosso convívio tem a principal função rever amizades, partilhar experiências, sendo uma forma de enriquecer o futuro e de dizer presente, porquanto para muitos camaradas a vida findou.

O almoço está marcado para as 13 horas do dia 28 de Maio, mas quanto mais cedo vierem, mais tempo terão para partilhar a presença de todos.

Valores:
38,00 euros/pessoa
19,00 euros/crianças até 12 anos

A confirmação da tua presença deverá ser feita até 21 de Maio

Os contactos deverão ser feitos para:
carlosalmeidasantos@gmail.com, tlm 932 794 190, telef 239 718 598
valejorge480@gmail.com, tlm 966 371 688
António Castanheira - tlm 967 010 413

Com estima e consideração um abraço do amigo Carlos Santos, do Jorge Vale e do António Castanheira


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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23147: Convívios (922): XXXVII Encontro Nacional dos Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447 - Brá/Bissau/Guiné, a ter lugar no dia 25 de Junho de 2022 na Tornada/Caldas da Rainha (Lima Ferreira, ex-Fur Mil)

Guiné 61/74 - P23191: Os nossos seres, saberes e lazeres (502): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (47): De Jardim Colonial a Jardim Botânico Tropical (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Nesta cerca do Palácio de Belém houve zona de caça, herbário real suburbano, Jardim Colonial multifuncional, lugar de mostra da Exposição do Mundo Português, foi uma das mais importantes zonas de estudo das plantas do Império, nestes hectares podem ser vistas espécies tropicais e exóticas das mais fascinantes. Recordo que em 1976 a Fundação Gulbenkian promoveu um colóquio que teve à frente Teixeira da Mota e Orlando Ribeiro com a finalidade de no pós-Império todo este imenso acervo científico ser posto à disposição da cooperação com os novos Estados independentes. Bem curioso seria fazer-se hoje o ponto da situação desta nova passada riqueza de alta perícia tropical estar, ou não, ao serviço da cooperação portuguesa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (47):
De Jardim Colonial a Jardim Botânico Tropical

Mário Beja Santos

O segundo volume do Guia de Portugal Artístico, dedicado aos jardins, parques e tapadas de Lisboa, coordenado por Robélia de Sousa Lobo Ramalho, da Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1935, é uma verdade preciosidade de quem hoje pretende estudar e até comparar o que efetivamente existe e o passado com o Jardim Botânico da Ajuda, o antigo Jardim Botânico da Faculdade de Ciências (de quem há já uma itinerância), o Jardim Guerra Junqueiro (atual Jardim da Estrela), o Jardim da Praça Rio de Janeiro (atual Jardim do Príncipe Real), uma série de pequenos jardins, caso do Jardim Alfredo Keil, na Praça da Alegria, o Jardim das Amoreiras, o Jardim Braamcamp Freire, no Campo dos Mártires da Pátria, o Jardim Cesário Verde, o Parque do Campo Grande, o Parque Eduardo VII, o Parque Silva Porto, a Tapada da Ajuda (de quem já se fez também uma itinerância), a Tapada das Necessidades (outra itinerância efetuada) e dá-se o devido relevo ao que então se denominava Jardim Colonial. Oiça-se a descrição: “Ocupando a maior parte da antiga Cerca do Palácio de Belém e situado entre o majestoso Templo dos Jerónimos e o Museu Nacional dos Coches, tem o Jardim Colonial a sua principal entrada ao fundo da Calçada do Galvão. Criado em 1906, como dependência do antigo Instituto de Agronomia e Veterinária, instalou-se, no ano seguinte, no Jardim Zoológico, onde passou ocupar as antigas estufas do Conde de Farrobo. Em 1912 resolveu o governo transferi-lo para a Cerca do Palácio de Belém que nessa altura se encontrava devoluta e semiabandonada”. Nascia assim o Jardim Colonial, com objetivos multifuncionais: demonstrações experimentais do ensino, há reprodução, multiplicação, seleção e cruzamento de plantas úteis a fornecer às colónias, ao estudo de culturas e doenças dos vegetais tropicais e ao tirocínio dos funcionários agronómicos que desejem servir o ultramar; fornecer plantas e sementes às colónias portuguesas e promover a introdução de novas culturas nas referidas colónias.

Um antigo ministro da agricultura e prestigiado professor catedrático de agronomia, Mário de Azevedo Gomes, escrevia numa revista em 1928, a propósito deste jardim que é hoje monumento nacional: “A sua curta vida tem sido agitada; uma crise de pobre e má vontade orçamental por pouco lhe não liquidava, há tempos, custosas coleções e plantas raras; hoje, porém, e depois que as colónias interessam pelo custeio das despesas, convencidos da utilidade da instituição, os ventos sopram fagueiros e aqueles que visitam o Jardim, mesmo os mais exigentes, encontrarão nele motivos de íntima satisfação ao verificar a obra feita”.

A visita foi efetuada em época natalícia, havia no interior do Jardim Botânico Tropical um espetáculo dedicado a Alice no País das Maravilhas, razão pela qual o leitor encontrará imagens que induzem uma viagem de som e luz com as figuras prodigiosas imaginadas por Lewis Carroll.


Acompanhou a criação do Jardim Colonial um conjunto de estufas, prendia-se com as variedades de café e até o ananás açoriano. Este conjunto de hectares que constituem um dos mais fabulosos herbários tropicais em Portugal tem uma história anterior ao século XX. Aqui houve um hospício de frades arrábidos, depois D. João V criou a Casa e Quinta do Pátio das Vacas, era um horto real suburbano. Arrasado o Palácio dos Duques de Aveiro e salgado o chão, foi a cerca ampliada com os terraços do Jardim de Aveiro. O Infante D. Fernando, irmão de D. João V aqui andou a correr corças entre ulmeiros, loureiros, choupos e olaias. Na década de 1940, o Jardim acolheu motivos coloniais graças à Exposição do Mundo Português, de que resta hoje um espaço em forma de estufa e um apreciável conjunto de esculturas de etnias do Império Português, entre África e Ásia, uma série delas já recuperadas.
Na parte rústica do Jardim o visitante pode contemplar estatuas de fino mármore de Carrara, reproduções de modelos clássicos de museus italianos, a última imagem que aqui se mostra intitula-se a Caridade Romana, simbolizada numa rapariga amamentado o seu próprio pai, é de Bernardo Ludovici. Durante uma parte da vida do Jardim Colonial, ele funcionou como dependência pedagógica do Instituto Superior de Agronomia. O Jardim teve sempre a sua vida ligada a passantes que ali procuraram sombras nas tardes amenas, dilui-se, é certo, o ar balsâmico dos cervos, dos eucaliptos e das casuarinas, e lê-se no Guia de Portugal Artístico que naquela época dos anos de 1930 ali apareciam alguns oficiais do ultramar reformados, o Jardim mitigava-lhes as saudades nostálgicas dos meios coloniais. Mas não há dúvida nenhuma, depois das alterações institucionais mais recentes, o Jardim mantém-se como local de aprazimento, de remanso, palmeiras e araucárias, buxos e cortinas flores são elementos de sedução que o ajardinamento oferece aos visitantes.
Amostra do conjunto de bustos alusivos aos povos coloniais

Até 1944, o Jardim Colonial exerceu as funções que acima se refiram, incluindo o suporte pedagógico ao Instituto Superior de Agronomia. Nessa data o Jardim Colonial fundiu-se com o Museu Agrícola Colonial e deu origem ao Jardim e Museu Agrícola Colonial, deixou de estar da dependência pedagógica do Instituto Superior de Agronomia. Anos depois, em 1951, a nomenclatura evoluiu para Jardim e Museu Agrícola do Ultramar e com o 25 de Abril o Museu com a Junta de Investigações do Ultramar passou a designar-se Instituto de Investigação Científica Tropical, com sede no Palácio Calheta, que ainda está em restauro. Mas vamos prosseguir viagem.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23174: Os nossos seres, saberes e lazeres (501): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (46): Trancoso é muito mais do que o seu núcleo histórico (Mário Beja Santos)