sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24074: (De) Caras (195): Em 1975, cinco anos depois, saí do Hospital Militar Principal com as marcas da mina A/P, armadilhada, que me mudou completamente a vida: estava destroçado, cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda (Manuel Seleiro, 1º cabo, Pel Caç Nat 60, DFA, São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70)


Foto nº 1A > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > Março de 1970 > 1º cabo Seleiro à porta da sua morança. Faltavam-lhe dois meses para acabar a sua comissão de serviço... Mas só sairá da tropa em 1975... Uma mina vai-lhe mudar alterar completamente a sua vida e os seus sonhos...


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > 1970 1º cabo Seleiro à porta da sua morança, "cinco dias antes do acidente" (sic), com a mina que lhe roubou a vista e as mãos. (Claro que não foi em "acidente", foi "em combate"...)


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  Esta foto foi tirada junto à porta da arrecadação do velho quartel de S. Domingos. A foto mostra três minas A/P em situações diferentes. A primeira está fechada e pronta a ser acionada. A segunda está aberta, vê-se a dinamite e o mecanismo. A terceira está aberta,  vê-se todo o mecanismo desmontado."


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > s/d >  A DO-27 na pista de São Domingos. Foi numa avioneta destas que veio a  enfermeira paraquedista (Maria) Ivone Reis (1929-2022):  foi ela quem assistiu os dois feridos da mina, em 11 de março de 1970, o Seleiro e o Guerra, na evacuação Ypsilon.

Escreveu o Hugo Guerra, hoje cor ref DFA: 

(...) "Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto… Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo. (...) (*)


Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. O Manuel Seleiro passou a ser nosso grã-tabanqueiro desde ontem. Já o devia ter sido há muitos mais anos... Mas só agora calhou falar com ele, ao telemóvel.  Senta-se  à sombra do nosso poilão, sob o nº 870 (**). E, como é da praxe, vamos publicar a seguir um texto dele, justamente aquele em que  relata as circunstâncias dramáticas da explosão da mina A/P que lhe roubou aos de vida e  os seus melhores sonhos. É um texto que um dia tem de figurar na antologia dos nossos melhores postes. Aqui reproduzido, com a devida vénia...

Quarta-feira, 10 de março de  2010 > Pel Caç Nat 60 Guiné 68/74 -P61: Aquele dia (Dez de Março de 70!)...

Quartel de S. Domingos. Sector Militar, de São Domingos: Algures nas matas da Guiné, junto a fronteira do Senegal. Decorria então o ano de 1970 na Guiné.

Destacamento de São Domingos, sete e trinta da manhã, o Pel Caç Nat 60 sai com destino à fronteira do Senegal, com o objectivo de pintar os marcos que faziam a divisão da fronteira Guiné/Senegal...

Às dez e meia da manhã, volvidos os primeiros vinte quilómetros, já em plena mata, há uma chamada de atenção, alguma coisa se passa. Os homens passam a palavra até chegarem à minha secção. Sou informado que, na frente, foi detectada uma mina anti-pessoal. Os homens ficam nervosos.

Quando cheguei ao local da mina, o alf mil Hugo Guerra 
[foto à esquerda ] nforma que vai tentar levantar a mina, Decorridos alguns minutos pergunto ao alf mil Hugo Guerra como iam as coisas, ao que ele me responde que estava nervoso.

O alf mil Hugo Guerra dá a ordem para que a mina seja desactivada. Tomei o lugar dele junto da mina.
Procede-se à segurança do local para que as coisas decorram sem incidentes. Mando afastar os homens a uma distância razoável, processo que requer muita atenção.

Procede-se à desminagem do local, o momento de muita tensão... O passo seguinte é desmontar o sistema da mina, que é constituido por dinamite e o detonador, este o mais perigoso, que requer particular cuidado...

O inevitável aconteceu, a mina estava armadilhada e explode. Gritos, confusão, leva algum tempo até os homens se recomporem.

No momento tudo ficou em silêncio depois as vozes de algums soldados Que se aproximavam. Senti umas mãos que me seguravam, era o enfermeiro José Augusto, que me prestava os primeiros socorros, colocava os garrotes para parar as hemorragias, o soro e uma injecção para as dores.

Alguns homens preparavam uma maca, com as camisas e uns paus para me transportar, fizeram cinco quilómetros comigo através da mata serrada. O alf mil Hugo Guerra sai ferido com alguma gravidade…
Como estava relativamente perto de mim foi atingido por estilhaços.

Pelo Rádio foi pedido ao quartel de São Domingos para mandarem viaturas ao nosso encontro para chegar mais rápido à pista onde deveria estar uma avioneta à espera. 

Assim foi, quando chegámos à pista já lá estava avioneta, fui entregue à enfermeira paraquedista (quero aqui prestar a minha homenagem a estas Mulheres, em particular à enfermeira Ivone Reis; estas Mulheres muitas vezes corriam riscos quando tinham de socorrer os feridos em pleno combate)...

Meia hora depois chegam à Base Aérea e fui levado para o Hospital Militar de Bissau. Já no hospital, foram feitas as primeiras intervenções cirúrgicas, provavelmente devido às anestesias perdi a noção do tempo, e do local onde me encontrava.

Num momento de lucidez ouvi passos, que se aproximavam perguntei onde me encontrava. Foi me dito que estava no hospital de Bissau, perguntei quando ia para Lisboa. A resposta foi... "amanhã".

No dia seguinte 
 [quinta-feira, 12 de março de 1970 ]pela manhã, tive a visita do Governador da Guiné, o general António de Spínola. Que deixou palávras de consolo e rápidas melhoras, e um elogio pelo dever de servir a Pátria...

Nesse mesmo dia à noite saí da Guiné no avião militar. Cheguei a Lisboa no dia treze de Março por volta das cinco da manhã, caía uma chuva miudinha.

As macas eram muitas pois este avião militar fazia o transporte de Angola, Moçambique, e Guiné, Em Lisboa as ambulâncias faziam o percurso de noite para não chamar a atenção dos lisboetas.

Nesta altura já estava internado no hospital Militar, na Estrela. Serviço de cirurgia plástica. Quero aqui informar que logo que dei entrada neste serviço, entrei em coma... Só decorridos quinze dias recuperei a consciência.

A partir daqui foi um desencadear de acontecimentos, uns bons e outros maus. Descobri que não tinha uma das mãos, o braço esquerdo estava com gesso, e tinha os olhos com pensos, este foi o primeiro choque que sofri.

Os dias iam passando lentamente, até descobrir que estava cego... Mas o mais grave desta situação, a minha família não sabia que eu estava gravemente ferido no Hospital Militar, os serviços do Exército não comunicaram o facto à minha família. Os meus pais tiveram a informação por um amigo meu que por essa altura prestava serviço no Hospital Militar.

O tempo decorrido da minha chegada a Lisboa, até os meus pais terem conhecimento foi de 23 dias
... Nesse  ano de setenta completei vinte e quatro anos, estava na flor da idade, andei de serviço em serviço durante mais quatro anos [no total, 5 anos, mais 20 meses no TO da Guiné, de julho de 1968 a março de 1970 ]. 

Em 1975 sai do hospital Militar com a bonita recordação: cego, sem a mão direita e com dois dedos na mão esquerda. Moral baixa, estado psicológico baixo. O Hospital Militar não dispunha de Psicólogos... (***)

PS - A data que consta no texto acima é a minha versão do acidente. A versão do alf mil Hugo Guerra aponta para o dia 13 de março de 1970. (*) 
[foto à esquerda: O Seleiro e o Guerra ].

Entrada para o Serviço Militar: 18 de abril de 67. Partida de Lisboa: 12 julho 1968 para a Guiné. Acidente na Guiné 10 de março de 1970. (****)

Manuel Seleiro, 1º cabo, DFA,

[Revisão / Fixação de texto / Negritos / Notas entre parênteses retos: LG ]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA

(**)  Vd. poste de 
16 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.

(***) Último poste da série > 3 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24033: (De)Caras (194): O mecânico-desempanador Mota, da CCAÇ 3535 (Zemba, Angola, 1972/74), mais conhecido por "Matraquilho" (Fernando de Sousa Ribeiro)

(****) Também pelas minhas contas, e de acordo com a própria narrativa do Seleiro, o "acidente" foi a 11 de março de 1970, uma quarta-feira... Evacuados para o HM 241, em Bissau, os nossos camaradas partem em avião militar, para Lisboa,no dia seguinte, dia 12, à noite. Chegam a Figo Maduro, na sexta-feira, 13, às 5 horas da manhã.

Guiné 61/74 - P24073: Parabéns a você (2146): António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) e Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo e Cantacunda, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24061: Parabéns a você (2145): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24072: Tabanca Grande (543): Manuel Seleiro, ex-1º cabo, Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70), natural de Serpa, DFA, sofreu cegueira total e amputação das mãos, ao levantar e desativar um engenho explosivo, durante uma operação, em 13/3/1970... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 870.


Foto nº 1 > Guiné > Região do Cacheu >  São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > O Manuel Seleiro, a sintonizar o rádio e a ouvir música.


Foto nº 2 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > 1968/70 > O Seleiro (à esquerda), no café do Leal


Foto nº 3 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Estrada  São Domingos - Susana - Varela > Proximidades de Nhambalã > 13 de novembro de 1969 > O 1º cabo caçador Manuel Saleiro, que era o "sapador" do pelotão, aqui levantando uma mina anticarro... Foi desativada sem problemas... O problema é que mais à frente havia outra não detetada pelos picadores (*)...


Foto nº 4 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Três minas A/P


Foto nº 5 > Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Çaç Nat 60 > Estrada 
 São Domingos - Susana - Varela > Proximidades de Nhambalã > 13 de novembro de 1969 >  O Seleiro, feliz, por ter feito, com sucesso, o seu trabalho...

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Os créditos fotográficos das fotos de nºs 3 e 5 devem ser atribuídos ao fur mil Moreira, que vive hoje em Riba D' Ave: ele foi o fotógrafo que estava lá, nesse dia fatídico de 13/11/1969, nas proximidades de Nhambalã, no blogue do Pel Caç Nat 60  estão em formato reduzido, sem edição]. 

1. Manuel Seleiro, de seu nome completo, Manuel Francisco Cataluna Graça Seleiro, natural de Serpa, 76 anos (nasceu a 29/7/1946), Cataluna da mãe, Seleiro do pai. Famílas bem conhecdias da terra, que ele já não visita  desde 2014.  João Cataluna, do grupo musical de Serpa, "Os Alentejanos", é seu primo do lado materno.

Fiquei chocado, ontem à tarde, ao falar ao telemóvel com o Manuel Seleiro , e só então saber que ele era invisual total, tinha perdido as duas vistas e as duas mãos (!) ao levantar e desactivar uma mina (creio que A/P), na  mesma ocasião  em que foi ferido o Hugo Guerra, em 13/10/1970 (*)

O José Arruda (1949-2019), o  José Eduardo Gaspar Arruda,o líder histórico da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas), era uma figura pública, fui ao seu funeral: sofreu cegueira total e amputação (do membro superior esquerdo), um acidente com mina em Moçambique. Como também são figuras conhecidas de muitos de nós  o Cândido Patuleia Mendes (natural do Bombarral, meu vizinho,  com amigos na Lourinhã, ferido em Angola) e o Manuel Lopes Dias (não sei onde foí ferido)  (estes dois útimos membros da atual direção da ADFA, eleitos para o triénio de 2022/24, o prmeiro como tesoureiro e o segundo como secretário: mas já foram ambos presidentes da direção).

Da condição do Manuel Seleiro eu, confesso, que não sabia. Aliás, nunca nos encontrámos. Só sabia que era DFA.  Mas falou-me com uma aparente naturalidade e tranquilidade, fazendo-se valer da sua prodigiosa memória e grande coragem. Imagino o que tenha sido o seu calvário, no processo de tratamento, convalescência, reabilitação e integração ao longo de anos... Deu-me algumas detalhes... Mas eu não quis obrigá-lo a reviver o seu doloroso passado, para mais numa conversa telefónica... Disse-me que tem, não uma prótese, mas "dois dedos enxertados" numa das mãos (
a esquerda), que lhe permitem realizar algumas tarefas do dia-a-dia, incuindo comer ou  escrever no computador: recebe e responde a emails, tem dois blogues...  

Com essa mão de dois dedos edita o seu blogue (Pel Caç Nat 60) e a sua página de divulgação do Cante Alentejano (Luar da Meia Noite), que é também a sua página pessoal na Web... É "leitor" regular (!) do nosso blogue, ou melhor, acompanha o nosso blogue por voz...

Está registado no Blogger desde novembro de 2008. No seu perfil diz que a sua ocupação é a "informática". Presumimos que tenha feito formação nesta área, o que permite por exemplo acompanhar regulamente o nosso blogue (e outros) em modo áudio (há programas que leem o ecrã para os invisuais... Também foi rádio-amador. Foi fotógrafo na Guiné, mas hoje só  reconhece as fotos que tirou e que o filho digitalizou, através das legendas...

Sobre os seus passatempos, diz:

"Gosto do Mar, e do campo, a leitura, e a informática, Desporto favorito: Natação, Não gosto de animais: Adoro as aves, em particular os melros, pela sua beleza, de cantar, gosto de acordar com as suas melodias... Gostava da eletrónica. A minha cor preferida, o Azul. O pior da minha vida, foi ter que fazer a guerra. Mais vale um pássaro num ramo Que numa gaiola dourada."

Aceitou de bom grado integrar a nossa Tabanca Grande!... Passa ser o nosso grã-tabanqueiro nº 870, o lugar que lhe reservamos sob o nosso fraterno e mágico poilão, à sombra do qual se untam os amigos e camaradas da Guiné.

Sobre o seu passado militar, já sabemos que  foi 1º cabo, de rendição individual, no Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/70). Ficou no ativo como cabo. É DFA - Deficiente das Forças Armadas. Cegueira total, e amputação das duas mãos, na sequência da explosão de um engenho explosivo. 

Sobre o Hugo Guerra (**),  diz-me que não tem notícias dele há anos. Ao que parece, estará doente e acamado. Tal como não tem notícias da Manuela Gonçalves (a Nela), das Caldas da Raiha, professora reformada, esposa do infortunado alf mil Nelson Gonçalves, um dos comandantes do Pel Caç Nat 60, vítima de mina A/C, em 13/11/1969, que lhe levou uma perna (***), e foi a primeira mulher a integrar a Tabanca Grande... (Infelizmente, confirmámos hoje esta nossa amiga já nos deixou, conforme página do Facebook "Em memória de Manuela Gonçalves";   vamos fazer-lhe oportunamente um In Memoriam, no nosso blogue).


2. O Manuel Seleiro vive na Parede, Cascais, vamos convidá-lo para um dia destes aparecer na Magnífica Tabanca da Linha e arranjar-lhe uma boleia.

Contactos (que ele disponibiliza na sua página na Web):
Telem:  930 672 960
Email: manuelseleiro@gmail.com

Telefonem-lhe que ele gosta. Ajuda a suportar a sua solidão.  A esposa também tem problemas de visão  (lateral).

Mas, como o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (!), viemos também a saber que: 

(i) ele sabia que eu era natural da Lourinhã; 

(ii) disse-me que era casado com uma senhora do Sobral, Lourinhã; 

e (iii) tem um filho, Emanuel Seleiro, de uma primera relação: andou nos pupilos
do Exercito, está a trabalhar na Associação dos Bombeiros Voluntários da Lourinhã (BVL), de que foi presidente da direção, até maio de 2022, o meu amigo, vizinho e colega de escola Carlos Horta...

Para acabar esta apresentação do Manuel Seleiro aos membros da Tabanca Grande (****) foi-lhe fazer, talvez, uma surpresa (ele deve conhecer esta moda, mesmo que a não tenha listado na sua página pessoal, Luar da Meia Noite):



Vídeo (2' 12'') > Alojado em Luís Graça > Nhabijoes (2020). 

Lisboa > Casa do Alentejo > 8 de fevereiro de 2020 > Sessão de lançamento do livro do serpense José Saúde,  "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973-1974: memórias de Gabu" (Lisboa, Edições Colibri, 2019, 220 pp.)

Momento cultural: atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, com o João Cataluna ao centro (voz e acordeão). Moda alusiva ao embarque de tropas para a guerra colonial, "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"... (Reproduz-se a letra mais abaixo.)

Trata-se de uma homenagem sentida a um combatente da terra, o José Saúde, nascido em Aldeia Nova de São Bento, hoje vila, concelho de Serpa (em 23/11/1950), mas que foi cedo para Beja, a sua segunda terra, onde ainda hoje vive e onde nasceram as suas duas filhas, Marta e Rita.

Os dois concelhos viram sacrificados, no "altar da Pátria", 69 dos seus filhos, durante a guerra do ultramar/guerra colonial: 35, de Beja; 34, de Serpa... Só a freguesia de Aldeia Nova de São Bento teve 10 mortos, uma terra que viu decrescer a sua população para menos de metade em pouco de meio século: 8.842 habitantes em 1950, 3.073 em 2011.

Há uma versão original desta moda, de 1973, gravada pelo Trio Guadiana e o Quim Barreiros (como acordeonista). Segundo Miguel Catarino, "esta gravação data de 1973 e pertence à Banda 1 da Face A do disco EP de 45 R.P.M. editado pela 'Orfeu, etiqueta da 'Arnaldo Trindade e Companhia, Lda.', matriz 'ATEP 6514', em que o Trio Guadiana, acompanhado pelo acordeão de Quim Barreiros, interpreta quatro modas regionais alentejanas populares, com arranjos musicais do acordeonista. Esta moda é uma das mais pungentes que existe no Cante Alentejano, de seu nome 'Tão Triste Ver Partir', conhecida também como 'Lá Vai Uma Embarcação' ".

Convirá acrescentar que isto não é "cante", mas tem as suas raízes na música tradicional alentejana. No cante, não se usam, em regra, instrumentos musicais. Abrem-se exceções para a viola campaniça... A voz é o único (e grande) instrumento do cante, música do trabalho, do lazer e do protesto, cantada nos campos, na rua e na taberna... Em grupo, sempre em grupo. Homens e mulheres, se bem que os grupos corais femininos só tenham começado a aparecer há 3 décadas, por razões socioculturais... Mas as mulheres sempre cantaram, em grupo, com os homens no duro trabalho agrícola... Em grupo, num coro polifónico, "à capela" que não deixa ninguém indiferente: ou se ama ou se odeia... Um alentejano (do Baixo Alentejo) nunca conta(va) sozinho. No campo, trabalhava-se em "rancho", e cantava-se em "rancho"...O "cante" amenizava a dureza do trabalho e da vida no Alentejo dos latifúndios...

Lá vai uma embarcação (**)

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.

É tão triste ver partir
Um barco do Continente,
Para Angola ou Moçambique
Lá lai outro contingente.

Tanta lágrima perdida,
Quando o barco larga o cais,
Adeus, minha mãe querida,
Não sei se voltarei mais.

Lá vai uma embarcação
Por esses mares afora,
Por aqueles que lá vão,
Há muita gente que chora.

Há muita gente que chora,
Com mágoas no coração,
Por esse mares afora,
Lá vai uma embarcação.

[Revisão, fixação de texto: LG]


Contacto de "Os Alentejanos",
música tradicional Alentejana, Serpa

Telem: 962 766 339 / 938 527 595
Email: joaocataluna@gmail.com
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, 1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...

(**) Vd. poste de 25 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 50, 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA

(...) Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança,  lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao Seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)


(***) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

(****) Último poste da série > 28 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24019: Tabanca Grande (542): Eduardo Jacinto Estevens, ex-1.º Cabo Radiomontador da CCS/BCAV 3854 (Nova Lamego, 1971/73), que se senta no lugar n.º 869 da nossa Terúlia

Guiné 61/74 - P24071: In Memoriam (468): Historiador Armando Tavares da Silva (5/5/1939 - 1/2/2023), Professor Catedrático Aposentado da Universidade de Coimbra (Mário Beja Santos)

IN MEMORIAM

Armando Tavares da Silva (5/5/1939 - 1/2/2023)

Mário Beja Santos

Conheci Armando Tavares da Silva quando um dia, inopinadamente (sem prévio aviso) me abriu a porta do meu gabinete de trabalho, onde eu fazia voluntariado, na Praça Duque de Saldanha, estávamos em 2016, vinha ajoujado de um cartapácio, apresentou-se, fiquei a saber que era professor catedrático reformado, presidente da secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa, que andara aturadamente no Arquivo Histórico Ultramarino, fora desperto pelos assuntos guineenses graças a um avô marinheiro que andara na guerra do Churo, em 1904, trouxera muitas memórias, decidiu-se por aprofundar, documento puxa documento e escreveu uma obra de referência “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”, obra recheada de imagens e cartografia, viria este tão prodigioso esforço a ser premiado pela Gulbenkian.

São centenas e centenas de páginas que começam na transformação da Guiné em província independente de Cabo Verde, meticulosamente vão sendo reveladas as atividades dos primeiros governadores, é o caso da guerra do Forreá, os incidentes do Casamansa, a delimitação de fronteiras (depois da convenção luso-francesa de maio de 1886), as intermináveis rebeliões, a indisciplina dos Papéis de Bissau, as tentativas de pacificação, com destaque para a governação de Oliveira Muzanty, as campanhas de Teixeira Pinto e o processo de Abdul Indjai, a governação de Vellez Caroço, o drama de heróis insurretos como Graça Falcão, a monopolização do comércio pela Casa Gouveia.

Não me cansei de louvar este levantamento monumental, uma singularidade na historiografia da Guiné colonial, tivemos a nossa querela a propósito das suas considerações finais quanto a legadas divisões em permanência entre militares e comerciantes, e mantive como mantenho sérias dúvidas quanto a todas as benevolências que ele atribui à campanha de Teixeira Pinto em Bissau, conducente à chamada pacificação definitiva de 1915. São arrufos entre estudiosos, mal ficaríamos se não houvesse divergências quanto ao olhar da sociedade e da política num certo período em análise.

A Guiné perde um investigador histórico de gabarito, foi colaborador do nosso blogue, deixou obra em várias instituições como a Sociedade de Geografia de Lisboa, o Instituto Português de Heráldica e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal.

Curvo-me respeitosamente pela sua memória, pela companhia que nos trouxe e pelo acervo admirável que deixou sobre um importante período da nossa presença na Guiné.


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- Os editores e a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, lamentam a morte do insigne Historiador, Professor Armando Tavares da Silva, nosso confrade, endereçando aos seus familiares as mais sentidas condolências.

O Prof Armando Tavares da Silva deixa uma prestimosa colaboração neste Blogue, onde tem 52 referências, dando-nos a conhecer, no seu último livro publicado, a história política e militar da presença portuguesa na Guiné no período compreendido entre 1878-1926.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 – P24070: Agenda cultural (830): Guiné e os seus sofridos segredos explanados em livro: J. Casimiro Carvalho, um camarada ranger que coabitou com a dor de perdas humanas (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


Guiné e os seus sofridos segredos
explanados em livro: J. Casimiro Carvalho, um camarada ranger que coabitou com a dor de perdas humanas


Camaradas,

Viajo pelas melancólicas alas do tempo, transito agora pelo princípio da liberdade de expressão, recuo à nossa juventude, revejo-me, tal como todos vós, como um jovem com 21 risonhas Primaveras, reencontro-me com o serviço militar obrigatório, recordo a passagem pelo CISMI, em Tavira, e o quão difícil se tornou a vida militar pelas suas quiméricas consequências futuras, mas, num momento único dos deveres militares eis-me a enfrentar o frio de Penude, Lamego, ao largo dos primeiros meses do ano de 1973, onde o cair da neve por terras durienses formava um manto branco que ilustrava arrojados quadros de inigualáveis pintores de renome mundial.

Sei que a sagacidade da especialidade de Operações Especiais/Ranger não era matéria que se cheirasse. Porém, esse privilégio assumia-se como um repto para todos aqueles que ousassem desafiar os receios dos então eleitos em beber naquela fonte exímios conhecimentos militares. Conhecimentos que se tornariam importantes para os tempos vindouros. Aliás, a tropa, na sua generalidade, fora para todos nós militares um “colégio” de aprendizagem, por isso, não discuto opções individuais e nem tão-pouco o conteúdo da inegável utilidade de cada uma das especialidades, mas respeito uma ou outra opinião porventura discordante, porque no contexto de guerra todas elas (especialidades) formaram um cordão umbilical humano no conflito armado. Todos, sim literalmente todos, fomos pedras basilares nessa guerra, onde cada um de nós ostenta, merecidamente, o desígnio de antigo combatente. Formámos todos, sem exceção, um “esquadrão” de uníssonos militares que pisámos o palco da escaramuça, onde o cenário da morte se apresentava sempre como um mistério.

Nesta conjuntura, Penude, no meu caso particular, apresentou-se para mim, puto de tenra idade, como uma verdadeira cronologia de vida. Por lá passaram, e passam, milhares de camaradas que ainda recordam esses inflexíveis tempos. Tempos em que a imprevisibilidade do momento seguinte ditava intensas e acrescidas inquietações, enquanto as operações planeadas no terreno caíam em catadupa. Mas, numa conjuração aos “deuses maiores” ficou escrita na pétala de um cravo que tudo terá valido a pena porque contextualizando todo o desenvolvimento da árdua especialidade, conclui-se: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”; argumentava, noutros tempos, o pensador Fernando Pessoa.

De Penude saíram camaradas que pisaram os três palcos de guerra: Angola, Moçambique e Guiné. A Guiné foi, em concreto, o meu hediondo destino e de muitos outros companheiros, mas presentemente, e por razões óbvias, falar-vos-ei do camarada ranger José Casimiro Carvalho que pisou o agreste solo guineense.




O Zé Carvalho tem uma história de vida, e sobretudo militar, deveras encantadora. A sua já longa vida, colocada agora em livro, reflete a existência de um puto reguila, com capacidades excecionais para defender o seu “condado”, grau este constituído na base de rapazinhos onde as traquinices proliferavam e as ideias infantis se multiplicavam, que cresceu ao longo da sua existência subindo a corda da vida a pulso, o pai, patriarca do clã Carvalho, ralhava-lhe e por vezes repreendia-o com alguma ferocidade, o mundo dos empregos onde a prioridade passava para amealhar mais uns escudos, uma benfeitoria que acrescentava mais valias mensais para uma tribo familiar que muito agradecia a audácia operante do seu filhote, e que, tal como a generalidade dos moços do seu tempo, lá foi encaminhado para o serviço militar obrigatório.

Como tinha sido aluno do ensino secundário foi enviado para Leiria, RI 7, sendo que aí usufruiu, com a devida vénia, passar para o Curso de Sargentos Milicianos, sendo o seu encaminhamento para Penude, Lamego, cuja prioridade passou por tirar o curso de Operações Especiais/Ranger.

Como militar ranger, o Zé Carvalho, fez a sua dura comissão em Guileje e Gadamael, em particular. Nestes palcos de guerra conheceu as maiores barbaridades de um conflito armado que não dava tréguas. Viu morrer ao seu lado camaradas, andou com um morto às costas e observou ao vivo atrocidades horríveis que ainda não lhe saem da memória. Mortos e estropiados foi uma imagem impiedosa com a qual o nosso companheiro se confrontava amiúde.

Este livro – “De Puto Irrequieto à Guerra na Guiné, como Ranger - Na Primeira Pessoa” – é, tão-só, um marco de incandescentes memórias que retratam, e bem, o que fora a realidade de um atroz conflito de luta armada, onde todos nós, antigos combatentes, soubemos o que fora a crueldade de uma guerra que, sendo recente, tende cair no limbo do esquecimento das novas gerações.

Após a passagem à disponibilidade foi agente da BT-GNR, instituição pela qual se encontra aposentado.

Camaradas, somos cada vez menos pois a inevitável veracidade da morte já “carregou” com muitos dos nossos condiscípulos, porém, enquanto existir um antigo combatente da guerra colonial, ou ultramarina se assim o entenderem em pé, ele será a julgadora sentinela que dará o alerta para a hodiernidade dos nossos concidadãos que parecem esquecer que houve uma guerra recente, onde os seus avós, ou pais, ou outros familiares próximos, por lá passaram e por lá também deixaram pedaços da sua juventude.

Fomos, afinal, “os filhos da madrugada” que combatemos em campos hostis e que fizemos circunscritas “estórias” nos campos de batalha, onde o uivar dos “lobos”, mas noutras circunstâncias assim como noutros palcos de mordomias se deixavam levar pelo poder de uma corte que presunçosamente gritava, no início da guerra, que “Angola é nossa”. Uma afirmação que viria futuramente tornar-se abrangente e alastrar-se por outros palanques da peleja. Enfim, cronologias de vida, as nossas, que parecem cair no descrente “vale dos leprosos”, onde a realidade copiosamente se separa de idealismos vãos que desvirtuam por completo a história de um País chamado Portugal.

Tínhamos, e sempre, em consideração que por a guerra colonial passaram perto de um milhão de jovens, que houve cerca de 100 mil feridos, 30 mil evacuações e 10 mil mortos. Pensemos, sem mácula, que esta foi a realidade de gerações que se confrontaram com tal barbaridade e que agora, os que restam, lá vão deixando memórias, ficando algumas delas escritas em obras sobre a temática de uma guerra na qual fomos inteligíveis protagonistas forçados.

Concluindo: fica o meu conselho para que compremos um exemplar do livro do Zé Carvalho, uma vez que vale apena ler a sua evolução de vida e os tempos de uma Guiné a ferro o fogo.

Um abraço, camaradas

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Guiné 61/74 - P24069: Blogues da nossa blogosfera (178): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte II: O fornilho que podia ter acabado em tragédia...



Guiné > Região de Cacheu > S.Domingos > 1969 > Equipa de minas e rmadilhas; CCAV Conpanhia 2539 (1969/71) e Pel Caç Nat 60 (1968/74). A pousar para a fotografia. Num dos raros momentos de descontração. Na foto estão alguns dos elementos do Pel Caç Nat 60,  dois elementos do Pel Daimler e, em primeiro plano,  o alf mil Paiva,  da CCAV 2539, mais o 1º cabo Seleiro (caçador), do Pel Caç Nat 60.


Guiné > Região de Cacheu > S. Domingos > 1969 >  CCAV  2539 e Pel Caç Nat 60 > Explosão controlada pela equipa de minas e armadilhas.


Guiné > Região de Cacheu > Ingoré > 1968 > Pel Caç Nat 60 > 3ª secção > Ao centro, na 2ª fila, o 1º cabo Seleiro (que foi ferido gravemente, em 13 de Março de 1970, juntamente com o alf mil  Hugo Guerra, quando tentavam levantar uma mina: um das muitas histórias de antologia que temos publicado no nosso blogue: ambos ficaram DFA)

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mais um poste do blogue Pel Caç Nat 60, Guiné, 68/74, que é editado pelo ex-1º cabo caçador Manuel Seleiro, DFA, natural de Serpa, a viver em Cascais (e a quem já convidámos para integrar a Tabanca Grande)... Reprodução com a devida vénia (*):

8 de outubro de 2010 > Pel Caç Nat 60 Guiné - 68/74 - P84: Podia resultar em (tragédia...)

Podia ter resultado em tragédia a montagem de um fornilho  no início da picada S. Domingos / Senegal. Foram necessárias três longas horas.

O fornilho tinha 5 metros de cumprimento, as cargas estavam com intervalos de dois metros . Ocupavam os dois lados da picada . O total de explosivos: 20 cargas de 500 gramas de TNT, duas granadas para armadilhas …

Foi aberto um buraco na picada de um lado e do outro com as seguintes dimensões: 40 por 20, as granadas,foram colocadas na horizontal e encaixadas nas paredes do buraco, onde foi introduzida uma pequena ripa de madeira, que estava colocada nas duas argolas das granadas 

O mais difícil ía começar agora… Era retirar as cavilhas de segurança ! A seguir era só fazer a camuflagem do local do fornilho. E depois levantar a segurança do pessoal .

Já com todo o mundo à distância, era o momento de eu retirar… E fazer uma última inspeção ao local do fornilho...  E depois retirar . 

No momento em que dei o primeiro passo fiquei sem pinga de sangue… Tinha colocado o pé em cima do fornilho onde estavam as duas granadas, foram momentos dramáticos…

Todo o pessoal olhava para mim ! Já se deram conta de que o fornilho não tinha sido acionado ?!

Depois foi tudo uma questão de tempo, e tirar o pé de dentro do buraco .

PS - Ah! Já me esquecia, foram utilizados 20 detonadores e vários metros de cordão detonante.

1.º Cabo Manuel Seleiro (Caçador), DFA
Pel Caç Nat 60, Guiné 68/70

[Revisão / Fixação de texto: LG ]
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 15 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...

Guiné 61/74 - P24068: Historiografia da presença portuguesa em África (355): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
Na fase final da vida deste Conselho Legislativo é apreciável a mudança de estilo, a conceção de interesse público que norteava Schulz ou Spínola é patente nos seus discursos, Schulz era de uma enorme reserva, utilizava sempre a prudência financeira, Spínola irá utilizar o Conselho como mais um altifalante para chegar aos guineenses e a Lisboa. Veja-se o primeiro discurso de Spínola ao Conselho, independentemente de em reuniões posteriores ter apreciado matérias rotineiras, caso da conceção de um novo empréstimo aos CTT para melhoramento das telecomunicações, isto no mesmo dia em que fez discurso político com pompa e circunstância. Em 23 de outubro de 1968, pouco depois da tomada de posse de Marcello Caetano, Spínola vem a Lisboa, quem preside ao Conselho é o Encarregado de Governo e que dá a notícia de que a publicação do novo Estatuto Político-Administrativo criara um Conselho Legislativo com mais ampla representação de todos os setores da vida da Província. Alguém deplorará que o atual Conselho vive normalmente alheio à maior parte da legislação que estava a ser promulgada. Em 12 de dezembro há a locução de Spínola com participação pública, a 30 de dezembro de 1968 é aprovado o orçamento da Província para o ano seguinte. E em 14 de abril reúne o Conselho presidido por Marcello Caetano, haverá discursos, como veremos mais adiante.

Um abraço do
Mário



Atas de Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné:
Uma fonte documental que não se deve ignorar (9)


Mário Beja Santos

Pode julgar-se à partida que estas reuniões em que se discutiam requerimentos, taxas e emolumentos, em que funcionários da administração se pronunciavam sobre salários e infraestruturas, num órgão consultivo em que compareciam chefes de serviços, comerciantes, profissionais liberais, em reuniões presididas pelo Governador, ou pelo Governador Interino, ou pelo Encarregado do Governo, eram suficientemente enfadonhas para não acicatar quem anda à procura de outros ângulos do prisma que nos ajudam a formar uma visão mais abrangente da História da Guiné. Muitas vezes sem interesse para o historiador/investigador, atrevo-me a dizer, mas há ali casos de tomadas de posição ou declarações que nos ajudam a melhor entender a mentalidade, as iniciativas seguramente generosas que ali se formularam e que não tiveram seguimento, ou mesmo o aproveitamento daquele palco para que um Governador tecesse, em forma de sumário, o que se procurava fazer durante o seu mandato.

Caminhando para as últimas atas deste Conselho Legislativo, permito-me pedir a atenção do leitor para dois factos: um, a inexistência de um número impressionante de atas neste acervo da Biblioteca da Sociedade de Geografia, o que dificulta enormemente encontrar-se um fio condutor (se é caso que ele existe) que desse oportunidade a uma apreciação ideológica ao longo do tempo; e verificar, com a chegada de António de Spínola, e passagem do Conselho Legislativo a órgão que admitia a participação pública, há a sua utilização a canal mediático, o governador passa a falar mais para os média, utilizando as reuniões como caixa de ressonância.

Vimos como na reunião de 29 de dezembro de 1964 o governador Schulz refletia sobre o orçamento da Província para 1965 e lembrava aos conselheiros que o Plano de Fomento impunha a necessidade do seu uso prudente, o plano fazia-se de empréstimos, havia os juros, a asfixia financeira era o que menos se podia desejar para a Guiné, e na circunstância o governador analisava três soluções, mas sempre dando ênfase ao aumento das receitas ou à diminuição das despesas; em 27 de abril do ano seguinte o Conselho regozija-se pela promoção do generalato do brigadeiro Schulz; em 10 de junho, procede-se à eleição dos representantes do Conselho Legislativo da Província que iriam participar no Colégio Eleitoral para a eleição do Presidente da República; em 13 de setembro, dá-se o aval aos empreendimentos a realizar em 1966 com verbas do Plano Intercalar de Fomento, e alguém comentou que não havia até ao presente qualquer benefício resultante da aplicação das primeiras fases do plano, havia necessidade de se obter maiores prazos de amortização e um juro mais baixo. “Sem isto, estaremos a gastar dinheiro na quase certeza de não poder pagar”. E o próprio governador observou que a rede de celeiros não tinha sido aproveitada “em virtude da atual situação da Província”. E concluía dizendo que esperava que a Guiné viesse a ter o mesmo tratamento de Cabo-Verde e Timor que recebem verbas dos Planos de Fomento sem pagamento de juros. Por essa época já se incrementava a sementeira do caju.

É uma reunião em que se discute o plano de mecanização da agricultora, propunha-se ao governador uma reformulação dos serviços e a adoção de um diploma legislativo para a conceção de benefícios pautais para carburantes e lubrificantes utilizados no desbravamento ou arroteamento de florestas, em obras de captação e distribuição de água, de defesa contra inundações e trabalhos de enxugo, lavoura e gradagens, amanhos culturais, transporte de fertilizantes e de colheita, etc. O governador informou que se estava a ponderar a criação de uma Caixa de Crédito Agrícola, bem como a construção de dois postos de sanidade pecuária. Votou-se a construção de um cais acostável em Bambadinca e obras nos portos de Binta e Buba. Em 26 de outubro, o Conselho reúne para a cerimónia da entrega de uma medalha de prata de serviços distintos ao Chefe dos Serviços da Fazenda, Tomás Joaquim da Cunha Alves, no texto a louvor é referido explicitamente que logo que a Província entrara na situação de turbulência que ainda se vivia o respetivo funcionário, correndo riscos de vida, percorreu o território para zelar pelo erário público. E no dia seguinte o Conselho voltou a reunir para apreciação o Regulamento dos Serviços de Saúde e Assistência. E não há mais atas da governação de Arnaldo Schulz.

Estamos agora em 22 de julho de 1968, preside António de Spínola, mudou o discurso, a sua alocução não ficará em circuito fechado, será transmitida pelos meios de comunicação social e chegará a Lisboa, é um discurso de Estado:
“Após 5 meses de observação, completada com muitas horas de meditação, creio ter adquirido consciência da real situação da Província. Estudados os problemas básicos respeitantes ao dispositivo de defesa da Província e ao desenvolvimento económico-social, imediatamente se evidenciou a necessidade de reforçar os meios de defesa e de procurar obter um substancial apoio financeiro. Desloquei-me a Lisboa para apresentar ao Governo Central, com todo o realismo, a situação efetiva da Província. Regressei a Bissau confortado com as adequadas e oportunas decisões tomadas pelo Governo Central. Além de um reforço efetivo de meios militares, que me permitem melhorar a estrutura de defesa das populações, foi concedido ao Governo da Província significativo apoio financeiro”.

E pronuncia-se sobre tais medidas e enfatiza o que prevê serem as melhores condições de vida de quem labuta na Guiné: conceção de um subsídio de custo de vida a todos os funcionários da Província; aumento para 100% na contagem de tempo de serviço a todos os funcionários em serviço na Província; aumento do salário mínimo dos trabalhadores pagos pelo orçamento da Província; revisão da tabela de salários mínimos; atribuição de um vencimento fixo aos régulos da Província; assegurar o fornecimento de energia elétrica a Bissau; construção e reapetrechamento da Imprensa Nacional; execução de um plano de melhoramentos públicos a desenvolver no interior da Província, abastecimento de água, saneamento, construção de residências para as autoridades tradicionais, criação de um fundo destinado a subsidiar a população suburbana de forma a permitir a melhoria das suas habitações. Iriam ser potenciados os recursos provenientes do III Plano de Fomento através de empreendimentos em curso ou a iniciar no ano seguinte: construção de estradas, prevendo-se que o asfalto chegasse a Nova Lamego e ao Pelundo, abertura da frente Mansabá-Farim, construção do Centro Materno Infantil e Maternidade de Bissau, etc., etc.

E concluía o governador dizendo que “Este substancial incremento dado ao desenvolvimento da província só foi possível devido à excecional compreensão do Governo Central em relação aos problemas da Guiné. Conto, para levar a cabo tão árdua e complexa missão, com a colaboração efetiva de todos os que trabalham em prol da causa pública, na esperança de que saibam corresponder – com austeridade de conduta e integral dedicação ao trabalho – ao esforço que o governo da Província continuará despendendo no sentido de construir uma Guiné melhor”.

O Conselho Legislativo voltará a reunir com pompa a circunstância sob a presidência de Marcello Caetano, em 14 de abril de 1969. Iremos ouvir o discurso de ambos, já estamos infinitamente longe daqueles tempos e que as reuniões decorriam numa estreita intimidade e onde estava ausente a representação da política.

(continua)
General Arnaldo Schulz
1 Escudo da Guiné, 1946
Chegada do Brigadeiro António de Spínola à Guiné, maio de 1968
Visita de António de Spínola ao Comando da Defesa Marítima da Guiné, junho de 1968
O porto de Bissau em 2021, imagem retirada de Mercados Africanos, com a devida vénia
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Nota do editor:

Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24048: Historiografia da presença portuguesa em África (354): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24067: Blogues da nossa blogosfera (177): Pel Caç Nat 60 (São Domingos, Ingoré e Susana, 1968/74), blogue criado por Manuel Seleiro, ex-1º cabo caçador, DFA, natural de Serpa - Parte I: Histórias de minas que marcaram corpos e almas...



Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > > Estrada São Domingos - Susana - Varela >  Nhambalã > 13 de novembro de 1969 >  O 1º cabo caçador Manuel Saleiro, que era o "sapador" do pelotão, aqui levantando uma mina anticarro... Foi desativada sem problemas... Mas a 30 metros havia outra... 


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel  Caç Nat 60 (1968/70) >  Estrada São Domingos - Susana - Varela > Nhambalã > 13 de novembro de 1969  > O alf mil Nelson Gonçalves, cmdt do Pelotão, e o 1º cabo Manuel Seleiro, junto da primeira mina A/C. 


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > E
strada São Domingos - Susana - Varela >  Nhambalã >  13 de novembro de 1969 > O 1º cabo Manuel Seleiro, que fazia parte da equipa de minas e armadilhas


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) >Estrada São Domingos - Susana - Varela  >    Nhambalã > 13 de novembro de 1969 > Este é o buraco provocado pela segunda  mina anticarro, e o estado em que ficou a viatura onde seguia o alf mil Gonçalves.


Guiné > Região do Cacheu > São Domingos > Pel Caç Nat 60 (1968/70) > S/d > S/l > Legenda lacónica: equipa de minas e armadilhas... O Manuel Seleiro pode ser o primeiro do lado direito, em primeiro plano.

Fotos (e legendas): © Manuel Seleiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

Os créditos fotográficos das fotos de 13/11/1969 devem ser atribuídos ao fur mil Moreira, que vive hoje em Riba D' Ave. Ele foi o fotógrafo que estava lá, nesse dia fatídico de 13/11/1969. Em Nhambalã (n0me de uma localidade no setor de São Domingos). No blogue do Pel Caç Nat 60 as estão em formato reduzido, sem edição.



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Susana (1953) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Susana e Nhambalã, na estrada de São Domingos-Susana-Varela

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Não é frequente encontrar-se, na Net, uma página ou um blogue dedicado a um Pelotão de Caçadores Nativos.  Uma agradável surpresa é o https://pelcac60guine.blogspot.com/ (Guiné. Pel Caç Nat 60). 

O criador e administrador do blogue é o 1º cabo Manuel Seleiro, DFA, natural de Serpa, a viver em Cascais,  e, como tal, fã  (com uma página de divulgação) do Cante Alentejano.  

Fundado em 2009, o blogue do Pel Caç Nat 60  tem cerca de 2 centenas de postes. Ainda está ativo, se bem que o maior número de postes se encontre no período de 2009-2015. Tem mais de 55 mil visualizações de páginas e 14 seguidores. 

Fica aqui o convite para o Manuel Seleiro, que segue o nosso blogue, para integrar de pleno direito a nossa Tabanca Grande. (**)

O 1º cabo caçador Manuel  Seleiro foi ferido, juntamente com o alf mil Hugo Guerra, na explosão de uma mina A/P, em 13 de Março de 1970. Os dois foram evacuados para o HMP, em Lisboa.  Ambos são DFA.

O Hugo Guerra é membro da nossa Tabanca Grande e já nos contou aqui a história atribulada da sua vida, incluindo o acidente, grave, com a mina que estava a ser desativada pelo Manuel Seleiro (***).

O Pel Caç Nat 60 tem cerca de duas dezenas de referências no nosso blogue. 


Blogue do Pel Caç Nat 60 (1968/74), da autoria de Manuel Seleiro

História da unidade: 

(i) o Pel Caç Nat 60 foi formado a 7 de Maio de 1968, em S. Domingos; 

(ii) esteve com a CCS/BCaç 1933, CCaç 1790, CCaç 1791, em São Domingos, de maio a fins de novembro de 1968; 

(iii) o pessoal seguiu depois  para Ingoré, ficando adido à CCaç 1801 de novembro de 1968 até agosto de 1969; 

(iv) de regresso  a S. Domingos, em agosto de 1969, fica  adido à CCav 2539;

(vi) ficaria aquartelado em S. Domingos e Susana, até ao ano de 1974; 

(vii) o primeiro comandante  foi  o ex-alf mil  Luís Almeida, rendido pelo ex-alf mil Nelson Gonçalves (ao tempo do BCAV 2876, São Domingos, 1969/71); 

(viii) a 13 de novembro, de 1969 a viatura em que seguia  o Nelson Gonçalves, acionou uma mina A/C,  sendo este sido ferido com gravidade, e helievacuado para o HM 241 e depois para o HMP; 

(ix) de novembro de 1969 a janeiro de 1970, o pelotão foi comandado pelo ex-fur mil  Rocha

(x) em janeiro de 1970 o ex-alf mil Hugo Guerra comandava o pelotão,  sendo ferido no dia 10 de março,  quando o 1º cabo Manuel Seleiro desativava uma mina anti-pessoal.(...)


2. Tomamos a liberdade de reproduzir aqui, com a devida vénia,  um dos postes deste blogue, respeitante ao dia em que o alf mil Nelson Gonçalves foi gravemente ferido na estrada São Domingos-Susana, em Nhambalã, em 13 de novembro de 1969, quando a viatura em que seguia acionou uma mina: evacuado para o HM241 (e depois o HMP), foi-lhe  amputada uma perna (*).


São Domingos, 13-11-69

O Pel Caç Nat 60 e um pelotão da CCAV  2539 saíram numa coluna auto para uma missão a Susana/Varela.

A coluna era comandada pelo alf mil Nelson Gonçalves,  do Pel Caç Nat 60, encontrava-se na terceira viatura que era um Unimog novinho em folha, tinha uma semana...

No dia 13 de novembro (não sei se era sexta feira!)   
[por acaso, era um quinta-feira... Editor LG ]... O soldado Guilherme que fazia anos nesse dia teve uma sorte incrível, Três minutos antes da mina anticarro ter sido accionada,  o Guilherme ia a falar com o alferes Gonçalves junto à roda que accionou a mina anticarro.

Por um daqueles mistérios que ninguém sabe explicar,  o Guilherme avançou uns cinco metros para a frente da viatura,  Assim escapou a morte certa...

A primeira mina anticarro foi descoberta e foi desactivada pelo 1º cabo Seleiro, que está na foto com o alferes Gonçalves. A segunda mina anticarro estava a uns trinta metros   mais á frente num local que escapou aos homens das picas. 
[ Ou estava a 300 metros ? .. Editor LG ] (*)
.
Era uma ligeira subida onde o terreno era bastante duro, suponho que o que levou o IN a montar a mina naquele local foi que há algum tempo atrás caíra ali uma árvore de grande porte. Como havia vestígios de alguns ramos e folhas secas, era portanto o local certo para colocar a mina...

Na altura da explosão houve uns momentos de supresa, a reacção foi atirarmo-nos para o chão... Passados os primeiros minutos que antecedem o choque da explosão, esperávamos que houvesse uma emboscada...

Não foi o caso, a minha secção vinha na última viatura. Montada a segurança,  socorreu-se o alf mil Gonçalves que estava gravemente ferido, creio que a secção que ia na GMC na frente da coluna éra comandada pelo fur mil Félix Dias, da CCAV 2539,  que seguia com o alf mil Gonçalves para São Domingos...

Nós ficámos no local da viatura acidentada, decorridos uns dez minutos ainda não sabíamos do Gama, o condutor da viatura, perante o nosso espanto vimos sair do mato um homem mais parecido com um sonâmblo e a sua cara estava mascarrada, o seu olhar ausente,  o seu andar mais parecia um autómato,  foi preciso muito tempo para que falasse, mas não sabia o que se tinha passado ali... Este homem levou muitos dias para recuperar totalmente.

O Guilherme,  o soldado de transmissões, quando se apercebeu no que lhe podia ter acontecido,  chorava.

Nós só saímos do local cerca das 17h33 com a viatura acidentada para o quartel de São Domingos.

Manuel Seleiro
Primeiro Cabo

[Revisão / Fixação de texto / título / Notas em parênteses retos: LG ]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P634: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)



(...) Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.(...)