quarta-feira, 28 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24436: Historiografia da presença portuguesa em África (374): Antes da literatura da guerra da Guiné, o quê? (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
É com uma certa nostalgia que vou passando os olhos pelos papéis que me restam ainda ler na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, manda a prudência que a seguir ponha ordem no caos que levo de umas boas centenas de páginas que, espero, venham a dar origem ao meu derradeiro livro sobre a Guiné, uma antologia dos textos essenciais desde Zurara até meados do século XX, quando a Guiné passou a estar no mapa como uma colónia administrada por portugueses, tenho já um título: Guiné, o Bilhete de Identidade.
É nestas leituras esparsas que acabo de ler um trabalho sobre a literatura guineense anterior à eclosão da luta armada. Julgo que as considerações deste autor devem ser articuladas com um trabalho da responsabilidade de Leopoldo Amado sobre a literatura guineense no período colonial, este malogrado historiador recorda figuras de significado que abordaram nas suas obras a Guiné, como foi o caso de Fernanda de Castro, Maria Archer ou Manuel Belchior. Acho que não perdemos completamente o tempo em ver a argumentação usada por João Tendeiro quanto à carência de escritores nativos da Guiné.

Um abraço do
Mário



Antes da literatura da guerra da Guiné, o quê?

Mário Beja Santos

Na publicação Estudos Ultramarinos, revista trimestral do então Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, 1959, n.º 3, dedicado à literatura e arte, insere-se um artigo intitulado “Aspetos marginais da literatura na Guiné portuguesa”, é seu autor João Tendeiro. Vejamos os aspetos essenciais do seu escrito. Abre dizendo que: “Somos forçados a reconhecer que não existe uma literatura com características guineenses. A Guiné não nos deu até agora um escritor nativo. No campo da ficção, as poucas obras de fundo têm sido escritas por europeus ou cabo-verdianos”.
E refere nomes como os de Fausto Duarte, o de Alexandre Barbosa, entre outros, refere contos e narrativas publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa.

Invoca adiante Mário Pinto de Andrade, dizendo que se este quis inserir na sua Antologia de Poesia Negra de Expressão Portuguesa (Paris, 1958) uma produção poética representativa da Guiné, teve de recorrer a um poema de um jovem cabo-verdiano a residir na Guiné, Terêncio Casimiro Anahory Silva. E lembra-nos quem é civilizado, assimilado e nativo, e as respetivas incidências no uso da língua portuguesa. Segundo o censo de 1950, o português era falado por 1157 indígenas analfabetos e lido e escrito por 1153 - não se encontrou em conta a população que se exprime em crioulo. Quanto à população denominada “civilizada”, havia 7848 portugueses (1501 metropolitanos; 1103 cabo-verdianos e 4644 guineenses, bem como 366 estrangeiros, dos quais 297 libaneses).

Procurando analisar os diferentes porquês da pobreza de uma literatura de fundo guineense, recorda o que ele classifica como singularidades: o silêncio literário de Artur Augusto Silva, cujas preocupações parecem ter deixado o campo da poesia e da ficção para se lançarem em estudos de interpretação jurídico-social; e não esquece o nome de Eduíno Brito, autor de vários trabalhos de demografia e sociologia guineenses. E, de novo, volta a citar Mário Pinto de Andrade, regista-lhe a seguinte observação:
“A evidência histórica leva-nos a considerar que, das relações entre a Europa e a África, decorrente do conflito colonial, resultou a opressão das culturas negro-africanas, na medida em que os africanos foram regularmente desprovidos da estrutura social e política, dos quadros próprios em que evoluíam naturalmente as suas culturas, em que as línguas foram relegadas para o plano secundário dos falares intermediários em que essencialmente esses povos perderam as iniciativas de nestas sociedades que eram afinal as suas criações originais”.

E lança outro argumento para explicar as dificuldades numa literatura nativa. A expansão do islamismo em África acompanhou-se de uma difusão correspondente da escrita árabe. Quando transpostos para as línguas nativas, os documentos escritos têm, no entanto, um cunho acentuadamente esotérico e usam-se especialmente com fins religiosos e moralizantes sob a forma de poesia e provérbios relacionados com o Corão, o que não se enquadra na noção ocidental de literatura.

No entanto, prolifera na Guiné uma literatura oral variada, que se exprime por contos, provérbios e poesias declamadas. E recorda que há a recolha feita por Viriato Tadeu nos Contos do Caramô e os contos publicados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa por António Carreira e Amadeu Nogueira, entre outros. Reconheça-se, no entanto, que esta contribuição oral, servida por uma linguagem colorida e variada, ultrapassa o campo literário e cai nos domínios da etnografia e do folclore. E há os tocadores de Korá, autênticos trovadores. E suscita uma nova questão, a problemática do crioulo. Entende que é uma linguagem auxiliar nas relações recíprocas entre as diferentes tribos, dizendo mesmo:
“Os crioulos portugueses escritos – seja o da Guiné, seja o das diversas ilhas de Cabo Verde – não constituem entidades filológicas independentes, mas sim transcrições dialetais fonéticas, em termos de português. O crioulo desempenha o papel de linguagem auxiliar nas relações recíprocas entre etnias. É uma linguagem franca. Enquanto em Cabo Verde o crioulo assumiu o caráter de uma linguagem substituta dos idiomas nativos primitivos, enfeudada à língua portuguesa oficial, na Guiné existe apenas o aspeto secundário da língua apreendida, desempenhando entre as populações locais um papel semelhante aos idiomas hoje utilizados nas relações internacionais”.

E depois de muito dissertar sobre o estado da educação na Guiné, João Tendeiro, já nos surpreendera com as citações de Mário Pinto de Andrade (já ao tempo uma figura destratada pelo Estado Novo, reconhecidamente dirigente do MPLA), não deixa de nos assombrar com as considerações que faz no termo do seu artigo:
“No que se refere aos indígenas, o problema passa muito além do campo da literatura, e relaciona-se antes com a premente necessidade de uma modificação basilar das estruturas legais e sociais dos nativos, indispensável à continuidade efetiva da presença portuguesa em África.”

Para bom entendedor…

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24421: Historiografia da presença portuguesa em África (373): O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 27 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24435: Efemérides (400): Rescaldo da cerimónia de homenagem aos Heróis do Ultramar dos lugares de Panchorra e da Talhada, Concelho de Resende, levada a efeito no passado dia 24 de Junho (Fátima Soledade / Fátima Silva)

Foto 1 - Igreja Matriz da Panchorra


1. Mensagem das nossas amigas Fátima Soledade e Fátima Silva, filhas de antigos combatentes do ultramar, enviada ao nosso Blogue no dia 26 de Junho de 2023, com o Resumo da Homenagem aos Combatentes dos lugares de Panchorra e de Talhada, Concelho de Resende, levada a efeito no passado dia 24 de Junho de 2023:

No dia 24 de junho de 2023, pelas 15 horas, na freguesia de Ovadas- Panchorra, ocorreu maisuma cerimónia de homenagem aos combatentes na Guerra do Ultramar naturais dos lugares da Panchorra e da Talhada. A igreja, junto ao altar, encontrava-se condignamente ornamentada com vinte e dois postais que ostentavam uma fotografia militar e outra atual de cada combatente, acompanhados de uma linda flor branca. Estes registos tinham como pano de fundo, a contrastar, uma linda manta trazida por um combatente há mais de cinquenta anos. A homília esteve a cargo do Sr. Pe. Sérgio, que muito dignificou aquele momento, pois, também confidenciou ser filho de um combatente.

A abertura da cerimónia foi realizada pelo Presidente da Assembleia Municipal, Jorge Machado, também antigo combatente, que partilhou a sua experiência militar no Ultramar ao serviço da Pátria.

Ainda no início da cerimónia, fui exibida uma projeção fotográfica de vinte e dois combatentes naturais daquelas localidades, quase todos a residir em Lisboa. Os mesmos deslocaram-se propositadamente para a cerimónia, pois não poderiam faltar “à cerimónia mais bonita e digna que tiveram até hoje”, disseram.

No momento da Ação de Graças, foi lida a “Oração do Soldado” pelo combatente Salvador Custódio que ostentava a sua farda com mais de cinquenta anos e também foi partilhado um testemunho recolhido junto do combatente Manuel Gonçalves, sendo este o mais velho ex-militar a residir no lugar da Panchorra.

Antes da entrega das lembranças e dos postais, o Presidente da União de Freguesias Ovadas- Panchorra, Manuel Afonso, dirigiu uma mensagem a todos, centrando-se na importância de relembrar todos aqueles que se sacrificaram pela Pátria em cenários tão distantes das suas casas e da família.

Para finalizar, o Sr. Miguel Custódio, na sua qualidade de antigo combatente, realizou o encerramento da cerimónia, partilhando a sua experiência na Guiné, destacando, sobretudo, o papel da mulher enquanto Mãe, Esposa, Filha, ...como pilares cruciais na consecução de uma sociedade.

Num segundo momento, no espaço exterior à Sede da Junta de Freguesia, foi inaugurado um Memorial aos Combatentes. Este importantíssimo momento foi acompanhado pelo cântico do Hino Nacional a cargo da cantora Ana Rodrigues que também abrilhantou a cerimónia religiosa na companhia dos músicos Estevão Mendonça e António da Fonseca.

O momento final foi de confraternização, acompanhado por um reconfortante lanche, num cenário emoldurado pela idílica Serra de Montemuro e pela ímpar arquitetura serrana onde o granito governa.


Foto 2 - Postais onde se encontram representados, individualmente, os combatentes homenageados. Os mesmos colocados sobre uma manta trazida de Angola, há mais de cinquenta anos, por um combatente.
Foto 3 - Estandarte Heráldico da Liga dos Combatentes do Núcleo de Lamego.
Foto 4 - Lembranças oferecidas aos vinte e dois combatentes.
Foto 5 - Da esq. para a dir. – Vice-presidente da Direção da Liga dos Combatentes do Núcleo de Lamego, Coronel de Infantaria Joaquim Monteiro; representante do CTOE, Major Horta; Ex-diretor da Escola secundária e Ex-Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Resende, professor Dias Gabriel e representante do Posto da GNR de Resende, Sargento Mário.
Foto 6 - Dr. Pe. Sérgio, responsável pela homília e filho também de um antigo combatente.
Foto 7 - Sr. Presidente da Assembleia Municipal, Jorge machado, no momento da abertura da cerimónia.
Foto 8 - Alocução proferida pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia, Manuel Afonso.
Foto 9 - A cantora Ana Rodrigues e os músicos Estevão Mendonça e António da Fonseca.
Foto 10 - Leitura do testemunho de Manuel Gonçalves realizada pela Fátima Silva.
Foto 11 - Presidente da Junta de Freguesia, Manuel Afonso e o combatente mais antigo da localidade da Panchorra, Manuel Gonçalves, no momento da entrega das ofertas.
Foto 12 - Leitura da “Oração do Soldado” realizada pelo combatente Salvador Custódio.
Foto 13 - Imagem geral do interior da igreja.
Foto 14 - Alocução do combatente Miguel Custódio que cumpriu comissão na Guiné.
Foto 15 - Elementos dos órgãos sociais da Liga dos Combatentes do Núcleo de Lamego e o Sargento Mário Soares, em representação do Posto da GNR de Resende.
Foto 16 - Momento em que foi entoado o Hino Nacional.
Foto 17 - Monumento aos combatentes ladeado pelos elementos dos órgãos sociais da Liga dos Combatentes do Núcleo de Lamego; Presidente da Assembleia Municipal, Jorge Machado; o Sargento Mário Soares, em representação do Posto da GNR de Resende, presidente da Junta de Freguesia, Manuel Afonso e as Fátima ́s (Fátima Soledade e Fátima Silva).
Foto 18 - Combatentes homenageados e as Fátima's.
Foto 19 - O combatente Salvador Custódio e a esposa.
Foto 20 - Momento de confraternização em que o Presidente da Junta de Freguesia, Manuel Afonso, e o combatente Manuel Gonçalves selam o dia com a abertura de um bolo.

Legendagem das fotografias: Gentil Pereira

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24424: Efemérides (399): Convite para as cerimónias de homenagem aos Heróis do Ultramar da freguesia de Panchorra, dia 24 de Junho e freguesia de Ovadas, dia 1 de Julho, concelho de Resende, conforme os programas (Fátima Soledade / Fátima Silva)

Guiné 61/74 - P24434: S(C)em comentários (10): eu vi morrer na IAO, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, no treino de dilagrama, o alferes Carlos Figueiredo e o soldado José Mata (António Carvalho, ex-fur mil enf, CART 6520/72, Mampatá, 1972/74)

1. Comentário ao poste P24433 (*), que decidimos transformar em poste para a série "S(C)em comentários" (**). 

O autor é o nosso querido amigo e camarada António Carvalho, mais popularmente conhecido como o Carvalho de Mampatá, ex-fur mil enf,  CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74), escritor, autor de "Um caminho de Quatro Passos", Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 2021, 218 pp., vive em Medas, Gondomar;  tem 76 referências no nosso blogue; é membro da Tabanca Grande desde 13/9/2008.


Caro Luís: Sinto-me grato por nos trazeres (mais uma vez) a narração sentida de uma das tuas páginas do "livro" das coisas imorredoiras do nosso tempo da Guiné. 

O modo como contas a morte "matada" de dois azarados, ainda por cima resultante de um misto de negligência e jactância de um pretenso guerreiro, leva-me a uma profunda reflexão que me permitem agora os meus setenta e três anos. 

Houve, estou certo, muitos acidentes decorrentes da formação militar feita à pressa e da graduação atribuída a jovens de 21 anos, no meu ponto de vista, sem a maturidade exigível a comandantes. Mas a guerra obrigava a distinguir com galões os mais aptos fisicamente. 

Eu vi morrer na IAO, na ilha de Bolama, ao 13º dia de Guiné, no treino de dilagrama, o alferes Figueiredo,  de S. Pedro do Sul,  e o Mata,  de Pinhel. (***) Não vou aqui culpar nenhum deles, aliás, presumo que o acidente se deveu a uma deficiência do grampo que segura a alavanca. 

Mas foi muito perturbador para mim e para todos os presentes a morte, no dia 10 de Julho de 1972,  desses dois jovens, sendo o comandante um ano ou dois mais velho que o comandado. 

A guerra, sendo primordial (como bem dizes), ela é a opção mais imbecil do ser humano, porque resulta da desistência do diálogo e da reflexão sobre a singularidade da condição humana, bem distinta da relação primária entre os outros seres vivos.


Carvalho de Mampatá |
27 de junho de 2023 às 17:24 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24433: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (2): Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!

(i)  Carlos Manuel Moreira de Almeida Figueiredo, natural de São Pedro do Sul, alf mil art , CCS/BART 6520/72, CIM Bolama, 10/7/1972; porto pro acidente com arma de fogo: 

(ii) José António Mata, natural de Pinhel, sold at, CART 6520/72, CIM Bolama, 
 10/7/1972; porto pro acidente com arma de fogo: 


A CART 6250/72 fez a IAO no CIM Bolama, entre 10 de junho e 26 de julho de 1972.


Vd. também poste de 5 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


(...) Caro camarada Barros

Subscrevendo o que disse o meu irmão mais velho (combatente na Guiné) Manuel Carvalho, não posso deixar de acrescentar mais alguma coisa sobre esse terrível acidente ocorrido em 10 de julho de 1972, no décimo terceiro dia após a nossa chegada, porque assisti a toda aquela cena e ao que se lhe seguiu. 

A minha companhia, a  CArt 6250, do RAP 2, cumpriu a sua missão em Mampatá, sector de Aldeia Formosa, mas fez a IAO convosco. 

Depois da tragédia, ambos os corpos foram postos junto dos bancos laterais de um Unimog, procurando os soldados sentados nesses bancos ocultá-los com as pernas. Dali foram para a capela do cemitério de Bolama. Coube-me,  bem como a mais alguns voluntários, limpar e vestir esses corpos mutilados. Dispenso-me de mais pormenores. O Mata, da minha companhia,  está sepultado na aldeia de Valbom, concelho de Pinhel, o Figueiredo está sepultado no cemitério de S. Pedro do Sul, num jazigo tipo capela, junto ao passeio do lado esquerdo, em relação ao portão principal. Sempre que passo por essas terras visito esses cemitérios. Porquê ? Não sei. (...)

António Carvalho ex-Fur Enf da CART 6250 (Carvalho de Mampatá)
6 de novembro de 2020 às 20:40

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24433: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (2): Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!

A granada de mão defensiva
m/63, que equipava o dilagrama 
(**)


Contos com mural ao fundo (2) > Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!


por Luís Graça  (*)



A guerra. Essa coisa tão primordial que é a guerra. Que estaria inscrita no nosso ADN, a acreditar nos sociobiólogos para quem o comportamento humano
seria geneticamente determinado.

A guerra é a continuação da evolução por outros meios, dirão os entomólogos, especialistas em insetos sociais. Para eles, a morte de uma ou de um milhão de formigas (ou de seres humanos...) é-lhes totalmente indiferente. Desde que triunfe o ADN, um projecto de ADN musculado, duma "raça" nova e superior... (Onde é que o leitor já leu isto?)

A guerra, a aprendizagem da morte. Aos vinte e dois anos. A inocência que se perde para sempre, ao ver-se morrer pela primeira vez um homem ao nosso lado. De morte matada. Como o Alfa Baldé.

Que Alá te proteja dos teus amigos, que dos inimigos cuidas tu!... Mas não te protegeu, Alfa Baldé, a ti, que acabaste por ser morto pelo "fogo amigo"... Suprema ironia!... (E levavas o corpo "fechado", isto é, coberto de amuletos, os teus "mesinhos", tal como eu levava um fio de ouro com um crucifixo ao peito, mesmo não sendo crente.)

Descansa em paz, soldado de "tropa-macaca"... Sim, a  tua companhia, os teus camaradas, o teu  bando de primatas sociais, territoriais, predadores, filhos das mais desvairadas gentes, brancos e negros... eram "tropa-macaca"... Sem desprimor, sem qualquer conotação racista...

Descansa em paz, grande herói. (Não, não  usemos em vão a palavra "herói", e muito menos "grande"; está tão banalizada na guerra: os "heróis do 10 de junho", de um lado, os "heróis da liberdade da pátria", do outro... quem foram, afinal? E por onde param as suas cinzas, os seus restos mortais, as suas cruzes de guerra, as suas torres, as suas espadas?!...)

Fazias parte da nova força africana, de Herr Spínola, o "prussiano", como alguém dos "tugas" gostava de chamar-lhe, ao Comandante-Chefe. Lembras-te ainda do "Caco Baldé", o "homem grande" de Bissau?!... Tinha  uma voz de ventríloquo, quando discursava às tropas em parada, em Brá!... 

Na sua alcunha, tinha o teu apelido, "Baldé". Alegadamente, por ser amigo dos "guinéus", e em particular do teu povo, os fulas. Mas também dos manjacos e dos demais povos da tua terra, balantas, mandigas, biafadas, etc. Usava um monóculo, o "Caco", de vidro, completamente ridículo...  Dava-lhe um ar de figura de cera, uma peça de museu... Nem todos os "tugas" gostavam dele, do Com-Chefe... Talvez os soldados o admirassem, por causa  daquele autoritarismo paternalista  donde afinal muitos eram oriundos, e onde foram nados e criados... Pai e patrão... "Sua benção, meu pai e meu amo"... Muitos, afinal, eram filhos de pequenos camponeses, pais e patrões, que davam o pão, a sopa, o sopapo e a educação...

Não, não tens que te lembrar do Com-Chefe, não ligues a esta  provocação, são outros contos, outras estórias, outras lendas e narrativas, outros ajustes de contas com as velhas doridas memórias  dos "tugas", que estavam ali para defender o teu "cháo", diziam eles.

O Alfa Baldé era do regulado de Badora... É indecente um gajo esquecer o nome da tabanca de um camarada que foi o primeiro a morrer em combate. De morte matada. Morto pelo "fogo amigo".

Mas quem se lembra já da cara dos seus camaradas guineenses?!... Que tinham filhos e  mulheres  que também andavam na guerra, com a tralha às costas, os poucos haveres, os colchões, os cães, as cabras, os balaios, os alguidares, os tachos, as panelas... Ninguém se lembra... Não havia sequer um fotógrafo, um fotocine, nesse triste evento. Ficaram lá, os órfãos e as viúvas, sozinhos neste mundo. Ou talvez não: terão ficado a cargo de algum irmão mais velho, seguindo os usos e costumes do seu povo, o levirato, que já vem dos tempos bíblicos...

Descansa em paz, Alfa Baldé!... Dorme agora o teu sono eterno, debaixo do poilão secular, na tua tabanca. No chão fula, belíssimo poilão de uma triste tabanca fula, cercada de arame farpado, cavalos de frisa, trincheiras, espaldões e valas de abrigo por todos os lados. 

Tudo, afinal, por causa do Mamadu Indjai, o "Terrível". Jurou pôr o teu "chão" a ferro e fogo. E esteve quase  a consegui-lo, se não tivesse levado prematuramente uma rajada de G3 quando retirava para a península do Galo Corubal.  Não contava com os "velhinhos" de Mansambo, emboscados... Sobreviveu aos ferimentos   e foi ainda evacuado para um hospital  no estrangeiro... De um daqueles países que apoiavam o Amílcar Cabral... 

Lembras-te?  Nunca o viste, mas era o chefe do Mamadu Indjai, esse Cabral... Dizem que nasceu em Bafatá, no teu "chão", era teu vizinho.  Filho de pai cabo-verdiano e mãe guineense. Faz sentido hoje este discurso racializado, o de saber se era mais cabo-verdiano de pai ou mais guineense de mãe?

Desculpa, passa em frente, os "tugas" têm o dom de complicar as coisas simples... Mas também é verdade, para os teus camaradas fulas da companhia, o Amílcar Cabral nunca teria sido guineense...

Os teus campos, Alfa Baldé, esses,  ficaram tristes e inférteis. Já não davam o milho painço nem o fundo, nem a mancarra, nem a noz de cola, nem o arroz de sequeiro. Os homens partiram para guerra. E os mais velhos eram milícias, na tua tabanca organizada em autodefesa. 

A guerra era agora a principal ocupação de todos. E a morte um modo de vida. Compravam o arroz na Casa Gouveia ou no Rendeiro com o "patacão" da guerra.  Nem os "djubis" guardavam já os campos de mancarra, das investidas dos macacos-cães. De Mauser em punho, que a milícia agora usava a G3. Aprendiam cedo a usar uma arma, os "djubis"...

Alguns dos  guerreiros do teu povo, como tu, voltavam agora numa caixão de pinho. Restavam os macabros "jagudis" poisados no alto da morança dos mortos, cheirando a morte, pressagiando a desgraça, esperando as vísceras das vacas que iriam ser abatidas, esfoladas e comidas nas cerimónias do "choro".

Setembro de 1969. Operação Pato Marreco. Ou era a Ganso Pimpão? Ou a Pavão Real? Ou a Cisne Depenado? 

Que importa, agora, o nome de código da operação!... O Alfa Baldé morreu em linha, num golpe de mão a um acampamento. No assalto a um aquartelamento temporário do IN ("barraca", diziam eles), próximo do Poindom / Ponta do Inglês, o "matadouro" do Xime, o "fojo do lobo"...

Não, não havia lobos na Guiné, as populações locais chamavam lobo à hiena... Mas é uma metáfora, "foj0 do lobo", aquelas penínsulas, na margem direita do rio Corubal, nos regulados do Xime e do Corubal: Poindom / Ponta do Inglês, Baio / Buruntoni, Galo Corubal / Satecutá... Tal como Madina / Belel, já no limite do regulado do Cuor, a norte do Enxalé...

"Fojos do lobo", triângulos assassinos, ratoeiras, matadouros... 

IN? Que estranho termo... IN, abreviatura de inimigo, usado nos relatórios de operações.  O "tuga" usava-o por força do hábito, por comodidade, por lassidão, por economia de análise. Para ti, era o "turra". Para muitos dos "tugas", era também o "turra", corruptela de "terrorista"... Em qualquer guerra, o inimigo tem que ter um nome, uma alcunha, um rosto, uma bandeira... De preferência, um nome depreciativo, que provoque asco, ódio, desprezo... Um gajo não mata por nada, tem que ter uma boa razão para matar e morrer. Tem  que aprender a odiar. Depois do ódio é mais fácil matar e morrer....

Curioso, nunca soube a tua idade, mas eras dos mais velhos, dos que não tinham idade bem definida. Os que chamávamos "homens grandes" da companhia... Não tinhas bilhete de identidade de cidadão português. Eras um fula preto, um fula forro, arrebanhado para aquela guerra. Não, não eras futa-fula, nem da antiga nobreza do Futa Djalon... 

Levaram-te a enterrar na tua aldeia, os camaradas do teu pelotão, foram  dizer-te o último adeus. Com honras militares, tiros de salva, e a bandeira verde-rubra dos "tugas" por cima do teu caixão. De pinho. Do verde pinho de Portugal. Talvez do pinhal de Leiria, que ardeu de vez num dos verões  passados. Ardeu como estão a ardeu agora as tuas florestas... para depois fazerem grandes plantações de palmeiras de dendém  ou de frutos tropicais...

Nem isto te deixaram fazer,  as coisas à maneira dos teus. Afinal, eras um soldado, regular, do exército português. "Colonialista", denunciava  a "Maria Turra", na rádio lá de Conacri... Não, não era a mulher do Cabral, como tu pensavas... Mas também não importa, já nada importa, a um crente, bom cristão ou bom muçulmano, depois de "lerpar"... (Lerpar, morrer, é a mesma coisa, para os "tugas".)

Cumprias o teu serviço militar obrigatório, como qualquer cidadão português. Tinhas, contudo, mais deveres do que direitos. Tinhas sido milícia. Tratavam-te como soldado de 2.ª classe, por não saberes ler nem escrever português... Eras do recrutamento local.  E a "Maria Turra" chamava-te 'cachorro", cão dos colonialistas... Cabral também te chamava 'cachorro', colaboracionista, à semelhança dos "darkis" na Argélia... 

Se não tivesses morrido, quatro meses depois de jurares bandeira perante o "homem grande" de Bissau, e se tivesses chegado ao fim da guerra, que estava ainda para durar, irias ter "manga de  chatice".  Nunca falámos disso... Aliás, muitas coisas ficaram por falar entre nós... Os novos senhores da guerra não gostavam de ti, que eras um "cachorro dos colonialistas", proclamava a  "Maria Turra", em portuguès e em crioulo, confirmava o Amílcar Cabral, vociferava o Mamadu Indjai no cerco a Candamã. E nos papéis que deixou espalhados pelos trilhos...

Todos os exércitos têm normas, regulamentos, protocolos... O enterro do Alfa Baldé fez-se segundo uma NEP qualquer... A burocracia militar previa tudo ou quase tudo... Não chegaram a chumbar o caixão, não houve tempo de esperar pelo "cangalheiro" de Bissau... Nem o caixão era de chumbo... A caminho da aldeia natal do falecido, em dois ou três Unimog, a tropa ia no "gosse gosse", com medo que o cadáver começasse a cheirar mal. E já cheirava... Com quarenta e tal graus ao sol e 100% de humidade, nesse setembro de 1969, o pobre do Afa Baldé já cheirava mal, já fedia...

E o "pavão" do teu "alfero" ia à frente, de peito feito ao vento, pela estrada fora... Como é que vocês lhe chamavam?... O "alfero Manga de Ronco"... (Todos os "tugas" tinham alcunhas, eu também devia ter, seguramente, mas nunca mo disseste, à minha frente... A do "alfero", se bem me lembro, era por ele gostar de fazer umas festinhas âs bajudas de "mama firma", repetindo e comprovando com o dedo, que depois  levava aos lábios: "Manga de ronco, manga de ronco!"...)

 Lá ia ele, impante, sem pudor ou qualquer remorso por te ter morto, a ti e ao prisioneiro que nos servia de guia, e ferido uma porrada de malta.

Lá ia ele, de pé no Unimog, desafiando minas, armadilhas, emboscadas, aparentemente ignorando ou escamoteando os sentimentos dos seus subordinados, a tristeza das gentes da tabanca... Desafiando os ventos da História que já sopravam fortes naquele mês de setembro e ano de 1969... 

Havia quem não gostasse dele, até os seus soldados lhe chamavam-lhe o "alfero que tem Manga de Mania"... Competia pelos favores do capitão e quiçá batia-se a uma cruz de guerra, com o "Cabra-Matchu", o outro "alfero" que era de operações especiais...

E ele até nem desgostava da alcunha, o "Manga de Ronco"... Pequeno, entroncado, primeiro classificado no CSM, o que lhe valeu uma "promoção", a entrada no COM, o curso de oficiais milicianos, na "Máfrica", a fábrica de oficiais milicianos com destino à "guerra do ultramar", diziam uns, ou "guerra colonial", diziam outros. 

Foi bom na prova de tiro, e no trampolim e na marcha. Aldrabou os psicoténicos e os instrutores. Tinha lábia. Era chico-esperto. Valente, sem dúvida. Voluntarioso, com certeza. Mas "mau oficial e  pior cavalheiro", diziam entre dentes os seus criticos.... Terá sido um erro de "casting":  não tinha qualidades de comando e liderança, para além dos punhos e da genica. Muito menos tinha ética.   Fez um discurso "patrioteiro", que ninguém terá entendido, crianças, bajudas, mulheres e velhos da tua aldeia. Nem sequer os seus próprios soldados, acabrunhados com o seu primeiro morto, de morte matada, morto por "fogo amigo", morto ironicamente pelo seu comandante.

"Honra e Glória ao bravo soldado Alfa Baldé, que deu a vida pela Pátria!"... Ele falava em português, e não havia sequer um intérprete. Nem muito menos tempo para grandes discursos. 

Honra e Glória !... Pátria?!... Não é fácil explicar o que querem dizer estes conceitos, sobretudo a ti que nunca chegaste a frequentar o posto escolar militar... Tinhas lá tu tempo de frequentar a escolinha dos "djubis"!..

Portugal, a pátria longínqua?!... "Heróis do mar, nobre povo, nação valente e imortal..". Sabias tu, ao menos,  o hino nacional?...  Nem isso, não tivestes tempo de o decorar e cantar, de cor e salteado......

Ainda te lembras de ouvir falar de Portugal, de lá longe, muito longe? 
Os senhores que vieram do Norte e do lado mar... Não, não vieram pelo deserto, pelas caravanas de dromedários (sim, que no Saara, não havia camelos). Esses, foram outros, árabes, bérberes, tuaregues, mandingas do reino do Mali, abrindo as rotas subsarianas do ouro, do marfim e da escravatura. Depois é que vieram os "tugas" e os outros europeus ocupar e retalhar, tardiamente, a tua África negra, profunda, berço de todos nós... 

Os teus antepassados da Senegâmbia  foram escravizados, muitos foram parar ao Novo Mundo, aos engenhos de açúcar e às plantações de algodão. Outros, quiçá, trabalharam nos arrozais do rio Sado. Ou eram escravos domésticos em Lisboa. Como já antes tinham sido escrvizados pelos árabes, os mouros, os mandingas do império do Mali...

Não, não tens que saber de geografia. Nem de história. Nem de geopolítica. Nem de antropologia. Muito menos  de teologia. No sítio onde tu moras agora, debaixo do teu poilão, já não te servem para nada os conhecimentos de geografia, história, geopolítica ou antropologia. E a teologia dos marabus, dos imãs e dos chernos só te vai baralhar a procura do caminho que te há de levar à eternidade...

Insha'Allah, algum senhor da guerra, do teu país, não venha um dia destes autorizar o abate do teu poilão, a troco de um punhado de yuans (ou iuanes), o patacão chinês, a nova moeda com que se tenta subornar os novos líderes do teu povo... 

Sabes, dizem que estão a dar cabo das florestas da tua terra, da tua África. O deserto do Saara já espreita às portas do "chão" felupe, mais a Norte. Os "madeireiros" não têm pátria nem ideologia. E já não usam machados. Abatem uma árvore centenária enquanto o crocodilo do Cacheu engole um macaco-cão. Como outrora os velhos carvalhos da Europa ou as sequoias da América.

Bolas! Um gajo não se recordar do nome da aldeia do Alfa Baldé, no "chão" fula!... Nem sequer os seus mangueiros e os seus poilões... A secção que eu comandava, esteve lá uma semana ou duas, um mês antes do Alfa Baldé morrer. Essa tabanca, pelas notas, amarelecidas, do meu diário, ficava no limite do regulado de Badora, a sul, já a confinar com o regulado do Corubal.

O Alfa Baldé esteve lá comigo. Vinha-me a ajudar a acender o lume ao fim da tarde, para aquecermos as rações de combate, eu e o transmissões... Ou grelhar um frango ou um naco naco de carne de caça..... Partilhava com ele a ceia, antes que o sol incendiasse o céu e a savana. (À noite apagavam-se todas as fogueiras, por causa dos "snippers" do Mamadu Indjai. Estava em vigor o "black out" total. Até o cigarro era proibido.)

Esqueci o nome da tua tabanca mas o teu nome, esse não esqueci, Alfa Baldé, apontador de dilagrama, o melhor da companhia. Esqueci foi o lugar onde nasceste e te fomos enterrar, talvez Sinchã ou Saré qualquer-coisa, é imperdoável... (Nem sequer uma chapa de metal, com o teu nome e número mecanográfico, lá deixaram cravada no teu poilão!)

Passámos lá uns belos dias, eu, tu e a nossa secção. Felizmente que o Mamadu Indjai não nos importunou dessa vez , mas andou a pôr o vizinho regulado do Corubal a ferro e fogo, como ele jurou... Jurou, cumpriu e fez cumprir. 

Mamadu Indjai, um senhor da guerra do PAIGC, que acabará também miseravelmente fuzilado nas matas do Boé, em 1973, depois de atentar contra a vida do seu chefe, o "pai da Pátria"... (Pátria... como explicar-te?!... Não é fácil.) 

Mas era também um"cabra-matchu",  valente, "herói da luta de libertação", esse Mamadu Indjai... É assim, querido Alfa, todas as revoluções devoram os seus filhos: Cabral, Indjai, Mané, 'Nino'... Ontem, como hoje. Na tua terra ou na minha.

Falavas pouco e mal o português, mas eras um exímio caçador, e um terrível "snipper" (a 50 metros eras capaz de arrancar a cabeça de um inimigo, se tu fosses apontador do lança-granadas-foguete 37 mm; mas o "pimpão" do teu comandante, estupidamente, obrigou-te a ser apontador de dilagrama, o que tu nunca gostaste)... 

Snipper, black-out, casting...são palavras de outras língua, o inglês, esquece. Mas o que agora queria dizer-te, Alfa Baldé, cinquenta anos depois da tua morte, e é isso que importa, é que chorei por ti, confesso que chorei por ti, que morreste a meu lado, e que levavas um prisioneiro, teu irmão, pela mão. Não sei se um balanta, biafada ou mandinga é teu irmão, tu que és fula preto... Mas deixa lá...  

É uma vergonha um gajo, um "cabra-macho" de um "tuga", vir aqui dizer que chorou por outro homem, combatente, seu camarada de armas. Um homem não chora, dizia o meu pai, o meu velho, que escondia a lágrima fácil com os seus ditos de ocasião  e os seus trejeitos.....

Tu que nem sequer eras meu irmão, nem grande nem pequeno. Eras apenas meu camarada de armas. Nem tinhas a mesma cor de pele. Nem a mesma religião. Nem a mesma língua. Nem talvez a mesma pátria.(Não posos falar pir ti e pelos teus sentimentos.) Nem o mesmo continente. Não comias carne de porco. Nem bebias "água de Lisboa". Eras apenas um "guinéu", soldado de 2.ª classe, exímio caçador e o melhor apontador de dilagrama (e de LGFog 37 mm)  da companhia. E o primeiro a morrer em combate, "vítima de fogo amigo", que estranha ironia!...

Ganhava, o Alfa Baldé, 600 pesos de pré, o equivalente a um saco de arroz por mês para alimentar a família numerosa, mais 24$50 por dia, por ser desarranchado. "Manga de patacão", dizia o sacana do sorja da secretaria que, antes de partir para a Escola Central de Sargentos, ainda queria "embrulhar em papel selado"  uns. "sacanas de uns nharros" que não lhe bateram a pala... E que, depois, queria fazer pagar o caixão de pinho do Alfa Baldé com o dinheiro do ronco que a companhia ganhara na tal operação Pato Marreco. (Ou era a Ganso Pimpão? Ou a Pavão Real? Ou a Cisne Depenado?)... Trinta ou quarenta contos de material apreendido aos "turras, nessa operação, valiam hoje qualquer  coisa como 10 mil a 13,5 mil euros... O capitão que, apesar de tudo era um gajo dcecente, recusou-se a aceitar essa sórdida contabilidade do deve e haver da tropa... Um herói de Portugal tinha direito a um caixão, mesmo foleiro, de pinho...

Não, não eras um homem de grandes falas, e o teu léxico em português era bem escasso para a gente poder manter um diálogo aprofundado sobre a tua vida e a do teu povo, e a sua história. Eu fazia muitas perguntas, às quais nem sempre sabias responder. E,  se respondias, eras lacónico...

Para mim, eras apenas um homem, da subespécie "Homo Sapiens Sapiens". A única que chegara até aos nossos dias. E que, convém recordá-lo, nascera do seio úbere da Mãe África. Somos todos descendentes de africanos que acabaram por colonizar e povoar o planeta.

Tu foste o primeiro homem, género "Homo", espécie "Homo Sapiens",  subespécie "Homo Sapiens Sapiens", que eu vi morrer a meu lado. Nunca mais chorei por ninguém, por mais nenhum morto, acredita. Chorei por ti, Alfa Baldé. Chorei de raiva, de impotência e de dor.

Nascemos meninos, tu e eu, e o Conté, o nosso guia-prisioneiro, mas fizeram-nos soldados. Azar o meu e o teu, e o do Conté, por termos nascido no sítio errado, no tempo errado.

Imagino-te "djubi", à volta da fogueira, na morança do "cherno" da tua tabanca, decorando o Corão. Uma das cenas mais lindas que eu trouxe da tua tabanca, e que eu guardo na minha memória, os "djubis" à volta da fogueira, ao fim da tarde, soletrando as letras das tabuínhas em árabe. 

Lembras-te de ainda teres querido aprender as letras dos "tugas", o alfabeto latino, para poderes ser soldado arvorado e um dia chegares a 1.º cabo como o  Gomes, que era tua etnia, ou o Sampaio, que era papel de Bissau, ou o Lopes, que era cabo-verdiano da ilha da Brava. Mas a atividade operacional da companhia era intensa e muito pouco tempo sobrava para poderes frequentar a escola, o posto escolar militar, do furriel Veloso. Além disso, tinhas uma família, duas mulheres, dois filhos, um terceiro a caminho... Chegavas cansado e esfomeado à tua morança, fora do quartel onde estávamos sediados.

"Fight or flight". Luta ou foge, "tuga". Não precisei de fugir nem de lutar. Recusei o egoísmo genético. Recusei a lógica absurda, simplista, dicotómica, de matar ou morrer. Recusei o cinismo. Recusei a G3 em posição automática.
Recusei a fria e calculista resignação com que se juntavam e amortalhavam
os cadáveres seguintes. E se contavam nas paredes da caserna os dias que faltavam para a peluda.

Cinquenta anos depois, meio século, dois terços da esperança média de vida de um homem do hemisfério norte, venho dizer aqui em voz alta, 
as palavras que ninguém disse ao Alfa Baldé, no grotesco enterro que lhe fizeram em Sinchã ou Saré qualquer-coisa, a sua terra natal. 

E de repente, o capim. O capim alto. O sangue. 

Dilagrama
O capim pisado e empapado de sangue. Pobre Alfa, morto pelo teu próprio  dilagrama", erradamente empunhado pelo teu comandante.  Alguém branqueou a tua morte no relatório da operação. Alguém quis salvar a honra da companhia. Alguém safou o teu comandante de pelotão de uma eventual porrada do Spínola. Um dilagrama rebentou no ar, na tua cara e na minha cara e na cara dos nossos camaradas de secção. E na cara do Conté. O teu dilagrama, empunhado pelo "alfero Manga de Ronco".

O que é que lhe terá dado, ao teu "alfero", para à última hora ter decidido tirar-te o dilagrama e ter-te confiado o prisioneiro, Conté, que estava à guarda do Mamadu Camará?!

Disseram-te, na instrução da tropa, que não podias (nem nunca deverias) julgar um oficial, teu superior hierárquico, teu comandante de pelotão ou de companhia. É verdade ele, um dia 
destes, vai morrer na cama, se é que ainda está vivo!... Sem qualquer remorso na consciência "por te ter morto", a ti e ao Conté, e ter provocado vários feridos graves, quando a companhia estava em linha no assalto a uma "barraca" dos "turras"... 

"Homicídio involuntário"? Não, "acidente com arma de fogo", é mais indolor... 
Muito provavelmente o alferes vai morrer em paz e contar aos netos que foi um "herói de guerra do ultramar", com direito a nome de rua lá na aldeia do nordeste transmontano onde ele nascera...

"Acidente com arma de fogo" (segundo o relatório elaborado pelo capitão)
no auge da batalha, quando a companhia avançava em linha, no assalto ao acampamento do IN, levando o Alfa Baldé, pela corda, o guia, que era "turra", prisioneiro, e que lhe fora confiado à última hora. Porque o seu posto era o de soldado, apontador de dilagrama. E era o melhor da companhia.

O que se passou na cabeça do "alfero" que empunhou indevidamente o dilagrama
e largou-o no ar quando, inadvertidamente, saltou a cavilha de segurança?... "Falha técnica" ou "erro humano"? Na tropa há sempre uma explicação para os desastres...


Mais novo do que tu,  o teu "turra" era um jovem mandinga ou biafada (tanto faz, já não me recordo), que apanháramos a norte do Enxalé, tão crente como tu, tão observador dos preceitos corânicos como tu, meu querido "nharro". (Desculpa tratar-te assim,  o termo tem hoje uma conotação racista, mas era coloquial  naquele tempo, "tuga" e "nharro" eram usados sem sentido de ofensa...)

Rebentou, de imediato, a fuzilaria quando o dilagrama explodiu na cara do pessoal. A tua, a nossa, secção já não pôde avançar mais. Tu tiveste morte quase instantânea, ainda balbuciaste umas palavras em fula, que ninguém consegui ouvir e muito menos fixar. Deves ter chamado pela tua mãe, como todos os soldados do mundo na hora da morte... Quando chegou o 1.º cabo auxiliar de enfermagem, o Fafe, para te estancar o sangue e pôr o soro nas veias, já era tarde demais... Um estilhaço de ferro em brasa,  varara-te o coração. O "turra", esse, não morreu logo, mas ficou a agonizar no chão... Ninguém o levou, muito menos o helicóptero... O Fafe abreviu-lhe a mortye dolorosa, com uma dose de morfina... Ficou, ali, à porta da sua antiga "barraca", a agonizar... Ele que nos levara até lá, sem nos tentar enganar, embora temendo que, cumprida a sua tarefa de Judas, alguém lhe pudesse dar no final um tiro atrás da nuca...

A "Maria Turra", em Conacri, irá depois acusar-nos de o termos executado sumariamente... e transformar o pobre do Conté  em mais um "herói da liberdade da pátria"...   Todas as guerras precisam de heróis, de um lado e do outro... Se os seus camaradas o não recolheram, junto com os despojos da batalha, em oito dias as formigas carnívoras e os "jadugis" descarnaram-no e desossaram-no...

Nunca mais lá voltei, à Guiné, Há muitos anos atrás ainda tentei, em vão, arranjar uns restos de coragem e de dignidade. Achava que tinha  uma dívida para com o Alfa Baldé. Morto, por engano. Morto pelo "fogo amigo". E  enterrado na sua tabanca do sul de Badora...

E agora, Alfa Baldé, que foste poupado à humilhação da "derrota" e não viste o teu país sentar-se de pleno direito à mesa do mundo... Que farias tu com esta independência e com esta bandeira tricolor, a da Guiné-Bissau, contra a qual lutaste sem querer, sem saber, sem poder?

Onde estarão os teus filhos, e as tuas mulheres? E os teus netos? E os homens grandes da tua tabanca? E os líderes do teu povo que te obrigaram a combater ao lado dos "tugas"?

Herr Spínola, o homem grande de Bissau, esse já morreu há uns largos anos atrás, ainda no século passado. Há vinte e tal anos.

Não lês os jornais, não chegaste a aprender o alfabeto latino e a juntar as letrinhas para poderes ler o livro da 3.ª classe, com a torre de Belém ao fundo: "Esta é a minha pátria amada"…

Pois é, o homem grande de Bissau morreu, não de morte matada, como a tua, ou a do Conté, ou a do Amílcar Cabral, ou a seu carrasco, o Inocêncio Cani, ou a do 'Nino' Vieira, ou a do Mamadu Indjai... O "Caco Baldé" morreu de acordo com a lei natural das coisas, com 86 anos. Soubeste, com certeza,também  da morte do Cabral e do 'Nino'. Ou talvez não. Nem todas as notícias da terra chegam ao céu...

Quanto ao teu régulo,  foi miseravelmente fuzilado na parada de Bambadinca, o poderoso régulo de Badora, tenente de milícias, o "Cavalo Branco", como a gente o chamava.... 

Coitado, um dia trocou o cavalo branco, símbolo da gesta heróica do Futa Djalon, por uma prosaica motorizada japonesa de 50 centímetros cúbicos...  Dizia-se que fora oferta do Schulz ou do Spínola (que chegou à tua terra em meados de 1968). Pois do Mamadu Bonco Sanhá também se dizia que era dono de centenas de cabeças de gado e de um harém, mas era mentira, de cinquenta mulheres, uma em cada aldeia de Badora… Fantasias sexistas dos "tugas" que pouco ou nada afinal sabiam, coitados,  da história e da cultura do teu povo.

Também se dizia, mas era mentira, que o puto Demba era filho dele, o Demba e mais outros "djubis" da companhia, os nossos putos de 15 e 16 anos. O Demba já morreu, também ele, o puto Demba.  Era de Taibatá e andou fugido pelo Senegal e por todo o Norte de África até chegar a Portugal. Acabou por morrer cá, na terra dos "tugas", no hospital, o terminal da morte. De sida, de turberculose, de miséria, de solidão...

Hoje os heróis do passado sucumbem sob o peso das cruzes de guerra. Ou pedem esmola nas ruas de Bissau ou de Dacar, tal como os teus filhos e netos. Ou morrem de desespero e insolação às portas do templo da deusa Europa, em Ceuta, em Melilha, em Lampedusa, em Lesbos, ou afogando-se nas profundezas do Mediterrâneo...

Que voltas o mundo deu, Alfa Baldé,  desde esse dia já distante em que a tecnologia da guerra ou a lotaria do ADN ou a insensatez de um oficial subalterno "tuga" te ceifou a vida.

Porquê tu, logo  quatro meses depois de jurares bandeira, em Bissau, na presença do general Spínola, e te comprometeres, por tua honra, a defender uma pátria que, afinal,  não era a tua (ou não era bem a tua), "até à última gota do teu sangue"?
 
E agora deixa-me dizer-te, amigo e camarada, à laia de despedida: não sei se um dia ainda terei forças para voltar à tua terra, ao teu "chão". Já estou a ficar velho de mais para poder voltar a viajar para esses sítios de África. Mas se porventura o fizer, gostaria ainda de descobrir o nome da tua aldeia, e de procurar-te e de ter tempo para conversar contigo, só tu e eu, debaixo do teu poilão. Oxalá, Insha'Allah!


Nota do autor: 

Neste conto, os nomes são quase todos fictícios (exceto o do régulo de Badora, e os "históricos" do PAIGC)  mas os factos (e os topónimos) são verdadeiros, no essencial. Acontece que o Mundo é Pequeno, e a nossa Tabanca é... Grande!... Outra advertència: estews contos com mural ao fundo foram escritos em tom intimista, mas para serem lidos em voz alta, esperando-se que o eco da voz do leitor vai bater no tal "mural ao fundo"... Se o leitor quiser "grafitar" o mural, o autor também lhe fica grato. Afinal, quem conta um conto, não é para lhe acrescentar um ponto, mas para ser lido ou escutado. 
 
© Luís Graça (2019). 

Última versão, profundamente revista e melhorada: 10 de junho de 2023
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(**) Ver poste de 21 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5682: Armamento (1): Morteiros, Lança-Granadas, Granadas e Dilagrama (Luís Dias)

(...) O Dilagrama era um dispositivo que, conjuntamente com a granada de mão defensiva M/63, ao qual era fixado, aplicado na espingarda automática G3, permitia-nos obter alcances superiores aos conseguidos pelo arremesso manual da granada, reduzindo os riscos para as nossas tropas na sua utilização. O Dilagrama permitia bater ângulos mortos, sendo possível o seu emprego contra elementos IN abrigados.

O Dilagrama era constituído por:
  • um adaptador da granada;
  • um tubo em forma cilíndrica;
  • uma empenagem;
  • a granada defensiva M/63 e
  • um cartucho especial propulsor.
Retirada a cavilha da granada, a alavanca de segurança ficava presa pelo retentor. Quando se premia o gatilho da arma e o cartucho era percutido, a acção de gases que se seguia impulsionava o conjunto, lançando-o pelo ar e pela acção da inércia o grampo de armar recuava, partindo o retentor, soltando-se, então, a alavanca de segurança da granada, iniciando-se a combustão do misto retardador e consequentemente a explosão, com fragmentação de todo o conjunto.

Normalmente, a granada atirada por este dispositivo, rebentava acima do solo. Num disparo a 45º, verificávamos que, efectuando uma contagem rápida de 1 a 15, o rebentamento se dava, por norma, nesta altura.

O disparo deste dispositivo dava um forte coice, em especial no dedo que dava ao gatilho, por isso, os soldados eram instruídos para efectuarem o disparo como se dedilhassem uma guitarra (só usando a ponta do dedo) e dispararem a arma apoiada no chão, prendendo-se com um dos pés a bandoleira e colocando a arma no ângulo pretendido. No entanto, em acção, a maior parte dos atiradores que me acompanhavam e que utilizavam o dilagrama, efectuaram os disparos do mesmo ao ombro, sem quaisquer problemas. (...)


Características desta arma:

  • Tipo: Dispositivo de lançamento de granada defensiva através de uma espingarda;
  • Oriem: EUA;
  • Peso: 455 g;
  • Explosivo: Composição B;
  • Fragmentação: Espiral de aço em forma de barril no interior da granada, bem como o restante conjunto, fabricado em metal;
  • Capacidade: Acção efectiva nos 15 m em redor do local da explosão;
  • Alcance máximo: 160 m.
Durante o ano de 1973, surgiu outro tipo de dispositivo (ao que creio, o FRG-RFL 40BT, de origem belga), em que a granada não era acoplada, mas fazia parte integrante do conjunto (tipo bola), no calibre de 40 mm, rebentando por impacto e, dado ser um conjunto mais leve que o conjunto anterior (355 g), o seu alcance era sensivelmente o dobro (350 m), lançando cerca de 300 fragmentos, em 30 m envolta do local da explosão. (...)

Guiné 61/74 - P24432: Notas de leitura (1592): Flora da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Fala-se aqui da flora da Guiné-Bissau com o simples propósito de avivar lembranças de toda aquela vegetação que nos acompanhava nos patrulhamentos e nas operações ou circunvizinha aos nossos destacamentos. O meu intuito nesta aquisição é trazer mais um elemento de referência para o conhecimento da Guiné-Bissau, se este textinho meramente informativo chegar às mãos de alguém a quem estes trabalhos possam ser efetivamente úteis, terei a maior satisfação em cedê-los, é por isso que também dou conhecimento a amigos da Guiné-Bissau, incluindo o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, que bem desfalcado ficou depois da guerra civil de 1998-1999.

Um abraço do
Mário



Flora da Guiné-Bissau (1)

Mário Beja Santos

Comprei um tanto às cegas num leilão três publicações relacionadas com a flora da Guiné-Bissau. Assunto um tanto árido para o meu elenco de curiosidades, acresce que saí um tanto traumatizado da prova oral de Ciências Naturais do quinto ano, demorei um tempo infinito a distinguir fanerogâmicas de criptogâmicas. Mas o que me chamou a atenção foi ter uns pozinhos de conhecimento da riquíssima flora que pude ir conhecendo em florestas-galerias, savanas, bolanhas, margens de rios, matas densas ou ralas, à volta de palmares, e o mais que se sabe. Vamos cingirmo-nos ao primeiro trabalho da bióloga Maria Cândida Liberato, a investigadora tem vasto currículo conforme se pode ver no site https://actd.iict.pt/view/actd:MOMCL, este seu primeiro trabalho publicado pela Junta de Investigações Científicas do Ultramar data de 1980, recomendo vivamente um passeio por aqueles documentos do Arquivo Científico Tropical, encontrei fotografias históricas guineenses com o maior interesse.

Estes arbustos trepadores gozam do nome geral de Connaraceae, pequenas árvores ou lianas, que a bióloga adianta expressões seguramente muito interessantes para quem adora botânica: folhas alternas, e imparapinadas, sem estípulas; folíolos inteiros. E florescência terminal, flores normalmente hermafroditas. É uma família com 24 géneros, das zonas tropicais, 17 dos quais estão representados em África. E enumera os géneros estudados:
Cnestis, arbustos eretos, pequenas árvores ou lianas linhosas. O fruto: folículo com rostro curvo ou espiralado, género com cerca de 40 espécies tropicais e subtropicais do Velho Mundo, a maior parte de África. Encontrou espécies em Bafatá, Xime, Pussubé, Bissau, Safim, Biombo, Bubaque, Teixeira Pinto e Catió. Agelaea, designação para arbustos, lianas linhosas ou pequenas árvores. Refere ser arbusto sarmentoso ou liana linhosa, encontrou espécies em Cacine, Fulacunda, São João e Empada. Spiropetalum: arbustos com flores hermafroditas, o fruto com um ou vários folículos aveludados com o cálice persistente. Santaloides, arbustos cujas flores em geral têm androceu e gineceu heteromorfos.

A bióloga encontrou espécies em Bafatá, Dandum, Geba, Madina do Boé, entre Bissorã e Mansabá. Depois temos Byrsocarpus, arbustos, pequenas árvores ou lianas linhosas. Fruto: um folículo, ovoide, direito ou ligeiramente curvo. É um género com cerca de 25 espécies, a maior parte da África Tropical. Depois temos Jaundea, neste género encontram-se pequenas árvores ou lianas ou arbustos, a bióloga encontrou amostras na Ilha das Galinhas, Bolama, Fonte do Mato, Fulacunda e São João. E temos por fim o género Connarus, arbustos, muitas vezes trepadores ou lianas, género com cerca de 120 espécies com larga distribuição pantropical. Trata-se de um arbusto normalmente trepador ou liana e encontrou espécies em Fulacunda, Cacine, Bissau, Biombo, Prabis, Catió, Mata de Cantanhez. E quanto a estas plantas trepadoras estamos esclarecidos, veremos proximamente outro género que inclui árvores ou arbustos sob a designação de Chrysobalanaceae.

Fico contente com este achado mas tenho que encontrar um estudioso a quem estes materiais possam ser verdadeiramente úteis. Vamos ver o que responde o INEP.

Plantas trepadeiras comuns em toda a África Ocidental
Maria Cândida Liberato
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24425: Notas de leitura (1591): "Negreiros Portugueses na Rota das Índias de Castela (1541 - 1556)", por Maria da Graça A. Mateus Ventura; Edições Colibri, 1999 (Mário Beja Santos)