sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24549: Notas de leitura (1605): "O Elogio da Dureza", por Rui de Azevedo Teixeira; Gradiva Publicações, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2021:

Queridos amigos,
Trata-se inegavelmente de uma surpresa, pelo assombro como desvela a intimidade, por descrições duríssimas, é muito difícil não acreditar que tudo isto que ali se escreve não vem da experiência vivida. Sabe-se que Rui de Azevedo Teixeira combateu em Angola, é doutor em Literatura Portuguesa, ensinou em universidades europeias e africanas e no seu currículo há obras de grande importância como A Guerra Colonial e o Romance Português: Agonia e Catarse ou O Fim do Império e a Novelística Feminina e também A Guerra de Angola: 1961-1974. Não custa crer que o autor entendeu que este legado de crueza e terror é importante para que as novas gerações recebam agora o que nos aconteceu há mais de 50 anos.

Um abraço do
Mário



O terror puro e duro para iluminar a noite interior

Mário Beja Santos

Rui de Azevedo Teixeira nasceu em Argivai, Póvoa de Varzim. Combateu em Angola. É doutorado em Literatura Portuguesa e ensinou em universidades europeias e africanas. Organizou os congressos internacionais sobre a Guerra Colonial (Instituto de Defesa Nacional, 2000) e a Guerra do Ultramar (Fórum Cultural do Seixal, 2001). Sobre o conteúdo do livro, Rui de Azevedo Teixeira deixa no ar: “Será Vila Velha do Mar a Póvoa ficcionada? E qual é a aldeia? E as personagens da vila e da aldeia, transfigurados pela ficção, serão alguns dos professores e estudantes do Liceu do fim dos anos 60 ou princípios de 70? São reconhecíveis? O jogo literário de quem é quem puxa pelas memórias saudosas dos leitores”, explica.

É um romance singular no amplo contexto da literatura da guerra colonial este "O Elogio da Dureza", Gradiva Publicações, 2021. Paira a sombra da autobiografia, o rasgar da intimidade de alguém que descobre que é filho ilegítimo de pai incógnito. Sabemos que na juventude muito leu, autores de diferentes proveniências e que cedo começou a escrever um diário incerto, mau aluno até chegar ao fim do Liceu, aí desabrochou; os estudos em Coimbra não o mobilizaram, Paulo de Trava Lobo Ferreira oferece-se como voluntário, lega-nos páginas manuscritas onde fala do padrasto, gente com quem se relacionou, as obras que leu. Salta no tempo, já regressou da guerra em Angola, onde viveu o último capítulo.

“Vivia entre dois tempos e dois espaços, entre o recentíssimo passado angolano e o presente português. Um tempo misturado em que a componente angolana dominava. Mesmo com as obsessivas leituras, mesmo com o processo revolucionário em curso, ainda assim eram as recordações de Angola que mais lhe ocupavam a cabeça. Pensou até em voltar lá como mercenário, numa empresa de um almirante comunista, para lutar pelo MPLA. Um mercenário marxista leninista?! Baralhado, largou a ideia, substituindo-a por outra, por uma vida também dedicada à violência”.

Os problemas familiares acentuam-se, reencontra-se com gente dos Comandos, convém não esquecer que estamos perante um oficial Comando, com prestação assinalável na contraguerrilha. E de novo regressamos a Luanda, salto diacrónico, Paulo está a chegar à guerra, fala-nos do violentíssimo curso de Comandos, provas brutais, tudo minuciosamente contado para se perceber como se cria um militar disciplinado, uma máquina de combate. Nos momentos de ócio, desce até à cidade de Luanda, anota o seu fervilhar:
“Circulavam miúdas e miúdos pretos com olhos brilhantes como refletores e sorrisos imensos. A estragar a alegria do quadro, os pretos descalços e os pretos de calções e os pretos de roupa rota e os pretos servis e os pretos com medo. Mas havia também um ou outro preto bem vestido e integrado no sistema colonial. E tropa e mais tropa. Soldados da pacaça em grupos de três e quatro, sem aprumo, com mal ajangadas fardas número dois e até com camisas de camuflado. E, de vez em quando, passavam os raros e orgulhosos Comandos de farda número dois, com cinturão, crachá ao peito e dístico no ombro esquerdo, calças e camisa de manga curta bem passadas e as mãos atrás das costas”.

Fala-se de comezainas, de sexo, caminhamos para a vida operacional, já temos os Comandos formados. Volta-se inopinadamente ao processo revolucionário, sabe-se que Paulo detesta os comunistas e esquerdistas e dentro deste processo diacrónico voltamos ao Paulo operacional, e aqui o autor esmera-se, a partir do Luso entramos diretamente na Operação Empurra Tudo, vamos assistir a homicídios com faca, escalpes, chegou a hora do puro horror: “Meteu então a faca na barriga do velho e fê-la girar lá dentro como o corno do motor numa colhida. O velho gritou. Paulo e Ferro viraram-se e ainda o viram a ser degolado. O meio bóer deu um pontapé no cadáver fresco do velho, antes de se dirigir para a bicicleta. Enlouquecido de violência, esfaqueou o selim, os pneus e até o farol. Paulo viu, então, junto a uma árvore, sentado, imóvel, uma mulher com um bebé que mamava regaladamente. Ambos miraculosamente ilesos. Paulo ordenou a Ferro que acabasse com os feridos graves. Antes da saída do quartel, tinha visto o furriel a raspar a ponta das balas no chão de cimento à entrada da secretaria. Em segundos, três tiros. As balas atravessaram as cabeças aos trambolhões e saíram levando pedaços de cada uma. Miolos à mostra”.

A operação prossegue, dão-se mais tiros de misericórdia a moribundos, descobrimos que há uma ética: “Os Comandos não abandonavam inimigos feridos. Deixados vivos, ficariam a morrer aos poucos, gritando de dor, antes de serem comidos e passados a esqueleto e a fezes de animais”. Havia, pois, tiros de misericórdia. Entre as operações Paulo leva uma rica vida com a amante e a criada da amante, tudo isto na zona militar leste. Ficamos a saber que nas dez operações dos primeiros quatro meses o corpo de combate de Paulo e os vinte e cinco mortos confirmados. Por vezes as coisas correm para o torto, mas mata-se muito mais do que se sofre. Mas Paulo está a mudar. “Paulo começava a dividir-se, a cindir-se mesmo, entre o idealismo imperial e a justiça histórica. Amava criticamente a História de Portugal e o Império, mas os angolanos já eram crescidos, tinham todo o direito a sair de casa. Todo o direito a serem independentes”. Do Leste irá partir para outro local, o Mayombe, mas, entretanto, damos outro salto diacrónico, voltamos ao processo revolucionário em curso, virá o 25 de novembro, Paulo volta aos estudos, torna-se bacharel, percorrerá vários lugares a dar aulas.

"O Mayombe, floresta equatorial ainda mais impenetrável do que as florestas tropicais, era o absoluto oposto à que agora parecia a Paulo a simpática savana”. Numa operação descobre-se um depósito de armamento, Paulo não sentiu orgulho, apenas sorte, e depois vem o grande combate, o inimigo atacava, eram da FLEC. “Chamou a atenção de Paulo um carregador furado e um cadáver de barriga para baixo. Pegou no carregador e foi tirando as balas. Encontrou o que procurava – a bala furada por uma bala dos Comandos. A bala da G3 acertara em cheio fazendo um buraco perfeito no cartucho da bala de Kalashnikov. Paulo guardou a bala furada, passou a ser o seu talismã”.

Veio o 25 de Abril, o bacharel irá fazer mais estudos, o professor Paulo Lobo tem destino universitário. De novo saltamos para o fim da guerra, quando ele se encontrava especificamente em pré-desagregação, regressa à pátria. Toda esta noite interior parece chegar à irradiação da luz, conhece o amor, dá-se a doce domesticação de Paulo, é já assistente estagiário do porto e acaba por descobrir, graças à mulher, que era filho de sangue do capitão Antero Gomes Ferreira. Não fica contente com aqueles pais que nunca se interessaram pelo seu sofrimento. E decidiu nunca mais voltar a falar com os pais. É uma irradiação de luz feita de trevas. Romance singular, está comprovado, percebe-se este elogio da dureza, é memória que não se apaga, talvez por isso a catarse da escrita, de indiscutível qualidade.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24538: Notas de leitura (1604): Uma nova biografia de Amílcar Cabral, de Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24548: Antologia (97): "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau", por Tor Sellström (2008). Excertos: O caso da ajuda ao PAIGC – Parte VIII


Em representação das Nações Unidas nas zonas detidas pelo PAIGC: Folke Löfgren com alunos da escola de mato Areolino Lopes Cruz, na base de Cubucaré, consultando o livro escolar O Nosso Livro, impresso na Suécia, Uppsala, abril de 1972 (Foto gentilmente cedida por Folke Löfgren) (Fonte: 
Tor Sellström, op-. cit. 2008, pág. 167)


1. Tor Sellström, do Instituto Nórdico de Estudos Africanos, é autor de um livro, de 290 páginas, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau" (publicado em 2008, em versão portuguesa). (Vd. ficha técnica a seguir.)

Nessa publicação ele conta-nos como é que os chamados "Grupos de África" (organizações suecas de solidariedade com a luta dos povos da África Austral, e nomeadamente contra o apartheid) e o governo sueco começaram a interessar-se pelo que se estava a passar na Guiné-Bissau, no final dos anos 60. 

O território, então sob administração portuguesa, com um escasso meio milhão de habitantes, e com um pequeno partido nacionalista, o PAIGC; a lutar pela sua independência, era na altura praticamente desconhecido do público sueco.

A partir de 1969, a Suécia começou a dar, ao PAIGC, uma "ajuda humanitária" substancial, primeiro em géneros, depois em dinheiro, que se prolongou muito para além da independência, até meados dos anos 90. Em meados dessa década, fechou abruptamente a torneira, ao perceber que estava a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo.

"As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau". Estamos a falar de valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, de 1969/70 até 1976/77).

Sáo factos que já pertencem ao domínio da História. Mas, passados estes anos todos, julgamos que ainda pode ter algum interesse, para os nossos leitores, saber um pouco mais sobre o envolvimento da Suécia, mesmo que indireto, na "nossa" guerra colonial.

Vamos continuar a seguir esta narrativa, reproduzindo, com a devida vénia, mais um excerto do livro de Tor Sellström. Já chamámos, logo no início, a atenção para alguns factos e dados que merecem a nossa contestação ou reparo crítico, nomeadamente quando o autor fala do trajeto do PAIGC e do seu líder histórico, não citando fontes independentes e socorrendo-se no essencial da propaganda do PAIGC (ou de fontes que lhe estavam próximas)...

Já apontámos, nos postes anteriores, para alguns exemplos desse enviesamento político-ideológico: (1) a greve dos trabalhadores portuários do Pijiguiti e o papel do PAI (mais tarde, PAIGC); (ii) a batalha do Como em 1964: (iii) o controlo de 2/3 do território e de 400 mil  habitantes (!) por parte do PAIGC; (iv) as escolas, os hospitais e as lojas do povo nas "áreas libertadas"; (v) a morte de Amílcar Cabral e o seu contexto, etc.

O texto (na parte que nos interessa, a ajuda sueca ao PAIGC, pp. 138-172) tem demasiadas notas de pé de página, que são úteis do ponto de vista documental e até têm informação relevante  mas são extremamente fastidiosas para  a generalidade dos nossos leitores. (Vamos mantê-las, para não truncar a narrativa; podem ser lidas na diagonal)

Os negritos são nossos: ajudam a destacar alguns dos pontos importantes do texto. O "bold" a vermelho são passagens controversas, são uma chamada de atenção para o leitor, devendo merecer um comentário crítico (ou o recurso a leituras suplementares).

Corrigimos um ou outro erro de português. Os excertos, que reproduzimos,  seguem o Acordo Ortográfico em vigor.

Para já aqui ficam os nossos agradecimentos ao autor e ao editor, Nordiska Afrikainstitutekl (em inglês, The Nordic Africa Institute).

Ficha técnica:

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nordiska Afrikainstitutekl, Uppsala, 2008, 290 pp. Tradução: Júlio Monteiros. Revisão: António Lourenço e Dulce Åberg. Impresso na Suécia por Bulls Graphic, Halmstad 2008ISBN 978–91–7106–612–1.


Disponível em
https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:275247/FULLTEXT01.pdf

(Também disponível na biblioteca Nordiska Afrikainstitutekl (ou Instituto Nórdico de Estudos Africanos) aqui, em "open acess" .)


Resumo dos excertos anteriores (*):

Com base numa decisão parlamentar aprovada por uma larga maioria, a Suécia tornou-se em 1969 o primeiro país ocidental a dar ajuda oficial aos movimentos nacionalistas das colónias portugueses (MPLA, PAIGC, FRELIMO). O PAIGC vai-se tornar o principal beneficiário dessa ajuda (humanitária, não-militar).  
Muito também por mérito de Amílcar Cabral e da sua habilidade diplomática. 

Até então, e sobretudo na primeira metade da década de sessenta, o debate na Suécia sobre a África Austral tinha quase exclusivamente sido centrado na situação na África do Sul, onde vigorava o apartheid.

O êxito da campanha contra a participação da empresa sueca ASEA no projecto de Cahora Bassa em Moçambique, por volta de 1968–69, na altura em que decorria a guerra do Vietname, levou a que os principais grupos de pressão (“Grupos de África”, oriundos de cidade como Arvika, Gotemburgo, Lund, Estocolmo e Uppsala) se ocupassem, quase em exclusivo,  da luta armada nas colónias portuguesas, com destaque para a Guiné-Bissau (Parte I).

Em 3 páginas (pp. 141-143), o autor faz um resumo da "luta de libertação na Guiné-Bissau", usando unilatereal e acriticameente informaçáo propagandística do PAIGC, alguma particularmente grosseira como a pretensão deste de controlar 400 mil habitantes (numa população de pouco mais de meio milhão)... (Parte II).

Nas páguinas 144-147, fala-se dos primeiros contactos com o PAIGC e das primeiras visitas ao território (Parte III).

Nas páginas 148-152, é referido a primeira visita (de muitas) de Amílcar Cabral à Suécia em novembro de 1968 (Parte IV).

As conversações de Ström com o PAIGC foram bastante simples. No seu relatório, descreveu Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC, como ”um jovem agrónomo bastante jovial, elegante, intelectual e um conversador desenvolto e muito animado. Nada de apelos patéticos nem declarações solenes. As suas intervenções eram objectivas, claras e concisas” (Parte V, pp. 152-154).

Os suecos quiseram, na sua ajuda "não-militar", privilegiar os sectores da educação e a saúde. onde o PAIGC estava confrontado com "enormes desafios". O pressuposto era de que,  em 1971, calculava-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, (...) na sua maioria artesãos e camponeses (sic) (Parte VI, pp. 154-157. Uma estimativa, disparatada, que fazia parte do arsernal de  propaganda do PAIGC...

Uma das maiores "mistificações" foi a entrega de 100 toneladas de "sardinhas" (ou arenques juvenis)  sob a forma de cerca de 400 mil latas de conservas, de 225 gr cada uma (peso líquido), e que terão sido profusamente distribuídas pelas "zonas libertas" (sic) até chegarem a Bissau... (O nosso amigo Cherno Baldé disse-nos que chegou a provar essas tais "sardinhas", e não lhe sabiam a nada...) (Parte VII, pp. 157-161). 

Tor Sellström - A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: o caso da ajuda ao PAIGC - Parte VIII:

Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)

 Excerto do índice (pág. 4)

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno

Pág.

As colónias portuguesas no centro das atenções

138

A luta de libertação na Guiné-Bissau

141

Primeiros contactos

144

Caminho para o apoio oficial ao PAIGC

147

Uma rutura decisiva

152

Necessidades civis e respostas suecas

154

Definição de ajuda humanitária

157

Amílcar Cabral e a ajuda sueca

161

A independência e para além dela

168

 


Amílcar Cabral e a ajuda sueea (pp. 161-168)


A cooperação com o PAIGC da Guiné-Bissau dominou a ajuda oficial sueca aos movimentos de libertação africanos durante a primeira metade dos anos setenta. Começando a um nível relativamente alto (131), a ajuda em bens aumentou de forma sustentada ao longo dos anos e, apesar das diferenças culturais e das circunstâncias, em geral difíceis, baseou-se em confiança mútua entre as partes e foi aplicada de forma satisfatória tanto para os doadores como para os beneficiários da ajuda. 

A experiência da cooperação com o PAIGC serviu como exemplo positivo para a ajuda humanitária posteriormente dada aos movimentos de libertação da África Austral.

O facto de o secretário geral do PAIGC se ter empenhado, pessoal e profundamente na concepção, aplicação e seguimento da ajuda oficial facilitou as operações de cooperação (132), como é natural.

Também ajudou o facto de, antes de se iniciar o relacionamento, o PAIGC ter já um
representante residente na Suécia, que participou activamente no debate, e com quem a ASDI teve consultas frequentes. Onésimo Silveira foi, contudo, destituído em novembro de 1972 (133) e apenas dois meses depois, a 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado (134).

Nessa altura, a cooperação com o PAIGC estava já firmemente enraizada. O assassinato de Cabral não provocou uma crise aberta no movimento de libertação, que fizesse com que o governo sueco tivesse de suspender a ajuda, como aconteceu aquando do assassinato do presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, em Fevereiro de 1969.

Tanto o sucessor de Cabral no cargo de secretário-geral (Aristides Pereira), como o seu irmão Luís Cabral, que viria a ser eleito presidente da Guiné-Bissau independente, tinham trabalhado desde o início, de forma estreita, com a ASDI e, a seguir ao assassinato, ficaram com os seus contactos junto da agência de ajuda (135). A ASDI retomou as remessas de ajuda para Conacri logo em meados de Fevereiro de 1973 (136).

A morte de Cabral teve um profundo impacto na Suécia (137). Descrito como o ”mais profundo, do ponto de vista teórico, dos líderes nacionalistas da África portuguesa” (138), tinha capacidades extraordinárias para conseguir apoios para o PAIGC num espectro político vasto, da esquerda não-parlamentar ao Partido Liberal. 

Ao longo do tempo aproximou- se muito da liderança social-democrata, à volta da pessoa do primeiro ministro Olofe Palme, mas tinha relações calorosas com a ASDI e com o movimento de solidariedade.

Dizendo que ”a ideologia era, acima de tudo, saber o que se pretendia nas circunstâncias particulares em que se estava”(139), as suas ideias seriam, contudo, muitas vezes citadas, mas também distorcidas, em prol de determinadas posições políticas.

Os Grupos de África consideravam Cabral como ”um dos mais destacados líderes revolucionários dos nossos tempos” e a luta do PAIGC como ”um dos pregos no caixão do imperialismo” (140). 

O movimento de solidariedade e a esquerda sueca eram, em geral, muito críticos da ajuda humanitária dada pelo governo social-democrata (no espírito da conferência de Cartum de 1969, onde se exigiu apoio incondicional em dinheiro e a tomada de uma posição clara a favor da luta armada do PAIGC) (141). Ao mesmo tempo, o próprio Cabral era o arquiteto principal do programa de ajuda em géneros.

Recebendo armas da União Soviética e seus aliados, ele tinha desde o princípio excluído o cenário da ajuda militar sueca, criando em vez disso um programa de cooperação civil que, nos finais dos anos sessenta, mais país nenhum dava. 

Tal como o próprio Amílcar Cabral havia previsto, a ajuda humanitária sueca acabou por aumentar o apoio internacional concedido ao PAIGC e abrir o caminho para a disponibilização de ajudas semelhantes por parte de outros países ocidentais, como foi o caso da Noruega, um membro da OTAN que, em 1972 desafiou a causa comum dessa organização com Portugal e criou uma dissidência muito significativa, sob a forma de ajuda oficial directa ao PAIGC (142).

A Suécia e a União Soviética eram os maiores doadores do PAIGC (143). Enquanto a Suécia privilegiava a componente civil, os soviéticos eram os principais municiadores da luta no  campo militar (144).

Havia uma divisão não coordenada, mas não menos real, de facto, entre os dois estados o que foi, em larga escala, copiado para os movimentos de libertaçãoda África Austral (145).  

O facto de, aos olhos dos Estados Unidos e de outros grandes estados ocidentais, a Suécia ser vista como estando a partilhar uma causa com o bloco comunista, não desencorajou o parlamento nem o governo suecos de fornecer ajuda não militar (146).

No início da década de setenta a maior crítica que se fazia ao governo social- democrata (tanto por parte da oposição não-socialista do Partido Liberal, como pelo movimento de solidariedade) tinha a ver com as relações comerciais que a Suécia mantinha com Portugal, seu parceiro na EFTA, pois dizia-se que aumentar a ajuda humanitária oficial ao PAIGC e seu aliados da CONCP e, ao mesmo tempo, aumentar o comércio com a potência colonial portuguesa era altamente imoral e contraditório (147). 

Para os Grupos de África este facto constituía a prova de que o governo ”protegia os interesses dos imperialistas suecos” (148). O escritor e activista Göran Palm que, depois de uma visita às zonas libertadas da Guiné-Bissau, nos finais de 1969, escrevera entusiasticamente que fora recebido ”como um príncipe” por causa da ajuda sueca (149),  concluía em 1971 que ”a Suécia dá com a mão esquerda social-democrata, mas tira com a mão direita, capitalista” (150).

As conclusões de Palm foram apresentadas no prefácio de um livro de textos em sueco, escrito por Amílcar Cabral, e publicado com o título A nossa luta, a Vossa luta. O título foi retirado de um discurso feito em 1964, no qual Cabral declarava que o Imperialismo era o inimigo comum da classe operária internacional e dos movimentos de libertação nacionais. Daí que devesse ser combatido numa ”luta comum” (151).  O discurso de Cabral, incluído na antologia Guerrilha (152), de Anders Ehnmark, foi muito citado pelo movimento anti-imperialista sueco.

Numa conferência em Estocolmo em que participaram os Grupo de África de Arvika, Gotemburgo, Estocolmo e Uppsala, que se auto-proclamavam ”grupos de trabalho anti-imperialistas” (153) e que definiram como um dos seus principais objectivos ”estudar e combater o imperialismo, especialmente o da Suécia em África” (154), foi adoptada uma directriz, em jneiro de 1971 ”para a actividade dos grupos” (155). 

Terminada conferência, os grupos enviaram cartas para os gabinetes da FRELIMO, do MPLA e do PAIGC, informando-os de que o trabalho do movimento de solidariedade se baseava ”no princípio formulado pelo camarada Amílcar Cabral”, nomeadamente que "a melhor forma de provar a vossa solidariedade é lutar contra o imperialismo nos vossos países,ou seja, na Europa. Enviar-nos medicamentos é positivo, mas secundário" (156).

Independentemente das suas posições quanto ao imperialismo, era difícil afirmar, pelo menos no caso da Suécia, que os líderes do PAIGC, da FRELIMO e do MPLA tenham ficado muito estimulados por, no início de 1971, terem sido informados da aplicação de uma declaração geral feita em 1964 e que se aplicava a uma situação concreta, existente nesse primeiro momento (157).  É além disso improvável que considerassem a ajuda humanitária como algo secundário, ou que vissem de todo a Suécia como um país imperialista (158).

O líder citado do PAIGC participara activamente na ajuda sueca. Cabral tinha também uma enorme abertura de espírito face ao relacionamento entre a Suécia e Portugal. Durante a sua primeira visita, realizada nos finais de 1968, declarou, segundo narra Pierre Schori, que Portugal não devia ser excluído da EFTA, pois isso significaria ”que o país poderia agir com ainda mais à-vontade” (159). 

 Como consta das notas de uma reunião entre o representante das Nações Unidas, Sverker Åström,  e Cabral, realizada em fevereiro de 1970, este último deixou clara a sua opinião, dizendo "perceber perfeitamente que a filiação de Portugal na EFTA impunha certos limites à Suécia, mas que queria destacar que não gostaria, de forma alguma, de recomendar uma interrupção das relações comerciais entre a Suécia e Portugal, corte esse que sabia ser exigido por certos núcleos radicais de jovens na Suécia" (160).

Uma vez que encabeçava uma luta de libertação que estava a correr bem e tendo a intenção de manter e desenvolver relacionamentos internacionais depois da independência da Guiné-Bissau, a diplomacia conduzida por Cabral caracterizava-se por um realismo pragmático

De acordo com o académico guineense Carlos Lopes, o seu principal mote condutor era ”a nossa ideologia é o nacionalismo, obter a nossa independência, e obtê-la de uma forma absoluta, e fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance usando as nossas próprias forças, embora cooperando com todos os outros povos para conseguir desenvolver o nosso país” (161). 

Esta posição não só contrasta com a interpretação ideológica do conceito de luta nacionalista feita pelo movimento de solidariedade sueco, como levou Cabral, nessa altura, a retirar algum destaque a várias iniciativas, levadas a cabo na cena internacional, em prol do PAIGC. 

Isso mesmo fica claramente demonstrado antes da Assembleia Geral das Nações Unidas em novembro de 1972 quando, por deferência estratégica para com a Suécia e os outros países nórdicos, recusou a possibilidade que lhe foi dada de se dirigir ao pleno da assembleia, como primeiro representante de um movimento de libertação.

O pano de fundo para essa recusa foi o seguinte: O Comité das Nações Unidas para a Descolonização (162) (também chamado Grupo dos 24) organizou uma visita única de apuramento de factos à Guiné em abril de 1972 ”com o objectivo de desmistificar as afirmações portuguesas segundo as quais não existiam quaisquer zonas libertadas e dar legitimidade aos movimentos africanos de libertação” (163).

 A delegação era composta por três jovens diplomatas das Nações Unidas, um dos quais (de nome Folke Löfgren, o primeiro secretário da missão permanente em Nova Iorque) representava a Suécia (164),  país que, na altura, era o único membro ocidental do Comité para a Descolonização (165). 

Uma vez que o governo sueco tinha alargado bilateralmente, e de forma considerável, a ajuda humanitária ao PAIGC, a iniciativa foi seguida com todo o interesse pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo. 

Organizada ”de forma clandestina” (166), a missão das Nações Unidas provocou indignação em Portugal (167).  Durante a visita, os portugueses intensificaram os bombardeamentos aéreos e a actividade militar em geral contra as zonas libertadas. Löfgren diria depois que ”fomos ingénuos, ao ponto de não acreditar que Portugal poderia tratar as Nações Unidas desta forma” (168).

As Nações Unidas ficaram ”impressionadas com o entusiasmo e a cooperação abnegada que o PAIGC recebe das populações nas zonas libertadas e o grau de participação dessa mesma população na maquinaria administrativa criada pelo movimento de libertação” (169), concluindo que o PAIGC não apenas controlava militarmente, mas governava de facto os territórios libertados. 

Löfgren teve oportunidade de registar in loco que a ajuda humanitária sueca (nomeadamente em termos de material escolar, mormente na forma do livro escolar O Nosso Livro) chegava às populações no interior do país (170). 

Em geral,a missão confirmou o apoio popular de que gozava o PAIGC nas zonas visitadas, tendo recomendado o reconhecimento da declaração planeada de independência da Guiné-Bissau (171). 

 Com base nas suas conclusões, o Comité das Nações Unidas para a Descolonização aprovou, numa reunião em Conacri a 10 de abril de 1972, na qual participou Amílcar Cabral, uma resolução, em que reconhecia o PAIGC "como o único e autêntico representante do território da Guiné-Bissau, solicitando a todos os estados e agências especializadas, bem como outras organizações do sistema das Nações Unidas, que tomassem esse facto em consideração ao tratar de questões que se relacionassem com a Guiné-Bissau e Cabo Verde" (172).

Tratou-se de um grande êxito politico e diplomático para o PAIGC e, de uma forma mais geral, de ”um enorme avanço em termos da compreensão internacional para a maior legitimidade dos movimentos africanos de libertação junto das Nações Unidas”.173 

Com base no relatório da missão (**), o Comité das Nações Unidas para a Descolonização pôde então instar ao reconhecimento dos movimentos de libertação enquanto observadores, e não apenas como peticionários (174).

Ainda mais importante do que isso foi que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, foi possível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse directamente à Assembleia Geral das Nações Unidas, honra essa que teria cabido a Amílcar Cabral mas que, devido às reservas da Suécia e dos países nórdicos, não se veio a verificar. Numa entrevista datada de 1995, o presidente do Comité de Descolonização das Nações Unidas, Salim Ahmed Salim da Tanzânia, relembra:

"Amílcar Cabral veio a Nova Iorque e nós tentámos que ele falasse na Assembleia Geral dasNações Unidas. Nessa época era inconcebível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse à Assembleia Geral, mas nós dispúnhamos dos apoios necessários para tal. 

"Contudo, os países nórdicos tinham reservas. Lembro-me do embaixador da Suécia e os outros embaixadores nórdicos me dizerem: ”Olhe que não estamos satisfeitos com isto. Em termos legais, teremos problemas se representantes dos movimentos de libertação se dirigirem à Assembleia Geral. É algo sem precedentes e que vai provocar imensos problemas.”(175). 

"Fui então ter com Amílcar Cabral e disse-lhe: ”Sr. Secretário Geral, se quiser dirigir-se à Assembleia Geral, nós dispomos de votos para tal. Temos o apoio necessário dos países africanos e asiáticos, bem como de um conjunto de países sul-americanos. Mas quero que saiba que os países nórdicos estão muito descontentes com isso. O que fazemos?” Cabral então disse: ”Olhe, os países nórdicos são nossos amigos. Ajudaram-nos nas alturas mais difíceis e não queremos criar-lhes dificuldades. Não me dirigirei à Assembleia Geral”.

"Havia imenso respeito pela posição dos países nórdicos. Nem se punha a possibilidade de duvidar da sua integridade ou da sua sinceridade relativamente aos movimentos de libertação. Se qualquer outro país ou conjunto de países tivesse dito que não, nós teríamos trazido a questão ao conhecimento da Assembleia Geral e recebido os votos necessários. [...] Nós sabíamos que a posição dos países nórdicos era de apoiar os movimentos de libertação de uma forma prática.

"Essa era, também, a única maneira de entender a posição de Cabral, pois ele era um desses visionários, um gigante entre as pessoas, que não hesita. Ele mostrou o respeito que nutria pelos países nórdicos e, como é óbvio, esse respeito foi partilhado por aqueles que o apoiavam e que apoiavam a luta (176).

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Notas do autor:

131. A primeira dotação ao PAIGC em 1969–70 foi de 1 milhão de coroas suecas. O primeiro donativo à SWAPO da Namíbia, concedido em 1970–71, foi de 30.000 coroas suecas e a ajuda regular ao ANC da África do Sul foi de 150.000 coroas suecas em 1972–73.

132. Amílcar Cabral opunha-se firmemente à ideia de receber ajuda oficial sueca via o Comité de Libertação da OUA (Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972) (MFA). 

As relações diretas e bilaterais não só aumentaram a influência do movimento de libertação sobre o programa de apoio, mas fortaleceram também a posição do mesmo na cena internacional. Deve-se acrescentar a isto as limitações administrativas da OUA. Todos os movimentos de libertação da África Austral apoiados pela Suécia partilhavam do ponto de vista de Cabral neste aspeto. 

No caso do Zimbabué, o antigo vice-secretário das Finanças da ZANU, Didymus Mutasa, explicaria depois: ”Nós sentimos muito o peso da burocracia que reinava no seio da OUA. Eles diziam que tínhamos de esperar pela cimeira dos chefes de estado que, depois de reunir, ainda iria demorava muito tempo a decidir se era ou não necessário que avançássemos com a luta de libertação. Entretanto, nós ficávamos sentados ao sol, à espera e na esperança de que chegasse ajuda. Daí que tenhamos pensado porque não haveríamos de receber o dinheiro directamente” (Entrevista com Didymus Mutasa, p. 218). Cf. Ansprenger op. cit.

133. De acordo com Aristides Pereira, que visitou Estocolmo no início de janeiro de 1973, o afastamento de Silveira foi uma ”medida disciplinar”, motivada pelo facto deste se ter recusado a viajar para a Guiné, para debates com o PAIGC. Contudo, o movimento estava ”muito satisfeito com o trabalho feito por Silveira na Suécia” (Anders Möllander: Memorando (”Minnesanteckningar från besök 1973 01 02 av Aristides Pereira, PAIGC”/”Notas davisita de 1973 01 02 de Aristides Pereira, PAIGC”), Estocolmo, 4 de janeiro de 1973) (SDA). 

O novo representante do PAIGC, Gil Fernandes, foi apresentado por carta de Aristides Pereira pouco tempo depois (Carta de Aristides Pereira à ASDI, Conacri, 11 de janeiro de 1973) (SDA). Fez a sua primeira visita à ASDI em meados de fevereiro de 1973, na companhia de Fernando Cabral, irmão do líder do PAIGC recentemente assassinado (Carta (”Svensktvarubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI a Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973) (SDA). 

Em resumo, quanto à representação do PAIGC na Suécia, não houve grandes quebras no relacionamento. Silveira veio depois a trabalhar para as Nações Unidas em vários países africanos. Em novembro de 1998 formou um novo partido político, o Partido do Trabalho e da Solidariedade (PTS) em Cabo Verde, seu país de origem.

134. O governo português sabia do plano do PAIGC de declarar a Guiné-Bissau independente em 1973, e receava que isso se traduzisse num aumento da pressão no sentido de se fazer a descolonização em Angola e Moçambique, e num desafio à sua autoridade em Portugal. 

O assassinato de Cabral resultou duma operação iniciada pela PIDE, que contou com a ajuda de um grupo de dissidentes do PAIGC. Cabral foi alvejado a tiro em pleno dia, em frente ao gabinete do PAIGC em Conacri, por um antigo comandante naval do PAIGC (ver Chabal op. cit., pp. 132–43).

135. Aristides Pereira foi confirmado como novo secretário geral e Luís Cabral como vice secretário geral, no congresso do PAIGC realizado no Boé (no leste da Guiné-Bissau) em julho de 1973.

136. Carta (”Svenskt varubistånd till PAIGC”/”Ajuda sueca em géneros ao PAIGC”) de Marianne Rappe, ASDI para Gun-Britt Andersson, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 26 de fevereiro de 1973 (SDA).

137. A memória de Cabral foi objecto de homenagem, entre outras, do primeiro ministro Palme, no parlamento (”Extracto do discurso de abertura do primeiro ministro, Olof Palme, no debate político na generalidade, Riksdag”, 31 de janeiro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Pollicy: 1973, Estocolmo, 1976, pp. 19–20). 

Palme tinha já enviado as suas condolências ao PAIGC e à viúva do secretário geral assassinado, caracterizando-o como ”um dos líderes mais proeminentes do Terceiro Mundo” (Telegrama do Ministro dos Negócios Estrangeiros à delegação sueca nas Nações Unidas em Nova Iorque, Estocolmo, 22 de Janeiro de 1973) (MFA).

Mostra das tensas relações entre o movimento de solidariedade e o governo nessa altura é a forma como os pêsames de Palme foram descritos pelos Grupos de África, ou seja, como ”uma desagradável tentativa de tirar partido do bom nome e da reputação do PAIGC, à escala mundial, num momento de dor” (Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 19, 1973, p. 9).

138. MacQueen op. cit., p. 21.

139. Carlos Lopes: Guinea Bissau: From Liberation Struggle to Independent Statehood, Westview Press, Boulder, Colorado and Zed Books, Londres e New Jersey, 1987, pp. 57–58.

 140. Södra Afrika Informationsbulletin, nº.  19, 1973, pp. 2 e 9.

141. Em janeiro de 1972, o presidente do Partido de Esquerda Comunista, C.H. Hermansson, apresentou uma moção ao parlamento, exigindo o ”fim do princípio de tutela para a ajuda humanitária aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas e a favor de um princípio de ajuda incondicional” (Parlamento sueco 1972: Moção nº. 57, Riksdagens Protokoll, 1972, p. 5).

Entrevistado em 1996, Hermansson explicou que ”na nossa opinião, os movimentos de libertação deveriam, por exemplo, ter a possibilidade de comprar armas (e tudo o que precisassem para a sua luta) com a ajuda sueca” (Entrevista com C.H. Hermansson, p. 291).

142. O governo norueguês decidiu, em março de 1972, atribuir um milhão de coroas norueguesas ao PAIGC. Essa ajuda foi aumentada para 1,5 milhões de coroas norueguesas em 1973.  Para mais informações sobre a Noruega e o PAIGC, consulte Tore Linné Eriksen: ”As origens de um relacionamento especial: Noruega e África Austral 1960– 1975” em Eriksen (ed.) op. cit., pp. 72–77. 

Antes de o governo finlandês tomar, em 1973, uma decisão de princípio em prol da ajuda directa aos movimentos de libertação africanos, Cabral fez uma visita a Helsínquia. Convidado por um comité ad-hoc, de um conjunto muito largo em termos de base de ONGs, presidido pelo futuro primeiro ministro social democrata Kalevi Sorsa, Cabral foi oficialmente recebido em outubro de 1971 pelo presidente Urho Kekkonen. Segundo Soiri e Peltola, Cabral ”foi o primeiro líder dos movimentos de libertação africanos a ser tratado como um estadista na Finlândia”. A visita ”foi um êxito e congregou, pela primeira vez, os partidos políticos finlandeses à volta da questão de acabar com o colonialismo em África” (Iina Soiri e Pekka Peltola: Finland and National Liberation in Southern Africa /”A Finlândia e a Libertação Nacional na África Austral”/, Nordiska Afrikainstitutet, Uppsala, 1999, pp. 51–52).

143. Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com nFolke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (SDA). A ASDI solicitou informação sobre outros doadores ao PAIGC e aos movimentos de libertação da África Austral. A informação era regularmente incluída nos documentos apresentados ao Comité Consultivo para Ajuda Humanitária.

144. Na fase final da guerra de libertação, a União Soviética forneceu ao PAIGC mísseis terra-ar, dando a supremacia, de forma decisiva, ao movimento de libertação. Os mísseis foram pela primeira vez usados em março de 1973, altura em que o PAIGC abateu dois caças-bombardeiros fornecidos pela República Federal da Alemanha. No ano que se seguiu, os portugueses perderam trinta e seis aviões (Rudebeck op. cit., pp. 52–53).

145. No caso da ZANU do Zimbabué, o principal fornecedor de armas era a República Popular da China.

146. Ver, por exemplo, as entrevistas com o antigo director geral da ASDI (1965–79) Ernst Michanek (p. 323) e com a antiga Ministra para a Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (1985–91) e dos Negócios Estrangeiros (1994–98) Lena Hjelm-Wallén (p. 293). Em 1998, Hjelm-Wallén foi nomeada vice primeiro ministro.

147. Esta perspectiva era também partilhada por importantes grupos dentro do Partido Social Democrata, no poder. Birgitta Dahl, por exemplo, levantou no parlamento sueco a questão da legislação contra investimentos em Portugal e nas suas colónias (”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma interpelação pela Sra. Dahl”, 10 de dezembrde 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo, 976, pp. 155–59).

148. AGIS op. cit., p. 194.

149. Göran Palm: ”Rapport från Guiné-Bissau”/”Relatório da Guiné-Bissau” sem indicação de local nem data (SDA).

150. Introdução por Göran Palm a Cabral (1971) op. cit., p. 25.

151. Cabral (1971) op. cit., p. 37.

152. Ehnmark (1968) op. cit., pp. 139–58.

153. ”Protokoll”/”Actas” (”Konferens mellan Afrikagrupperna i Sverige, 2–3 januari 1971”/”Conferência entre os Grupos de África na Suécia, 2–3 de janeiro de 1971”) sem indicação de local nem data (AGA).

154. Os Grupos de África na Suécia: ”Circular nº. 3”, sem indicação de local, 8 de abril de 1971 (AGA).

155. Ibid. Ver também Södra Afrika Informationsbulletin, nº. 11, 1971, p. 2.

156. Carta (em francês) em nome dos Grupos de África de Arvika, Lund, Estocolmo e Uppsala, escrita por Dick Urban Vestbro e enviada à FRELIMO, ao MPLA e ao PAIGC, Estocolmo, 3 de janeiro de 1971 (AGA).

157. Pelo contrário, numa alocução conjunta com Göran Palm na Universidade de Uppsala, em novembro de 1968, Cabral disse: ”Não se limitem a manifestar-se. Façam também algo de concreto. [...] Enviem-nos medicamentos e outros bens de que necessitamos” (Upsala Nya Tidning, 28 de novembro de 1968). 

O primeiro pedido de ajuda sueca à luta de libertação nas colónias portuguesas em África foi feito por Marcelino dos Santos em nome do MPLA, em 1961. Centrava-se no pedido de medicamentos para os refugiados angolanos na região do Baixo Congo.

Apercebendo-se da reacção positiva do jornal Expressen, Cabral também pediu ao jornal liberal sueco que ajudasse a conseguir medicamentos.

158. Cf. as entrevistas com Lúcio Lara do MPLA (pp. 18–21) e Marcelino dos Santos da FRELIMO (pp. 47–52).

159. Citado em ”Portugals argumentnöd bevisar: Kolonialkrigen går dåligt!” (”A falta de argumentos de Portugal prova que as guerras coloniais não estão a correr bem!”), em Arbetet, 13 de dezembro de 1968.

160. Carta (”Samtal med Amílcar Cabral om läget i Portugisiska Guinea”/”Conversa com Amílcar Cabral sobre a situação da Guiné portuguesa”) de Sverker Åström para o Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 26 de fevereiro de 1970 (SDA).

161. Cabral citado em Lopes op. cit., p. 57.

162. Ou seja, o Comité Especial das Nações Unidas sobre a situação relacionada com a Aplicação da Declaração de concessão de independência aos países e povos coloniais, ou o Comité das Nações Unidas para o acompanhamento dos acontecimentos relativos à Declaração de Descolonização de 1960.

163. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. Na altura, Salim era o presidente do Comité das Nações Unidas para a Descolonização. Pessoa próxima dos movimentos africanos de libertação, foi depois nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros (1980–84) e primeiro ministro (1984–85) da Tanzânia. Em 1989, Salim foi eleito secretário geral da OUA.

164. A missão das Nações Unidas foi chefiada por Horacio Sevilla-Borja, do Equador. O terceiro membro era Kamel Belkhiria,  da Tunísia. Acompanhados por uma numerosa escolta militar do PAIGC, os três diplomatas fizeram-se acompanhar de uma secretária e de um fotógrafo. A visita realizou-se entre 2 e 8 de abril de 1972.(**)

165. Carte de Brita Åhman ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 7 de março de 1972 (MFA). A participação da Suécia no Comité das Nações Unidas para a Descolonização foi da maior importância, devido aos contactos que tinha e às políticas que desenvolvia com os movimentos africanos de libertação. 

Em abril de 1972, por exemplo, o representante sueco, Brita Åhman, participou nos debates deste comité com um total de quinze movimentos, em Conacri (Guiné), Lusaca (Zâmbia) e Addis Ababa (Etiópia). Num extenso relatório das ”audições”, enviado ao Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, fez uma avaliação das políticas e da força de cada um dos movimentos de libertação, dando uma orientação preciosa ao governo sueco (Brita Åhman: Memorando (”Kolonialkommitténs session i Afrika 1972”/”A sessão do Comité para a Descolonização em África, 1972”), Nova Iorque, 19 de junho de 1972) (MFA).

166. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

167. De forma notável, o embaixador sueco em Portugal, Karl Fredrik Almqvist, também repudiou a iniciativa

Enquanto o secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, felicitava os membros da missão pela visita difícil, mas bem-sucedida, Almqvist descrevia-a como ”uma violação da soberania de outro país”, dizendo que a missão tinha ”violado a legislação internacional” e que a participação da Suécia poderia prejudicar a ”boa-vontade internacional” para com a Suécia (Carta de Karl Fredrik Almqvist ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 14 de abril de 1972) (MFA).

168. Citado em Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de abril de 1972 (SDA).

169. Nações Unidas: ”Relatório da Missão Especial das Nações Unidas à Guiné-Bissau”, Reimpresso de Objective: Justice, Vol. 4, Nº 3, Nova Iorque, setembro de 1972, p. 12.

170. Johnny Flodman: ”Svensk FN-diplomat jagades av portugiser i Guinea” (”Diplomata sueco das Nações Unidas foi perseguido pelos portugueses na Guiné”), em Svenska Dagbladet, 17 de abril de 1972.

171. A missão visitou a Guiné-Bissau numa altura em que o PAIGC estava a conduzir os preparativos para as primeiras eleições nacionais no país, nas zonas libertadas. As eleições para os conselhos regionais realizaram-se em agosto de 1972. Os conselheiros elegeram, por sua vez, os membros de uma Assembleia Nacional.

172. Nações Unidas: Secretariat News, Vol. XXVII, nº. 10, Nova Iorque, 31 de maio de 1972, p. 9.

173. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.

174. Ibid.

175. De acordo com a delegação sueca às Nações Unidas, foi transmitido a Cabral que ”a Suécia votaria, naturalmente, a favor na questão da sua proposta alocução perante a Assembleia Geral, mas [...] chamava a sua atenção para o facto de parecer evidente que a própria causa de Cabral não vir a sair beneficiada, se uma tal proposta der azo a divisões de opinião e a uma votação” (Telegrama da representação sueca nas Nações Unidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 24 de outubro de 1972) (MFA).

176. Entrevista com Salim Ahmed Salim, pp. 244–45.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / itálicos / bold, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G ]

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Notas do editor:

16 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19592: (D)o outro lado do combate (48): A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - III (e última) Parte: capa + pp. 9-11.

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24547: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (3): EPC - Escola Prática de Cavalaria - Santarém: Especialidade

Caldas da Rainha - João Moreira, em primeiro plano, no dia do juramento de bandeira


"A MINHA IDA À GUERRA"

3 - EPC - ESCOLA PRÁTICA DE CAVALARIA - ESPECIALIDADE

João Moreira


Mas, como eu não tinha "cunha" atribuíram-me a especialidade de atirador de cavalaria e lá segui eu para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde se repetiu o meu martírio.

Passados poucos dias fui ao médico da EPC. Consultou-me e ouviu as minhas queixas. Mandou-me logo para o Hospital Militar de Tomar.

Após os exames e reconfirmada a minha "Espinha Bífida", mandaram-me para o Hospital Militar Principal, em Lisboa, por ser o único hospital militar que podia resolver os processos dos milicianos.

Em Lisboa confirmaram a minha deficiência... e deram-me alta. Voltei a Santarém. Como já tinha ultrapassado o número de faltas permitido mandaram-me para casa, com a especialidade perdida. (Era a segunda Especialidade perdida).

Em Outubro de 1969 voltei à Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
Falei com o 1.º sargento enfermeiro que ficou surpreendido por o Hospital Militar Principal, em Lisboa não me ter reclassificado ou mandado para casa, livre da tropa. Disse-me que ia pedir a minha ida a uma junta médica no Hospital Principal, em Lisboa, para resolverem a minha situação que já se arrastava havia 6 meses e, se perdesse a terceira especialidade, ia para o contingente geral.

Chegado ao Hospital Militar em Lisboa, fui à secretaria entregar a documentação que levava.
Disseram-me onde funcionava a Junta e para ir para lá e esperar que me chamassem.
Quando já era o único militar por chamar, e os médicos começaram a sair constatei que algo estava errado.

Dirigi-me a um médico que saiu e expliquei-lhe o que se estava a passar. Ele identificou-se como sendo o subdirector do Hospital e disse para ir com ele à secretaria para tratar do meu internamento.

Aí tocaram as "campainhas". Expliquei-lhe que não ficava internado, porque a perda da terceira especialidade significava a minha ida para o contingente geral. Por isso ia regressar a Santarém.
Ele garantiu-me que ia à Junta antes de acabar o prazo de faltas, e que não perdia a especialidade.

Também me disse que eu ia ser internado no Hospital Anexo, em Campolide, e que ele ia lá todas as manhãs. Disse para quando eu chegasse ao Anexo perguntasse onde era o gabinete do director do Hospital e fosse falar com ele às 10 horas da manhã seguinte, para pôr o meu processo a andar com urgência.

Na manhã seguinte, fui falar-lhe e ele chamou logo um 1.º sargento enfermeiro, e deu-lhe indicações para ele acompanhar o processo de forma a estar pronto a tempo de eu ir à Junta na semana seguinte.

A mim disse para ir todas as manhãs falar com ele, para o informar do que tinha feito, e chamava o 1.º sargento para confirmar se estava tudo a rolar para ir à Junta na semana seguinte. Na semana seguinte, antes de atingir o limite de faltas que originava a perda da especialidade, fui à Junta.

Quando fui chamado, o diretor do Hospital pegou no meu processo e disse que continuava com a mesma especialidade.

O subdirector, que tinha acompanhado o meu processo e sabia a gravidade da minha deficiência perguntou aos outros médicos se eles tinham lido o processo e se sabiam qual era a gravidade do meu problema.

Eles não responderam, e o director tomou a palavra e disse que "se eu fosse soldado ia já para casa", mas como era miliciano continuava como atirador de cavalaria porque havia falta de milicianos.

Com esta resposta dum coronel médico, director do Hospital Militar Principal, eu fiquei sem fala. Foi um choque tão grande que eu não consegui reagir.

Penso que se o subdirector reagisse adequadamente, a Junta tinha-me mandado para casa, ou no mínimo tinha-me reclassificado para uma especialidade que não tivesse actividade física.

Voltei à EPC em Santarém e falei com o 1.º sargento enfermeiro, que ficou incrédulo com o sucedido, e tomou a iniciativa de ir falar com o meu comandante de pelotão para me dispensar das provas físicas.

Como tinha boas notas nos testes, compensava para as provas físicas. E assim acabei a especialidade com aproveitamento.
Caldas da Rainha - Da esquerda para a direita: em pé: Seco, Castro, Daniel e João Moreira. Dos deitados não lembro os nomes.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24531: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (2): CIOE / Rangers - Especialidade em Lamego (Parte 2)

Guiné 61/74 - P24546: Fotos à procura de... uma legenda (176): A "rainha de Catió", fotografada em 1964/66 (pelo João Sacôto) e em 1972 (pelo Mário Arada Pinheiro)

Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > "Mulher grande, rainha de Catió". 

Foto do álbum do João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo, ex-alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66) e depois piloto da aviação civil onde chegou a comandante da TAP, reformado desde 1998. Conviveu com a população, fula e balanta, de Catió e arredores, incluindo Príame (a tabanca do cap 'comando' graduado João Bacar Jaló, 1929-1971).

Foto (e legenda): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Guiné > Região de Tombali > Catió > BCAÇ 2930 (Catió, 1970-72) >  O então maj inf Mário Arada Pinheiro, 2.º cmdt do BCAÇ 2930, com a "rainha de Catió" e algumas das suas netas (?)... Em chão nalu, ela era fula. As miúdas mais pequenas estão "meio escondidas", envergonhadas ou intimidadas (como era normal, na presença dos "tugas")... (**)

Foto (e legenda): © Mário Arada Pinheiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Será a mesma senhora? A "rainha do Catió", fotografada por volta de 1964/66, pelo João Sacôto, e seis ou oito anos mais tarde, em 1972, pelo Mário Arada Pinheiro?

Ambos os fotógrafos lhe chamam "rainha de Catió", " mulher grande", "fula em terra de nalus"... Mas o Cherno Baldé, o nosso assessor para as questões etnolinguísticas, tem dúvidas, tendo deixado este comentário no poste P24549 (*):

(...) "Em Catió, na altura, o Bairro dos fulas, melhor dizendo futa-fulas, era logo à entrada em Priame, onde também vivia a família do Cap 
Cmd João Bacar Jaló. Por isso, quer-me parecer que a mulher grande aqui apresentada como a "rainha de Catió" poderia muito bem ser uma das suas viúvas ou uma familiar muito próxima, para merecer as visitas de um alto oficial do Batalhão sediado em Catió.

"Os fulas não têm rainhas e muito menos no chão Nalú, mesmo estando em terras conquistadas pelos seus antepassados. Talvez o Mário Arada Pinheiro nos possa esclarecer a dúvida." (9 de agosto de 2023 às 16:29 (...)

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Cherno, estou agora, neste mês, quase todos os dias com o coronel Mário Arada Pinheiro, tem casa de férias aqui na Praia da Areia Branca... Pertencemos ambos ao GAPAB / Vigia (Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca). Vou-lhe "espicaçar" a memória, que é muito boa para quem já teve a felicidade de chegar aos 90 anos. (E ainda há dias o vi a conduzir aqui na Lourinhã.) Realmente nunca vi nenhuma rainha "fula"... Dos nalus conheci, em 2008, o "rei", Salifo Camará, falecido em 2011... Aliás, "Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus" (tinha 87 anos em 2008).

Em Angola, sim, houve várias rainhas, que ficaram na história, começando pela mais célebre, Mwene Nzinga Mbandi (c. 1582, - 1663), também conhecida por rainha Njinga ou Ginga, ou Ana de Sousa (para os portugueses).

Vamos lançar o desafio aos nossos dois fotógrafos e aos nossos camaradas que tenham passado por Catió... Quem é (era ou foi) esta "mulher grande, rainha de Catió"? (***)
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Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 28 de março de 2019 : Guiné 61/74 - P19628: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte VII: Catió e arredores: contactos com a população civil

(**) 9 de agostoi de 2023 > Guiné 61/74 - P24540: Fotos do álbum do cor inf ref Mário Arada Pinheiro, antigo 2º cmd do BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72) e cmdt do Comando Geral de Milícias (Bissau, 1972/73)

(***) Último poste da série > 30 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24519 Fotos à procura de... uma legenda (175): Capinadores e "homens armadas" em Cutia, tabanca e destacamento no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 2885 (1969/71) (José Torres Neves, capelão)

Guiné 61/74 - P24545: Efemérides (406): Homenagem aos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar naturais da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão, Concelho de Resende, a levar a efeito no dia 2 de Setembro de 2023 (Fátima Soledade / Fátima Silva)


1. Mensagem das nossas amigas Fátima Soledade e Fátima Silva, filhas de antigos combatentes do ultramar, enviada ao nosso Blogue no dia 9 de Agosto de 2023, com um convite para a cerimónia de homenagem aos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar naturais da União de Freguesias de Felgueiras e Feirão, Concelho de Resende, a levar a efeito no dia 2 de Setembro de 2023:

Caro amigo, Carlos Vinhal
Espero que se encontre bem e de boa saúde.
Mais uma vez, as Fátima`s solicitam a vossa colaboração, no sentido de dar a conhecer a próxima cerimónia que ocorrerá, no dia 2 de setembro, pelas 15h, no S. Cristóvão, em plena Serra de Montemuro de onde partiram muitos resendenses.

Serão homenageados todos os combatentes, onde se inclui dois mortos no cumprimento do seu dever em terras africanas - Augusto Pereira Dias, falecido no hospital militar em Lisboa, após ter sido gravemente ferido em Angola, no dia 4 de agosto de 1967, e Armando Pereira Coelho, falecido por motivo de acidente em Angola, no dia 25 de outubro de 1970.

Em anexo, enviamos o Convite de publicitação, ficando à Vossa Consideração.
Esperamos brevemente pela Vossa visita.
Recomendações sinceras para todos os responsáveis e colaboradores do blogue.

Muito gratas e com toda a estima,
Fátima Soledade e Fátima Silva (Fátima´s)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24543: Efemérides (405): No dia 8 de Agosto de 1970, zarpou de Lisboa o N/M Carvalho Araújo, levando a bordo a açoriana CCAÇ 2753, aportando em Bissau no dia 17 do mesmo mês (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P24544: Parabéns a você (2192): Alberto Nascimento, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24520: Parabéns a você (2191): Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350/72 (Guileje, Gadamael, Quinhámel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24543: Efemérides (405): No dia 8 de Agosto de 1970, zarpou de Lisboa o N/M Carvalho Araújo, levando a bordo a açoriana CCAÇ 2753, aportando em Bissau no dia 17 do mesmo mês (José Carvalho, ex-Alf Mil Inf)

José Carvalho, a bordo do N/M Carvalho Araújo, ao avistar a Ilha de S. Vicente


1. Mensagem do nosso camarada José Carvalho, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim e Mansabá, 1970/72), com data de hoje:


8 de Agosto de 1970

Decorrido mais de meio século, recordo a data de 8 de Agosto, pois foi nesse dia que a CCAÇ 2753, embarcou no N/M Carvalho Araújo, com destino a Bissau - Guiné.

A CCAÇ 2753, maioritariamente constituída por bravos militares açorianos e enquadrada por continentais, com excepção de três sargentos do quadro permanente, era uma companhia independente e muito miliciana.

A Companhia formada no BII 17, em Angra do Heroísmo, deixou aquela cidade em meados de Maio, com destino ao continente, sendo colocada no RI 1, Amadora. O IAO foi realizado na zona de D. Maria – Caneças.

Fez a CCAÇ 2753 parte das forças em parada nas cerimónias do Dia de Portugal, 10 de Junho, no Terreiro do Passo - Lisboa, dia em que as alterações climáticas já se faziam sentir.

Concluído o treino operacional, a Companhia no início de Julho, foi transferida para umas instalações militares desactivadas, situadas na margem sul, no Pragal, a curta distância do Cristo Rei, que eram utilizadas para alojar efectivos, enquanto aguardavam embarque para as ditas Províncias Ultramarinas.

Assim durante cerca de um mês, a independente CCAÇ viveu em independência absoluta, havendo no local rotativamente somente a presença de um sargento e de um oficial, que enquadravam os militares açorianos, que na esmagadora maioria não tinham familiares continentais, para onde se pudessem desenfiar!

Havia necessidade de alimentar a rapaziada e também manter actividades físicas, que não somente as praticadas nas praias da Caparica.

Não foi fácil manter alguma disciplina e controlo dos rapazes açorianos, vendo que os continentais gozavam fins-de-semana prolongados em casa dos seus familiares, desfrutando mais uns dias de férias. 

Assim era raro o dia em que a PM não ia ao Pragal, quase sempre durante a noite, entregar uns tantos que vagueavam por Lisboa e mesmo dada a novidade que para eles eram os comboios, encontravam-se perdidos algures, até na Figueira da Foz… 

 Durante este período registou-se o óbito do Prof. Oliveira Salazar [em 27 de julho de 1970] e a CCAÇ na madrugada do dia seguinte, foi mobilizada para formar três pelotões para as cerimónias fúnebres. Seriam recolhidos por viaturas do RI 1 no final dessa manhã. Gerou-se o pânico nos presentes, pois só estavam nas instalações um aspirante, um furriel e soldados quase só os açorianos.

Depois de alguns contactos telefónicos, a maioria mal sucedidos, com alguns dos ausentes a mais de 200 Km. No meu caso, o telefonema foi recebido em casa dos meus Pais, estando no Baleal a mais de 100 km e aonde na altura só havia um ou dois telefones públicos. Depois de várias diligências, fui “capturado” por um primo que me transportou ao Pragal, aonde cheguei por volta do meio-dia.

Deparo com várias viaturas já com os militares sentados nas mesmas e para meu espanto e sossego já havia aspirantes e furriéis promovidos naquela manhã… Uma meia dúzia ou mais de soldados, tinham tirado das instalações dos oficiais e furriéis os galões e divisas! Era este o grande espírito de corpo desta companhia!

Depois de tudo preparado para seguirmos a caminho dos Jerónimos, eis que surge nova ordem, a libertar a companhia daquela missão!

Chegou por fim a alvorada do dia 8 de Agosto, desta vez fomos transportados para embarque no navio, que havia chegado dias antes, carregado de gado bovino, precisamente dos Açores.

Depois das cerimónias oficiais habituais, lá partiu no final da manha N/M Carvalho Araújo, creio que na sua ultima viagem, rumo a Bissau, com uma escala na Ilha de S. Vicente, aonde desembarcariam umas dezenas de afortunados militares.

José Carvalho, segundo a partir da direita, na Ilha de S. Vicente, Cabo Verde, acompanhado por 3 outros alferes milicianos, companheiros de viagem a caminho da Guiné.


Antes do navio transpor o Bugio, já os nossos soldados protestavam pelas condições que lhe eram proporcionadas, nomeadamente o odor a gado vacum, que se respirava no convés e não só. Somente nos apercebemos que algo não estava bem quando visualizámos alguns colchões a voar para o mar… Serenados os ânimos,  conseguimos acalmar a “rebelião”, mas durante a viagem muitos soldados dormiram sempre no tombadilho.


A 17 de Agosto atracámos em Bissau.

Fotos (e legendas): © José Carvalho  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24530: Efemérides (404): Foi há 60 anos que o padre missionário italiano Antonio Grillo (1925-2014), do PIME, foi preso (em 23/2/1963), "sob a acusação de atividades subversivas", e depois expulso de Portugal (libertado, em 4/6/1963, em homenagem ao novo sumo pontífice, o Papa Paulo VI)