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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

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Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à recensão desta obra onde se procura passar em revista as atividades da FAP na guerra da Guiné, dá-se a palavra aos autores para fazerem uma apreciação dos condicionalismos em termos de abastecimento e recursos, uma constante que jogou a desfavor das operações aéreas, ao longo dos anos da guerra. Passa-se igualmente em revista a natureza do armamento bélico, o tipo de armas de destruição usadas pela FAP, a necessidade de desenrascar peças, canibalizando aviões avariados. Estamos já no início da guerra, vamos seguidamente apreciar a evolução dos primeiros anos, pautados, primeiro, pelas dificuldades sentidas em captar a natureza da estratégia da luta armada, a sua escolha de pontos de apoio em locais do Sul, do Leste e da região do Morés; a resposta de fixação de destacamentos para apoio das populações e a imprescindível utilização da FAP não só em missões de soberania, de acompanhamento das atividades operacionais e de transporte de feridos, tanto militares como civis.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Seguiram-se outros capítulos, fez-se a contextualização sobre a ascensão dos movimentos de libertação e estamos nesta altura já a falar sobre a implantação da FAP na Guiné num contexto de Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, 1961, prepara-se Bissalanca para as operações de combate mediante de um programa de construção para reabilitar e ampliar a pista do aeródromo, também com a construção de hangares e outras instalações para manutenção e suporte. Verificou-se que um dos problemas mais prementes que se punha à FAP eram as peças, que demoravam muito a chegar e levantavam seríssimos problemas de manutenção. A situação prolongou-se pelos anos seguintes, num relatório de 1961 escrevia-se que a frota DO-27 estava quase totalmente aterrada e só 3 dos 19 helicópteros Alouette-III estavam em perfeitas condições para o combate. Os sucessivos pedidos para estabelecer instalações de manutenção na Guiné não foram atendidos, o que forçava a FAP a canibalizar alguns aviões para obter peças. Estes problemas de manutenção afetaram também as aeronaves que serviam a Guiné: por exemplo, 1 em cada 5 voos dos transportes DC-6 da FAP sofria de falhas de motor enquanto voava de Portugal para África.

O abastecimento de munições também se revelou muito difícil, para o general Diogo Neto revelou-se um dos maiores problemas: “Utilizámos sempre o que estava disponível, o que nem sempre foi o mais adequado. O arsenal nunca esteve satisfatoriamente abastecido, o que obrigava a restrições mensais no consumo”. Dada a intensidade da guerra na Guiné, esta situação só poderia deteriorar-se. No auge da guerra, a FAP consumia mais munições na Guiné do que em Angola e Moçambique juntas. Para mitigar a carência, recorria-se ao fabrico português, incluindo metralhadoras recuperadas de aviões desmantelados.

As bombas de gravidade usadas na Guiné eram de 500 libras, havia bombas comuns de 50 kg e bombas de fragmentação de 20 libras, 15 kg e 200 kg. Usaram-se igualmente foguetes de fragmentação e a munição usada com menos frequência eram foguetes de alta velocidade de 5 polegadas lançados do Neptune e os foguetes de 68 mm disparados pelos T-6 em algumas missões. A partir de 1964, a FAP também empregaria armas incendiárias na Guiné.

Oficialmente, o napalm e o fósforo branco deveriam ser usados “apenas contra alvos militares bem referenciados e em áreas de difícil penetração”. A despeito da crítica internacional contra o uso do napalm e armas semelhantes, as autoridades portuguesas continuaram o seu uso durante a guerra.

Qualquer arsenal aéreo, por mais bem abastecido que esteja, será irrelevante desde que não disponha de pessoal treinado para o empregar. A FAP na Guiné avaliou sempre as suas tripulações em escassez crónica. O ex-Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Lemos Ferreira, observou a disparidade de haver 40 mil homens a combater em meios terrestres contra 60 ou 70 pilotos. Durante os primeiros anos da FAP na Guiné o número nunca ultrapassou os 30, número por demais insuficiente para operar com as aeronaves disponíveis. O número de pilotos aumentaria no final de 1964 e teve o seu ponto mais alto em setembro de 1963, seja como for era um número insuficiente. Em resultado da permanente falta de tripulações, os pilotos voaram um número extraordinariamente elevado de horas e em diferentes aeronaves.

No início da década de 1970, o tempo médio de voo acumulado para cada um dos pilotos é de 2731 horas, número excessivamente elevado. 2 anos de comissão era já um período de exaustão, atendendo às condições de vida, ao clima e à natureza da luta. Não se encontravam voluntários para mais 2 anos. Em 1967, o Ministro da Defesa Nacional visitou a Guiné, e pôde constatar uma série de fatores que impactavam negativamente o moral das forças portuguesas, o clima era considerado devastador. Houve mesmo um diplomata norte-americano que visitou a Guiné e que observou durante os 5 dias de estadia que era mais quente do que ele tinha experimentado na selva amazónica. Até os assessores cubanos do PAIGC se queixavam do calor e das durezas do clima. Mesmo na pacífica Bolama passavam-se tarde opressivas, esperava-se impacientemente pelas ventoinhas do teto para estar no refeitório.

A despeito deste quadro de constrangimentos, pode observar-se que a FAP na Guiné pôde a seu modo constituir-se um modelo de organização. Essa organização e a doutrina que lhe estava subjacente, pessoal e aeronaves, iriam ser postos à prova na escalada da guerra.

Estamos agora em novo capítulo, entrou-se na guerra, contrariando todas as previsões que apostavam em ataques fronteiriços, a primeira flagelação do PAIGC foi em Tite, a 25 kms em linha reta de Bissau, nessa mesma data militantes do PAIGC emboscaram forças portuguesas na região de Fulacunda, a 25 kms a leste de Tite. Entrava-se num quadro estratégico que fora esboçado em agosto de 1961, a passagem para a insurreição armada, envolvendo formas possíveis de sabotagem, flagelações e outras formas de intimidação das forças portuguesas. No segundo semestre de 1962, o PAIGC lançara uma campanha de ataques de pequena escala, cortando comunicações, desarticulando as vias comerciais, lançando em pânico as populações, isto na região sul. Em dezembro de 1962, o PAIGC anunciou publicamente “o uso de todos os meios necessários na luta pela autodeterminação e pela independência”. Nesse mesmo mês, as informações policiais colheram provas de que elementos armados do PAIGC estavam reunidos em Koundara, na fronteira da Guiné-Conacri, serão porventura estes os efetivos que atacaram Tite. Por este tempo já se tinha reforçado consideravelmente o efetivo militar no território, em termos terrestres. O contingente, em 1958, era de cerca de 900 militares do Exército, operando a partir de Bissau e Bolama, estes efeitos aumentaram em 1959. No final de 1962, o efetivo rondava os 5 mil homens distribuídos por 10 pontos em todo o território.

Neste contexto de início de guerra, os aviadores e pessoal de apoio cumpriram uma variedade de requisitos operacionais. Com efeito, as missões pré-guerra do ZACVG incluíam formação, obtenções de informações, faziam voos de soberania, sobretudo nas áreas menos acessíveis pelos meios terrestres. As aeronaves de transporte e outras revelaram-se da maior importância quando o Exército procurou estabelecer-se no interior. Mas os seus ativos eram criticamente escassos.

Todos os três teatros viram aumentar o uso de napalm, apesar do consumo ter sido mais intenso na Guiné do que em Angola ou Moçambique (Coleção Jochen Raffelberg)
Manutenção de um T-6 em Bissalanca (Coleção José Nico)
Bombas de napalm de 80 kg (Coleção Jochen Raffelberg)
Uma amostragem das munições transportadas por um F-86F (Arquivo Histórico da Força Aérea)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 DE DEZEMBRO DE 2022 >
Guiné 61/74 - P23885: Notas de leitura (1532): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VIII: O Prémio Governador da Guiné para o sold Baldé

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia (VIII): "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Dando continuidade à exposição que os autores fazem quanto ao elenco de aeronaves que participaram nos 3 teatros de operações, aqui se procede a uma súmula de quem foi quem no combate aéreo, no transporte de seres humanos e armamento, na vigilância aérea durante as operações terrestres, entre outras atividades. Aqui se fala nos helicópteros de que guardamos memória, os Alouette II e III, o Dakota e o DO-27, cada um de nós guarda seguramente memórias de viagens benignas ou associadas a operações ou transporte de feridos. Os autores recordam a doutrina da NATO para a defesa euro-atlântica a como esta se revelou dinâmica na preparação de pilotos que foram confrontados, sobretudo pelos franceses e pelos britânicos do que era o combate à contrainsurgência. Aparentemente, tudo levava a crer nessa fase inicial de que a superioridade aérea não merecia discussão, o fornecimento da sofisticada artilharia e mais tarde dos mísseis terra-ar ainda não estava previsto.
Veremos adiante como se processou a escalada da guerra.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5)


Mário Beja Santos


Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné.

Dando continuidade ao capítulo “Aviões com a Cruz de Cristo”, depois de ter falado do Neptune, Invader, Harvard, Sabre e do Fiat G.91, é a vez de introduzir o Alouette II e o Alouette III. O Alouette II, de 5 lugares, foi o primeiro helicóptero a turbina, veio suplantar os motores de pistão mais pesados. Entrou em funções em junho de 1955 e a sua produção acabou 20 anos depois, foi usado em cerca de 50 países. O Alouette II teve grande desempenho na Argélia, no Congo, na Rodésia, bem como na África colonial portuguesa. Este helicóptero chegou ao Montijo em 1957, em 1960 já estava em Angola. O Alouette III beneficiou de algumas melhorias, tinha um motor mais potente e uma maior capacidade de carga (até 6 passageiros ou 2 toneladas de carga). Um piloto português observou que era uma “aeronave extraordinariamente robusta e fácil de pilotar”. Tinha fatores muito positivos do seu lado: exigia apenas meia hora de manutenção a cada hora de voo, possuía maior robustez, e era conhecido por sobreviver a fogo de armas ligeiras e até mesmo disparos de rockets antitanque. O Alouette III fez história durante décadas, andou nos combates no Zimbabué e nos conflitos fronteiriços da África do Sul, na guerra indo-paquistanesa, nos 3 teatros da guerra que Portugal travou em África. A FAP recebeu 142 Alouettes III entre 1963 e 1975, a sua carreira lendária findou em 2020.

O Auster foi muito utilizado na Segunda Guerra Mundial, era uma aeronave multiusos, possuía uma manutenção rudimental; chegou a Portugal em 1961, foram adquiridas 15 aeronaves no Reino Unido e outras 147 foram montadas nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, dos quais 102 estiveram ao serviço operacional em África. Não era muito apreciado por ter uma descolagem um tanto difícil e os pilotos temiam a sua tendência de fazer um loop no solo. No entanto, teve um papel de destaque na fase crucial da guerra. Transportava os feridos, servia como posto de comando e pousava em pistas rudimentares. Foi retirado do serviço da FAP em 1976.

O Broussard foi concebido para satisfazer exigências do exército francês, entrou em serviço operacional na Argélia em operações e missões de busca e salvamento, tendo seguido mais tarde para o Chade. Portugal encomendou 5 aeronaves para entrega em 1960, estiveram ao serviço até 1976. O DO-27 foi produzido em massa na Alemanha. Foi das aeronaves mais apreciadas nos diferentes teatros de operações, pelo seu desempenho, a sua capacidade operacional e a facilidade de manipulação. Precisava de apenas 70 metros para descolar e apenas de 50 para pousar. Entrou ao serviço em dezembro de 1961 e foi retirado em 1979. O Dakota era o nome por que era conhecido no Reino Unido o Douglas C-47, ganhou estatuo lendário pela sua participação nas mais célebres campanhas de transporte aéreo, logo na operação Overlord, o desembarque da Normandia em 6 de junho de 1944. Serviu para transporte de tropas, avião de carga, bombardeiro, avião de reboque planador, transporte de feridos. Entrou na FAP em 1943, esteve na guerra de África e foi retirado em 1976 do serviço da FAP. O Skymaster nunca atuou na Guiné. Foi da maior importância o seu desempenho quando os soviéticos cercaram Berlim, os Skymaster tiveram desempenho fundamental no abastecimento da cidade cercada. Foi a primeira aeronave a seguir para Luanda, perderam-se 3 em acidentes, esteve operativo até 1973.

O DC-6 era o concorrente direto da Douglas com a Lockheed, atuou na guerra da Coreia. Portugal comprou 10 aviões usados DC-6 à Pan American, foi-lhes destinado o serviço ultramarino, viagens entre Lisboa e Moçambique. Esteve operacional até 1978. O Boeing 707 gozou de uma grande popularidade, era o símbolo de uma nova tecnologia e de um moderno design, a Boeing construiu 1000 aeronaves entre 1958 e 1978; possuía variantes militares para vigilância e reconhecimento, comando e controlo. Os TAP adquiriram três 707 para uso comercial, adquiriram-se outros tantos para o serviço da frota transoceânica.

Importa acrescentar que muitas das aeronaves da FAP foram projetadas e fabricadas para cumprir os papéis do poder aéreo segundo a doutrina da NATO. O F-86F, por exemplo, distinguiu-se em combates aéreos contra caças soviéticos; o F-84G foi utilizado por Portugal em Angola; o Neptune foi otimizado para a guerra submarina e o Fiat G.91 foi explicitamente concebido para satisfazer um requisito da Aliança Atlântica. As aeronaves da FAP envolvidas na política de defesa euro-atlântica da NATO tinham base permanente em Portugal Continental e nos Açores.

A adesão à NATO teve um sério impacto nas Forças Armadas e introduziu mudanças radicais na formação, táticas e doutrina. Com o incentivo de Humberto Delgado (adido militar em Washington) e do Chefe de Estado-Maior, General Botelho Moniz, um número crescente de oficiais da Força Aérea esteve em cursos e exercícios no estrangeiro – é a geração NATO, que induziu os comandos das Forças Armadas a mudar a orientação para um uso adequado do poder aéreo. Os principais aliados nesta operação de formação foram a França e a Grã-Bretanha, eram os dois maiores impérios europeus e estavam confrontados com sublevações nacionalistas, tinham larga experiência em campanhas de contrainsurgência. A FAP não possuía experiência de combate para enfrentar estes conflitos armados, enviou oficiais para formação, vieram inclusivamente palestrantes e até docentes que lecionaram no Instituto de Altos Estudos Militares quanto ao papel da aviação em guerra subversiva.

Entre 1959 e 1963, um punhado de oficiais frequentou cursos de teoria revolucionais e contrainsurgência orientadas pelas Forças Armadas francesas, britânicas, norte-americanas e até belgas. Publicaram-se manuais de apoio aéreo na contraguerrilha. A expetativa para a FAP parecia lisonjeira, os franceses na Indochina e na Argélia, os britânicos na Malásia e no Quénia, entre outros, desfrutavam inequivocamente de uma superioridade sobre inimigos que não podiam adquirir ou operar com meios aéreos nem possuíam artilharia antiaérea. Teve-se inicialmente a ilusão de que a FAP só precisava de meios relativamente modestos e que as aeronaves da FAP poderiam ser usadas numa grande variedade de funções.

A evolução da guerra comprovou que era mesmo ilusão, havia que evoluir para adversários cada vez melhor equipados.
Alouette II
O Alouette III foi o mais importante helicóptero utilizado por Portugal em África
A enfermeira paraquedista Maria Arminda dentro de um DO-27
Um Dakota na Guiné

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23811: Notas de leitura (1521): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 2924 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte III: Salazar, Caetano e as Forças Armadas... (Considerar os capitães milicianos como "voluntários" e "mercenários", raia o insulto, não?!..)

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23481: A nossa guerra em números (20): Meios e operações da FAP - Parte II: Armamento das aeronaves: o papel da OGMA e outras empresas portuguesas


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > c. 1972/74 > A avioneta Dornier  DO-27 que o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972/74) (nome de guerra, "Batata") também pilotou muitas vezes, sobretudo no primeiro ano da comissão. 
A Alemanha forneceu à FAP  147 avionetas Dornier DO-27, ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja. Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Devido ao boicote internacional (e às pressões políticas dos nossos aliados da NATO, a par das proibições dos EUA no que dizia respeito ao uso de certas aeronaves como, por exemplo, o F-86, cedidos no âmbito do Programa de Assistência Militar), não foi fácil garantir o armamento e as munições necessárias aos helicópteros e aviões da FAP durante a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial. 

A nossa indústria de guerra  teve de encontrar "soluções criativas" (sic), tendo chegado a usar "munições de artilharia do exército, para fabricar bombas para os aviões" (Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 229).

Segundo esta fonte, uma das bombas mais usadas terá sido a bomba de fragmentação FR M/62, de 20 kg., adaptada da granada da peça de artilharia 11,4 cm, britânica.

"Na fábrica de Barcarena, foram retiradas as cargas explosivas dessas granadas de artilharia para serem adaptadas na empresa Precix e serem novamente  carregadas em Barcarena" (ibidem, pág. 229). 

O mesmo terá acontecido, mas com outras empresas ligadas à indústria da defesa,  com as bombas FG M761, de 50 kg, FR M/64, de 200 kg, e ainda as bombas incendiárias IN M/65, de 100 litros. A Precix, uma empresa metalúrgica,  especializou-se também no fabrico de espoletas.


2. No que diz respeito ao armamento, usado pela FAP, é de destacar o canhão  MG-151, de 20 mm,  que equipava os AL III (helicanhão ou "Lobo Mau").  

Foram também utilizadas metralhadoras Browning, de calibre 7,7 mm e 12,7 mm, bombas gerais e de fragmentação de 500 libras e de 750 libras, e de 15, 50 ou 200 kg; foguetes FFAR 2,75, SNEB 37 mm, etc.. Tratava-se de adaptações da indústria nacional. 

As munições de 20 cm para o helicanhão eram as únicas que se adquiriam, diretamente aos fabricantes estrangeiros, usando os circuitos normais do mercado.

A OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico), com instalações em Alverca, fez milagres nesta época. 

Foi a OGMA que fez "as grandes adaptações nacionais para a guerra em África" (Ibidem, pág. 231):  podiam-se citar, a título meramente exemplificativo:

  • os aviões Harpoon (P2V5 Neptune), aviões de luta antissubmarina, transformados logo em 1961 em  bombardeiros adaptados às condições dos trópicos; 
  • os T-6 G Texan (um avião monomotor, originalmemte de treino e instrução), provenientes de várias origens (EUA, França, RFA, África do Sul); 
  • os sete aviões B-26 Invader, comprados clandestinamente e usados em Angola e na Guiné;
  • os 147 aviões ligeiros Auster fabricados sob autorização da empresa inglesa, e dos quais 60 foram  atribuídos à FAP e enviados para o ultramar.

A Alemanha também forneceu 147 avionetas Dornier DO-27, "ao abrigo do acordo da Base Aérea de Beja". Algumas eram novas, outras usadas, todas as revisões foram feitas na OGMA. 

Estas avionetas tiveram um papel fundamental durante a guerra de África, devido à sua flexibilidade e capacidade para operar em pistas de mato,  improvisadas.  Tiveram papel fundamental em missões como o transporte de correio, frescos epassageiros, a  evacução de feridos, a observação e ligação, etc.).

Os aviões de transporte mais usados foram o C-47 Dakota e o Nordatlas, também de diferentes origens e fornecedores. 

Já os helicópteros (AL II, AL III e SA-330 Puma) eram todos de origem francesa. Entre 1963 e 1975, a FAP adquiriu 142 Alouettes III e,  entre 1969 e 1971,  13 Pumas. (Ibidem, pág. 232).

Nem a Fábrica da Pólvora da Barcarena, nem a Fábrica Braço de Prata nem a empresa metalúrgica Precix existem hoje... Resta a OGMA, ciada em 1918, e agora integrada no grupo brasileiro Embraer.

Ainda quanto a armamento, refira-se ainda o de mais três, a par do heli AL III,  das aeronaves que conhecemos bem no TO da Guiné:

  • T-6 Harvard2 + 2 metradlhadoras Btrowning 7,7 mm | foguetes 37 mm e 68 mm | lança-granada m/64 | bombas de 15 kg,, 50 kg e inendiárias de 80 kg / 100 l e 300 kg / 350 l;
  •  Fiat G-91: metradlhadoras Btrowning 12,7 mm | foguetes 75'' | bombas de 50 kg, FR 200 kg, 250 lbs, 500 lbs e 750 lbs;
  • Dornier DO 27: foguetes 37 mm | foguetes fumígenos 70 mm / 27 | Fitting L19 (Ibidem, pp. 232/233)

3. Resumem-se aqui, por anos, algumas das principais aquisições de aeronaves pela FAP, entre 1960 e 1974 (entre parênteses, a quantidade) 

  • 1960 - Nordatlas (8);
  • 1961 - T-6 G Texan (56) (+ 130,  mais tarde) | Dakota (8) (+15, mais tarde) | Nordatlas (6)| Auster (ligeiro) (99) | Dornier DO 27 (133) ( + 14,  mais tarde) | Douglas D-6 (transporte) (10) (...);
  • 1962 - Nordatlas (3);
  • 1963 - Helicópteros AL III (142)  entre 1963 e 1975) | Cessna T-37 (instrução) (30);
  • 1965 - T-6 (74) | B-26 Invader (7) | Nordatlas (14) (entre 1965 e 1970);
  • 1966 - Fiat G-91 (caça) (40) | Douglas B-26 (bombardeiro) (7);
  • 1969/71 - Helicóptero SA-330 Puma (13);
  • 1970 - T-6 (69);
  • 1971 - Boeing 707 - 3F5C (transporte, TAM) (2). 

Fonte: Ibidem, pág. 233.

Esperemos que os camaradas da FAP possam acrescentar algo mais sobre esta matéria (ou corrigir o que está escrito, se for caso disso).

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23468: FAP (125): Os helicópteros SA-330 Puma e AL III em Angola, no apoio ao BCP 21 (Jaime Silva, ex-alf mil pára, 1ª CCP / BCP 21, 1970/72)


Foto nº 3 > Angola >  Norte - Montes Mil e Vinte > 26 de junho de 1970 > Heli SA-330 Puma na  recuperação do 3º Pel da 1ª CCP /BCP 21 (1970/72)... Nesta operação morreu um soldado do meu pelotão.


Foto nº 1 > Angola > BCP 21 (1970/72) > 1970 > Heli  SA-330 Puma no  treino de paraquedistas (1)


Foto nº 2 > Angola > 1970 > BCP 21 > Heli SA-330 Puma no  treino de paraquedistas (2)


Foto nº 4 > Angola > BCP 21 (1970/72) > Leste > Chiume > Dezembro de 1971 > No Leste de Angola, Chiume (Cú de Judas), heli AL III  no apoio ao 3º pelotão,  1ª CCP /  BCP 21.

Fotos (e legendas) © Jaime Bonifácio Marques da Silva (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Mensagem de Jaime Silva (ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande, nº 643, desde 31/1/2014, tendo já cerca de 7 dezenas de referências) no nosso blogue; reside na Lourinhã, é professor de educação física, reformado, foi autraca em Fafe, onde residiu durante cerca de 4 décadas): 

Data - 28 jul 2022, 17:25  
Assunto - Helis PUMA e AL III

Caro Luís

Aqui vão as 4 relíquias do meu álbum de memórias, relativamente ao assunto dos helicópteros PUMA e AL III (*)

1. Quando os PUMAS chegam a Angola, a minha companhia estava destacada no Leste e, quando chegámos, soubemos que os pilotos da FA treinaram o transporte de militares com os paraquedistas.

As fotos nºs 2 e 3 testemunham o momento.

2. A foto  nº 3 capta o momento em que o PUMA  se prepara para recuperar o meu pelotão (3.º Pelotão da 1ª CCP do BCP 21).

Foi a nossa estreia no PUMA. ( A operação decorreu entre 24 e 26 de junho no Norte - Montes Mil e Vinte e, nela, morreu um soldado do meu pelotão.)

3. O Al III - documento o momento em que o Heli acabava de nos dar apoio com rações de combate e água para prosseguir a operação de combate que decorreu na zona de Chiume no Leste de angola. Foi por alturas de novembro / dezembro de 1971. (**)

É o que tenho. Memórias!

Abraço, Jaime.


II. Comentário do editor LG:

Obrigado, Jaime, pela tua pronta resposta ao meu pedido. Como se disse no poste P23462, a Guiné tinha mais de um quinto (n=21) do total dos heli AL III  que operavam nos três territórios em guerra (n=94). Em  contrapartida , nunca teve helis SA-330 PUMA (chegados tardiamente a Angola e Moçambique, em 1970), com maior capacidade e autonomia que os AL III.  

Havia 11 PUMAS: 6 em Angola e 5 em Moçambique. Como tu também me confirmaste, os AL III serviam sobretudo em Angola na versão helicanhão, equipado com um canhão de 20 mm, apoiando os PUMA. 

A capacidade de transporte do AL III era mais reduzida (6 militares = 2 + 4), podendo às vezes transportar 7 (2 + 5) ou até 8 (2 + 6). 

Foram produzidos mais de dois mil Alouette III, entre 1961 e 1985, pela empresa francesa Aérospatiale. Características técnicas: velocidade máxima, 220 km; alcance alcance, com peso máximo de descolagem_ 540 km; teto máximo  3.200 m/ 10.500 pés

o SA - 330 PUMA,   também da Aérospatiale, de uso civil e militar, tinha 3 tripulantes (piloto, copiloto e mecânico) e levava 16 passageiros (ou 20 militares). Foi introduzido no mercado em 1968 e até 1987 construiram-se cerca de 7 centenas de unidades.  (Outras características técnicas desta aeronave: velocidade máxima, 250 km/hora; alcance, com peso máximo de descolagem: 580 km; teto máximo: 4.800  metros  / 15.700 pés).
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Notas do ediror:

(*) Vd. poste de 26 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros

(**) Último poste da série > 24 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22313: FAP (124): Memórias de lugares da guerra... A Base Aérea 12 de Bissalanca (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

terça-feira, 26 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23462: A nossa guerra em números (19): Meios e operações da FAP - Parte I: número e tipo de aeronaves: helicópteros, aviões de combate, de transporte e outros



Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1. Parece haver menos informação sobre a Força Aérea  (bem como sobre a Marinha) do que sobre o Exército, relativamente à sua atividade operacional e os meios utilizados na guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial. 

Lá teremos de voltar a utilizar a informação recolhida e tratada pelo Pedro Marquês de Sousa, Tenente Coronel, do Exército, na reserva, doutorado em história pela FCSH / Universidade NOVA de Lisboa (2014), autor do livro "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 381 pp.). É uma fonte valiosa, desculpando-se os inevitáveis pequenos erros, lapsos e gralhas que acontecem em trabalhos desta natureza.

Tem este autor cerca de 30 páginas sobre os meios e operações da Força Aérea (pp. 225-258). Interessa-nos apenas a parte relativa à Guiné, como é óbvio. Com a devida vénia, vamos repescar então alguns números sobre esta matéria.

Nos quadro I e II, acima inseridos, e por nós construídos, faz-se um resumo da quantidade e tipo de  aeronaves que operaram na Guiné, comparando-as com o total dos três teatros de operações: 

(i) helicópteros e aviões de ataque (Quadro I):

(ii) aviões de transporte e outros (incluindo de observação e liação como a Dornier DO-27)(Quadro II).


2. No TO da Guiné (bem como nos restantes territórios em guerra), pode-se dizer que sempre houve "escassez de meios aéreos", a começar por helicópteros e aviões de combate. Numa guerra de contraguerrilha (ou "antissubversiva"), o helicóptero era, como todos sabemos, um meio fundamental, em missões não só de transporte (tropas especiais, em especial Paraquedistas e Comandos) e evacuação de feridos como de ataque  (com o helicanhão) e reconhecimento. 

Diz o autor (pág. 243): "Inicialmente, em 1963, a Força Aérea tinha na base de Bissalanca (Bissau)  apenas oito F-86, oito T-6, oito Auster, três DC-3, um Broussard e um P2-V5. Posteriormente recebeu de Angola os pequenos helicópteros  Alouette II (apenas para evacuações)  em 1965, aumentou o seu potencial com a chegada dos Alouette III e, em 1966, com os aviões Fiat, que substituiram os F-86".

Isto quer dizer que houve uma "redução da eficácia da Força Aérea em 1964  e 1965", com retirada dos F-86, por pressão política dos EUA (por serem aeronaves a utilizar exclusivamente no âmbito da NATO), e enquanto não chegaram, em 1966, os Fiat G-91 adquiridos à Alemanha.

De que qualquer modo, a Guiné tinha um quinto dos heli  AL III, nunca teve helis SA-330 Puma (chegados tardiamente a Angola e Moçambique, em 1970), com maior capacidade e autonomia que os AL III. Em contrapartida, só havia Fiat G-91 (n=28) na Guiné (n=12) e em Moçambique (n=16). 

Também estava, a Guiné,  mal servida de aviões de transporte, com destaque para o Noratlas (13%) e o  C-47 Dakota (18%). Proporcionamente estaria melhor em matéria de avionetas Dornier D0-27 que de um total de 100 se distribuíam do seguinte modo, pelos 3 teatros de operações: Angola (41), Guiné (24) e Moçambique (35). 

Também pensavámos  que a Guiné  tinha mais caças-bomardeiros T-6: apenas 9, num total de 80 (com 26 em Angola, e 46 em Moçambique).

Mas os camaradas da FAP terão por certo algo mais para nos dizer e escalarecer, em comentários que serão bem vindos.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23450: A nossa guerra em números (18): o consumo de munições e granadas pelo exército

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22772: A nossa guerra em números (9): dizia-se que a velha GMC, do tempo da guerra da Coreia, gastava no CTIG "cem aos cem"... E as nossas aeronaves, o AL III, o DO-27, o C-47, o T-6 e o Fiat G-91, quanto é que "mamavam" por hora ?...


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > O célebre e velhinho caça-bombardeiro T6 G, tanbém conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) Arlindo T.Roda (, o grande fotógrafo da CCAÇ 12, juntamente com o Humberto Reis).   Os T 6G vão desempemhar um importante papel no final da guerra.... Mas eram "poupadinhos" em combustível (menos de 200 litros por hora em média), quando comparados com os "glutões" dos Fiat G-91 (c. 1800 litros em média, por hora).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Foi,  ao ler o livro, hoje de consulta obrigatória para os estudiosos da história, economia, demografia e socioantropologia da guerra colonial (1961/74), "Os números da Guerra de África", de Pedro Marquês de Sousa (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.), que eu me apercebi melhor da  altamente complexa  e dispendiosa logística, mantida em África ao longo de mais de década e meia, pelas nossas Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea) (*)...

Nenhum de nós, que esteve no TO da Guiné, alguma vez procurou saber, por exemplo, quanto custava:

(i)  uma viagem de DO-27, que nos vinha trazer o correio, de Bissau aos quartéis do mato e, às vezes, transporatndo  à boleia algum de nós, no regresso da licença para gozo de férias, e levando no regresso uma mulher em hora de parto ou a precisar de urgentes cuidados hospitalares;

(ii) a proteção do helicanhão (o "lobo mau"), no regresso de uma operação com contacto com o IN, e com mortos e/ou feridos das NT;

(iii) uma helievacução, com a enfermeira paraquedista a bordo (a Arminda, a Rosa Serra, a Giselda..:);

(iii) um bombardeamento a uma base do PAIGC, pelo Fiat G-91, no interior do território ou nas regiões fronteiriças (que era o limite da sua autonomia: ia a Buruntuma mas não podia parar para "partir mantenhas" com o pessoal");

(iv) a escolta do T-6 que, por vezes, acompanhava, a "ronvar",  a viagem de uma LGD carregada de "periguitos", pelo rio Geba acima (Bissau-Xime);

(v) a descolagem e a aterragem de um avião de transporte como o Dakota, C-47...

Não,  a malta não sabia, pelo menos a rapaziada que não foi à Guiné só para "ver navios"... Também havia, no céu, aeronaves de vários tipos e feitios... E que nos davam muita confiança... quando, cá em baixo, nos começava a dar a "caguça", nomeadamente o T-6, o helicanhão e o Fiat G-91 R-4... (Já do DO-27 não gostávamos tanto, sobretudo quando se "armava em PCV")...

Mas o ten cor Pedro Marquês de Sousa, doutorado em história militar, verdadeiro "rato de biblioteca", descobriu para nós, no Arquivo Histórico da Força Aérea, dados preciosos sobre o consumo de combustível de várias aeronavas da BA 12, Bissalanca, Guiné... 

2. A partir do consumo em litros, no mês de dezembro de 1968, e do nº de horas de voo, calculámos, por nossa conta e risco, o consumo médio por hora para cada tipo de aeronave... E os resultados são surpreendentes para um leigo, como nós:

a) o helicóptero Alouette III (ou Al III) gastava menos de l litro por minuto: grosso modo, 50 litros por hora, em média;

b) o DO-27 já gastava um pouco mais: 55 litros em média, por hora;

c) o velho  Dakota, C-47, triplicava o consumo: mais de 150 litros em média, por hora;

d) a velha máquina de guerra,  o T-6,  chegava quase aos 200 litros;

e) e o "Gina", o Fiat G-91 R-4,  batia o recorde, chegava quase aos 1800 litros.

Procurei confirmar, junto dos nossos camaradas Miguel Pessoa e António Martins de Matos, antigos pilotos de Fiat G-91 R-4 (B 12, Bissalanca, 1972/74), essa informação sobre o consumo de combustível do nosso "Gina"...

E na 1ª edição do livro do António Martins de Matos (hoje ten gen PilaAv ref), "Voando sobre um ninho de ' strelas' " (Lsboa, BooksFactory, 2018), pág. 67), lá vai a especificação técnica que eu procurava:

"O avião  era abastecido com 3.600 libras (1.800 litros) de combustível. Como regra geral os pilotos contabilizavam à volta de 1.000 libras para o pôr em marcha, rolar, descolar e subir, 600 libras até ao local, outras 1.000 libras para o regresso, o que sobrava era o tempo (combustível) que se podia utilizar na zona de operação" (pág. 67). 

E acrescenta: 

"No ponto mais afastado da Base (região de Buruntuma) e sem depósitos exteriores, o tempo que se podia estar sobre o objetivo era...zero".

O peso vazio do "Gina" era de 2 mil kg e o máximo à descolagam eram 4,7 mil kg (pág. 59). As missões  desta aeronave eram "quase sempre missões de combate": preparadas (ATIP), em reconhecimento (ATIR) ou em alerta (ATAP). A autonomia variava emtre os 55 minutos (sem "droptanks", os tanques exteriores de combustível) e a hora e meia (com "droptanks"). (pág. 65).

Podemos ainda concluir que, com 31 areonaves no ar, a BA 12, Bissalanca, gastou, em dezembro de 1968, cerca de 344 mil litros de combustível (Vd. quadro acima).

À face destes números, quem diria que o AL III era "uma arma cara" ("15 contos por hora") ?... A frase consta do relatório do comandante da Op Lança Afiada (,Sector L1, Bambadinca, março de 1969), o então cor inf Hélio Felgas (**).

Infelizmente, não temos dados globais sobre o consumo de combustível pela FAP nos três teatros de operações. Mas temos para Angola, por exemplo: diz o Pedro Marquês de Sousa, que "para as operações aéreas em Angola, a Força Aérea gastava todos os meses quase 1 milhão  e 200 litros de combustível"... 

Por outro lado,  e devido ao seu uso frequente, em Angola, o  helicóptero tinha um custo de 12 contos por hora, de acordo com dados do planeamento da Força Aérea (pág.313). 

Aqui a FAP gastava, em média, 7 mil contos só com combustível, no início da década de 1970 (, 2 milhões de euros a preços de hoje)... Sem contar com o custo das munições (balas, foguetes, bombas) que, "no caso das missões de ataque ao solo", representavam "70% a 80%  do custo total da operação" (pág. 313).

Como seria de esperar, o consumo de combustível para as aeronaves da FAP (e dos TAM)  foi aumentando com o decurso da guerra, com os inerentes custos... E com a crise petrolífera de 1973 devem-se ter agravado, nomeadamente os custos...
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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 3 de dezembro de  2008 > Guiné 63/74 - P3557: Controvérsias (16): Eu, Jorge Félix, ex-Pilav de helis, a Op Lança Afiada e a honra da nossa Força Aérea

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22167: Notas de leitura (1354): "Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso; Caleidoscópio, 2020 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
A investigação de José Matos e Luís Barroso deve ser tratada como um acontecimento. Habituados que temos estado a ver repetidas litanias em que uns livros copiam os outros e nada de ir aos arquivos e trazer novos factos documentais, ficamos agora a saber que o Exercício ALCORA se prontificava a disponibilizar 6 milhões de contos para comprar armamento e equipamento dado como crucial para a continuação da guerra. Ficam aqui testemunhadas as conversações com países fornecedores e como Kissinger recorreu a um expediente para nos fornecer mísseis terra-ar compatíveis com o Strela; procede-se a um rigoroso inventário do que se pretendia comprar desde a Força Aérea ao Exército, isto quando em simultâneo havia contatos secretos, seja para beliscar o ditador de Conacri, seja para um cessar-fogo na Guiné, seja autorizando novas conversações com o Senegal, enquanto na frente interna se mantinha a intransigência do discurso e Caetano dizia a Santos e Castro que era urgente preparar Angola para uma autodeterminação controlada por brancos. O que comprova que ainda há muito a investigar no sentido de se clarificar se as atividades governamentais tinham atingido a esquizofrenia ou havia uma estratégia subtilmente montada à escala governamental, de que os ultras do Regime eram totalmente desconhecedores. Se assim fosse, resta saber o pandemónio que se avizinhava.

Um abraço do
Mário


O Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné (2)

Mário Beja Santos

José Matos

"Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso, Caleidoscópio, 2020, é uma das obras historiográficas mais importantes para a compreensão da guerra da Guiné de publicação recente, diria mesmo de leitura obrigatória.
Basta atender ao que os autores propõem na contracapa:
“O objetivo deste livro é estabelecer a ligação entre o esforço de guerra de Portugal na Guiné e o apoio financeiro que a África do Sul disponibilizou a Portugal no início de 1974, no âmbito do estabelecimento de uma aliança militar entre Portugal, Rodésia e África do Sul, com o nome de código ‘Exercício ALCORA’. No texto anterior houve a preocupação de registar o contexto internacional que serviu de moldura para a nossa guerra colonial, quem eram os nossos aliados e fornecedores, passou-se em revista o agravamento da guerra na Guiné e o imperativo, em múltiplos domínios, de se proceder a reequipamento e a rearmamento. A questão da modernização da Força Aérea era assunto por demais premente: esta, além de desempenhar missões ofensivas, era crucial no apoio logístico, no transporte aéreo de tropas, na evacuação de feridos e nas missões de reconhecimento pela observação visual ou cobertura fotográfica. Atendendo à extensão dos territórios, exigia-se um efetivo considerável, na fase final da guerra ascendia a cerca de 700 aeronaves e cerca de 600 pilotos. No entanto cerca de 70% das aeronaves estavam tecnicamente ultrapassadas e muito usadas e havia uma falta crónica de pilotos-aviadores. Como os autores sublinham, “Além do problema da obsolescência e da falta de pilotos, era uma frota que só podia ser utilizada num ambiente com uma reação antiaérea fraca ou muito fraca, pois, no geral, os aviões portugueses eram lentos, sendo a única exceção o Fiat G.91. Além do mais, devido ao tipo de armamento que usavam e às missões que desempenhavam as aeronaves tinham que voar a média ou a baixa altitude, o que as tornava vulneráveis ao fogo antiaéreo”. E surgem os mísseis terra-ar que podiam ser facilmente disseminados por todo o território. Os planos de modernização vinham de longe, mas a partir de 1973 era uma questão de vida ou de morte. “A intenção do governo era comprar caças Mirage III para substituir os Fiat G.91, além de aviões CASA C-212 Aviocar e Reims-Cessna FTB-337G Milirôle para renovar a aviação de transporte, reconhecimento e apoio de fogo ligeiro. Estava também prevista a compra de várias dezenas de helicópteros Alouette III para reforçar a frota já existente. Neste lote de aquisições, os caças Mirage eram os aviões mais importantes, pois dariam à Força Aérea uma maior capacidade de ataque e de retaliação perante os movimentos de guerrilha”.

Os autores dão conta das diligências da aquisição de novos jatos FIAT, dos planos da Força Aérea para todo este reapetrechamento e as dificuldades encontradas, recorde-se que a França, o fornecedor dos Mirage, exigiam garantias de que estas aeronaves entrariam em operações em território senegalês. É esclarecedora a exposição que fazem sobre o Milirôle, o Aviocar, os helicópteros Alouette III e Puma SA-330. Todas estas compras eram consideradas urgentes, acompanham a vertigem de conversações ultra sigilosas no período que antecede o final da guerra. Também os autores nos dão no capítulo A Psicose dos MIG, a preocupação de Spínola em poder dispor de armamento dissuasor dos MIG-17, em Conacri. O Daily Telegraph de 2 de agosto de 1973 dava conta que o PAIGC estava a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MIG a partir da Guiné Conacri, as informações da DGS também eram altamente inquietantes embora fizesse constar que o PAIGC não iria usar meios aéreos. Há também o relato das incursões de MIG na Guiné, e mais tarde veio-se a perceber que os MIG em Conacri estavam praticamente inoperantes, os técnicos cubanos revelavam-se atónitos com a incompetência dos pilotos de Conacri.

E passamos para a questão do míssil Crotale que era dado como indispensável para a defesa de Bissau, os autores recordam a questão dos radares de defesa antiaérea e da urgência de novas compras: obuses de 155 mm, morteiros de 120 mm e de 81 mm, operações de aquisição que estavam em curso quando se deu o 25 de Abril. Eram contratos com os israelitas assinados em 1 de março de 1974. “Em relação aos lança-granadas-foguete, é decidido fazer uma encomenda à firma de Explosivos da Trafaria, que passa a produzir uma cópia do RPG-2 soviético. O Ministério da Defesa decide encomendar no estrangeiro 25 unidades de RPG-7 com cinco mil munições. Um outro tipo de equipamento que começa também a ser testado pelas forças portuguesas são os aparelhos de visão noturna por intensificação luminosa. Em maio de 1974, é autorizada a compra de aparelhos de pontaria para armas ligeiras destinados a serem instalados na espingarda G-3, além de aparelhos para armas pesadas e de aparelhos de observação de médio alcance a montar em tripé”.

Luís Barroso

Não menos importante é o capítulo que os autores dedicam ao armamento que se pretendia dos norte-americanos. O Embaixador Hall Themido descreveu os contatos estabelecidos para adquirir mísseis terra-ar portáteis, o Redeye, que podia ser disparado a partir do ombro de um homem, tal como o Strela. Mas havia o embargo de armas, Washington não podia vender diretamente a Portugal. Caetano usa o único trunfo que tinha disponível: a Base das Lajes. Aquando da guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, Nixon enviara um verdadeiro Ultimatum a Caetano, não ceder a Base das Lajes acarretaria graves consequências nas relações luso-americanas. “A intenção portuguesa era comprar os famosos mísseis portáteis Redeye, o qual seria depois complementado com os meios antiaéreos e aeronaves Mirage a adquirir da França”. Kissinger encontrou uma porta de saída para a venda destas armas. Num encontro havido em 9 de dezembro de 1973, em Bruxelas, com Rui Patrício, este declarou ao secretário de Estado norte-americano que a situação militar na Guiné podia tornar-se crítica com a utilização de aviação por parte do inimigo e que poderia mesmo evoluir para ataques aéreos contra Bissau, não tendo as forças portuguesas meios eficazes para se defenderem deste tipo de ataques. Ora a porta de saída encontrada por Kissinger era fornecer os mísseis por Israel através de um intermediário alemão. “O número de mísseis encomendado mostra que os Redeye não se destinavam apenas à Guiné, onde as forças portuguesas necessitavam de cerca de 200 mísseis, mas também a outros pontos das colónias portuguesas. Os mísseis custariam 209 mil contos, não havendo qualquer informação de que este valor seria coberto pelo empréstimo sul-africano. Mas os norte-americanos não davam ponte sem nó, havia também a oferta de uma central nuclear que depois do 25 de Abril não voltaria a ser mencionada em futuras negociações do Acordo das Lajes".

O derradeiro capítulo do trabalho de José Matos e Luís Barroso versa os contactos secretos no fim do regime: o encontro em março com a delegação do PAIGC em Londres, a série de contatos secretos desenvolvidos por Marcello Caetano em Paris, em abril de 1974, de forma a conseguir com a ajuda dos Serviços Secretos Franceses encontros com as fações mais moderadas dos movimentos de libertação para negociar a independência ou autodeterminação das colónias portuguesas. Pedro Feytor Pintor confirma o móbil destes encontros. Os autores não mencionam outras diligências como as promovidas por Jorge Jardim, alguns encontros em Roma, e temos como certo e seguro o propósito de um reduto branco sonhado por Marcello Caetano para Angola e transmitido no início do ano a Santos e Castro.

Enfim, os autores equacionam como o regime de Caetano procurava desesperadamente reforçar a capacidade militar das forças portuguesas, apoiava operações portuguesas contra a Guiné Conacri, eram autorizados na Guiné contatos com o Senegal retomando uma iniciativa política do tempo de Spínola e, como se procurasse ultrapassar a pressão do tempo, fazia constar internamente que o Ultramar seria defendido por todos os meios. “Marcello Caetano precisava principalmente de tempo para levar a cabo as reformas que tinha em mente, mas, para isso, precisava de continuar a combater as guerrilhas e, sobretudo, evitar o colapso militar na Guiné, o que exigia novos meios de combate, que só seriam possíveis com a ajuda de Pretória. É interessante verificar a este nível as listas de material enviadas às autoridades sul-africanas, que mostravam bem as necessidades das tropas portuguesas em Angola e Moçambique, que iam desde armamento até sacos-cama e até arcas-frigoríficas. No entanto, os problemas não se limitavam apenas ao campo material. Um relatório da 3.ª Repartição do Comando Territorial Independente da Guiné, elaborado já depois do 25 de Abril, dava conta de outras dificuldades: falta de quadros experientes no comando e na conduta das operações, deficiente instrução prestada às tropas por graduados inexperientes e desinteressados e falta de motivação ideológica para defender um território que na ideologia oficial do regime era português. Tudo isto degradava o moral das tropas e fazia antever novos desaires para as forças portuguesas".

Como se pode verificar, temos aqui uma investigação com ida aos arquivos e a repescagem de documentos novos que alteram o conhecimento que detínhamos sobre tudo o que se passou ao nível dos empréstimos do Exercício ALCORA e como eles seriam aplicados para suster o ímpeto da guerra. Uma obra de consulta obrigatória, a partir de agora.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22141: Notas de leitura (1353): "Nos Meandros da Guerra, O Estado Novo e África do Sul na defesa da Guiné", por José Matos e Luís Barroso; Caleidoscópio, 2020 (1) (Mário Beja Santos)