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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22479: Notas de leitura (1373): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo à apreciação da tese de doutoramento de Ângela Benoliel Coutinho. Que investigou afincadamente, é dado irrefutável. Põe-se em dúvida quanto à utilidade do levantamento a que procedeu quanto a trajetórias pessoais e profissionais, tanto dos fundadores como dos líderes e combatentes da segunda geração. Dos eventuais seis fundadores, só dois prevaleceram, Amílcar Cabral e Aristides Pereira, nunca se fala daquele que efetivamente deu o corpo ao manifesto na mobilização de todos aqueles jovens que foram encaminhados para Conacri, Rafael Barbosa. A questão iconográfica, como foram encarados os heróis e o líder por ambos os países, parece-me uma visão acertada. E tudo descamba na análise do golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, a historiadora veste-se de juíza e encontra razões de sobra para culpar os guineenses de tudo quanto se passou até à consumação da rutura. Vale pelo que vale, mas deu direito a doutoramento.

Um abraço do
Mário



Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura,
por Ângela Benoliel Coutinho (3)


Beja Santos

Este livro resulta da tese de doutoramento em História da África Negra Contemporânea, defendida em 2005 na Universidade de Paris I – Panthéon – Sorbonne: “Os Dirigentes do PAIGC” é uma edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, novembro de 2017.

A que se afoitou Ângela Benoliel Coutinho? Ela responde: “O presente estudo debruça-se sobre as trajetórias dos fundadores do PAIGC e dos membros do seu Comité Executivo de Luta. Interrogar-nos-emos acerca do recrutamento destes dirigentes, mais precisamente o recrutamento geracional, geográfico, de género, social, procurando também saber que formação tiveram, tendo em vista as suas atividades de direção política”.

O estudo a que a autora se acomete sobre as trajetórias destas figuras gradas do PAIGC inclui uma verificação de quem é quem entre os fundadores do partido, traços comuns das trajetórias familiares, quem é quem entre os combatentes, o seu recrutamento e história familiar, valores e princípios proclamados e tratamento da figura dos heróis, tanto na Guiné como em Cabo Verde, como, nos dois países, se procurou implementar políticas de democracia revolucionária e como caraterizar o fim abrupto do PAIGC. É este o último ponto que aqui se analisa, sugerindo sempre aos leitores a leitura integral desta tese de doutoramento defendida em 2005 e agora publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra.

É estranho como a autora formula as suas premissas sem, em nenhuma circunstância, nos oferecer o contraditório. O golpe de Estado de 14 de novembro de 1980 é sumariamente descrito, lembra-se que o golpe de Estado era moeda-corrente da época, dá-se conta das medidas tomadas: aprovação da primeira lei do Conselho da Revolução, destituição de Luís Cabral, dissolução da Assembleia Nacional Popular, do Conselho de Estado e do Conselho dos Comissários de Estado, o Conselho da Revolução passa a ter o poder que tinham estes órgãos políticos. Ficamos a saber a composição do Conselho da Revolução e a sua proveniência. A 24 de novembro é nomeado um Governo Provisório, e desencadeia-se um rol de acusações quanto ao falhanço da unidade Guiné-Cabo Verde. Os golpistas acusavam a ala cabo-verdiana do partido por diferentes razões, era acusado o Governo anterior de corrupção, de irresponsabilidade, de laxismo face aos erros, de nepotismo, de ostentação e de ambição pessoal dos seus membros. Tivesse Ângela Benoliel Coutinho consultado o acervo documental do CIDAC, em Lisboa, e não teria escrito “não se deram exemplos destas práticas e não se nomearam os indivíduos que as teriam praticado”. Atenda-se que o próprio Luís Cabral em discursos proferidos, nomeadamente em 1978 e 1979, já referia casos de corrupção, de irresponsabilidade e de laxismo, vem nos documentos. A autora encontra muitas semelhanças entre a composição do Governo anterior e o Governo de transição sob a responsabilidade do Conselho da Revolução, o que sendo verdade só abona como os golpistas eram dirigentes de extração guineense e aderiram à rutura, não sabemos com que alma e coração. Ângela Coutinho não esconde o tratamento parcial na análise a que procede a este golpe: fala nas contradições de Nino, nas acusações graves, retoma o evento do assassinato de Amílcar Cabral em que já era patente o profundo sentimento anti-cabo-verdiano, em que mesmo os golpistas de 20 de janeiro de 1973 falavam em eliminar os cabo-verdianos e os mestiços.

Nino Vieira e Aristides Pereira travam-se de razões, trocam mensagens acusatórias, consumava-se na prática a rutura. A imprensa cabo-verdiana publicou os protestos e as críticas profundas ao golpe, o fantasma do assassinato de Cabral paira permanente no ar, em janeiro de 1991 cria-se o PAICV em Cabo-Verde, mantém-se o PAIGC na Guiné-Bissau. A autora procura afincadamente demonstrar que não havia nenhuma hegemonia cabo-verdiana, uma vez mais é esquecido o espírito do Congresso de Cassacá e em nenhuma circunstância a autora aponta para as razões próximas do golpe, nomeadamente as discriminações entre as novas Constituições de Cabo-Verde e Guiné-Bissau. A autora também critica o palavrório usado pelo PAIGC quanto a fuzilamentos perpetrados pelo Governo de Luís Cabral, Luís Cabral, no exílio iria sempre evocar a existência de inimigos do PAIGC, supostos agentes da ex-PIDE e Comandos guineenses que teriam tentado dar um golpe de Estado a 11 de março de 1975. Só que Luís Cabral nunca apresentou documentação nem mesmo provas de julgamento que pudessem justificar os fuzilamentos contínuos que se praticaram durante o seu mandato. Quem lê esta tese de doutoramento pode ficar com a sensação de que houve um grupo de maus da fita, os golpistas, e os mártires da unidade Guiné-Cabo Verde, que foram escorraçados pelos primeiros. Se isto é ciência histórica, o mundo anda às avessas.

E assim chegamos às conclusões. Dá-se como provado que houve uma renovação da direção política do PAIGC muito antes da declaração da independência da Guiné-Bissau, em 1973, não é rigorosamente verdade, houve mexidas, entrou muita gente na segunda geração mas o poder ficou nas mãos da dupla Aristides Pereira – Luís Cabral, ao longo do Governo deste último grassou o descontentamento e surgiram problemas políticos de grande melindre, suficientes para os militares guineenses terem encerrado fileiras. Há pontos suscitados que merecem estudos posteriores, é o caso da questão das mulheres, ausentes da fundação do partido, Carmen Pereira foi a única militante cabo-verdiana eleita para a direção do partido. Igualmente acertado aparece o tratamento da imagem de Cabral nos dois países. A direção do processo revolucionário, a que a autora faz alusão, tem vindo a ser estudado por variados autores, é incontestável que o PAIGC rapidamente perdeu a dinâmica revolucionária na prática, usou-a nos seus planos de desenvolvimento, enquanto se afastava das massas, completamente intimidadas pelas provas de terror de execuções, prisões e banimentos, afastamento de régulos, a par de nomeações sem qualquer relevância de comissários de nulo poder de decisão, o poder estava concentrado em Bissau. Comparando Guiné com Cabo Verde, obviamente que este último país vai ficar melhor na fotografia.

Enfim, uma investigação a que se pode reconhecer muito trabalho, mas um exercício que se deplora de tratamento faccioso da história de uma rutura. Aliás, não é só Ângela Benoliel Coutinho que foge ao estudo da verdade quanto à essência da rutura, o fantasma e a iconografia de uma unidade que foi extremamente proveitosa para a independência dos dois países nunca passou de um sonho arquitetado por Amílcar Cabral num cenário idílico que nunca existiu. E os dois países continuam a pagar caro a fantasmagoria de todas essa ficções.
Amílcar Cabral com Carmen Pereira, imagem do jornal Público, 5 de junho de 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22459: Notas de leitura (1372): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22444: Notas de leitura (1369): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,

A dissertação de doutoramento de Ângela Benoliel Coutinho visou colmatar conhecidas e reconhecidas lacunas sobre os dirigentes do PAIGC: extração, profissões, famílias, aferir diferenças entre a primeira e a segunda geração de combatentes. A autora não esconde um móbil principal que é procurar desfazer o que ela chama um mito da hegemonia cabo-verdiana no PAIGC. Como se verá, bem procura mas não alcança. A História tem destas vicissitudes que é comprovar a veracidade dos factos pelos comportamentos políticos posteriores. 

Os combatentes guineenses tinham duas razões de tomo para desconfiarem da sigla da unidade Guiné Cabo-Verde: tiveram séculos de patrões cabo-verdianos e não gostaram; e foram fundamentalmente dirigidos até 1980 de acordo com uma lógica que davam por inaceitável. Trabalho com bastantes méritos, mas surpreende como é que se edita a seco uma tese defendida em 2005 quando, no entretanto, surgiu muita outra documentação de elevada pertinência. Não teria sido útil publicar a tese de 2005 com comentários a investigações posteriores que trouxeram, iniludivelmente, apreciações distintas à que a autora defendeu, então?

Um abraço do
Mário



Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura,
por Ângela Benoliel Coutinho (1)


Beja Santos

Este livro resulta da tese de doutoramento em História da África Negra Contemporânea, defendida em 2005 na Universidade de Paris I – Panthéon – Sorbonne. A sua tradução para português, nos dias de hoje, obriga-nos a questionar se não devia ser objeto de um texto complementar decorrente da importante bibliografia publicada nos últimos treze anos. Logo Leopoldo Amado e Julião Soares Sousa, António Tomás, Daniel Santos e Tomás Medeiros. Mas também Piero Gleijeses que estudou a presença cubana na luta armada; a entrevista de José Vicente Lopes a Aristides Pereira, com data de 2012, A Criação e Invenção da Guiné-Bissau por António Duarte Silva, mas há mais. 

Um olhar sobre a História é por definição sempre datado, mas publicar treze anos depois um documento destes sem um comentário acerca de investigações posteriores que podem pesar nas conclusões então produzidas, parece-nos um tanto bizarro.

A que se afoitou Ângela Benoliel Coutinho? Ela responde: 

“O presente estudo debruça-se sobre as trajetórias dos fundadores do PAIGC e dos membros do seu Comité Executivo de Luta. Interrogar-nos-emos acerca do recrutamento destes dirigentes, mais precisamente o recrutamento geracional, geográfico, de género, social, procurando também saber que formação tiveram, tendo em vista as suas atividades de direção política”

Mostra-se entusiasta pelo cruzamento de diferentes disciplinas, tendo como núcleo central a Sociologia Política e organiza o seu trabalho sondando a primeira geração dos dirigentes do PAIGC, a longa e progressiva tomada do poder pela segunda geração dos dirigentes do PAIGC, discreteia sobre heróis ideólogos após a independência, o que aconteceu aos revolucionários no poder e elabora as conclusões.

É de lamentar que ao referir a organização política do PAIGC traçada no Congresso de Cassacá não extraia a mais devida das considerações: o poder militar ficou, a partir desse momento, custodiado, totalmente dependente do decisor político. Durante anos, o cérebro da estratégia, tanto militar, como organizacional, política e diplomática, foi Amílcar Cabral; Aristides Pereira era o pontífice da logística e Luís Cabral o dirigente que funcionava como uma antena no Senegal. Há que tirar ilações desta cúspide, eles foram os verdadeiros dirigentes e interlocutores dos comandos militares.

Quanto à fundação do PAIGC, sabe-se que há dados obscuros, e de há muito. Quem esteve presente em 19 de setembro de 1956 é uma verdadeira incógnita; Julião Soares Sousa avança mesmo que era fisicamente impossível Amílcar Cabral ter assistido àquela reunião; e quanto à existência do PAI continua a pertinência da pergunta porque é que Amílcar Cabral nunca falou dele em sessões públicas ou na sua correspondência até 1960.

Para a investigadora, temos um conjunto de fundadores, nascidos entre 1923 e 1930, Aristides Pereira, Amílcar Cabral, Júlio Almeida, Fernando Fortes, Luís Cabral e Elysée Turpin. Eles podem ter sido todos fundadores mas para a história do PAIGC o que conta são os irmãos Cabral e Aristides Pereira, três homens extraídos da cultura cabo-verdiana, e a autora desenvolve mesmo as respetivas genealogias, releva a importância do Liceu Gil Eanes no Mindelo, o papel de Baltazar Lopes da Silva e da revista Claridade e interroga-se mesmo de quem influenciou quem no meio universitário lisboeta, Dalila Mateus ouviu Marcelino Santos sobre leituras e intercâmbios ideológicos, não parece haver dúvida que a grande plataforma de encontro foi o Centro de Estudos Africanos, funcionava na Rua Ator Vale, em pleno Bairro dos Atores, em Lisboa.

A autora aborda as fugas e as partidas para o exílio, não há uma palavra para Rafael Barbosa e o seu determinante papel dirigente nesse período decisivo de 1960 a 1962.

Estamos agora na segunda geração dos dirigentes do PAIGC, os combatentes. Oiçamos a autora a propósito do recrutamento dos militantes no mundo obscuro da clandestinidade:

“Considerámos que existiram duas fases cruciais de recrutamento deste grupo de dirigentes. A primeira diz respeito ao início da sua militância no PAIGC, enquanto a segunda ocorreu no interior do próprio partido, tratando-se do seu recrutamento na qualidade de dirigente deste. A fim de compreender a primeira fase em causa, visto a falta de estudos sobre o PAIGC e a indisponibilidade de fontes do partido, apoiámo-nos em vários outras fontes: processos da PIDE / DGS, entrevistas, relatos de vida publicados e obras ou estudos publicados”.

Concluiu que o recrutamento dos dirigentes ocorreu durante um período muito curto, primeiro em Conacri e depois no Senegal. Esclarece que os militantes do PAIGC que agiram no espaço político sob domínio português e que não fugiram durante este período, não fizeram carreira até ao topo da direção política do PAIGC. 

A maioria dos militantes que chegaram à direção política do movimento entre 1963 e 1967 já se encontravam na cena política africana e já tinham sido recrutados pelo PAIGC pelo menos até 1962. Luís Cabral, em entrevista à autora, enumera-os: Rafael Barbosa, Victor Saúde Maria, Carlos Correia, Francisco Mendes, Osvaldo Vieira, Constantino Teixeira, Nino Vieira, Abdulai Bari, Pascoal Correia Alves, Tiago Aleluia Lopes, Otto Schacht, Vasco Cabral, todos guineenses, e Abílio Duarte, Silvino da Luz, Pedro Pires, José Araújo e Osvaldo Lopes da Silva, todos cabo-verdianos. 

A autora dá pormenores sobre o seu recrutamento, as suas trajetórias, profissões e atividades antes de entrarem na luta armada e as conclusões são de há muito conhecidas: os cabo-verdianos eram estudantes universitários; com estudos universitários só o guineense Vasco Cabral, todos os outros guineenses eram pequenos funcionários, em casas comerciais ou organismos do Estado.

A autora não esconde a intenção em pretender demolir a tese da hegemonia cabo-verdiana, como se esta se revelasse em percentagens, e o equilíbrio fosse patente. A questão de fundo é tratada veladamente: a decisão ideológica e política, a orientação militar estava a cargo de três líderes políticos, competindo a Amílcar Cabral todas as grandes decisões: os combatentes na fase de arranque eram todos guineenses. 

Com o evoluir da luta armada e a deslocação dos cabo-verdianos para o interior da Guiné deram-se substanciais alterações. Refere-se igualmente a quase ausência de mulheres da direção, a exceção mais relevante era Carmen Pereira, havendo figuras de prestígio como Titina Silá, Dulce Almada, Francisca Pereira e Ana Maria Gomes, isto quanto a uma primeira geração. Há também uma exposição sobre as fugas dos militantes cabo-verdianos, vamos ficar a conhecer a sua genealogia.

A obra “Os Dirigentes do PAIGC” é uma edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, novembro de 2017.

(Continua)

Carlos Correia, imagem retirada do Arquivo Amílcar Cabral / Fundação Mário Soares, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22425: Notas de leitura (1368): “Repórter de Guerra”, por Luís Castro; Oficina do Livro, 2007 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21529: (D)o outro lado do combate (61): A chegada dos primeiros cubanos em abril de 1966, e o reforço da guerrilha no Boé, conforme carta de Amílcar Cabral para "Xido", o nome de guerra de Aristides Pereira

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >Setor de Boé > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento. Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas

Presume-se que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, membro da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: "Uma campanha na Guiné, 1965/67").

 Foto (e legenda): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).



Folha 1.1


Folha 1.2


Folha 2.1


Folha 2.2

Reprodução, com a devia vénia, de carta manuscrita, de Amilcar Cabral (, algures,) para Aristides Pereira ("Xido", em Conacri),  com data de 12/4/1966.

Fonte:

Portal: Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07061.032.023
Assunto: Encontro com os camaradas do Gabu. Regresso ao Boé. Chegada dos cubanos. Instruções. Envio de bazucas chinesas para o Sul e Madina de Boé. Chegada de dois transístores aos Armazéns do Povo.
Remetente: Amílcar Cabral
Destinatário: Xido [Aristides Pereira]
Data: Terça, 12 de Abril de 1966
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral


Citação:
(1966), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35061 (2020-11-9)


1. Carta manuscrita de Amílcar Cabral para o Aristides Pereira (nome de guerra, "Xido"), composta por duas folhas que, para efeitos de revisão. fixação de texto e edição no nosso blogue, reproduzimos em quatro partes (Folhas 1.1., 1.2, 2.1 e 2.2].

É um documento que tem interesse para o conhecimento não só do homem que dirigia o PAIGC ( e que por exemplo fumava cigarros americanos da marca L & M) como dos seus planos para desenvolver e reforçar a guerrilha no Leste, nomeadamente na região de Gabu e no setor do Boé, com o apoio dos "internacionalistas cubanos" que acabavam de chegar a Conacri, em abril de 1966.

Reproduz-se o teor da carta, separando os parágrafos por assuntos ou áreas temáticas, Há, no entanto,  palavras ilegíveis, ou que nos suscitam dúvidas, sendo por isso seguidos de um [?]; noutros casos, são complementadas por "pistas nossas", nomeadamente alguns nomes de militantes do PAIGC, que estavam no mato, nas bases sitas ao longo da fronteira (Boké, Koundara ou Kundara, Kandiafara...).

Recorremos,por isso, à preciosa ajuda do nosso coeditor Jorge Araújo, autor da série "D)o outro lado do combate", para colmatar algumas lacunas...Ele conhece melhor do que ninguém, aqui na Tabanca Grande, o Arquivo Amílcar Cabral, e está familiarizado com a letra e o estilo epistelográfico do eng. Amílcar Cabral... Aqui para nós: isto dá muito trabalho, ler, rever e fixar um texto manuscrito como este...Estou grato ao Jorge pelas correções e melhorias que fez à primeira versão da nossa transcrição... LG


(i) Encontro com os "camaradas do Gabu" [Folha 1.1]

" 12.4.66 [,Terça feira]. Caro camarada Xido [, Aristides Pereira, também conhecido como Chido]: 

"Aproveito o regresso dos camiões [?] para para te enviar pelo Tegma [?, nome ilegível]  estas breves linhas.

"Cheguei há umas horas do encontro com os camaradas do Gabu. Parecem bem dispostos, Têm feito alguma coisa, mas têm feito pouco, a meu ver muito pouco para as possibilidades reais.

 "Tinha chegado aqui [, a base de  Koundara ?, ] ante-ontem vindo diretamente do leste do  [Rio]. Féfiné.  Aí, com o Domingos [Ramos], procedemos ao estudo da operação em geral e começou-se a fase preparatória. Vamos ver". [O rio Féfiné corre a norte e a leste de Béli, e a sudeste de Cabuca, é um afluente do Corubal.]

(ii) Regresso ao Boé e encontros com o Domingos Ramos [Folha 1.2]

"Devo regressar do Boé (leste do Féfiné), depois de amanhã, pois devo reservar o dia de amanhã a verifiar uns materiais. 

"Ao receberes esta [carta] já devo estar de novo com o Domingos [Ramos]  e companhia. Daí partirei para o outro lado do Boé [, o Boé Oriental, onde se inclui a tabanca Lugajole, junto à fronteira, nas proximidades da qual, numa colina,. à cota de 200, se terá realizado a cerimónia da declaração da independência, a 24/9/1973; Lugajole fica a 40 km de Madina do Boé, para leste: informação do nosso camarada Patrício Ribeiro, o português que melhor conhece o Boé.] "


(iii) Chegada dos cubanos [em abril  de 1966, chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo tenente António Lahera Fonseca] [Folha 1.2 e 2.1]:


"Recebi a tua mensagem pelo Pinto [Eduardo Pinto, que estaria nessa altura em Koundara, na Guiné-Conavri, junto à fronteira, no nordeste ?]. 

"Se chegarem os amigos cubanos apenas 2 poderão vir ter comigo onde estiver. Os outros devem esperar por mim em Conacri, incluisve os médicos. Quando eu chegar de novo ao Boké [, a sul,], onde devo voltar antes do meu regresso a Conacri, os médicos poderão ir ter comigo aí. Mas só entrarão em funções  definitvas quando chegar o Luíz [Delgado ?]

(iv) Alojamento e alimentação dos  cubanos [Folha .2.1]

"Quanto ao alojamento, a ideia do [Hotel]  "Maison Blanche" parece-me boa, mas estuda bem a questão  da alimentação. Pelo menos para os médicos, não me parece que o hotel sirva mau. Mas resolve da melhor maneira em colaboração  com o Luiz Delgado."

(v) Granadas de bazucas chinesas [RPG], para o sul e para o Boé [Folha 2.1]


"Espero que o Mirandela [, barco da Casa Gouveia aprisionado pelo PAIGC, no início da luta armada] tenha chegado a Boké mas que o M[anuel] Azevedo tenha ido para tratar da arrumaçãp do material. 

"Faz o possível por mandar obuzes [,granadas,]  de bazucas [, RPG, ], chinesas para o Sul e para Madina Boé. Mete o Nfamara [Cassama ?] na linha de Kandara [, ou Kandiafara ?]. e o Tegma. [?, nome ilegível] para Boké

"O Pinto adoeceu hoje, mas espero que se restabeleça breve, pois faz muita falta no meio disto, Vamos ver".

(vi)  Material apanhado aos gilas ... e pedido de maços de cigarros L&M [Folhas 2.1 e 2.2]

"Vão umas mercadorias 'saisies' [sic, em francês, com aspas,  apanhadas] aos gilas [, sublinhado,]  , incusive 2 transistores. Essas coisas devem ficar aí intactas até eu voltar, Recomenda isso ao nosso Armazenista do Povo.

"Não te esqueças de mandar cigarros LM, porque já estou nos útimos maços. Mais uma dificuldade."

(vii) Instruções  e saudações finais [Folha 2.2]

"Quanto ao resto, espero que continuemos a cumprir o programa traçado, para podermos evitar as dificuldades que as chuvas causam,  

"Manda para Kundara 1 ou 2 máquinas de costura.

"O Marcelino [Constantino Costa?] recebeu aqui duzentos mil francos, no Domingo [10.04.66].

"Bom, com a cabeça e o calor que tenho, para hoje é tudo.

"Melhoras para ti e que a Lucette [de Andrade] esteja boa.. Diz à Ana Maria [, segunda mulher de Amílcar Cabral,] que espero carta dela. Saudações à Carla e para todos os camaradas. Tenho grandes esperanças neste programa. Abraça-te o velho camarada, [assinado, Amílcar.]"

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)

sábado, 22 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21283: (In)citações (166): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 18 de Agosto de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana", do qual publicamos hoje a II e última Parte.


Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana


Amílcar Cabral e Rafael Barbosa estavam ligados pela verve nacionalista, este clamava a sua adesão ao PAI, ele limitara-se a acompanhar a sua evolução; veio encontrá-lo enformado por cerca de 30 militantes, empregados da Farmácia Lisboa, quadros do Banco Nacional Ultramarino, da Estação Postal, da Estação Telegráfica, da empresa António da Silva Gouveia (CUF) e atletas do Sport Bissau e Benfica, filiou-se, reformou-lhe estatutos e orgânica, Rafael Barbosa continuou presidente, ele passou a secretário-geral, Aristides Pereira, o chefe da Estação Telegráfica seu adjunto, e rumou a Paris, a dar início à sua diplomacia de convencimento.

Amílcar Cabral e a primeira infância do PAIGC em Paris foram “amamentados” pelas remessas de $ (escudos) – então a 3.ª moeda mais forte do mundo - da sua mulher, a eng.ª silvicultora Maria Helena de Ataíde Vilhena Rodrigues, filha de um capitão médico e deficiente da guerra africana, no contexto da I Guerra Mundial.

Em Janeiro de 1960, viajou com o passaporte português de Paris para Túnis, discursou na I Conferência dos Povos Africanos sob o pseudónimo de Abel Djassi, conheceu Nelson Mandela e o caribenho e sociopata revolucionário Frantz Fanon, mentor do terrorismo e em representação da FNL argelina, que lhe apresentou o congolês Holden Roberto, líder da UPA, ainda ele não tinha ido a Washington receber a quantia de 100 mil dólares em dinheiro vivo das mãos do então senador John Kennedy.
O financiamento do terrorismo no norte de Angola, em Março de 1961, materializado no massacre de cerca de 10 mil civis, homens, mulheres e crianças, brancos, pretos e mulatos, foi devido a John Kennedy e ao seu Partido Democrata.

Quando a Maria Helena se lhe juntou em Paris, o exilado angolano Viriato da Cruz, fundador do Partido Comunista de Angola – que Cabral ajudará a reciclar no MPLA –, meteu uma cunha a Sékou Touré, este concedeu-lhes asilo, em Março desse ano mudaram-se para Conacri, deu-lhe uma avença como conselheiro técnico do Ministério da Economia Rural e empregou a Maria Helena como professora no seu liceu. Em Outubro foi a Dacar participar na Conferência de Quadros das Obrigações Nacionalistas, diferenciou o PAI guineense do PAI senegalês, Partido Comunista do Senegal, fundado por Majhmad Diop, também exilado em Conacri, militado por pan-africanistas e por ex-estudantes senegaleses em Paris, mudando-lhe o acrónimo para PAIGC, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Foi encontrar em Conacri o emigrante João Bernardo Vieira, jovem da etnia papel, electricista de Bissau, sobrinho de João Máximo Vieira, carpinteiro de Bedanda, que fora o seu maior entusiasta da falhada fundação da referida associação desportiva juvenil – o destino a fazer o encontro entre os dois guineenses que darão água pela barba ao Governo, infernizarão a vida aos militares portugueses e talharão o destino da Guiné Portuguesa: o líder Cabral, pelo seu talento de estratega, a inteligência na acção, e o bisonho e improvável cabo-de-guerra “Nino”, que se iniciou como “libertador” da zona Sul, superou a famigerada Operação Tridente, foi o chefe das Operações das FARP (Forças Armadas Revolucionárias Populares), proclamou a independência no Boé, foi ministro, primeiro-ministro, fez um primeiro mandato de 19 anos de seu PR e, ao 4.º ano do seu segundo mandato, foi assassinado e o seu cadáver profanado.

Encontro também premonitório do futuro fatal a ambos e de grande contrariedade para as suas mães, que queriam ser portuguesas e sempre viveram em Bissau. D. Iva Pinhel, mãe de Amílcar, dizia que se o tivesse adivinhado político, não teria mourejado tanto para o formar (passava férias em Cabo Verde, as passagens aéreas oferecidas pagas pelo governo provincial) e Nino Vieira afirmava que a sua mãe, Florença de Pina Araújo, procurava todas as oportunidades para lhe ralhar e se convertera em spinolista convicta.

Em Conacri, Amílcar Cabral começou a acolher jovens guineenses da sua sementeira subversiva, os primeiros oriundos da Missão Católica de padres italianos da tabanca de Samba Silaté e outros, militares nativos, na disponibilidade e desertores, mobilizados e expedidos por Rafael Barbosa, os primeiros foram Osvaldo Vieira, Epifânio Amado e o furriel desertor Rui Djassi, os três empregados da Farmácia Lisboa, e, depois, Domingos Ramos e Carlos Correia, todos patrocinados pela dr.ª Sofia Pombo Guerra.

Nesse ano viajou para Checo-Eslováquia, para União Soviética e para a China, aqui permaneceu alguns meses, a receber lições de Mao Tsé Tung sobre a organização da guerrilha rural e do combate nas matas e bolanhas da Guiné contra um exército, o português no caso. O mestre viu no discípulo um homem do campo feito cosmopolita, o seu grande potencial de líder revolucionário e começou a ajuda à sua luta concedendo bolsas de preparação ideológica e militar a 30 jovens guineenses (a Checo-Eslováquia concedeu-lhe 25 e a União Soviética apenas 5).

Leopold Senghor
Entretanto, o seu anfitrião Sékou Touré, em razão do exposto, e Senghor, por não professar os princípios e fundamentos do marxismo, procrastinavam a autorização de bases de retaguarda à sua guerra, ora metiam uns na prisão, ora ameaçavam ou emitiam mandatos de captura contra outros e só lhas concederão rendidos às evidências e ao seu talento, a primeira a ser colhida foi de Senghor, que, em finais de 1960, lhe autorizou a abertura de escritório em Dakar.

Em 30 de Novembro desse ano, propôs a Salazar o recenseamento dos habitantes de Cabo Verde e da Guiné para “uma pessoa um voto”, a eleição de uma Câmara de Representantes das duas Províncias, pelos rácios de 1 deputado por 10 mil cabo-verdianos e de 1 deputado por 30 mil guineenses – uma espécie de assembleia constituinte de um só país – e preconizava a eleição de um Presidente da República comum.

Marrocos tornara-se destino de exílio de oposicionistas portugueses, predominando comunistas e delgadistas, Rabat e a MAC, Movimento Anticolonialista fundado por Viriato da Cruz, tornaram-se ponto de reunião e placa giratória da malta africana que deixava as 3 Casas do Império (Lisboa, Coimbra e Porto). A Maria Helena passava pela segunda gravidez, ora de risco, Amílcar Cabral instalou-a em Rabat, meteu o país e a cidade no seu roteiro, conquistou a consideração do rei Hassan II e, em 1962, este doou-lhe as primeiras 30 pistolas-metralhadoras russas PPSH – as “costureirinhas” e o seu “cantar”, sinistro e indelével na memória dos combatentes da Guiné.
A Rabat foi também parar o impetuoso rebelde Humberto Delgado, Tenente da Revolução do 28 de Maio, General da Força Aérea e o general mais novo do corpo de generais portugueses, notável diplomata militar, fundador da TAP, criador dos aeroportos de Lisboa e do Porto, etc., que passara de Presidente da Repúlica de Portugal eleito, em 1958, derrotado por fraude eleitoral, a refugiado no Brasil. Ao fim de 10 meses no Rio de Janeiro, a viver do subsídio de 30 mil cruzeiros da Associação de Beneficência e Cultura, o empresário Rui Amaral deu-lhe em S. Paulo o emprego de promotor de vendas do “Cestos de Natal Amaral”, na empresa Alimentos Seleccionados Amaral. Já com o estatuto de exilado político, concedido pelo Presidente Juscelino K. Oliveira, despediu-se do emprego, foi instalar o quartel-general do golpe militar do derrube de Salazar em Rabat e alçou o desertor de Angola, Major Pilav. José Ervedosa a seu Chefe de Estado-Maior.

Em 1961, como o MAC era contrário à violência, advogava a desobediência civil como arma de luta da independência, os líderes dos movimentos independentistas dos territórios administrados por Portugal apropriaram-se dele, reciclaram-no na CONCP (Confederação da Organização das Colónias Portuguesas), proclamaram a luta armada contra o colonialismo português, transferiram o seu Secretariado para Casablanca, a sua liderança exercida pela “troika” Amílcar Cabral (Guiné e Cabo Verde), Gentil Viana (Angola) e Marcelino dos Santos (Moçambique). Em Outubro esta “troika” foi a Nova Deli pedir a ajuda de Nerhu à luta da Liga de Goa pela libertação do Estado Português da Índia, Amílcar Cabral foi o seu porta-voz, este disse-lhes que ia reflectir – não lhe deu resposta, invadiu-o e anexou-o por mão militar à União Indiana.

Em 3 de Agosto de 1961, Amílcar Cabral anunciou a passagem da sua luta na Guiné à “acção activa”, eufemismo para não ferir as boas almas pacifistas, nórdicas e não só…, (a União Soviética monta o estaleiro da construção do muro de Berlim), e, em 13 de Outubro, enviou a Salazar e ao Povo Português a proposta da abertura do diálogo pela união da Guiné com Cabo Verde, a sua autodeterminação e a independência como fim último –, inflexível e casmurro, o velho foi recorrente em negar-lhe resposta.
Salazar e o seu fascismo à “português suave” acusavam decadência, os novos “ventos da história” demorarão a chegar a Lisboa, a oposição e um general não tiveram jeito nem força para o afastar do poder, o feito estava reservado à cadeira espreguiçadeira do forte do Estoril. Quando algum dignitário ou emissário internacional lhe invocava a ONU ou abordava a questão colonial, ele evocava logo os Descobrimentos e a sua identidade com o heroísmo dos seus antepassados do século XV. O embaixador americano em Lisboa reportou ao seu presidente que fora presente a um velho e, mal abriu a boca sobre o tema, levou logo com Luís de Camões, com o Infante D. Henrique e com Vasco da Gama (e ele não sabia quem eram…).

Em meados de 1962, a França libertou-se da Argélia e Ben Bella, primeira figura da FNL e especialista de assaltos a bancos foi alçado à honra de seu Presidente da República, precedente que inspirará o nosso Presidente Mário Soares a indultar os nossos brigadistas Carlos Antunes e Isabel do Carmo, condenados judicialmente por assaltos a bancos nacionalizados, e o nosso Presidente Jorge Sampaio, a condecorar Hermínio da Palma Inácio, o nosso assaltante da filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Nenhum era dos DDT (donos disto tudo)…
A capital Argel passou a centro de gravidade revolucionária, a asilar tudo que parecesse revolucionário africano e oposicionista ao regime de Lisboa, os democratas e delgadistas lusos e suas famílias eram cerca de 40 almas, formataram a sua comunidade na FPLN, acrónimo de Frente Patriótica de Libertação Nacional, a “troika” Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre em seus pontífices.

Em 1962, havia na Guiné Portuguesa 10 movimentos e correntes de opinião nacionalistas, (eram 21, considerando os de Cabo Verde), uns mais informais que outros, e, em Maio, Nino Vieira fez a sua iniciação de comandante guerreiro, montando um fornilho e uma pequena emboscada com pistolas de calibre civil “Unic” à CCaç 84, no troço de Mato Farroba da estrada Cacine-Cufar, sem sucesso. Dias depois, acabado os preliminares e quando se preparava para distribuir as 30 pistolas-metralhadoras PPSH, doadas pelo rei de Marrocos, escondidas sob o arroz no celeiro da quinta do Chiquinho, em Cubaque, foi capturado pela patrulha do Destacamento de Cufar, comandada pelo furriel mil.º Gonçalves, este deu-o como fugido ao fisco e foi levá-lo à cadeia de Catió e o administrador da circunscrição Pedro Duarte (irmão do dr. Abílio Duarte, ambos cabo-verdianos e militantes do PAIGC dos mais importantes) propiciou-lhe a evasão na mesma noite.
Havia mais de um ano que o Estado-Maior de Bissau e o seu comandante de Companhia sabiam quem era o Nino, o que andava e se propunha fazer. Os “donos” da nossa guerra da Guiné omitiam as informações desta natureza aos comandantes de patrulhamentos e de escoltas que não fossem oficiais…

A insurreição armada eclodiu no noroeste da Guiné, em Junho de 1962, numa lógica mais bandoleira que militar, a iniciativa foi do MLG (Movimento da Libertação da Guiné), com o assalto, pilhagens e delapidações nas estâncias de veraneio de Susana e Varela e o incêndio de uma serração em S. Domingos, por bigrupos com o efectivo de 200 guerrilheiros, instruídos em Bamako, capital do Mali, por ex-militares argelinos do exército francês, um deles era Momo Turé, que virá a enformar o trio que martirizou Amílcar Cabral.

O MLG era concorrencial e antecipara-se ao PAIGC na dotação de recursos humanos e de armamento; mas, por atalhos de entendimento, uma coligação informal da UPG, do MLG e do PAIGC desencadeou uma segunda vaga: entre 6 de Janeiro e 5 de Maio de 1963, cortaram a estrada Varela-S. Domingos, incendiaram o posto administrativo de Sedengal e o pontão entre Susana e Varela, atacaram Cajadi, Bigene e Samoge, montaram emboscadas ao CCav 252, causaram a morte a um soldado e ao seu comandante, Capitão Machado do Carmo, incendiaram o autocarro do Manuel Saad, da carreira de Bissau-S. Domingos e dois camiões dos madeireiros, etc..

 Da acção por parte do PAIGC, no Chão manjaco distinguiu-se o ex-professor primário Inocêncio Kani, que virá a ser o comandante do assassinato de Amílcar Cabral, enquanto no sul, na região continental e insular de Cacine, se distinguia Nino Vieira, nas acções nos chãos balanta e nalú, com assaltos a casas comerciais, sabotagens, cortes de estradas e na instrução e formação do primeiro corpo de Exército do PAIGC, uma numerosa força de guerrilha, um corpo de exército, dotada de metralhadoras antiaéreas, que acantonou nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, coma missão de proteger a realização do I Congresso de Cassacá.

 Congresso de Cassacá

Ao invés de François Mendy e do seu MLG, Amílcar Cabral só desencadeou a sua guerra com o trabalho de casa feito, depois do estudo do terreno, do dispositivo militar português da Guiné levado ao pormenor, da autoria do então Tenente-Coronel Costa Gomes (em implementação desde 1958 e imutável até 1974), e concebeu a sua orgânica militar e o seu plano táctico-estratégico de acordo com as lições de Mao.
Cerca de 2/3 da dimensão da Guiné eram floresta e água. Na sua perspectiva de soberania, a tropa organizava-se em sectores geográficos, sedes de batalhões, e em quadrículas geométricas, nomadizava nas zonas urbanas e nas tabancas mais densamente povoadas, as quadrículas como áreas de acção de Companhias de Infantaria, com o efectivo de cerca de 150 homens, operava dia e noite, os seus reabastecimentos garantidos por terra, mar e ar. Mas jogava fora. O PAIGC estabeleceu a sua retaguarda no estrangeiro, organizou a sua luta em três frentes ou regiões político-militares, manobrava em Grupos e Bigrupos de combate de grande mobilidade e virtuosismo táctico, estes com o efectivo de 30 homens cada, estava para as matas e florestas como o peixe para a água, era noctívago nas suas ambulações bélicas, tanto pregava a tropa ao chão como a obrigava à dispersão, o seu reabastecimento a partir do estrangeiro, garantido pelas infiltrações das fronteiras, os “corredores” para a tropa – a permeabilidade das fronteiras foi o pecado mortal táctico-estratégico do Alto Comando português. E jogava em casa.

A partir de 1963 e durante 11 anos, o PAIGC foi constante na propalação (até 1974) da glória de dominar e “administrar” 2/3 de “áreas libertadas” na Guiné e de ter imposto o confinamento da soberania de Portugal a Bissau e Safim. Um embuste, “publicidade enganosa”, com sucesso junto da ONU, da OUA e das chancelarias mundiais que lhe sustentavam a guerra.
Esses “2/3 de áreas libertadas” não era mérito seu, era o grande activo da Guiné - o seu ecosistema de massas de florestas, água de rios e braços de mar.
Em 1963, o PAIGC tinha completado a implementação e activado o seu dispositivo militar na Frente sul e na Frente sul (a tropa demorou mais de um ano a iniciar a sua rarefacção, com a Operação Tridente), a manobra dos “primos Vieira”, Osvaldo e Nino evidenciava o virtuosismo decorrente do seu tirocínio em Pequim.

Para memória futura: Fui militar do contingente geral e servi na Guerra da Guiné com o posto de furriel miliciano, de meados de 1964 a meados de 1966, começamos baseados em Bissau, as três companhias operacionais para missões de intervenção. No primeiro ano fomos sempre até onde a soberania de Portugal fora, executando batidas, golpes de mão, cercos, assaltos, sofremos minas, flagelações, emboscadas e suas consequências, por terra e por água e nomadizamos em duas zonas problemáticas – 10 dias em Bironque, no Norte, e 67 dias em Cufar, no Sul. No Norte confrontamo-nos com o comandante Osvaldo Vieira e a sua malta e no Sul com o comandante Nino Vieira e sua malta. No segundo ano fomos para Nova Lamego, ambulamos por todo o Leste, cambamos o Corubal na fatídica jangada do Ché-ché, confrontamo-nos com o comandante Domingos Ramos e sua malta nas abrasivas áreas de Canquelifá, Beli e Madina do Boé e terminamos a comissão na tabanca fula e mandinga de Buruntuma, fronteira da Gconacri.
O PAIGC sujeitou-nos a situações umas mais difíceis e dolorosas que outras, mormente nas matas do Oio, Morés, Cafine, Cantanhez e Cufar, mas, mesmo nessas áreas da sua maior presença e mobilidade, a sua acção nunca configurou algo parecido com “área libertada”!
Não obstante ter sido actor nessa Guerra da Guiné “para nada”, parafraseando alguém, a sua primeira vítima foi a verdade.

Amílcar Cabral rompera com o MLG, tratou de o desnatar dos seus melhores recursos humanos e, na noite de 23 de Janeiro de 1963, inaugurou a sua Guerra da Guiné a solo, numa operação com lógica militar. Um comando do PAIGC formado na base de Koundara, Guiné-Conacri (a 30 km de Buruntuma), veio atacar a sede do BCaç 237, em Tite, no coração da Guiné, na margem esquerda do estuário do Geba, defronte a Bissau, vitimou uma sentinela, o soldado gondomarense Gabriel Moura, mas só no dia 26 é que comunicou o evento à ONU, porque o regresso dos atacantes ao seu PC, em Koundara, demorou 3 dias…

O General Humberto Delgado foi convencido por Álvaro e transumou-se de Rabat para Argel, chegou, invocou à comunidade conspirativa lusa o seu direito natural, de Presidente eleito de Portugal e a sua patente de General, impôs-se presidente da FPLN e comandante da luta da oposição salazarista. A pluralidade convertera a FPLN num saco de gatos, a maioria passou a negar-lhe interacção, a fazer finca-pé à anterior orgânica da FPLN e ele desenrascou-se mudando o P de patriótica para o P de portuguesa.

O General Humberto Delgado a votar nas Eleições Presidenciais de 1958

Em Setembro de 1964, a guerra rebentou em Moçambique, a FRELIMO aderiu à FPLN, e Amílcar Cabral, também convencido por Álvaro Cunhal, deixou Rabat e a família, passou a frequentar Argel, engrossou a FP(atriótica)LN, de saco de gatos oposicionistas passou a saco de tigres, a maioria dessa comunidade conspiradora lusa secundou a proclamação dos três dirigentes nacionalistas à luta armada no Portugal ultramarino, a CONCP propunha-se desencadear ataques de “bate e foge” aos quartéis da Metrópole, o general agoniou-se e em Outubro bateu com a porta.
A sua circunstância e as suas idiossincrasias tornaram Amílcar Cabral apenas fiel a tudo o relativo à guerra, a Maria Helena tendia para os princípios políticos do general, divorciaram-se, ela refez a sua vida sentimental com o seu ajudante de campo Henrique Cerqueira, regressou a Portugal após o 25A74 e deu aulas na Universidade do Minho.
Amílcar Cabral refez a sua vida sentimental com a moça guineense Ana Maria Voss de Sá, sua protegida com uma bolsa de estudo na Checo-Eslováquia, o PAIGC aureolou-a de espécie de viúva nacional, foi o seu representante à cerimónia do arrear da última bandeira portuguesa, na parada do quartel de Mansoa, em 9 de Novembro de 1974, - o último acto da exoneração de Portugal da sua soberania e a última missão do seu o último soldado, o nosso camarada Furriel Mil.º Eduardo Magalhães Ribeiro.

A notícia da morte do General Humberto Delgado na Extremadura espanhola chegou ao Café Bento ou nossa “5.ª Rep” no princípio de Maio de 1965, estávamos em recuperação, passáramos o mês de Abril em intervenção na região de Buba, investidos nas muito duras e sofridas Operação Faena, em Antuane, e Operação Faena, em Incassol. A indiferença ante a notícia foi geral, não provocou reacções de compaixão nem de simpatia – entendíamo-lo como mais que para se vingar de Salazar se passara para os turras, para os ajudar a infernizar-nos a vida, a estropiar-nos e a matar-nos. Pura desinformação. Houve suspeitas, não provadas, de que o General Humberto Delgado teria sido “oferecido” à PIDE pela FPLN ou “Grupo de Argel” ou pela CONCP, em consequência da sua ruptura com ela e por se ter recusado a caucionar a admissão a pretensão da extensão da intromissão dos líderes da guerra africana nos assuntos portugueses genuinamente internos. Votara-se à conspiração armada contra o regime, mas era seu ponto de honra não usar os soldados portugueses para seu alvo – assim o determinara na sua ordem de operação do assalto ao RI 13 de Beja.

Apoiar alguém a matar os seus compatriotas que cumprem o seu dever de soldados do seu próprio país, onde quer que o sirvam, não é igual a planear e lançar ataques aos seus mandantes, nos quartéis, S. Bento, Terreiro do Paço e Belém.

Manuel Alegre reunia em seu favor o talento de vate poético, cantado pela Amália, o de alferes miliciano na tomada de Nambuangongo, Angola, de conspirador do “golpe Botelho Moniz”, a visibilidade da sua militância democrática durante o PREC, mas foi rejeitado pelo voto para nosso Presidente da República e Supremo Comandante das Forças Armadas. A sua rejeição não terá a ver com o passado conspirativo no Grupo de Argel, mas pelo activismo do seu apoio aos “turras”, na Rádio Voz da Liberdade/Rádio Portugal Livre e em eventos. Os Combatentes - foram mais de um milhão! - se perdoaram não esqueceram…

Em jeito de conclusão, invoco Paul Veyne: “A História é um romance verdadeiro que tem o homem por actor”.
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 21 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21279: (In)citações (165): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21262: Notas de leitura (1298): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
O investigador Carlos Sangreman lança questões fulcrais no seu documento de trabalho onde esquematiza em escassas dezenas de páginas o que eram as políticas coloniais até 1974, como decorreram os planos de desenvolvimento até 1986, como se entrou na liberalização, os altos e baixos das diferentes governações e o que esteve em causa em três momentos nas políticas de recuperação. Há dados estruturantes que, segundo o autor, terão de ser sempre equacionados quando houver condições para uma política de arranque ao desenvolvimento que deu aos guineenses a confiança de que há um Estado a dialogar com uma nação: ultrapassar um fraco nível de instrução e qualificação da população; desarmar as demagogias étnicas, um dos maiores obstáculos à construção do país; programar e acompanhar a par e passo a execução de tais medidas, detetando oportunamente os estrangulamentos e as incompetências; encontrar uma fórmula de conciliação e concórdia entre as mais destacadas forças partidárias que se complementam a pôr termo à instabilidade, e deste modo assegurar o comportamento constitucional das forças armadas, deixando-as subordinadas ao poder político.

Um abraço do
Mário


A política económica e social na Guiné-Bissau (1974-2016) (2)

Beja Santos

O autor deste documento é Carlos Sangreman, doutor em Estudos Africanos, consultor internacional com missões em todos os PALOP. Logo no resumo, dá-nos conta do propósito essencial: “Que políticas económicas e sociais a Guiné-Bissau concebeu e executou ao longo de 42 anos? Que base colonial existia em 1974 que tenha sido um ponto de partida para a governação do PAIGC? Com governos e presidentes fortes e fracos, com uma imagem de instabilidade permanente, acusados de favorecer o tráfico de drogas para a Europa, mas com uma paz social relevante para uma região assolada por guerras civis, como se expressou a governação na escola de modelos económicos e sociais a partir de um ideário construído por Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Pedro Pires, Nino Vieira e outros?”.

No texto anterior fez-se referência ao período das políticas coloniais, até 1974 e apresentou-se um elenco de observações sobre os planos de desenvolvimento entre 1974 até 1986. Todos os anseios expressos nesta documentação culminam em fracassos, os défices acumulam-se, cada um dos ministérios faz gestão da sua área de competência desajustada às prioridades e às verbas disponíveis; o setor empresarial de Estado afunda-se, a dívida externa mais que duplica entre 1981 e 1985. Com resultados tão desastrosos, o governo decide-se substituir os planos a médio prazo por planos anuais, delega-se no PAIGC a sua aprovação. Entra-se numa fase de liberalização, é assim aprovado um programa de estabilização e ajustamento estrutural de 1987 a 1989, depois prolongado até 1993, com três componentes essenciais: alteração do papel de Estado, aumentando-se a iniciativa privada; fornecimento de infraestruturas básicas de apoio à produção e às exportações; definição de uma estratégia financeira para mobilizar os recursos externos necessários à estabilização e ao crescimento. No IV Congresso do PAIGC, realizado em Novembro de 1986, assume-se que o poder nacional deixara de ter capacidade para definir a política económica e social do desenvolvimento, passavam a ser os financiadores externos.

O autor detalha as tendências caóticas na governação em três períodos 1998-2003, 2005-2007 e 2012-2014. A primeira consideração vai para o conflito militar de 1998-1999 tudo agravou com a destruição de infraestruturas, baixa produção e a gravíssima queda da exportação. Só com o governo de Carlos Gomes Júnior em 2004-2005 se pode considerar haver uma primeira recuperação pós-conflito. A segunda consideração é que com a perda de influência do PAIGC a governação passou a depender do que o presidente quisesse. O período correspondente à presidência de Kumba Ialá foi um verdadeiro desastre, a confiança dos doadores internacionais e dos investidores estrangeiros com que se evaporou.

O que o Estado deixara de assegurar passou, ainda que tenuemente, a ser ocupado pela sociedade, cresceram as redes de solidariedade familiar, foi significativa a ação de muitas ONG na reconstrução de casas depois da guerra civil. Se é facto que a sociedade civil viera a conhecer expansão com a consagração do multipartidarismo, no dobrar do século a sociedade civil tinha um papel visível no combate à pobreza, no ensino, na saúde, no saneamento básico, na cultura.

Em Abril de 2012, quando os militares demitiram o governo, estavam-se a sentir os primeiros bons resultados depois de 1998, 1999, com o golpe militara acentuaram-se os problemas com o tráfico de drogas e com contratos, com privados nacionais e internacionais ou com países como a China, depredadores dos recursos naturais (sobretudo madeira e areias).

O autor também faz a leitura das políticas de recuperação, atende a três períodos: 2004-2005, 2008-2011 e 2014-2015. Assinale-se que no período de 2008-2011 se deu um crescimento do PIB acima dos 5% devido às exportações e à boa gestão das finanças públicas, avançaram as reformas estruturais, procedeu-se ao recenseamento biométrico dos funcionários públicos onde se identificaram 4 mil fantasmas, entre outros resultados positivos. A situação das condições de vida e de funções das forças armadas no ativo e reformadas mantinha-se deprimente: um reformado com o posto de capitão recebia 12 vezes menos que o posto seguinte e cerca de 97% dos ativos recebiam menos de 25 euros por mês.

Como observa o autor, na prática, com o golpe de Estado de Abril de 2012 só houve condições políticas para continuar o rumo prosseguido pela governação de Carlos Gomes Júnior depois as eleições de 2014. Tudo parecia encaminhar-se para uma normalização e um estuda de concórdia nacional. Mas em 2015 o presidente da República entrou em confronto com Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro, eram diferentes conceções do exercício do poder, estava em causa a apropriação de recursos externos prometidos em Bruxelas pelos financiadores. Deste confronto houve a nomeação de quatro governos, mantinham-se de pé dois projetos, reconhecidos como credíveis pelos financiadores: Terra Ranka (o país arranca) e Sol na Iardi (o sol brilha). O presidente João Mário Ramos apresentou por iniciativa própria um outro documento em alternativa, elegendo a produção agrícola para a segurança alimentar como objetivo central, retomando uma lógica básica de política económica que se justifica pelo país não dispor de recursos de produção de bens alimentares. Mas não se avançou em direção nenhuma, a instabilidade política não deixou fazer mais.

Nas conclusões, o autor retoma a permanente falha no cumprimento nos programas pós-independência até 1998, realça as consequências da guerra civil, recorda a persistências dos problemas de governação em que os graus de liberdade de execução das políticas nacionais continuam na dependência do exterior, a todos os níveis; alega igualmente que todos estes programas e projetos de desenvolvimento esbarram com as dificuldades de execução. E procura diagnosticar tal incapacidade: “Apesar do número de técnicos ser hoje muito superior a 1974, de os jovens terem acesso a um volume de informação incomparavelmente maior via net, telemóveis e via televisão, não parece haver na sociedade política pública e gestionária privada guineense a residir no país quadros em número mínimo para assegurar o funcionamento das instituições que tem de aplicar as políticas definidas desde os ministérios ao simples posto de saúde. O que não é surpreendente dado o fraquíssimo nível de ensino desde o ensino básico ao superior e as taxas de abandono e de frequência em todos os níveis. E se nos anos iniciais da planificação entre 1974 e 1986 ainda havia expatriados em todos os ministérios, a partir das políticas de ajustamento de iniciativa do FMI e BM, a ideia que devem ser os nacionais a assumir esses postos deve ter levado à diminuição das verbas para ter esses profissionais, sem atender a que o sistema de ensino nacional não produzia nem produz quadros superiores e médios suficientes com qualidade quatro dezenas de anos depois da independência e que aqueles que estudam no exterior têm uma baixa motivação para voltar, concluída a sua formação".


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21245: Notas de leitura (1297): A política económica e social na Guiné-Bissau, por Carlos Sangreman, Doutor em Estudos Africanos (1974-2016) (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19968: (In)citações (135): Achega II - E o PAIGC exaltou o Comandante Guerra Mendes a substituto de Salazar, na toponímia de Bissau (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) datada de 10 de Julho de 2019, com mais uma "achega":

ACHEGA II*

Protesto o meu respeito à laboriosa pesquisa histórica da Guerra da Guiné pelo Beja Santos, Jorge Araújo, José Matos, José Martins e de outros “camarigos”. Os seus actores não precisam de reescrever a sua história; mas, às vezes, sentimos a pulsão de chamar a “verdade dos factos” à colação das meias-verdades de muitos comunicadores.

O PAIGC foi fundado em 19 de Setembro de 1956, não por Amílcar Cabral (estava em Angola), mas por Rafael Barbosa, escriturário da construção civil, e por Fernando Fortes, chefe da Estação Postal Provincial, em Bissau, sob o acrónimo de PAI (Partido Africano da Independência), homónimo do Partido Comunista do Senegal, ambos militantes do Partido Comunista Português, no contexto do alinhamento deste com as conclusões anticoloniais da Conferência de Bandung, de Abril de 1955, e da proclamação do “direito das colónias à autodeterminação”, do XX congresso do PCUS, em Fevereiro de 1956.

Amílcar Cabral aderiu-lhe como militante e, em 1959, por negociação com os seus poucos pares e sem outra formalidade, Rafael Barbosa passou a presidente, ele a secretário-geral, Aristides Pereira a secretário-geral adjunto, objectivou-o também a Cabo Verde e mudou o seu acrónimo para PAIGC. O presidente manteve-se em Bissau, enquanto os dois secretários-gerais se expatriavam, avisadamente, – a PIDE instalara-se em Bissau no ano anterior. O PAI, o PAIGC, em Bissau, e o PAICV seu sucedâneo, na Praia, tiveram génese comunista e cabo-verdiana.

O PAIGC desencadeou a sua Guerra da Guiné nos princípio de 1963, com dois ataques à guarnição militar de Tite; mas, a Guerra da Guiné foi iniciada pelo MLG (Movimento da Libertação da Guiné), fundado em 1959, em Bissau, o primeiro partido emancipalista a desencadear ataques e emboscadas, nas áreas de S. Domingos, onde vitimou o Capitão de Cavalaria António Lopo Machado do Carmo, o primeiro oficial profissional a morrer em combate na Guiné, pilhagens a Susana e Varela e também atacou o aquartelamento de Bigene, iniciados em Julho de 1962 e activos até Fevereiro de 1964, até a manobra de Amílcar Cabral e o seu “charme” diplomático conseguir o desapoio da Organização da Unidade Africana e a perda da simpatia pela ONU.

O MLG expatriara-se para Dandula-Turene, Senegal, na sequência da agitação dos marinheiros de cabotagem, – a famigerada greve e o “massacre” do Pidjiquiti -, em Agosto de 1959, de sua inspiração e com o contributo do seu militante Luís Cabral, que virá a ser o presidente do PAIGC e primeiro PR da Guiné-Bissau, então guarda-livros da Casa Gouveia (Grupo CUF), empregadora da sua maioria. Esses ataques foram organizados e comandados por Pierre Mendy, um manjaco senegalês, já licenciado do exército francês e que combatera na Guerra da Argélia, e neles participou o guineense Momo Turé, que virá a ser um dos assassinos de Amílcar Cabral.

Os comandantes do PAIGC, que mais infernizaram a vida aos soldados portugueses e às populações, foram os 30 tirocinados na China, na “geração” de Mao-Tse-Tung.

O Rui Demba Djassi, era um jovem activo e turbulento duma família de funcionários públicos, residente na então rua de S. Luzia, entre o estaleiro da Tecnil e o Quartel-General do CTIG, desertara do EP para o PAIGC com o posto de furriel miliciano, e, antes de assentar praça, fora cobrador da Farmácia Moderna, muito dedicado à Dr.ª Sofia Pombo Guerra, comunista portuguesa e uma das mães da independência da Guiné (os guineenses não deixaram de ser polígamos na política…).

Foi o primeiro operacional dos primeiros 30 formandos militares e ideológicos na China, o primeiro instrutor da base de Koundara, vila da República da Guiné, a primeira base do PAIGC, à distância rodoviária de cerca de 30 quilómetros da fronteira com Buruntuma, foi nela que instruiu e foi dela que partiu o grupo de combate, o seu comando dividido com o Bobo Quetá, ex-futebolista de “Os Balantas” de Mansoa, para desencadear a sua guerra da Guiné, com esses dois ataques a Tite, no coração da Guiné - o de 6 de Janeiro, lançado sobre o edifício que encarcerava cerca de 100 “subvertidos” e o de 27 de Fevereiro de 1963, sobre a messe dos sargentos, ambos repelidos, no segundo foi decisiva a prestação da malta da “Maria Albertina”, autometralhadora Fox, do Pelotão de Reconhecimento enviado de Aldeia Formosa (Quebo), em reforço da guarnição.

Osvaldo Vieira, um dos principais formandos ideológico-militar na China, fora também empregado da Dr.ª Sofia Pombo Guerra, em Bissau, outro furriel miliciano desertor do EP, pontificava na Frente norte, Oio, Morés, etc., e, o seu primo Nino Vieira (terá sido cabo na guarnição da Guiné?), o principal formando na China, pontificava na Frente sul, há dois anos "enfeudado" com 300 combatentes, “pacificamente”, nas ilhas do Como, Caiar e Catunco - a sua “república independente” do Como, enquanto não foi extinta pelas NT, com a Operação Tridente, no primeiro trimestre de 1964.

Rui Djassi havia sido transferido para o posto de Vitorino Costa, irmão do Manuel Saturnino, morto no assalto das NT à tabanca de S. João, que tiveram a infeliz (no mínimo) ideia de passear a sua cabeça como troféu, transferido por Amílcar Cabral do seu posto do Gabú, quando falhava clamorosamente a sua subversão – os fulas eram refractários ao PAIGC e à sua mensagem.

Considerado o momento fundacional da nacionalidade bissau-guineense, iniciado em 12 e fechado em 16 de Fevereiro de 1964, no auge da Batalha do Como/Operação Tridente, o famigerado Congresso de Cassacá aprovou a sua “Lei constitucional” e o seu “Código de Justiça”, explicitadas pelo advogado José Araújo, ex-jogador da Académica de Coimbra. Invocando essa legalidade, no dia 17, Amílcar Cabral presidiu ao julgamento dum grupo de correligionários “criminosos”, entre os quais Rui Djassi, condenou três à morte por fuzilamento, o Nino Vieira e o Francisco Té providenciaram a execução, mas perdoou o Rui e deu-lhe a oportunidade de reabilitação no lugar do Vitorino Costa – expondo-o à maldição legada pela malta da CCaç 153, do RI 13 de Vila Real, e do seu capitão Carreto Curto, cuja morte havia decretado, como responsável da morte e da decapitação do Vitorino Costa.

Em 24 de Abril de 1964, dois meses depois, o Rui Djassi também foi eliminado pelas NT e Aristides Pereira mandou o Guerra Mendes para o seu posto, que lhe desobedeceu e que as mesmas eliminarão, um ano depois, em 14 de Fevereiro de 1965.

Quando o MLG e o PAIGC desencadearam a sua “guerra de libertação”, a Guiné-Bissau era uma criação territorial, administrativa e diplomática dos portugueses, mas apenas nominalmente portuguesa, sempre pertencera a guineenses e a cabo-verdianos – aqueles por direito próprio, como seus naturais, e estes como seu destino de emprego, nos serviços da administração pública, no comércio e serviços. Em 1961, havia menos de 1000 portugueses da Metrópole e ilhas adjacentes residentes na Guiné, contando os colonos, patentes militares e quadros públicos.

Os bissau-guineenses não se têm furtado ao reconhecimento que o continuado falhanço do seu Estado advirá do ADN ideológico do PAIGC, quando partido único e totalitário. A sua nacionalidade foi fundada por Amílcar Cabral, foi o PAIGC que a formatou em Estado, a matéria-prima era portuguesa, mas o seu modelo e metodologias eram fantasias, estranhas ao povo guineense.

Amílcar Cabral era português de Bafatá e a sua mulher Maria Helena era portuguesa de Chaves, ele acedeu e formou-se como bolseiro do Estado Português, a Casa dos Estudantes do Império, a cultura e a língua portuguesa foram a matéria-prima com que fundou a nacionalidade bissau-guineense, o seu conhecimento consolidado, como altos funcionários do Estado português, em Lisboa, Luanda e Bissau, iniciou os preparativos internacionais da sua luta com passaporte português, custeou as primeiras despesas da sua luta com escudos$ do seu ordenado e com escudos$ dos recursos da esposa, ter-se-á motivado ao tirocínio na China, para chefe militar, por ter sido oficial miliciano português e foi recrutar a primeira geração dos seus quadros combatentes ao Exército Português – sargentos e praças guineenses e oficiais cabo-verdianos.

Dos seus 60 primeiros quadros operacionais e ideológicos, construtores da nacionalidade e do Estado bissau-guineense, 30 foram mandados para a China, a tirocinar a luta de guerrilha, 25 para a Checoslováquia, a tirocinar para as polícias de segurança e para o controle político de partido único, e 8 para a União Soviética, a tirocinar Economia planificada. A ideologia de partido único, imposta nesses países, terá sido a sua má companhia.

O seu mais alto magistrado da Nação, o primeiro independente, ignorou a ética castrense da obediência ao poder instituído, e mandou fuzilar, alguns já julgados e absolvidos, cerca de 10.000 mil guineenses militares e militarizados, formados técnica e civicamente pelas FA portuguesas, em vez de os reconverter em FA nacionais da Guiné-Bissau.

Os quadros militares formados na China e noutros países de partido único, em vez de servirem o país, viraram as suas armas “libertadoras” contra o seu povo, usaram-nas para se servirem dele. Os quadros policiais, formados na Checoslováquia, em vez de servirem as populações e a administração interna, espiavam-nas e faziam desaparecer os que ousavam tecer qualquer crítica. E os quadros políticos formados na União Soviética não estilhaçaram a economia como delapidaram a generosidade financeira da comunidade internacional. E o tráfico de cooperantes pouco lhe valeu…

O destino foi muito cruel com Amílcar Cabral e menos com a sua ex-mulher. Morreu como como português emigrado, conselheiro Técnico contratado pelo ministério do Desenvolvimento Rural da República da Guiné, e, diplomaticamente, como Mohamed Benali, cidadão marroquino, e é cidadão bissau-guineense póstumo. A Maria Helena, divorciada desde 1966, foi sempre portuguesa, fará carreira como docente da Universidade do Minho e acabará os seus dias em Braga, em 2005.

E o PAIGC exaltou o Comandante Guerra Mendes a substituto de Salazar, na toponímia de Bissau.
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OBS: - Subtítulo da responsabilidade do editor
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Notas do editor

(*) - Vd. poste de 3 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19943: (Ex)citações (353): Uma achega referida à circunstância da morte em combate de Guerra Mendes, comandante do PAIGC (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705)

Último poste da série de 11 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19883: (In)citações (134): Os Coirões de Mampatá, CART 2519 (1969/71) (Mário Pinto, 1945-2019)

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19944: (D)o outro lado combate (51): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - II (e última) Parte (Jorge Araújo)



Guiné-Bissau > Bissau > A antiga rua dr. Oliveira Salazar,  hoje Rua Guerra Mendes, 60 anos depois... Fotograma de um vídeo publicitário, da empresa Revita - Estética e Massagem , disponível no portal www.dailymotion.com (com a devida vénia...)


Guiné > Bissau > s/d [ c. 1960] > Rua Dr. Oliveira Salazar [, hoje Rua Guerra Mendes]. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 135". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL).

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).




Mapa da região de Antuane (Quinara), com indicação dos nomes das tabancas referidas nos documentos consultados. Sinaliza-se, ainda, o local onde o Cmdt Guerra Mendes morreu [Bulel Samba].




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue; 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A MORTE DE 'GUERRA MENDES' EM BULEL SAMBA [S2-BUBA], A 14FEV1965, NA OPERAÇÃO "GIRA", UM ANO DEPOIS DE TER SUBSTITUÍDO RUI DJASSI (FAINCAM) NO COMANDO DA "ZONA 8" (QUINARA) POR DECISÃO DO I CONGRESSO DO PAIGC:  "HERÓI DA PÁTRIA", TEM HOJE NOME DE RUA EM BISSAU

II (e Última) Parte





1. INTRODUÇÃO

Com este segundo fragmento, damos por concluída a resenha sócio-histórica sobre o contexto
operacional que esteve na origem da morte do Cmdt da "Zona 8", 'Guerra Mendes' [nome de guerra de Jaime Silva], verificada em 14 de Fevereiro de 1965, em Bulel Samba [mapa acima]. Esta ocorrência, da qual fizemos referência em narrativa anterior – P19917 – verificou-se dois anos após o início do conflito e um ano depois de ter sido nomeado substituto do Cmdt Rui Demba Djassi «Faincam», em decisão tomada durante o I Congresso do PAIGC, por desconhecimento do paradeiro deste último.


2.  ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E MILITAR SOBRE A MANOBRA EXECUTADA PELAS NT NA REGIÃO DE QUINARA EM 1964/1965

A execução da actividade operacional desenvolvida pelas NT na região em análise foi determinada pelo Comandante Militar do CTIG, à data o Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, incluída na Directiva de Operações n.º 1/64, de 7 de Fevereiro, atribuindo essa missão ao BCAÇ 619 [unidade mobilizada pelo RI 1, da Amadora, tendo desembarcado em Bissau a 15 de Janeiro de 1964], sob o comando do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias. De referir que após render o BCAÇ 356, em 17Jan64, aquele passou a assumir a responsabilidade pelo Sector F designado, a partir de 11Jan65, por Sector «S3», com sede em Catió, o qual abrangia os subsectores de Empada, Bedanda e Cabedú.

Os objectivos gerais da manobra eram:

1 - Intensificar a actividade de todos os Sectores por acções de patrulhamentos, nomadizações, golpes de mão e emboscadas em vista a:

(i) - Manter o controlo dos principais itinerários necessários aos reabastecimentos e à ligação entre os comandos das unidades vizinhas.

(ii) - Limitar ou impedir a liberdade de movimentos dos grupos IN.

(iii) - Detectar e aniquilar os grupos IN que se revelem nos sectores.

2 - Em ligação com o BCAÇ 513 [unidade mobilizada pelo RI 7, de Leiria, tendo desembarcado em Bissau a 22 de Julho de 1963, sendo apenas constituído por Comando e CCS], sob a liderança do TCor Inf Luís Gonçalves Carneiro, assegurar o controlo da região de Antuane - Chacoal - Bantael Sila - Queuel Lei. [Recorda-se que esta Unidade tinha assumido, anteriormente, a responsabilidade plena pelo Sector E, designado, a partir de 11Jan65, por Sector «S2», com sede em Buba, o qual abrangia os subsectores de Buba, Cacine, Aldeia Formosa e, mais tarde, os novos subsectores de Gadamael, criado em 19Dez63; Sangonhá, criado em 06Jun64 e Guileje, criado em 25Nov64].

3 - Manter o controlo dos principais itinerários do sector em especial os de:

(i) - Catió - Batambali Beafada;

(ii) - Empada - Batambali Beafada - Buba (limite do sector);

(iii) - Bedanda - Guileje (limite do sector);

(iv) - Cabedú - Bedanda.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Moranças Balantas. Foto do álbum do camarada João Martins, ex-alf mil art, BAC1 (1967/1969), com a devida vénia [P9947].



2.1.  SUBSÍDIO HISTÓRICO SOBRE A MANOBRA DAS NT NA REGIÃO DE ANTUANE DE 21 DE JANEIRO A 15 DE FEVEREIRO DE 1965


Na sequência da reformulação de responsabilidades determinada pela nova "geografia de intervenção", iniciada em 11 de Janeiro de 1965, com a criação dos Sectores «S3-Catió» e «S2-Buba», houve a necessidade de recorrer à mobilização de mais efectivos operacionais de reforço da Unidade de quadrícula, no caso o BCAÇ 513, de modo a cumprirem-se os objectivos definidos na execução da manobra referida no ponto anterior, já que contemplavam diferentes acções: prolongadas e dispersas.

Para a execução da presente manobra, as principais escolhas recaíram nos efectivos da CCAÇ 594 e CCAV 702, já com antecedentes operacionais na região, como provam os exemplos que seleccionámos da historiografia de cada uma delas, desde a sua chegada ao CTIG até à execução desta missão.

1 – Companhia de Caçadores 594 [CCAÇ 594]

Esta Unidade foi mobilizada pelo RI 15, de Tomar, tendo desembarcado em Bissau a 03 de Dezembro de 1963, sob o comando do Cap Inf Mário Jaime Calderon Cerqueira Rocha.

Seguiu, depois, para Mansabá, onde assumiu a responsabilidade pelo subsector a 23Dez63, substituindo a CCAÇ 461.

Realizou operações, entre outras, nas regiões de Uália e Mamboncó.

Em 12Set64, foi rendida no subsector de Mansabá pela CCAÇ 642, sendo deslocada para Bissau, e integrada no dispositivo do BCAÇ 600.

Em 09Jan65, foi substituída pela CCAÇ 557 e deslocada para Buba, para intervenção e reserva do BCAÇ 513 e, posteriormente do BCAÇ 600 e, mais tarde, do BCAÇ 1861, com intervenção nas áreas de Bantael Silá e Chinchim Dárin, entre outras.

2 – Companhia de Cavalaria 702 [CCAV 702]

Esta Unidade, a primeira do BCAV 705, que era comandada pelo TCor Cav Manuel Maria Pereira Coutinho Correia de Freitas, foi mobilizada pelo RC 7, de Lisboa, tendo desembarcado em Bissau a 24 de Julho de 1964, sob o comando do Cap Cav Fernando Luís Franco da Silva Ataíde.

Em função da intervenção como reserva do Comando-Chefe, com a sua base em Bissau, as três Unidades do BCAV 705 [CCAV 702, 703 e 704], cumpriram o seu treino operacional no sector de Buba, sob a orientação do BCAÇ 507, sendo utilizadas em diversas operações, nomeadamente nas regiões do Cantanhez e do Morés-Óio.

A CCAV 702, para além das operações referidas acima, foi atribuída como reforço do BCAÇ 513, para intervenção na sua área de acção, entre 15 a 17Dez64, na região de Injassane e de 21 a 28Dez64, na região de Unal, após o que recolheu a Bolama.

Entretanto, de 16Jan a 19Fev65, foi novamente atribuída em reforço do BCAÇ 513, para operações na região de Buba, de que é exemplo a presente manobra, recolhendo, de novo, a Bolama.


2.2. FACTOS MAIS RELEVANTES SOBRE A MANOBRA DAS NT NA REGIÃO DE ANTUANE DE 21 DE JANEIRO A 15 DE FEVEREIRO DE 1965

O início da manobra em análise teve lugar em 21 de Janeiro de 1965, 5.ª feira, com a «Operação Garrote», na qual participaram as forças da CCAÇ 594, CCAV 702 e PRecFox 888. No decurso desta missão as NT detectaram duas emboscadas em Galo Bolola, das quais resultaram a morte de uma sentinela e o ferimento em outra, sendo capturada uma carabina, cartuchos e material diverso. As NT assinalaram e destruíram um acampamento com capacidade para quarenta elementos, tendo sido apreendidas duas granadas de mão, restos de medicamentos e algumas munições.

Em 29 e 30 de Janeiro de 1965, 6.ª e sábado, realizou-se a «Operação Papaia», em que intervieram as mesmas forças da operação anterior, reforçadas com a CART 494, do Cap Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima. No primeiro dia da missão foi destruída parte da tabanca de Unal e derrubado um acampamento a norte de Bricama com 5 casas.

As NT foram flageladas pelos guerrilheiros, tendo-lhes causado dois mortos. Foi, ainda, levantada uma macar "TMH-46" na estrada Nhacobá - Cumbijã, junto a Galo Cumbijã. No segundo dia, forças da CCAÇ 594 destruíram um acampamento entre Teque e Bricama, próximo de Sambasó. O IN flagelou as NT, causando três feridos. Foi destruído um acampamento em Unal, tendo as NT surpreendido três elementos, dos quais um morreu.

Em 5 de Fevereiro de 1965, 6.ª feira, teve lugar a «Operação Toupeira» em que estiveram envolvidas as forças da CCAÇ 594, CCAV 702 e do Pel Rec Fox 888. O IN emboscou as NT na estrada Galo Bolola - Bantael Silá, causando-lhes 1 ferido. Foram capturadas uma granada de mão e diversas munições. Os guerrilheiros lançaram fogo ao capim, retardando a progressão das NT para Darsalame.

O IN voltou a flagelar na área de Cancasso, tendo causado um ferido e sofrido um morto. As NT destruíram a tabanca de Cancasso e grande quantidade de arroz e apreenderam cartuchos de diversos calibres, granadas de não defensivas, medicamentos e outro material diverso. (p313)


Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44096 (2019-5), com a devida vénia.



2.2.1. FACTOS MAIS RELEVANTES DA «OPERAÇÃO GIRA», NA REGIÃO DE ANTUANE EM 13 E 14FEV65, DATA DA MORTE DE GUERRA MENDES

A última missão prevista na manobra em análise decorreu em 13 e 14 de Fevereiro de 1965, sábado e domingo, com a participação da CCAÇ 594, CCAV 702, Pel RecFox 888, ou seja, as mesmas da acção anterior, reforçadas com a CCS/BCAÇ 513 e Pel Mort 979, instalado em Buba, a qual foi baptizada de «Operação Gira».

No decurso desta acção, foram destruídos acampamentos em Umbaná, Bulel Samba e três tabancas situadas para leste desta. O IN ofereceu resistência causando um morto às NT [o soldado radiotelegrafista Albino António Tavares, do PMort 979, solteiro, natural de Cardigos - Mação. Foi sepultado em Bissau; campa 1402], tendo sofrido três mortos confirmados. Foi-lhe capturado material diverso, entre o qual granadas de mão defensivas, carregadores e munições.

Sobre os factos acima narrados, em particular as três baixas no seio do PAIGC, onde se inclui a do Cmdt 'Guerra Mendes', é 'Nino' Vieira (1939-2009) que o confirma em carta por si dirigida a Aristides Pereira (1923-2011), datada de 16Fev65, ou seja, dois dias após a ocorrência, conforme se dá conta no texto abaixo colocado no interior da caixa a vermelho.





Entretanto, no decurso desta acção, o IN emboscou as NT a sul de Darsalame, fazendo um ferido e consentindo mais cinco baixas. As NT destruíram um acampamento de grandes dimensões a norte de Darsalame e as tabancas de Dalael Balanta e Bantael Silá. Aqui as NT foram flageladas pelo fogo IN, que teve mais uma baixa, tendo sido capturado material diverso e munições. Também abriu fogo durante a travessia do rio Insane pelas NT.

Na reacção desencadeada pelas NT, com apoio aéreo, o IN retirou com mais dez baixas confirmadas, sendo-lhe capturada uma metralhadora ligeira, um espingarda, uma pistola-metralhadora, uma pistola, quatro "longas" e diverso material de guerra. Nesta operação foi, ainda, destruída grande quantidade de arroz e abatido gado. (p. 314)

3. AINDA A CARTA ENVIADA DE SALANCAUR EM 16FEV1965 - DE NINO VIEIRA PARA ARISTIDES PEREIRA, DANDO CONTA DE UMA OFENSIVA DAS NT [OPERAÇÃO GIRA]

Caro camarada Aristides Pereira

[…] Por infelicidade n/ [nossa] perdemos o n/ [nosso] camarada Guerra Mendes, Infaly e Isnaba Naberiaguebandé. Estes camaradas foram mortos pelas tropas que avançavam por Bulel Samba. [H]ouve também 3 dos n/ [nossos] camaradas que ficaram feridos: Imbaná Sambú, Bien Naína e Beínha Natchandi.

Nestas três tabancas, as tropas destruíram uma grande quantidade de arroz e casas do povo. Espero no entanto que me dessem a vossa opinião no que respeita à pessoa capaz de seguir imediatamente para Quinara, a fim de ocupar o lugar do Guerra Mendes. Quanto a mim proponho "Saco" [nome de guerra de Mário Camará] ou Arafam [Mané?]. Se estes não servem é favor de arranjarem um responsável vindo do Norte. [Recorda-se, neste contexto, que foram estes dois elementos do PAIGC que elaboraram e assinaram o comunicado relacionado com a «Operação Alvor», levada a efeito na península de Gampará e referida em postes anteriores, a propósito da morte do Cmdt Rui Djassi «Faincam», em 24 de Abril de 1964].

Claro que proponho estes 2 camaradas porque não tenho cá alguém capaz de tomar essa responsabilidade sem serem eles. […]


3.1 - A RESPOSTA DE ARISTIDES PEREIRA RELACIONADA COM A MORTE DE GUERRA MENDES E A SUA SUBSTITUIÇÃO


Conacri, 28 de Fevereiro de 1965

Caro camarada Nino,

Recebemos a tua carta de 16 do corrente [Fev1965], tendo que lamentar a perda dos camaradas, nomeadamente do responsável Guerra Mendes [Jaime Silva]. Infelizmente a nossa luta tem de ser assim, mas lamentamos ainda mais quando temos perdas desse género devido a erros nossos. Por exemplo, há quanto tempo vimos dizendo ao camarada Guerra para deixar Antuane e seguir para o seu posto – Quinara!... Sugerimos mesmo suprimir a base de Antuane, mas tudo debalde, até chegar a esse puro azar, visto ter sido resultado de bombardeamento. Enfim, importa é que tiremos sempre lições, amargas sim, de casos como este e que suportemos as responsabilidades que sempre aumentam quando faltam-nos um elemento como este infeliz camarada responsável.

Em relação a um camarada a enviar para Quinara, achamos que dos nomes que propões, qualquer dos camaradas parecem capazes de dar conta do recado. Assim, tu é que podes melhor ver o que mais convém. No entanto, se o Secretário-Geral tiver qualquer modificação a fazer, dir-to-emos depois. Assim, talvez mandares um dos camaradas Seco ou Arafan, mas a título provisório, para confirmar depois. […]

Saúde e bom trabalho. Saudações, as melhores do camarada de sempre, Aristides.



Citação: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35310 (2019-5), com a devida vénia.

Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares. Pasta: 04618.082.032. Assunto: Lamenta a perda dos camaradas, nomeadamente do responsável Guerra Mendes. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Nino Vieira. Data: Domingo, 28 de Fevereiro de 1965. Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral para os Responsáveis da Zona Sul e Leste). Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

4. 'GUERRA MENDES' [JAIME SILVA] – HERÓI DA PÁTRIA

Hoje, o nome de Guerra Mendes [Jaime Silva], enquanto Herói da Pátria Guineense, faz parte da toponímia de "Bissau-Antigo", cuja localização se indica nos dois mapas abaixo.



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Fontes consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp 313-314.

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); p 113.


Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

28Jun2019
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Nota do editor:

Último poste da série >  25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19918: (D)o outro lado do combate (51): a morte de Jaime Silva ("Guerra Mendes"), na versão de Bobo Keita

Vd. também:

25 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19917: (D)o outro lado combate (50): a morte de 'Guerra Mendes' (Jaime Silva) em Bulel Samba, Buba, em 14 de fevereiro de 1965, na Op Gira - Parte I (Jorge Araújo)