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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6524: Ser solidário (75): Hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus (Braima Djaura)

1. Mensagem de Braima Djaura* (ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74), com data de 22 de Maio de 2010:

Caros Camaradas amigos,
Foi com grande emoção e alegria por saber mais uma vez que nós os Antigos combatentes Africanos, concretamente os Guineenses, temos amigos generosos e solidários que nunca abandonaram seus antigos camaradas de armas de há 42 anos.

Não foi apenas por este gesto do nosso amigo CARLOS SILVA e companheiros que fizeram muito pelo meu compatriota (Irmão) Domingos que, certamente estaria feliz e muito agradecido pela solidariedade, amizade e bondade, dos Homens de bem, como é o caso.

Tomei conhecimento disso há pouco mais de ano, quando me juntei ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A partir daí contactaram-me muitos amigos, alguns de quem nem tinha lembrança, óbviamente passado 37 anos, idades são outras, alguns com barrigas e bigodes brancos. Na altura era preciso pedir autização com bons motivos para poder deixar crecer a barba, salvo nas selvas e nos Quartéis onde nem sequer havia tempo para fazer arbas, no meu caso e dos outros em Guidage.

Não obstente essas cicunstâncias, hoje convivo com muitos, de tal forma que parece que voltamos atrás no tempo, pelo que não posso deixar de citar o caso de meus grandes amigos de CCAÇ 4150, principalmente o ALBANO COSTA, que tem sido mais que um amigo, e tantos outros, Santos OLIVEIRA, J. Manuel Pechorro, Manuel Alheira, Félix Dias, para não longar a lista tenho que deixar de fora todos os de Blogue, dos quais recebo uma atenção especial.

Caro Camaradas e amigos, ao ler caso em epigrafe, quero mais uma vez agradecer a todos os que nos dão atenção, "nós" claro, que após 25 de Abril, andamos fugidos na altura da Furia dos nossos adversários, ou dos lados opostos, como foi dito pelo meu Irmão Domigos, eu proprio estive entre Senegal e a Guiné clandestino até 1977, periodo em que muitos Camaradas foram fuzilados, como é de conhecimento público.

Todavia e apesar de tudo, hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus.

Deus vós abençoe junto das vossas famílias, pela solidariedade incondicional que deram, por iniciativas próprias, sem deixar entretanto, de louvar os camaradas de Coimbra, pela ajuda prestada ao Domingos Enfande que, acredito, que nunca esquecerá.

Grandes Abraços
Bem-Haja a todos
Ibrahimo Djaura

Lisboa, 20-05-2010 - Chegada do Domingos Mafande ao Aeroporto – Camarada da CCaç 13
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6270: Em busca de... (128): Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de Instrução do CIM de Bolama, Agosto de 1971 (Braima Djaura)

(**) Vd. poste de 30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6493: Ser solidário (73): Domingos Manfande, ex-Soldado da CCaç 13 (Carlos Fortunato/Carlos Silva)

Vd. último poste da série de 2 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6522: Ser solidário (74): O nosso Furriel Mecânico de Armamento, Victor Condeço, Vitinho, está a precisar de um ombro amigo (Luís Graça)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5520: Os nossos camaradas guineenses (24): Vi matar o meu camarada Lamine Sanha (Braima Djaura, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74)

1. Mensagem de Braima Djaura* (ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74), com data de 21 de Dezembro de 2009:

Olá, caro Pechorro, boa tarde,

Tive possibilidade de ler muito atentamente o teu agradecimento e informações em resposta ao ex-Fur Mil do Cop 3, Carlos Pereira, de 14 de Dezembro**.
Não li comentário do camarada Carlos Pereira nos P5300 e P5310, todavia não sei se há alguém que possa ser tão claro como tu, no que se refere aos acontecimentos de Maio de 1973 e noutras alturas em Guidage. Aliás eu próprio fiquei impressionado como ainda há pessoa com memória tão completa dos acontecimentos de Guidage e daqueles fatídicos dias. A descrição tão detalhada do Morteiro 120 perfurante que matou e feriu tantos camaradas é um exemplo.

Mais impressionate ainda a lembrança de nomes, incluindo o de António Talibó Baio, que era o meu colega da infância e amigo na Morcunda-Farim e que era Filho de um grande Régulo Mandiga de Farim, de nome Braima Baio, que me estimava muito, dado que eu sou natural de Farim, Morcunda, Nossa Srª de Graça, e Alfredo Umaro Dafé, que se encontra agora em Bissau, cujo pai era Cipaio da Administração de Farim.

Quanto os 5 mortos naturais de Farim, lembro-me de Jungu Dabó, Unfanso Dabó, primos,  e Lamine Sanha, natural de Bissau, que era Enfermeiro, e que foi aprisionado e degolado, sendo a sua cabeça exposta em cima do tronco de uma árvore, entre Cuféu e Ujeque.

Foi nesse dia que a minha Berliet foi queimada. Fugimos a pé para o quartel, depois de assistirmos à morte de Lamine Sanha, escondidos, eu e um mecânico mulato, caboverdiano, baixinho, de nome Ridel.

Um grande abraço e mais uma vez, Boas Festas.
Braima Djaura

Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha.

Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5419: Os Nossos Camaradas Guineenses (22): Muitos se salvaram pela solidariedade que existia entre todos, brancos e pretos (Braima Djaura, Sold Cond CCaç 19, Guidaje, 1972/74)

(**) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5427: Os nossos camaradas guineenses (23): Temos uma dívida de gratidão para com homens como o Braima Djaura (José Manuel Pechorro, CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5427: Os nossos camaradas guineenses (23): Temos uma dívida de gratidão para com homens como o Braima Djaura (José Manuel Pechorro, CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73)


Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Maio de 1973 > Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha. Foto de Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Comando. A 38ª Companhia de Comandos participou na batalha de Guidaje. O Amílcar tomou notas, no seu diário (já qui publicado), desses longos dias de inferno, em Maio de 1973.


Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.




1. Mensagem de José Manuel Pechorro, membro da nossa Tabanca Grande, ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73 (*)

Olá, Luís Graça,


Boa noite,

Acabo de ler as P5418 e 5419 (Braima Djaura, Sold Cond CCaç 19, Guidaje, 1972/74), UM SOBREVIVENTE (**).

O Djaura é um ex-soldado , entre outros, que se encontra em dificuldade. Soube-o recentemente. E, segundo afirmação sua, está doente há oito anos!

Venho aqui agradecer a postagem das suas mensagens e o modo como o Luís Graça o tem acarinhado.

O Braima, da Internet percebe mais do que eu, daí solicitar a inclusão na P5419, do seguinte comentário, se for possível:

Olá Braima Djaura, boa noite,


Foi com muito prazer que vi e li as postagens hoje.


Escreve e fala sobre a tua experiência e vivência na CCaç. 19, Guidaje e Guiné.


Escrever faz bem ao teu espírito e enriquecerá e ajudará quem ler...


Parabéns pela tua coragem!


Um abraço, do camarada,


José Manuel Simoa Pechorro

1º Cabo Op Cripto

CCaç 19 - Guidaje - Guiné

Luís Graça, cumprimentos e um abraço a todos,
desde já agradecido,
José Manuel Simoa Pechorro

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Em boa hora, pediste o teu ingresso na Tabanca Grande, depois de andares a "espiar" o nosso blogue durante um ano... Apreciei as palavras, solidárias, que dirigiste aos teus antigos camaradas da CCAÇ 19 (sobre a qual, de resto, sabemos pouco: composição, história, actividade operacional, número de baixas, etc.. Sabemos alguma coisa do cerco a Guidaje e da tentativa de romper o cerco por diversas forças que partiram de Farim, como por exemplo a 38ª CCmds do nosso camarada Amilcar Mendes) (***).

Disseste tu sobre os teus camaradas guineenses:

"Escolheram estar do nosso lado, confiando em Portugal e suas promessas. Foram abandonados! Não foi só pelo dinheiro (soldo), como alguém mencionou, referindo-se aos soldados da CCaç 19.

"À noite, o calor no colchão, e enquanto o sono não vinha, eu ia ao pé das sentinelas, onde, conversando, me diziam estar no exército português por uma Guiné Melhor. Se o PAIGCV vencesse, o futuro seria muito mau! Tinham razão. Os povos simples da Guiné mereciam melhor sorte"...

Vens agora saudar a presença, entre nós, do Braima Djaura que, como muitos outros camaradas guineenses, está só e doente. Todos nós, que tivemos camaradas guineenses nas nossas fileiras (tu, na CCAÇ 19, eu CCAÇ 12, e por aí fora), sentimos um murro no estômago quando nos chegam notícias tristes como estas, do Braima Djaura, do Malan Baldé, do Amadu Djaló e de tantos outros abandonados à sua sorte... Que podemos fazer ? ... Para já, denunciemos estes casos, sensibilizemos os nossos amigos e camaradas da Guiné, influenciemos a opinião píblica dos nossos dois países, pressionemos as respectivas autoridades. Estes homens não podem morrer sozinhos, como cães. Vê se sabes mais notícias do Braima. Obrigado, José. Um Alfa Bravo. Luís
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

(**) Vd. postes de:

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5419: Os Nossos Camaradas Guineenses (22): Muitos se salvaram pela solidariedade que existia entre todos, brancos e pretos (Braima Djaura, Sold Cond CCaç 19, Guidaje, 1972/74)

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5418: Tabanca Grande (194): Braima Djaura, Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74, um sobrevivente

(***) Vd. poste de 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

(...) lembraste amigo luis kuando aki a 1 ano levantei essa kestao? entao algumas vozes se levantaram kritikando me.Pois e amigo Luis eu estive por dentro desses akontecimentos. No ano de 1973 na pikada de Binta para Guidaje kuando dois grupos de combate da 38 de Comandos tentavam desesperadamente passar a bolanha do Cufeu para chegar a Guidaje depararamse kom o makabro cenario de mais de uma dezena de corpos a ser festim para os abutres.JA ALI ESTAVAM a dias e ali iriam fikar.sabes ate kuando amigo Luis?

Um condutor de um unimog ke ia konosco foi vitima de uma mina nessa pikada tendo morrido.Foi o corpo dele transportado na minha viatura ate guidaje e ali ficou.Desceu a terra pelas maos dos camaradas.porke nesse tempo (maio73) as evakuaçoes eram impossiveis em guidaje e kem la esteve sabe porke.Nos proprios tinhamos um kamerada sem perna ke na enfermaria(?) lutavava kontra a gangrena.

Amigo luis foram tempos dramatikos ke eu ainda hoje luto para nao me lembrar mas ke nunka vou eskecer.tenho tudo dukomentado.tou a tua e so tua disposiçao se kiseres saber algo mais.envio um grande abraço para todos os camaradas de guerra.mesmo para akeles ke kom menos rigor vao relatando as suas(?) experiencias de guerra.

A. Mendes (Um Comando na Guine)

Komentario de luis graca

Mendes: Estas registado na nossa tertulia mas kontinuo a espera das tuas duas prometidas fotos. fiko tambem a tua disposicao.escreve ke te faz bem. (...)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5419: Os Nossos Camaradas Guineenses (22): Muitos se salvaram pela solidariedade que existia entre todos, brancos e pretos (Braima Djaura, Sold Cond CCaç 19, Guidaje, 1972/74)



Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Cufeu > Maio de 1973 > A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualiddade, vê-se o cadáver de um elemento das NT, africano NT (provavelmente da CCAÇ 19), com a cabeça apoiada num tronco de árvore...O braço, assinalado com um círculo a amarelo, é o do 1º Cabo Cmd Mendes, à procura de documentos para identificar o cadáver.


Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Cópia do título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995




Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > CCAÇ 19 > Monumento de homenagem ao Alf Mil Op Esp António Sérgio Preto, morte em combate em 26/6/1972... A esta companhia pertenceu o Braima Djauro, Sold Cond Auto Rodas, u sobrevivente de Binta, Somaje, Cufeu, Ujeque, Guidaje... Foto do Albano Costa, que esteve em Guidaje, depois ds combates de Maio de 1973, pertecendo CCAÇ 4150 (197374).

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados.



1. Comentário, de ontem (*), do novo membro da nossa Tabanca Grande (a partir de hoje), Braima Djaura, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74 (**)...


Caros Camaradas, tenho o privilégio de ver e ler esse Blogue quase diariamente. Até tive um contacto com Camarada Luis Graça por e-mail, sem êxito. Digo privilégio porque tenho um velho computador oferecido por um grande amigo que também cumpria [serviço] na Guiné, condição que me que permite ver e ler várias narrativas e fotos da Guerra e dramas da Guerra, e pós-Guerra.

Até que um dia comentei a suplicação de um Camarada que falou de Malan Baldé, com quem lutou junto por Portugal nas selvas da Guiné, lamentando a situação de esse Camarada, M. Baldé, a vaguear nas Ruas de Lisboa (***)

Percebi que esse amigo, humanamente a meu ver, ficou triste por isso, e entendo logo as palavras dele. É um Homem que se prontifificou a solidarizar-se e a ajudar Malan Baldé, se pudesse claro. Embora [haja] centenas de Malan Baldé, hoje estão na mesma situação, sem meios de sobreviver, doentes, com as sequelas da Guerra Colonial, nem sequer [podendo] tratar-se por dificuldades de acesso.

Acontece que vi neste Blogue tantos nomes na vossa Lista, muitos conhecidos, até combatemos juntos nas matas da Guiné, que não conseguiram escapar aos Fuzilamentos na Região de Mansoa. Estas pessoas já foram e estão enterradas numa vala comum.

Ora bem, Camaradas, nós fomos Militares, mandados combater juntos, sejam Brancos ou Pretos. Havia solidariedade entre todos. Vejo lista dos que não tiveram Sorte, conheço tantos na Lista, tais com Bara Dabó e Malan Sani, que eram de CCaç 14 (*) Ambos podiam ter morrido na tentativa de socorrer Guidaje, entre Samoje e Cufeu, onde morreram tantos Brancos e pretos.

Ora bem, Camaradas, li um comentário de um anónimo falar nas matérias politicas, em ajuste de contas, em Amílcar Cabral, Luís Cabral e outros. Puro desconhecimento ou tentativa de ignorar os Camaradas que combatiam juntos em Nome de Portugal, [e que estão hoje] na miséria e mendicidade. Pergunto se esse Sr. que julga saber, foi ou não Militar? E porque esqueceu da solidariedade que existia entre Pretos e Brancos em nome de Portugal, hoje da UE [União Europeia]?

Caros Camaradas, a meu ver temos que ser solidários. Tal como muitos que convivem hoje na boa, salvaram-se por solidariedade que existia entre todos.

Meu nome é Braima Djaura, Cond Auto Ccaç 19, Guidaje. Acredito que muitos conhecedores deste Blogue também me conheciam, e sabem da CCaç 3 e da CCaç 19, Guidaje. Abraços.

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5415: Os nossos camaradas guineenses (20): Homenagem aos 'Comandos' africanos fuzilados na Guiné (III) (Manuel Amaro Bernardo)

(**) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5418: Tabanca Grande (194): Braima Djaura, Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74, um sobrevivente

(***) Julgo tratar-se do Malan Baldé, filho do régulo de Saré Ganá, ex-milícia, ao serviço da CART 1690 (a que pertenceram os nossos camaradas A. Marques Lopes e Domingos Maçariço), e ex-Comando africano. Vd. poste de 14 de Novembro último, no blogue Batalhão de Artilharia 1914, Tite, Guiné.Bissau > Malan Baldé (Reprodução de artigo do António Moreira, amigo do A. Marques Lopes e do Domingos Maçarico, ex-Alf da CART 1690, e hoje advogado em Torres Vedras, publicado no jornal local Badaladas, de 13/11/09, com o título Malan Baldé: onde estás, Portugal ?).

Reprodução do texto introdutório do poste (assinado por Leandro Gueses):

(...) Com a devida vénia, trago-vos hoje um artigo que espelha bem o desprezo a que foram votados os ex-combatentes, sejam eles portugueses ou nativos.


Este artigo é escrito por António Moreira, hoje advogado em Torres Vedras, e que foi alferes miliciano na cart 1690, que pertencia ao BART 1914, que esteve em Tite pouco tempo e depois marchou para a região de Empada, onde teve várias baixas, incluindo o seu capitão. Após a morte deste, o Alf Moreira foi comandante da Companhia durante muito tempo.


Foi uma companhia que sofreu bastante e daí o valor que este nosso companheiro dá à lealdade e ao respeito devido a quem se entregou de alma e coração às causas em que acreditava. Não interessam as razões.


Neste caso, Malan Baldé, um nativo integrado nas nossas tropas de então, um bravo, um herói e que agora vive em Lisboa em condições miseráveis e de grande necessidade.


Os ex-Combatentes foram mandados para o Ultramar pelos politicos e pelos políticos têm sido humilhados, desprezados e esquecidos. (...).

Guiné 63/74 - P5418: Tabanca Grande (194): Braima Djaura, Sold Cond Auto, CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74, um sobrevivente



1. Mensagem que nos chegou, com data de 22 de Julho de 2009, através do e-mail de Ibrahimo Djaura
Caro Camarada Luis, já há vários meses que sou leitor assíduo deste Blogue, pelo que gostaria de me associar com as minhas histórias e fotos. Aliás já tinha enviado algumas fotos, mas não me parece [que tenham sido] aceites [ou recebidas].

Agradeço a sua sugestão por forma a poder ter acesso [a esse blogue] e publicar algumas histórias da minha companhia em Guidaje, CCaç 19, onde estive de 1972 a 1974.

Melhores cumprimentos, Djaura.

2. Embora com as azáfamas próprias do final do ano lectivo e início de férias, respondi-lhe telegraficamente no dia seguinte:


Camarada Djaura:

Serás bem vindo à nossa Tabanca Grande... Entra, acomoda-te, senta-te aqui ao pé dos teus camaradas, desde os mais velhinhos aos mais piras, e conta as tuas histórias, debaixo do nosso poilão..

Apresenta-te, manda por mail, para o nosso endereço, luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, o(s) teu(s) texto(s) e fotos digitalizadas...

Diz quem és, onde vives, etc. Um Alfa Bravo (abraço).

3. Resposta,pronta, do Braima Djaura, nesse próprio dia, 23 de Julho:


Sou natural da Guiné, onde cumpri serviço militar. Antes fui preso dez dias pela PIDE-DGS, por não querer cumprir serviço militar em 1970. Lá fui então enviado para o CIM [ Centro de Instrução Militar], em Bolama, em 1971. Concluida Instrução Militar, fui enviado para CICA, para [tirar a especialidade de] condutor Auto Rodas. Fui colocado em Guidaje em Janeiro de 1972. [Fui transportado] no Navio Alfange. Ao chegar ao Cacheu, fomos escoltados por dois outros Navios do Destacamento de Fuzileiros aí estacionados.

Foi nesta altura que percebi, quando nos juntamos com outros Camaradas comandados pelo Capitão Caramona. Foi ele que nos informou que a nossa Companhia era a CCaç 19. Já no Porto de Binta, abrimos caixas de G3 e muniçoes, prontos para fazer os 21 Km até Guidage, zona considerada Inferno.

Assim começou tudo, não sei se muitos Camaradas sabem o que eu quero dizer, [com essa expressão], mas acho que sabem prefeitamente; Bom, mas o mais importante para já é poder aceder este Site, ou a esteS Sítio e a este Blogue, pois muito sinceramente adoro ver Camaradas que que falam da Guiné, e das Aldeias que muitos Naturais da Guiné, do pós-Guerra, desconhcem.

Muito sinceramente este Bloog serve para mim como uma Terapia diária desde que tomei conhecimento [da sua existência]. A história não pode nem deve morrer lá.

Junto a minhas fotos, e há mais para enviar, relativas à minha estada em Guidajee até junho de 1974.

Caro Luis e Camaradas, há muita história entre Binta, Cufeu, Ujeque e Guidaje, a 300 Metros da Fronteira com o Senegal, a 6 Km de Cumbamori uma Base importante de IN, até ao dia da operação "Resgate" em Maio de 1973.

Bem hajam todos e muita saúde já que estamos todos F... mas não nos deixaremos ser apanhados apesar de tudo. Alfa Bravo Romeu. Djaura.

3. Comentário do editor Luís Graça:

Camarada e, a partir de agora, amigo:

Não imaginas a alegria de encontrar um camarada como tu que, apesar das terríveis dificuldade por que passa a nossa Guiné (políticas, económicas, financeiras, sociais, sanitárias, etc.), ainda consegues acompanhar regularmente o nosso blogue e inclusive comentar os nossos postes.

Foi o teu comentário ao poste P5415, de ontem (*), que me veio alertar para a nossa troca de correspondência no verão passado. Há um lapso meu, de que tenho me penitenciar, pedindo-te desculpa em primeiro lugar. De facto, já devias ter sido formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande (nossa, de todos nós, camaradas que fizeram juntos a guerra colonial da Guiné, enter 1963 e 1974). Cumpriste os requisitos todos, falta-te apenas contar, pelo menos, uma história de Guidaje, de preferência desse tempo terrível que foi a batalha de Guidaje em Maio de 1973... Sabemos como a tua CCAÇ 19 mas também outras unidades, dos très ramos das Forças Armadas Portugueses, sofreram nessa altura com a ofensiva do PAIGC. Temo aqui falado disso. Ficarei a aguardar, com muito interesse, o(s) teu(s) depoimento(s).

Vou, entretanto, publicar à parte o teu comovente e solidário comentário, em memória dos nossos camaradas guineenses (alguns dos quais tu conheceste e eu também - gente da CCAÇ 12 , da CCAÇ 21, e da 1ª CCmds Africana). miseravelmente mortos, sem direito a um julgamento decente, de acordo com as normas mais elementares do direito internacional, e à revelia do acordo de paz assinado entre o governo português e o PAIGC. Mas sobre isso ainda há muita coisa para esclarecer e denunciar: não para reparar o irreparável, mas por "dever de memória e justiça", para que nunca se voltem a repetir, nessa terra quente, verde e vermelha que nos é tão querida, cenas trágicas como essas, as das execuções sumárias dos teus, dos meus, dos nossos antigos camaradas entre 1975 e 1980... Escreve na volta do correio, e fala um pouco mais sobre ti... (O que puderes, quiseres e souberes contar...).

__________

Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5415: Os nossos camaradas guineenses (20): Homenagem aos Comandos africanos, fuzilados no pós-independência (Manuel Amaro Bernardo)

sábado, 21 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

1. Segunda parte de um trabalho relacionado com a actividade do PAIGC na zona de Guidaje em Abril/Maio de 1973, enviado pelo nosso camarada José Manuel Pechorro, ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, em mensagem do dia 29 de Setembro de 2009:


O ASSÉDIO DO IN A GUIDAGE
De Abril a 09 de Maio de 1973

Parte II

Dia 8 de MAIO de 1973, Terça-feira

Na véspera, deitei-me cedo e adormeci profundamente.
Pelas 01.15 horas fomos arrancados da cama por estrondos fortíssimos. Saltei do colchão e magoei-me no joelho, chegando sonâmbulo ao Posto de Rádio. A seguir vieram as granadas de morteiro. Passei a flagelação junto ao Operador de Transmissões, em serviço. O IN, em número não estimado, visou com 3 foguetões de 122mm e morteiro 82, rampas de lançamento na região de Samoge. Passaram por cima do recinto, caindo a cerca de 500 a 1000 metros, dentro do Senegal e na bolanha, onde viria a ser encontrada a empenagem de um. Base de fogo de morteiro na região do marco 126. Durou 10 minutos. Foi boa a reacção das NT, com o obus, morteiro 81 e armas ligeiras (desnecessárias). Só tivemos um ferido ligeiro.

Bigene foi flagelado ao mesmo tempo com foguetões e canhões sem recuo.
Trocámos opiniões e voltámo-nos a deitar, depois de cifrado o RELIM, comunicando o acontecido a Bissau. Lá fora a noite está escura e cai cacimba, bem fresquinho. Custou-me a adormecer novamente.

Nota: A guarnição de Guidaje possue 3 obuses 105 mm (do Pel Art 24) e 1 mort 81 mm.

SURPRESA!
Passadas 2 horas (04,40), fui novamente acordado pelo estalar das granadas de 82 mm. Pela primeira vez, durante mais de 16 meses, com a CCaç 19, somos atacados 2 vezes no mesmo dia. Durou 20 minutos. Resposta com morteiro 81 e obuses, como deve ser. Na população 1 ferido ligeiro. Não ripostamos com armas ligeiras, como no anterior, o que me agradou.
Mais uma mensagem a codificar e uma noite quase sem dormir, é o que eles nos arranjam, os turras!

O dia amanheceu bonito, mas húmido, com vestígios de neblina. Quase todos saímos para ver os possíveis estragos e os sítios dos rebentamentos. Alguns em tronco nu, em cuecas e chinelos nos pés, saboreando a manhã. Já se notava o bater do milho nos pilões de madeira, executado pelas bajudas.

Por volta das 06 horas começou-se a ouvir os motores de viaturas ao longo dos marcos da fronteira: Senegal marco 126; Facã, interior TN.

- Esta é boa! Então os cabrões (dizia alguém), de dia vêm de camioneta a 500 ou 1000 metros do arame farpado? Que falta de respeito!

Disparámos 4 granadas de morteiro 81, na sua direcção. A guarnição em grupos discutia o assunto.

SERÁ AINDA SURPRESA?
Decorridos 15 minutos (6,15h), soam as Kalasknikoy e as metralhadoras ligeiras Dactarevy, instaladas no lado de lá da bolanha (Rep do Senegal). Quase na água e camuflados, nos arbustos e arvoredo, em frente da pista de aviação e da caserna do 2.º Pelotão. Logo se seguem os rebentamentos das granadas dos RPG`s, acompanhadas de morteiro 82.

Estávamos agrupados no patamar de cimento que ladeia o edifício do Comando, defronte da Secretaria: eu, o Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas, o Sold Inf Trms Correia, o 1.º Cabo Trms Janeiro e o Sarg Oliveira (que substituiu os que morreram). Um grupo que constituía um belo alvo! Aos primeiros disparos fugimos, num relâmpago, para o Posto de Rádio. Fuga milagrosa, a Secretaria foi atingida, sendo a porta arrancada por um RPG… Escapámos!

Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano


Demorou um bocadinho a nossa retaliação e, esta foi valente.
Os militares reagiram, metidos nas valas, ripostamos com armas ligeiras (G3 e HK), morteiro 60 e 81 e obuses. Alguns dos nossos quase completamente nus, corpos suados e sujos do pó e da terra, com cartucheiras no corpo. Dormiam quando se deu o festival de fogo. Rogam-se pragas, dizem-se palavrões e dão-se berros. Só presenciando!
No outro lado do Posto Transmissões ouvi africanos dizerem:

- Estão a abusar, vamos agarrá-los e mostrar que não somos para brincar.

Um que se deslocava pediu-me os carregadores, dei-lhos, recebendo em troca os vazios.
Logo que as granadas e as rajadas abrandam a nossa gente atravessa o arame, passa a pista, mete-se na bolanha, com água! Durante a sua travessia são alvejados com rajadas de espingardas automáticas. Mas não param os nossos, perseguem o adversário surpreendido que certamente não esperava esta nossa reacção, e retira para o interior do país vizinho, através do arvoredo e do matagal. É provável que o IN já não tivesse munições.

Era o 3.º ataque e apesar do futuro não se mostrar nada prometedor (durante o tiroteio imaginei que queriam tomar o quartel), senti-me orgulhoso do nosso feito. Foi uma coisa louca, audaciosa e inconsciente, é verdade, mas um dos slogans dos nossos comandos, é: “A AUDÁCIA PROTEGE OS VALENTES”.

Se nos assediam pela retaguarda, forçando através do reordenamento, seria um problema, pois ficámos com um efectivo reduzido no nosso perímetro defensivo.
Viveram-se momentos de certa euforia.
O IN estimou-se em 80 elementos, durante cerca de 20 a 30 minutos alvejou o aquartelamento e a povoação. Sofreu baixas, durante a perseguição os nossos avistaram guerrilheiros amparados, rastos de sangue, etc. Capturados 3 carregadores Kalasknikoy, 1 cartucheira tripla, 1 cinturão e 1 cantil.

Nas NT: 1 ferido grave. Na população 3 graves (sendo 2 senegaleses) e 3 ligeiros. Um nativo ferido, depois de assistido na Enfermaria, como o sangue trespassasse as ligaduras, fez-me lembrar um perdigueiro.

Danificadas parcialmente: A Enfermaria, Secretaria e 2 casas civis.

Às 09,55 horas, outra flagelação, com morteiro 82. Durante 20 minutos. Da região de Fajonquito e do lado contrário, Facã. Resultou 1 ferido grave e 2 ligeiros. Na população 2 ligeiros.

Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano

Os rebentamentos, na sua maioria são dentro do nosso recinto e ao redor do aquartelamento, são fortíssimos, parecendo trovões potentes em noite de violenta trovoada.
Alguns passam a mostrar-se pálidos e preocupados, mas sem perderem a cabeça. Metidos nos buracos abrigos, valas e casernas abrigo em betão armado. Ninguém sai. É o silêncio pesado.
Não reparamos nos cantares das aves, no Sol que já cai bastante quente e não se vêem as ovelhas a pastar.
Parece uma povoação e quartel fantasma…
Um Unimog trabalhando no meio da parada, abandonado pelo condutor, que entretanto se esqueceu. Uma viatura vertendo gasóleo do depósito e outra com os pneus furados ou traçados. Vive-se um filme, real e autêntico!

Fui até à caserna do 1.º Pelotão, onde conversei com o Garcia, 1.º Cabo Mecânico. Estava com ele, quando surge a 5.ª flagelação (por volta das 12 ou 13 horas), desta vez do lado das casernas do 3.º e 4.º Pelotões, com armas ligeiras, RPG,s e morteiro 82, também do lado de lá da bolanha, território Senegal.

A minha arma desapareceu, apercebi-me ter sido um soldado que a utilizou, quando correndo se foi refugiar na vala.
Abriguei-me com o 1.º Cabo Garcia, no ninho da metralhadora pesada, de que é responsável. Ao tentar manejá-la, entalou-se. O palavreado dele, muito sério, mas com piada, provocou-me o riso, que contive a muito custo, intercalado, no matraquear do tiroteio e estrondos das explosões.

A nossa resposta foi diminuta, mas de vez em quando lá trabalhavam as metralhadoras ligeiras HK e G3. Atitude realista para quem possuísse estas armas e para a gravidade da situação. O poupar munições era importante.
Regressei ao Posto de Rádio.

O grupo IN, não estimado. Houve quem afirmasse que avistou atacantes que tentaram aproximar-se do arame farpado. (?) Durou 30 minutos. As NT com mais 1 ferido ligeiro.
Bigene, apesar de sofrer flagelações, precisamente na mesma hora, auxiliou com 3 granadas de obus 140 mm, que caíram mesmo em cima deles. O raio de acção da sua artilharia ultrapassa o nosso perímetro.
Solicitou-se o auxílio da FAP, cedeu vir depois de muita insistência. Os Fiat`s pediram para todos se meterem nas valas ou abrigos, pois iam bombardear de bastante alto e muito próximo do arame farpado, com ameixas de 500 ou 750.
Um graduado que não consigo recordar, disse para avisarmos os que estavam nas valas do reordenamento, viradas para o Samoje, para se baixarem. Eu e outro camarada das Transmissões corremos a comunicar este pedido!

Foto cedida pelo 1.º Cabo Rádiotelegrafista Janeiro

Alguns elementos da população captaram e interpretaram mal, dado não perceberem bem o português; certamente julgaram tratar-se de aviões dos turras que iam actuar (?). Foi o pânico. Algumas crianças, mulheres, homens e velhos, abandonam os abrigos na povoação, para se acolherem nas casernas dos soldados. Deixando-nos baralhados.
Bombardeada a zona do fogo IN, com êxito, segundo tudo indica, provocando baixas que o entreteve durante a tarde e a noite.

O Sol está muito quente, faz imenso calor. O resto do dia foi passado em sossego. Todos precisávamos de descanso. A calma levou-nos à meditação.
Não há dúvida, querem acabar com a nossa presença neste local, é o que penso intimamente. Mas vão ter que lerpar, às dezenas ou centenas!

As relações tornaram-se pesadas, frias ou silenciosas, não se conversa, mas vai aparecendo sempre alguém que diz uma piada, forçada, neste clima sufocante.
Não se fez comida, nem estamos dispostos a ir para o refeitório, debaixo da chapa de zinco. Passamos a ração de combate, que não apetece ou não temos vontade de comer.

Como nos queixamos que temos poucas munições, é organizada uma coluna auto à pressa, com 4 viaturas, que parte de Binta para Guidaje, escoltada por 2 Pelotões de Farim, do BCaç 4512 e CCaç 14 nativa. Iniciou a marcha já tarde, pelas 18 horas.

De Guidaje, picando o itinerário, sai bi-grupo de combate ao seu encontro no CUFEU, onde montam segurança. No quartel e povoação ficamos só com 2 Pelotões e o da Artilharia 24.
Esta tabanca queimada e abandonada, no começo do terrorismo na Guiné, é local estratégico e de grande importância. O terreno é ideal e apropriado para emboscadas às colunas apeadas ou auto.
Por volta das 20,30h regressaram ao quartel, consequência das viaturas não aparecerem e existirem dificuldades nas comunicações via rádio, por as pilhas estarem fracas certamente.

O movimento auto com cerca de 65 homens não dá sinal de si! Nem responde às chamadas dos rádios, que fazem Binta e Guidage? Encalharam e não querem quebrar o silêncio da noite para não serem detectados? Desligaram os rádios? A humidade do local e a neblina impedem?

Para se ir à cantina, levamos a arma e as cartucheiras, atravessando a parada a correr.
Deitamo-nos a pensar nos que estão isolados na estrada, na escuridão e isolamento. Que se passará? Domina-nos a ansiedade e a preocupação.

Torna-se nítida a ronda do IN com as viaturas (estrada Senegal – Facã) e dentro do TN. Transportam material bélico, no regresso evacuam feridos e mortos, certamente. Agora abusam! É de noite e de dia. Os ruídos dos motores ouvem-se perfeitamente, devem estar muito perto. Provoca abalo psicológico, no silêncio da noite. Não estarão a utilizar a estrada até ao CUFEU e...?

Na emissora do PAIGCV a Maria turra, afirma:

- GUIDAJE e BIGENE terão que cair em 15 dias!


9 de Maio de 1973, Quarta-feira

Não foram evacuados os feridos graves, requereu-se a sua transferência para Bissau, a FAP não se atreveu a vir buscá-los, temem os mísseis terra-ar, o que torna vulnerável os nossos aviões.
Este problema cria um clima emocional dos diabos. Amanhã poderemos ser nós, sem um braço ou uma perna, esvaindo-nos em sangue, sabendo que é o fim. Além da nossa solidariedade para com os que padecem, nada podemos fazer. Quem os tem por perto não descansa devidamente.

Logo de manhã cerca 06 horas, já com o Sol a bater forte, apercebemo-nos que a coluna de reabastecimentos está sendo atacada. Encontra-se para cá do Genicó, a uns 3 quilómetros... (?) Trazidas pelo vento ouvem-se as explosões dos RPG`s e as granadas dos nossos dilagramas e morteiro 60.

Milagrosamente conseguimos contactá-los, no começo do barulho. Pediram que solicitássemos a Binta socorro imediato. Ligámos também para a base de Bissalanca, cujo Comandante acabou por ceder aos nossos rogos.

Que aconteceu? Accionaram uma mina anti-carro, ficando impedidos de prosseguir. Aguardaram reforços dos pelotões da CCaç 19, esperançados no nascer do dia.
Detectados e já noite, sofreram flagelação e investida, em terreno não favorável. O IN entrincheirado atrás de abatizes e covas(?) actuou.
Segundo voz corrente comandados por cubanos. A mim parece-me que são guerrilheiros de elite, vindos da Rússia e Conacry, onde foram preparados e treinados.

Hoje de manhã executaram o assalto, com grande poder de fogo. A coluna aguentou várias investidas.
O bi-grupo enfraquecido pelas baixas fugiram ou retiraram para Binta, a corta mato, amparando os feridos. Abandonaram as viaturas carregadas (2 Berliet e 2 Unimog) com o material que não consumiram.

Foram socorridos pelos seus camaradas do Destacamento de Binta.

Falou-se que tiveram 10 feridos graves, cerca de 15 ligeiros e 4 mortos:

- CCaç 14, Fur Mil At 13969971, Arnaldo Marques Bento, de Vila do Conde
- CCaç 14, Sold At Lassana Calisa, 82121669, de Bentém – Nova Lamego
- 1.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, 1.º Cab Mil Inf 089943371, Bernardo Moreira de Castro Neves, de Valongo.
- 3.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, Sold At 06853872, António Júlio Carvalho Redondo, de Barrela–Vreia de Jales–Vila Pouca de Aguiar.

Deve ter custado aos rapazes, para não deixarem o reabastecimento, aguentaram sitiados, sem comunicações. Penso nos gemidos e lamentações dos feridos, a escuridão, os gritos de guerra dos adversários, o som das armas automáticas, o medo. Aguentaram, não fugiram!

A FA acorreu e não actuou logo com receio de matar alguém das NT, em sítio não localizado. Acabou por bombardear e incendiar as viaturas a fim de impedir a sua captura. Tinham avistado pessoas em cima delas… Tentaram contacto com a coluna, não obtendo resposta e confirmando via rádio com Binta e Guidage, chegou à conclusão que eram turras…

Que baixas sofreu nestes ataques à coluna o IN? (Segundo informação 13 mortos confirmados…)

A guerrilha terá conseguido retirar algum material? Passados dias fomos flagelados com granadas de morteiro 81 mm.

Obs: Ler GUIDAJE - A PRIMEIRA GRANDE EMBOSCADA em 8/9 Maio 73 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74).

O fracasso da coluna vai entusiasmar o PAIGC, que mobiliza mais forças de outras bases para esta zona, com o fim de isolar por completo Guidage e impedir quaisquer tentativas de auxílio em géneros alimentícios ou munições.
Foi necessário organizar e realizar uma operação conjunta das NF em grande escala, para contrariar o IN.

O DESALENTO - Tantas Vidas, do Oficial Comando Virgínio Briote, com a devida vénia

A 2 GComb da CCaç 3 africana, sediada em Bigene, comandados pelos Alf Mil Inf José Manuel Levy Soeiro, da Lourinhã e José Manuel Nogueira Pacheco, que operam na zona do Samoge, montando segurança, é dada ordem para seguirem a corta mato até Guidage a fim de reforçar a sua guarnição, onde chegam por volta das 18,30horas, o que nos animou um pouco.

Durante o dia, 4 flagelações.
Dispararam de várias bases: Samoge – Facã – Fajonquito - Quelhato, principalmente.

- 18,10h, volta a música do morteiro 82, do lado da estrada; foram 10 minutos. Na população 1 ferido ligeiro;

- 22,40h, mais 10 minutos. Não respondemos a fim de pouparmos as granadas. População 2 feridos graves e 2 ligeiros;

- 23,30h, outra com o mesmo tempo, sem consequências.

- Executaram mais uma, da qual não recordo pormenores.

Não será mesmo um cerco? E a estrada, será possível passar no futuro? Os factos sucedem-se, não sabemos donde aparecerão ou se acabam.

A população passa praticamente os dias e as noites dentro ou próximo dos seus abrigos, debaixo de terra. A maioria só faz o comer indispensável, o que leva os soldados africanos a passar mal, pois quase todos são desarranchados.
Não nos visitam as crianças que nos rodeavam remexidas e sorridentes, mostrando os seus dentes brancos.

Um aquartelamento e reordenamento, interligados, envolvidos com arame farpado duplo (iluminados à noite por holofotes eléctricos), valas e abrigos, com lutadores maduros e experientes, é um osso duro de roer.
O passado da nossa CCaç 19 teve peso possível e condicionou a elaboração do plano geral do cerco a Guidage.

Em conversação via-rádio, o CMDT do Cop 3, Ten Cor António Correia de Campos, ao ouvir que os militares negros estavam abatidos moralmente retorquiu:

- Sei como são os negros. Os africanos só desmoralizam quando vêem os brancos ceder primeiro. Amanhã realiza-se nova coluna e estarei aí convosco!

Deitei-me cansado e desejando que as nossas tropas ultrapassassem o Cufeu com êxito.

Eu, junto homenagem ao Alf Preto. Foto cedida pelo 1.º Cabo Rádiotelegrafista Janeiro


Emboscada à coluna auto Guidaje - Binta
Morte do Alf Mil Inf Op Esp, da CCaç 19 (CCaç 2781), António Sérgio Preto, natural de Quintanilha – Bragança; Emboscada à coluna auto Guidaje-Binta, em 29/6/1972.


O primeiro tiro isolado disparado de cima de árvore, atingido no pescoço, saiu debaixo do braço. Encontra-se sepultado em Vale de Frades - Vimioso, no continente.

Foi vingança? Comandou Operação Sopapo nos corredores do Samoge, teve contactos com o IN provocou-lhe 8 mortos e vários feridos. Apanhado à mão, o chefe de grupo turra LASSANA JATA, ferido com certa gravidade.

Obs:

- No dia 10 de Maio de 73, a CCaç 19 só teve 5 mortos negros no CUFEU, que deixou no terreno. Os únicos que teve na estrada durante o cerco.

- O que descrevo foi o que vivi, vi, li e ouvi. Poderá ter erros de pormenor, dos quais desde já peço desculpa.

- Longe de mim tentar julgar os actos de alguém.

- Não procuro a auto promoção, mas a CCaç 19 merece ser recordada. Principalmente os soldados negros que sofreram e sofrem injustamente na pele as consequências da nossa saída da Guiné.

- O meu agradecimento ao Manuel Marinho.

Cumprimentos a todos,
Agradecido, o camarada,
José Manuel Simoa Pechorro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de Guiné de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

1. Primeira parte de um trabalho relacionado com a actividade do PAIGC na zona de Guidaje em Abril/Maio de 1973, enviado pelo nosso camarada José Manuel Pechorro, ex- 1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, em mensagem do dia 29 de Setembro de 2009:


O ASSÉDIO DO IN A GUIDAGE

De Abril a 09 de Maio de 1973

Parte I


A partir de Março 1973, o PAIGC na região fronteiriça no Senegal, Cumbamory, a cerca de 5kms, armazenava grande quantidade de diverso material bélico. Algum considerado de elevado nível, pensando-se que o seu destino seria o Oio, no interior da nossa Guiné.

De surpresa, a 03 de Abril (Terça-feira), a FAP cerca das 5 horas da madrugada bombardeou o Cumbamori, causando 5 mortos e vários feridos. Ouvimos e sentimos as explosões. O IN não chegou a utilizar os mísseis que dizia possuir na base. Os aviões passaram pertinho do nosso quartel, contra o vento e a baixa altitude, quase roçando as árvores.


O DIA DOS MÍSSEIS STRELA

Passados três dias, somos atacados em Guidage.
Levantei-me cedo, no dia 6 de Abril de 1973, uma Sexta-feira.
A manhã estava resplandecente, com o Sol a incidir já quente. Os pássaros faziam-se notar. Os lagartos esverdeados apareciam nos troncos das árvores. A população mostrava-se já activa.

As praças ao serviço do BENG 447, adidas à CCaç 19, laborando.
Os carpinteiros tinham iniciado a cobertura das casas com chapa de zinco na tabanca, ouvindo-se martelar. O serralheiro comandava o levantamento e colocação de um depósito em chapa de 5.000 a 10.000 litros, ao lado do motor-gerador, destinado a abastecer o quartel e a população de água.
Defronte da Secretaria, do lado da povoação, observava o esforço de quem trabalhava.

Obs: - O fornecedor da madeira para o reordenamento da tabanca era Carlos Vieira, irmão do guerrilheiro Nino Vieira. Com serração em Binta

Pelas 07,45 horas, o sobressalto! Soam com uma nitidez assustadora as armas automáticas do IN dentro do TN. Muito perto do arame, entre as árvores mais próximas e camuflados no capim, em terreno plano. De local inesperado, de fronte da caserna do 1.º Pelotão e da tabanca, do lado de Fajonquito.

Avistei mulheres e bajudas no carreiro, iam ou vinham da nascente, onde tomam banho e lavam a roupa na bolanha, fora do arame farpado. Muito próximas, atiraram com as trouxas ao chão e fugiram da zona perigosa.

Não recordo o sítio donde copiei esta foto. Com a devida vénia

Alcancei o Posto de Rádio, num raio, que tem defronte os bidons cheios de terra, sobrepostos. A porta estava fechada! Tive dificuldade em abri-la.
Todos reagindo em movimento louco para os abrigos e valas; saltam e deitam-se alguns ao chão, havendo quem choque entre si. Outros rastejam para detrás dos bidons e a parede, e das grossas árvores que estão em frente do edifício do Comando. Começam os rebentamentos dos RPG`s, os estilhaços e balas varrem.
Consegui entrar. Pediu-se apoio aéreo, directamente à BA12 em Bissalanca, mas os Fiat`s não apareceram. Mais tarde pensei que a acção se destinava a atraí-los!

O IN atacou do lado direito. Avista-se a caserna do 1.º Pelotão. Entre esta e o edifício do Comando, a Enfermaria.
Foto cedida pelo 1.º Cabo Radiotelegrafista Janeiro, alentejano.


A guarnição respondeu quase de imediato. Ouvem-se as nossas G3 e HK; dilagramas, morteiradas 60 e 81mm, caíram em cima deles. Os obuses 10,5 tentando atingi-los na fuga.
Durou 15 minutos. Retirou o IN não estimado, para Facã – Sambuiá, com cerca de 5 mortos e feridos graves, segundo informações recebidas, possivelmente para o acampamento de Uália, dentro do nosso território.
Voluntariosos, perto de 2 GCOMB, iniciaram uma perseguição imediata ao PAIGC, passando o arame. O nosso comandante Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas sensatamente conteve os restantes.

Sofremos 3 feridos graves e 8 ligeiros. A população sofreu 1 ferido grave e 1 ligeiro. Tivemos sorte. A experiência dos 18 confrontos anteriores com o IN ajudou!
Um dos feridos graves foi o soldado do BENG José Crespo Silva, que se encontrava em cima do telhado de uma casa de chão térreo do reordenamento da população, na tabanca. Pediu-se a sua evacuação para o HM 241.

Ataque emotivo e o mais próximo do arame, de todos os que aconteceram com a CCaç 19.
Terá sido vingança?

Uma DO-27 pilotada pelo Fur PilAv João Manuel Baltazar da Silva, de Santa Isabel – Lisboa, partiu cedo de Bissalanca acompanhado do Alf Mil Médico, do COP 3, João Manuel Cantante Santos Silva, da Amadora e o nosso 1.º Sargento Sapador João Agostinho Gonçalves Oliveira Figueira. Vinham na avioneta do Sector que habitualmente nos visitava, todas as Sextas-feiras, para prestar assistência médica, no posto da enfermaria, aos militares, população de Guidage e Senegaleses que em grande número aqui se deslocam. Entregar também géneros frescos para a cozinha. Pelas 09,45h, deixaram de ter contacto via rádio com os aquartelamentos. Começando logo a temer-se o pior, que se tinha despenhado ou que teria sido alvejada.

Chega uma DO-27 que evacua o militar ferido do BENG 447 José Crespo Silva, para Bissau. Deu apoio a Enf Pára-quedista Giselda Antunes.

Os 2 GCOMB suspenderam a perseguição. Voltam com um civil nativo da povoação, ferido gravemente na coxa, ficou entre o IN e o nosso fogo. Foi encontrado na estrada entre os regos dos rodados das viaturas, onde tentou abrigar-se, atingido por estilhaço de uma das nossas granadas de óbus.

A Enfermeira Giselda voltou num segundo DO-27 que tentou chegar a Guidage, para evacuar o membro da população; no percurso foram alvejados por um missil Strela, que o não atingiu, mas os comandos do avião ficaram danificados pela acção da onda de choque e tiveram que aterrar de urgência em Bigene…

Para evacuar o civil ferido na coxa, outra DO-27 veio de Bissalanca, pilotada pelo Fur PilAv António Carvalho Ferreira, de Paços Ferreira, acompanhado pelo 1.º Cabo Enf Cóias da FAP; na base BA12 encontrava-se na altura de passagem o Maj Inf Jaime Frederico Mariz Alves Martins, natural da Amadora, nosso Cmdt do COP 3, que aproveitou a boleia a fim de visitar Guidage e se inteirar da situação. Pareceu-me um homem voluntarioso e satisfeito com a nossa actuação, do modo como respondemos ao IN. Animou o pessoal, deu-me um aperto de mão e umas leves palmadas nas costas.

Afirmou-se que ouviram o Maj Mariz ordenar ao piloto que iam observar a zona onde se teria despenhado a avioneta ou sido atingida. O Fur António Ferreira respondeu que era arriscado.
Descolaram, entrando no Senegal, fizeram meia-lua e voaram em direcção à mata de Sambuiá (?), em TN, e desapareceram. Nunca mais foram encontrados.

O Pessoal dirigiu-se apressado para o refeitório, ao iniciar a refeição, ouvimos um estrondo, obrigando alguns a tentar de imediato as valas ou os abrigos. Pensaram tratar-se de saída de peça de artilharia do IN, lado do Samoge ou de Sambuiá. Era cerca das 13,15 h.

Nota:
Ao Maj Mariz ouvi dizer, uma vez, em conversa com o nosso comandante que o nosso maior (Gen Spínola) se tinha encontrado secretamente, ali perto numa tabanca, com o Presidente Senghor, do Senegal, a fim de preparar contacto com Amílcar Cabral.

Amílcar Cabral, um tempo antes de ser assassinado, declarou em Cumbamori, devido às lamentações e cansaço da população apoiante do PAIGC, que estava farta de sofrer e cansada da guerra, que ia declarar a independência e, se as potências, não obrigassem Portugal a dá-la, e os portugueses não cedessem, ele entrava em negociações e acabava com a guerra! Pediu que aguentassem mais 1 ou 2 anos.

Uma esquadrilha de 2 FIAT`s G-91 realizou buscas, arriscadas.
Afirmaram que a nossa zona estava operacionalmente relaxada.
Foram também alvejados. Um míssil passou demasiado perto do avião que sentiu a onda de choque. O piloto ao observar a saída, segundo deu a perceber, puxou uma alavanca, levou o Fiat a cair e evitou o projéctil!
Escutando as conversas via rádio, mostraram calma, serenidade e sangue frio.

Veio depois um T6 e quando se preparava para actuar foi atingido, explodindo! Pilotado pelo Oficial de Operações do GO 1201 Maj PilAv Rolando Frederico Mantovanni Borges Filipe, de Socorro – Lisboa. Chegou até nós o estrondo. Apresentou-se na Unidade e voluntariou-se para efectuar a missão em que acabou por perder a vida.

Num só dia e na zona operacional de Guidage morrem dois Furriéis e um Major pilotos da FA; um Major do Cop 3; um Alferes Miliciano Médico; um 1.º Sargento; um 1.º cabo Enfermeiro e um civil nativo: 8 pessoas.
Juntam-se ao piloto do Fiat G-91 atingido na zona de Afiá, no sul, perto de Aldeia Formosa, onde perdeu a vida o Cmdt do GO 1201 Ten Cor PilAv José Fernando Almeida Brito, em 28/03/1973.
O aparecimento dos mísseis terra-ar vem condicionar a acção da nossa aviação nesta guerra de guerrilha na província da Guiné. Criou confusão na FA, quase a tornando inoperacional, notou-se durante alguns dias. Deixa de fazer evacuação de feridos e mortos nos locais mais arriscados.

Seguiram-se várias batidas diárias e exaustivas, efectuadas por todos os aquartelamentos e uma força operacional, a Companhia de Pára-quedistas, ida da BA 12.

A CCP (?)/BCP 12, ao procurar vestígios das aeronaves no solo, sofre forte emboscada, de 0,5 a 1 hora debaixo de fogo nutrido e é obrigada a retirar com um ferido grave, para Bigene. Esta deu-se em terreno plano, à beira de uma bolanha, suponho em Samoge, pelas 14 horas, no dia 09.4.1973. O combate notou-se perfeitamente em Guidage.
Fiquei impressionado com a personalidade do Comandante desta Operação, que dirigiu e apoiou, sitiado em Bigene, via rádio, a acção das NF.
No Posto de Rádio, sempre à escuta, acompanhámos as conversas entre os intervenientes.
Nestes dias, um Destacamento de Fuzileiros de Ganturé teve também um violento confronto e com os mesmos resultados, nesta mesma região, segundo me parece.

No dia seguinte e nesta zona, a referida CCP (a 121?), detectou restos do DO-27 do Sector. Encontrou carbonizados os corpos do Alf Mil médico João Silva, do 1.º Sarg Figueira e do Fur PilAv Baltazar da Silva, em tamanho reduzido.
Numa árvore estava pregada uma ordem de serviço, pertença da CCaç 19.

Até aqui, tenho passado as noites no dormitório dos operadores de Transmissões. Eu e o meu colega Op Cripto Hilário optámos pelo Centro Cripto para onde mudámos as camas com colchão de espuma. Debaixo da placa de cimento é mais seguro, porque as casernas dos 4 pelotões, o Centro de Cripto, o Posto de Trasmissões e a Enfermaria têm placa de betão.


AS NOTICIAS
Algo vai acontecer!


Continua a chegar material de guerra a Cumbamori.
O PAIGC está a retirar a população das regiões onde estão situadas as suas bases, mais 7 kms para o interior da nação vizinha.
Nos primeiros dias de Abril, 9 elementos do grupo do FAI SISSÉ, guerrilheiro combativo e dinâmico, desertaram para a Gâmbia. Motivo: medo das futuras acções contra Guidage, onde costumam ter quase sempre pesadas baixas e mortes.

Um informador de confiança insistiu para que pedíssemos o reforço da guarnição, com uma Companhia e usar de todas as precauções. Foi solicitado, mas não atendido.
Apareceram indivíduos com uma manada de 40 a 50 vacas, a pastar na zona da fronteira, rente à bolanha. Com tantos pastos, porquê ali? Certamente descobrir e accionar possíveis minas por nós plantadas. Cada animal tem 4 patas, aumentando a possibilidade de accionamento. Se alguma ficasse mutilada, o pior que acontecia era ser comprada e transportada pela nossa Companhia. Comprovaram não haver campos de minas.

Um senegalês apresentou-se em Guidage, acompanhado de um milícia das NT. O milícia tinha sido capturado no sul da província, foi levado para Cumbamori e dali para Ziguinchor, onde encontrou o tal sujeito (CONE SANE), rapaz novo e com bom aspecto. Os militares logo afirmaram que era turra. Assim como um refugiado, seu compatriota, que se encontrava havia alguns dias no reordenamento e que voltou para o Senegal. Ambos demonstraram conhecer-se. Percorreu o quartel. Chegou a comer no refeitório das praças, na sua maioria brancos. Presenciou e avaliou o ataque do dia 6 de Abril, examinando a nossa reacção. Entrou no perímetro defensivo do quartel e fingiu ajudar os soldados durante a luta. Foi logo afastado, não passando a sua atitude despercebida. Afirmava ser estudante e ter tido problemas no liceu, em Dakar. Depois de muito insistir foi-lhe passado passaporte para Bissau, via Farim, passando por Binta.

No dia 17 de Abril (Terça-feira), a coluna auto em que seguia, accionou 2 minas anti-pessoais, que causaram a morte ao 1.º Sarg AC, Octávio José Horta, da Secretaria, pertencente à CCaç 19 (CArt 3521), ex-comando em Angola no ano de 1961. Seguia o 1.º Sargento a pé, a corta mato, perto da estrada como precaução, pois tínhamos informação que estava minada. Ao detectarem a primeira todos ficaram imóveis, só o 1.º Sarg Horta se mexeu, num repente desloca-se, deita-se tentando levantá-la. Accionou uma segunda com o peito e, morreu! O estudante senegalês ao presenciar ficou indisposto. Em Farim, ao ser interrogado pela DGS, foi preso, depois de admitir ser agente do PAIGC.

O outro refugiado senegalês foi também detido no dia em que voltou a Guidage (ainda durante o cerco) e confessou ser militante IN. De observar que o Partido mandou dois especialistas e não confiou nas informações obtidas. Notou-se a infiltração na população senegalesa que nos visita de gente suspeita. Vêm em grande número a fim de comercializar, mas principalmente receber assistência médica que na realidade não existe em vastas zonas, do outro lado do território, situação agravada pela seca.

No dia 1.º de Maio (Terça-feira) pelas 18,15h, quando nos preparávamos para jantar, grupo IN não estimado, flagelou com morteiro 82 mm, sem consequências. Segundo fonte aceitável, os atacantes tiveram mortos e também feridos. A nossa reacção fora boa.

Individualidades de certa influência em Farim (homens grandes), especialmente entidades religiosas muçulmanas (Mandingas), reclamaram a substituição da CCaç 19, por uma metropolitana. Mandaram a população realizar colecta, pois Guidage iria passar uma grande provação.

Presenciei actos religiosos: Orações e cinza na cabeça dos jovens; matança de carneiros e deram a carne aos mais necessitados, a fim de Alá ter piedade deles.

Alguns soldados negros abordaram o comando, lamentando:

- Se não efectuarmos patrulhamentos à zona operacional da nossa Companhia, qualquer dia seremos agarrados à mão dentro de Guidage!

De facto, a partir de certa altura pouco saíamos, quase só para realizar colunas auto a Binta.
No dia seguinte aproximei-me de Malan Sissé, soldado da CCaç 19, filho de ex-Régulo Mandinga. A sua família foi maltratada pelo IN, e anda na guerra desde o início. Perguntei o que dizia da situação? Respondeu:

- Oh nosso cabo, os brancos já não querem lutar!

Mostrou preocupação no que se referia à sua família. Casado com 2 mulheres: uma em Binta ou Farim e outra em Guidage. Com um filho, pelo menos; este, na escola em Farim, mostrava inteligência e o pai pensava mandá-lo para a metrópole estudar.

(Ver Guiné 63/74 - P4751: Histórias do Jero (1): João Turé…)
Do sítio -
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

Que terá acontecido ao Malan Griffon Sissé e aos soldados da CCaç 19, depois da independência?

O roncar de motores de viaturas à noite, chamou a atenção dos militares, que se referiram a eles como sendo dos turras, dentro do TN. Começaram por se ouvir primeiro na tabanca, local mais silencioso, fora do alcance do barulho do gerador de energia eléctrica.
Ouviam-se rebentamentos de morteiro e canhão sem recuo, as NT não lançaram as granadas, só podiam ter sido os guerrilheiros. Confirmamos, perguntando aos outros quartéis. Devem fazer a regulação de tiro para o lado do CUFEU, a fim de melhorar o rendimento nas futuras acções contra as colunas auto ou movimentos portugueses.
Contrariando o habitual, batia-se a zona quase todos os dias com morteiro 81, explodindo as granadas nos sítios mais prováveis da presença do IN.

Como Operador Cripto notei que algo se iria passar, assim como o pessoal de Transmissões.
Os indícios de uma coisa grave, a Operação Amílcar Cabral do PAIGC

(Continua)
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5039: Tabanca Grande (176): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje (1971/73)

1. Mensagem de José Manuel Simoa Pechorro, ex- 1.º Cabo Op. Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, com data de 28 de Setembro de 2009:

Olá Luís Graça,
Decorreu quase um ano que detectei o v/sítio na Internet.
Estava numa sonolência a respeito da minha presença na Guiné. Ao ler sobre Guidaje, Guileje e Gadamael, etc., a minha visão dos acontecimentos e da guerra no ultramar ficou melhorada.

Solicito a minha inscrição na Tabanca Grande, junto dos Tertulianos, se me quiserem acolher.

Os meus agradecimentos e cumprimentos aos criadores do blog: Luís Graça, Virgínio Briote, Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães e colaboradores.

Idem, aos que relataram o cerco a Guidage: o 1.º Tenente AN/FZE Albano Alves de Jesus; o Albano M. Costa, da Ccaç 4150; o Amílcar Mendes, 38.ª CCmds; o Sargento-Mor Pára Manuel Rebocho; o ex-1.º Cabo Pára Victor Tavares (BCP 12) CCP 121; o ex-1.º Cabo Manuel Marinho, BCaç 4512/72; os Pilotos da FAP, etc.

O motivo do contacto é em memória de todos os intervenientes e homenagem aos mortos. Aos soldados da CCaç 19, injustamente maltratados... e às forças militarizadas africanas fuziladas pelo PAIGCV, não esquecendo os que na metrópole lhes recusam os seus direitos.

Escolheram estar do nosso lado, confiando em Portugal e suas promessas. Foram abandonados!

Não foi só pelo dinheiro (soldo), como alguém mencionou, referente aos soldados da CCaç 19.
À noite, o calor no colchão e o sono não vinha, ia ao pé das sentinelas, onde conversando, me diziam estar no exército português por uma Guiné Melhor. Se o PAIGCV vencesse o futuro seria muito mau! Tinham razão.
Os povos simples da Guiné mereciam melhor sorte.

Houve heróis nestas guerras, e recordo o Ten Cor António Correia de Campos. Foi ele que evitou o abandono de Guidaje, e acontecesse uma grande tragédia! O IN derrotado desistiu.

Relembrando o dia 8, pergunto o que terá realmente acontecido à coluna?

O ex-1.º Cabo Marinho respondeu:

GUIDAJE - A PRIMEIRA GRANDE EMBOSCADA em 8/9 Maio 73 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74).

Com humildade remeto em anexo o meu relato, caso ajuízem que se deve publicar, do período de Abril a 9 de Maio de 1973. Deduzindo quem ler o motivo de realizar uma coluna apressada no dia 8 levando auxílio a Guidaje.

No texto seguem duas fotos.

Agradecido, os meus cumprimentos,
José Manuel


2. Comentário de CV:

Caro camarada José Manuel, bem-vindo à Tabanca Grande.

Tenho um esclarecimento a fazer. Quem fundou o Blogue foi o nosso camarada Luís Graça. Eu, o Magalhães Ribeiro e o Virgínio Briote apenas damos uma mãozinha, porque o trabalho é muito. Repara que és o 371.º tertuliano. Não percebo muito de tropa, mas não faltará muito formaremos um Batalhão.

Falando agora de ti. Muito obrigado por te dirigires a nós e por teres a coragem de dizer que nos espias há quase um ano. Sabemos que temos muitos camaradas que nos seguem, mas que por qualquer motivo pessoal não se nos dirige, embora alguns comecem a colaborar connosco, fazendo comentários nos nossos postes.

O trabalho que envias, relativo aos acontecimentos de Guidage em Abril/Maio de 1973, é muito extenso pelo que será publicado num outro poste.

Reparei que não mandaste uma foto do teu tempo de Guiné que sirva fazer uma tipo passe, como aconteceu com a actual. Logo que possas envia-a.

Esperamos que este teu contacto seja o primeiro de muitos, não só para falar dos trágicos acontecimentos de Guidage, mas também participando com outros relatos e experiências vividas no tempo que estiveste pelo Norte da Guiné.

Em nome da tertúlia, deixo-te um abraço de boas-vindas.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4973: Tabanca Grande (175): Carlos Sousa, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 1801, Ingoré/Bissum-Naga/S. Domingos/Cacheu/Antotinha(Ingoré) - 67/69

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3742: O Nosso Livro de Visitas (51): Luís Socorro Almeida, ex-Alf Mil da CCAÇ 19, Guidage

1. No dia 3 de Janeiro de 2009, Luis Socorro Almeida deixou este comentário no nosso poste Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74:

Olá gente!
Foi com um misto de estupefacção e surpresa que acabo de ver narrados pelo João Dias da Silva, alguns dos episódios vividos em Guidage no mês de Abril de 1974 e em especial a reunião com os membros do PAIGC em pleno Senegal na qual estive presente e tenho lá por casa algumas fotos desse simpático encontro e ainda outros factos como a grande agitação dos pós 25 de Abril que se viveu em Guidage.
Logo que possa enviarei essas fotos

Luis Socorro Almeida
Ex-Alferes Miliciano
CCaç19
Guidage


2. Caro camarada Luís Almeida

Muito obrigado pelo teu comentário.

Esperamos que queiras aderir à nossa Tabanca Grande, onde não abundam ex-combatentes do pós-25 de Abril. Queremos entre nós camaradas desse tempo que contem aos mais velhos como foram aqueles conturbados tempos cheios de incerteza, durante os quais infelizmente ainda se registaram mortos em combate.

Se nos leres, ficarás a saber do nosso interesse na tua colaboração neste Blogue que é de todos nós.
Envia-nos uma foto dos tempos de tropa e outra actual, tipo passe de preferência e em formato JPEG, para seres apresentado à Tertúlia.

Como poderás ler no lado esquerdo da nossa página, o preço para seres admitido como tertuliano é o envio das fotos que te pedi mais uma pequena história.

Recebe um abraço em nome da Tertúlia.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3739: O Nosso Livro de Visitas (50): O interesse de António Araújo, pelas nossas cartas das ilhas

sábado, 14 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (3): Guidage (João Dias da Silva, ex-alf mil op esp,, CCAÇ 4150, 1973/74)

Damos início a uma nova série (No 25 de Abril eu estava em...). Apelamos à contribuição de todos os que quiserem e puderem dar o seu testemunho, directo, pessoal, de como os acontecimentos foram vividos em 25 de Abril de 1974, na Guiné (vb).


O 25 de Abril em Guidage


Mensagem de João Dias da Silva (1) , de 27 de Maio último:

Meus caros,

O prometido é devido e aqui estou a dar sinal de vida.

Comemorámos há pouco mais de um mês o 34.º aniversário do 25 de Abril de 1974. Propositadamente utilizei a forma verbal comemorámos em vez de comemorou-se. É que este é muito impessoal, é sinónimo de algo que outros fizeram ou organizaram, enquanto que comemorámos significa que cada um se empenhou em comemorar aquele acontecimento da forma que melhor entendeu e pelas mais variadas razões, sejam elas quais forem, pela positiva ou pela negativa, pois cada um, desde aquela data, é livre de o fazer em obediência aos ditames das suas convicções e opiniões.

E refiro este aspecto porque me tenho apercebido que têm sido expressas no nosso blogue opiniões bem diferentes, antagónicas mesmo, acerca de diversos assuntos, por vezes de uma forma bastante apaixonada que, pensava eu, um período de 34 anos já teria moderado.

Os historiadores é que sabem quando afirmam que é necessário deixar passar sobre os factos o tempo suficiente para que haja um distanciamento tal que permita à razão sobrepor-se à emoção, ou seja, pensar mais com a cabeça do que com o coração.

De todo o modo, mesmo que se esgotem todos os motivos para comemorar o 25 de Abril, eu terei sempre pelo menos um para o comemorar – a minha comissão durou apenas um ano porque, entretanto, ocorreu a queda do regime.

É frequente ouvir-se ou fazer-se a pergunta: onde estavas no 25 de Abril? Eu estava em Guidaje.

O 25 de Abril em Guidaje e primeiras consequências

Respigando uma ou outra das minhas poucas notas pessoais e consultando alguns documentos (apenas as transcrições manuais feitas na altura, mantendo as pontuações e os erros ortográficos, porque os originais ficaram nas pastas de arquivo respectivas) os ecos do 25 de Abril chegaram a Guidage titubeantes, mas logo começaram a produzir efeitos.

Para nos situarmos, será bom relembrar que nesta altura a guarnição de Guidage era composta por duas companhias – a CCaç 19 (africana) e a CCaç 4150 – e um pelotão de artilharia.

25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um GOLPE DE ESTADO MILITAR, em Lisboa.
Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do COM-CHEFE (Brig Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos, com o seguinte texto:





Mensagem vinda do Com-Chefe

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS. NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO OFICIAL. ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS COMANDOS DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR PRONTA CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ DEVEM RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA AUTENTICAÇÃO SUA ORDEM. AUTENTICADO.
Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado

26 de Abril de 1974 – Farim embrulhou às 6H00.

Continuámos a aguardar com certa ansiedade notícias daquilo que se está a passar na Metrópole quer no RCP (emissor do Movimento das Forças Armadas – é agora a emissora oficial), quer na BBC.

O Gen. Spínola deu uma entrevista sintética. Saiu o 1.º COMUNICADO oficial com o programa. É sensacional, se for cumprido integralmente. A situação ainda não está bem definida. Aguardemos. Recebemos uma MSG do COMCHEFE interino da Guiné (o Gen B. Rodrigues foi-se...).

27 de Abril de 1974 – É dia de descanso.

Saíram comunicados do Instituto Superior Técnico e da Conferência Episcopal dos Bispos reunidos em Fátima. Tudo parece encaminhado no melhor sentido e sem vítimas.

Ontem de manhã (soube-se hoje) o Batalhão de de Pára-quedistas de Bissau cercou discretamente o Palácio do Com-Chefe enquanto a PM mantinha a ordem no seu interior.

Entrou uma comissão pró-Movimento das Forças Armadas que obrigou o Gen B. Rodrigues a demitir-se. À tarde, acompanhado por um Brigadeiro e dois Coronéis (entre eles Vaz Antunes), que não aderiram ao movimento, embarcou escoltado por Páras para Cabo Verde onde todos estão exilados.
 
O Comodoro Almeida Brandão é o actual CMDT interino da Guiné e o Ten Cor Eng de TRMS Mateus da Silva o representante do Novo Governo na Guiné.

4 de Maio de 1974 – Fomos flagelados com armas pesadas.

Algum grupo de guerrilheiros do PAIGC, em deslocação do interior da Guiné, pelo corredor de Sambuaiá, para a sua base do Kumbamori (Senegal), provavelmente desconhecedor dos últimos acontecimentos políticos, aliviou-se do peso das granadas, até porque já estavam perto da fronteira, descarregando-as sobre nós.

26 de Maio de 1974 – A FORMAÇÃO da CCaç 19 entregou ao Cap Carvalho um comunicado que se encontra no "Dossier – GUINÉ".

Ex.mo CAPITÃO
Excelência

Com o maior respeito e compreensão, nós todos aqui presentes, que acabamos por compreender a situação indigna em que nos encontramos, e que queremos fazer tudo que seja natural para nos desembaraçarmos da mesma, pelo futuro melhor do nosso povo e do próprio povo português, decidimos desde então abandonar as Armas e ir participar na mobilização das massas populares da nossa terra.

Visto que é mesmo necessário fazer o nosso povo conhecer a realidade, a qual, foi-lhe sempre escondida e disfarçada durante longos anos de dominação fascista e colonialista. Queremos a Paz e para que haja tal é preciso uma independência da nossa terra. Aliás a independência é a maior aspiração do nosso povo, isto sabe-se mesmo na forma como eles têm lutado nos tempos presentes da Liberdade. E se tal é a vontade do nosso povo, nós não temos nenhuma razão de lutar conta quem a defende. Queremos pelo contrário, facilitar a obtenção de tais direitos de todos os povos do mundo.

Em nome do povo português e de todas as forças amantes da Paz, pedimos a Sua Ex.ª, a maior colaboração para atingirmos o nosso desejo pacífico. Esperamos com maior certeza que as autoridades competentes nos compreenderão.
Para terminar damos os nossos gritos de:

Viva o povo português
Viva a Paz
Viva a Junta de Salvação Nacional
Viva a Liberdade
Viva Portugal progressista
Glória ao imortal herói do nosso povo e de África:
Camarada AMÍLCAR CABRAL


O referido documento, segundo a transcrição manual que fiz na altura

28 de Maio de 1974 – Houve festa em Guidage.
Desde 1968 que não havia batuque devido à guerrilha, pois quando se fazia batuque havia, geralmente, um ataque, por isso...

31 de Maio de 1974 – Carta ao Cap Carvalho de DUKE DJASSY. Encontra-se no "Dossier –GUINÉ".

FRENTE S. DOMINGOS – SAMBUAIÁ

COMBANG'HOR, 31 MAIO 1974

Ex.mo Senhor
CMTE FORÇAS PORTUGUESAS
Em GUIDAGE

Em primeiro lugar os nossos mais sinceros votos de boa disponibilidade na recepção desta carta intrépida.

Tendo escutado, hoje, atentamente o vosso interlocutor, tomei conhecimento, e em nome do Comando Militar da nossa região, decidi rabiscar, no interesse de ambas as partes, as possibilidades que facilitarão o nosso eventual encontro. A vossa iniciativa desfruta grande admiração por nossa parte, que a única razão de nos estarmos batendo foi sempre e sempre será pela conquista da nossa dignidade e liberdade.

Nesta luta que escolhemos como única saída possível naquele momento de desespero, nela se encontra bem definida os interesses que nos identificam com o grande Povo Português, que aliás era vítima da mesma fera "o Colonialismo Fascista". Por isso ele, o Povo de Portugal, é o nosso primeiro aliado e hoje então é uma realidade.

Se o Sr. Comandante faz parte deste bom povo, é por certo que tecemos dos dois lados uma participação franca e de amizade neste contacto no futuro próximo.

Podíamos naturalmente, fazer os demais pormenores concernentes a este convite mas, claro está, não queremos que o mensageiro explore com astúcias as posições de ideias que nos unem e por isso preferimos fazê-lo depois de recebida a vossa resposta.

Sr. Comandante! Nós que não fazemos a guerra pela guerra, nós que nunca confundimos nem confundiremos povo com regime dum governo, nós que temos um critério eloquente entre o indivíduo e sistema político, a nossa participação nesta nova situação regional que ensaiamos criar, como aquele que no topo, em Londres, se desenrola.

A nossa parte não tem poupança de esforços no que se vai construir a Paz, que tudo ao nosso alcance será metido em acção.
Enfim, tudo depende do vosso lado, na espera duma resposta de confirmação e afirmativa.

VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA O PAIGC!
QUE A VITÓRIA FINAL SERÁ DOS POVOS!
Obrigado prévio
Do camarada franco

a) DUKE DJASSY
Comissário Político Militar
CE 199 e 70

N.B. – Este, DUKE DJASSY, é a minha alcunha, porque o meu nome é Leopoldo António Luís Alfama


Carta-resposta a uma mensagem a solicitar um encontro (ou coisa do género, se bem me recordo, mas cujo conteúdo já não tenho presente, nem possuo qualquer documento), que o Cap. Carvalho (António Eduardo Gouveia Carvalho, Comandante da CCaç 19) fez chegar, através de um mensageiro, a DUKE DJASSY, Comissário Político do PAIGC.

1 de Junho de 1974 – Resposta do Cap. Carvalho. Encontra-se no "Dossier - GUINÉ".

GUIDAGE
1 Junho de 1974

CAMARADA DUKE DJASSY

Começo por pedir desculpa do tratamento que lhe dou no cabeçalho. Poderá parecer incongruente da minha parte tratá-lo por camarada, a si, que com todos esses bravos combatentes durante anos e anos consecutivos, no meio das maiores privações e sacrifícios, lutaram para conseguir a liberdade deste povo oprimido e explorado por todos os camaleões do antigo regime "Colonialista fascista" que no momento mais alto da história do meu povo, foi derrubado pela união das Forças Armadas – Povo.

Dizia eu, portanto, que não me sinto com a força moral necessária e suficiente de o tratar por "camarada", mas sinceramente é assim que me dá prazer tratá-lo. Era assim que eu gostaria de o ter tratado ao lutar na mesma causa comum, infelizmente as minhas afinidades familiares sobrepuseram-se aos meus ideais políticos e eis a razão porque me encontro num exército que durante anos serviu um governo opressor dos povos africanos que lutaram pela sua liberdade, LIBERDADE essa prestes a ser atingida.

Tentei, portanto, integrado num exército, lutar com palavras, palavras de mentalização aos homens que me estão confiados, tentando informá-los da verdade e da justiça duma guerra em que eles estão inseridos, única e simplesmente, pela falta de informação, que nunca lhes foi confiada e prestada, e o que é ainda mais desumano, comprados à custa de dinheiro.
Como concerteza está informado, é esse dinheiro com que o governo deposto comprou a consciência de milhares de guinéus, que faz com que alguns deles, mesmo agora, tenham uma certa relutância em aceitar a LIBERDADE e a INDEPENDÊNCIA pela qual os vossos valorosos combatentes se bateram.

Será que eles são culpados? Não, só esse governo odioso, poderá abarcar com todas as responsabilidades, pois esse mesmo governo, que montou toda a máquina económico-política para deformar e comprar a consciência humana. É por isso que eu admiro todos os homens que se conseguiram libertar das algemas que os acorrentavam.
Ao ver tão próxima a liberdade por nós desejada continuo na minha mentalização a esses homens enganados, estando convencido que estou a lutar por uma causa comum e é a única causa justa. Tentando dissipar possíveis animosidades criadas durante estes anos entre homens do meu povo que deveriam ter lutado em comum, e só o não fizeram pelo facto de terem sido levados por esses agressores dos povos.
Deve, portanto, camarada deduzir que é uma honra incalculável se conhecer e falar com um dos bravos combatentes desse glorioso Partido que é o vosso. Devido, portanto, à situação especial de Guidage, ter sob o meu comando uma Companhia Armada por homens do vosso Povo, acharia conveniente, se o camarada concordar, encontrarmo-nos, nesta primeira fase, em território senegalês, num local por vós escolhido.

Estando certo que sempre nos uniu a mesma causa, apesar das situações antagónicas em que nos encontramos, espero esse encontro com a maior ansiedade e a maior brevidade possível.

VIVA A REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU!
Viva o glorioso PAIGC!
VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA A LIBERDADE ADQUIRIDA PELOS DOIS POVOS OPRIMIDOS!

Do camarada que sempre admirou a causa por que vos lutastes.

a) António Eduardo Gouveia Carvalho
Capitão Miliciano de Infantaria


2 de Junho de 1974 – Veio hoje a Guidage um carro civil de Carlos Vieira (irmão do Nino Vieira, que se encontra estabelecido em Binta com negócios diversos) vender/trazer mantimentos à população, o que não acontecia desde o início da guerra.

Proposta de Duke Djassy. Encontra-se no "Dossier – GUINÉ".

2 Junho de 1974

CAMARADA ANTÓNIO EDUARDO

Saudações fraternais

Acuso ter recebido ontem carta sua, a qual, causou grande emoção, tanto a mim pessoalmente, como a todos aqueles que tiveram a possibilidade de a ler.
Mas espero que o mais importante ainda será o dia da nossa entrevista.
Por isso, quero previamente prevenir-lhe, que estarei acompanhado com mais dois ou três camaradas responsáveis, os quais, não foram, todavia, indicados pela direcção do Partido.
Gostaria que esse encontro tivesse lugar no dia 5 do corrente mês a partir das 17.00 hora TMG (quer dizer, 4.00 horas da tarde na Guiné).
Mas caso o Sr. achar qualquer inconveniente no tempo e lugar escolhidos, convém assinalar logo.
O local será entre as tabancas senegalesas de BEILAN e SECONAIA.
Aceite um abraço do camarada amigo

a) DUKE DJASSY

Seguiu oralmente, através de mensageiro, a resposta do Cap Carvalho a solicitar que tal encontro se efectuasse junto à tabanca senegalesa de MARIÁ, pois aquelas estão muito longe, e a informar que ia acompanhado por mais colegas.

4 de Junho de 1974 – O Carlos Vieira quase todos os dias tem mandado uma camioneta para reabastecer o comércio civil.

5 de Junho de 1974 – À tarde lá foram (Dossier – GUINÉ) ao encontro, na tabanca senegalesa de MARIÁ:

- Cap António Eduardo Gouveia Carvalho – CMDT CCaç 19
- Alf Vítor Manuel Pereira Abreu – CMDT 3.º GR da CCaç 4150
- Alf Luís Socorro Almeida – CMDT 4.º Gr da CCaç 19
- Fur Lopes Pereira – Agente PIM em Guidage
- PATRÃO SONCO
- ANCHEU (FG 12) – Mensageiro, habitante de Mariá

com os elementos do PAIGC:

- DUKE DJASSY (Leopoldo António Luís Alfama, cabo-verdiano) – Comissário Político da Região S. Domingos – Sambuaiá
- MANUEL DOS SANTOS (MANECAS, cabo-verdiano) – Comissário Político da Zona Norte
- BRAIMA DJALÓ (Natural de Bolama) – Cap do Exército e membro do C.E.L.
- 2 CMDT DE BIGRUPO

Não possuo qualquer documento ou referência ao resultado deste encontro, nem me recordo de termos falado o que quer que fosse. Recordo, no entanto, que passados poucos dias o Comissário Duke Djassy veio ao Aquartelamento de Guidage, provavelmente para novo encontro. Nada sei da evolução destes contactos, até porque fomos para Bissau (COMBIS) no dia 4 de Julho de 1974.

15 de Junho de 1974 – À tarde houve um jogo de futebol entre os moços (12/13 anos) de Guidage e do Senegal. É de salientar o contraste: enquanto os de cá falavam mandinga (só falam português connosco e nem todos), os do Senegal falavam francês, correctamente. É sintomático...

1 de Julho de 1974 – Encontro na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3.

EM 011000JUL74, CMDT CE 199/E/70 QUECUTA MANÉ E SEUS COMISSÁRIOS POLÍTICOS DUKE DJASSY E MANUEL DOS SANTOS (MANECAS) ACOMPANHADOS DE ELEMENTOS ARMADOS DO PAIGC ENCONTRARAM-SE COM O CMDT, OFICIAIS E SARGENTOS DO COP3, NA REG. DA BOLANHA DE NENECÓ, ONDE FORAM DEFINIDOS NOS SEGUINTES TERMOS A SUA LINHA DE CONDUTA:

- Que se o Gen. Spínola visitar a Guiné dará origem ao reinício da luta.

- Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.

- Pretendem estabelecer contactos permanentes com metropolitanos, tropas africanas e Pop., pelo que solicitam autorização para enviar equipas de Com. Pol. para GANTURÉ – BIGENE – BARRO e BINTA – GUIDAGE.

- Que consideram a guerra como último argumento e que condenam a violência.

- Que não reiniciarão a luta armada sem aviso prévio e com antecedência às NT.

- Não têm grande esperança em que o diferendo seja resolvido entre o Governo Provisório e o PAIGC pelo que a solução final deverá ser forçada pelas NT que prestam serviço na Guiné.

- Que inicialmente pretendiam apenas contactar quadros metropolitanos, mas que agora pretendem também contactar Tropas Africanas, no sentido de as mesmas entregarem as armas, deixando de colaborar com as NT.

- Não querem voltar à guerra mas que têm um objectivo a conseguir, pelo que serão novamente guerrilheiros se essa for a última solução para conseguir o seu objectivo.

Não sei o que foi tratado neste encontro, mas tive acesso a este documento, que parece ser, pelo seu conteúdo, um memorando de ideias/convicções apresentado pelos dirigentes do PAIGC presentes no encontro com pessoal do COP3 (Bigene), cujos nomes não recordo, mas que era comandado pelo Major Carlos Alberto da Costa Campos.

4 de Julho de 1974 – Deixámos Guidage e fomos para Bissau (COMBIS).

Não fora o 25 de Abril e certamente que esta viagem só teria ocorrido um ano, no mínimo, mais tarde.

E hoje fico-me por aqui. Voltaremos a encontrar-nos.

Um abraço do
JOÃO DIAS DA SILVA.
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Notas de vb:
Adaptação do texto da responsabilidade de vb;

(1) Artigo relacionado em
6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2812: Tabanca Grande (66): João Dias da Silva, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 4150 (Guiné 1973/74)