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quarta-feira, 23 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos


Cópia da 2.ª via da caderneta militar do António da Silva Baptista (1950-2016)

Segunda via da caderneta militar do nosso camarigo António da Silva Baptista, emitida a 4 de Junho de 1987 (!), treze anos depois do seu regresso a casa, vindo do cativeiro...

Nascido a 15 de março de 1950, na freguesia da Moreira, concelho da Maia, foi incorporado no RI 13 a 26 de Julho de 1971, tendo passado à disponibilidade em 25 de Novembro de 1974...

O Baptista fez parte do lote de 7 prisioneiros portugueses (, pós-operação Mar Verde, de 22/11/1970), entregues pelo PAIGC às NT em 14 de Setembro de 1974, em Aldeia Formosa. Era sold at inf, pertenceu à  CCAÇ 3490 (Saltinho) do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74).

Imagem reproduzida, com a devida vénia, do blogue do nosso camarada Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné)...


António da Silva Batista, em 21/7/2007.
Foto de João Santiago (2007)
1. A notícia chegou-nos hoje de manhã pelo Zé Teixeira. O António  da Silva Baptista, o nosso querido "morto-vivo do Quirafo", acaba de nos deixar...  Desta vez, a notícia, infelizmente, é verdadeira!... É a sua segunda e derradeira morte! (*)

Vivia ultimamente com a filha, que tinha um café em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, e estava doente.  Já há muito que não aparecia na Tabanca de Matosinhos, às quartas-feiras. Sofria de cancro dos pulmões, facto que nunca partilhou com os amigos. Nos últimos dias a situação agravou-se até ao momento... Tem outra filha que vive na Alemanha.

O corpo está em câmara ardente na capela de Santa Cruz do Bispo.  O funeral é amanhã,  5.ª feira, às 15h45, na igreja matriz de Santa Cruz do Bispo, seguindo depois para o crematório de Matosinhos... Estes dados foram-nos dados e confirmados pelo Zé Teixeira e o Álvaro Basto (que sempre o acarinharam nestes últimos anos da sua vida; foram, de resto, o Álvaro Basto e o Paulo Santiago quem o trouxeram até à Tabanca Grande, em julho de 2007).

Ainda há uma semana, a 15 do corrente, a malta lhe tinha mandado os parabéns pelo seu aniversário, os seus 66 anos!... O nosso camarada e editor Luís Graça escreveu-lhe, com o seu sentido humor de caserna, o seguinte:

"Grande Silva!... Passaste, pelas minhas contas, dois aniversários natalícios, nas 'regiões libertadas' do PAIGC, em 1973 e 1974... Certo? Foste dado como morto pelas NT e 'enterraram-te vivo'...  Ao fim de dois anos e meio, 'ressuscitaste'... Não haverá muitas histórias como a tua, no decorrer da nossa guerra em África... O que mais te desejo é que gozes, o mais que puderes, este teu dia de aniversário... E que a saúde não te vá faltando. 
Um alfabravo fraterno, 
Luís Graça".

Uma quinzena de camaradas, só no blogue, tirando a nossa página do Facebook, tinham-lhe desejado votos de saúde, que era o que ele mais precisava.


Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa, depois do regresso do cativeiro. O título da notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: "À memória de António da Silva Batista. Faleceu em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492 (Xitole, 1971/734), mora em Leça do Balio, Matosinhos.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.


2. Recorde-se que o  António da Silva Batista, ex-sold at inf da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, foi dado como morto na terrível emboscada do dia 17 de abril de 1972, em Quirafo, junto ao Corubal... Viria a ser libertado pelo PAIGC em setembro de 1974. A sua história  teve alguma triste notoriedade, até mediática, pelo insólito.  A RTP, por ex., no seu programa "Memórias da Revolução", chamou-lhe o "soldado morto-vivo", e associou-o às efemérides de setembro de 1974:

(...) O soldado António Silva Baptista, combatente na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial, no seguimento de um ataque do Partido Africano para a Independência da Guiné Bissau (PAIGC) a tropas portuguesas, foi dado morto pelas autoridades portuguesas, tendo a sua família realizado um funeral em sua memória. Em boa verdade, António Silva Baptista foi prisioneiro do PAIGC, tendo sido libertado em setembro de 1974. Esta história, devido à sua natureza caricata, alcançou bastante notoriedade em Portugal. (...)

Temos mais de quatro de dezenas referências (*) ao nosso camarada que agora nos deixa de vez.

O nosso pobre camarada morreu, de facto, duas vezes, tendo sido "vítima de um processo kafkiano", no dizer do nosso editor Luís Graça: primeiro, morreu, não fisicamente, mas militar e socialmente; depois, roubaram-lhe a memória, roubaram-lhe os dias e as noites que passou no cativeiro!

O seu nome passa hoje a figurar na lista (já longa, 43!) dos camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros e grã-tabanqueiras, que "da lei da morte se foram libertando". (Vd. lista alfabética da Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo!)...

À família, à viúva, às duas  filhas e demais família, apresentamos as  sentidas condolências da Tabanca Grande,  bem como aos camaradas da sua companhia e aos amigos que com ele mais de perto conviveram, nomeadamente os da Tabanca de Matosinhos.  (**)


Maia > 21 de Julho de 2007 > O encontro com o António da Silva Batista (ao centro); à esquerda, o Álvaro Basto, ex-fur mil enf da CART 3492, Xitole, 1971/74) ; à direita, o Paulo Santiago (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72)

Foto: © João Santiago (2007). Todos os direitos reservados.


Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial >  17 de abril de 2009 > Ao centro, a Cidália Ferreira, viúva de António Ferreira,  e, à sua direita, o António da Silva Baptista, também natural da Maia (e que já tinha tido,  até setembro 1974, jazigo com o seu nome e data de falecimento)...  Estiveram presentes nesta cerimónia outros camaradas nossos como o Zé Teixeira e o António Pimentel (à esquerda, na foto)  e o Paulo Santiago, que veio acompanho da sua filha, Maria Luís Santiago (, que foi quem tirou a foto). À direita na foto vê-se, de perfil, a filha do António Ferreira e da Cidália, mais a nossa amiga Cátia Félix, que está entre ela e o Paulo. Por detrás do Paulo, e segundo informação do José Teixeira, está o Sulimane Baldé, régulo de Contabane, que vive no Saltinho, e à data dos acontecimentos pertencia ao Pelotão do Santiago (,o Pel Caç Nat 53). Há ainda mais dois camaradas nossos: o António Barbosa, de barbas, de Gondomar; e o Santos Oliveira, de boina e óculos escuros.

Foto: © Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados [Legenda: LG, Paulo Santiago e José Teixeira]



 III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74)

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. aqui alguns dos postes publicados com referência ao António da Silva Batista:

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

22 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


(...) Caído numa emboscada com o seu grupo de combate, foi feito prisioneiro e levado para as prisões do PAIGC, primeiro em Conacri e depois na região do Boé; o Exército deu-o como morto, tendo alguém (que não o alf mil médico Azevedo nem o fur mil enf Basto) passado uma falsa certidão de óbito.

O Batista foi contabilizado entre o monte de cadáveres desmembrados e calcinados, que ficaram na picada do Quirafo e levados - os restos - para os balneário do Saltinho. Quem tomou essa decisão, de ânimo leve? O capitão da CCAÇ 3490, do Saltinho? O comandante do BCAÇ 3872, de Galomaro? No mínimo, há aqui descuido, incompetência, grosseira insensibilidade, desumanidade!...

O Exército (e a PIDE/DGS que deve ter interceptado as cartas que ele enviava do cativeiro para a família, através da Cruz Vermelha…) nunca mais quis saber dele… E a prova é que o mantiveram na lista dos mortos… durante muito tempo… Hoje, felizmente, já não consta, pelo menos, da lista (oficiosa) dos Mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes...


A odisseia do Batista, no pós-25 de Abril, do Porto a caminho de Lisboa, munido de um certidão de óbito (!), gastando tempo, dinheiro e emoções para recuperar a sua identidade (como vivo!) e a sua dignidade (como português, homem, cidadão e militar!) é outro processo kafkiano!...

Amigos e camaradas: este caso, mesmo passados muitos anos, deveria incomodar-nos a todos e sobretudo indignar-nos! Como ao Paulo Santiago, que aqui escreveu: "Filhos da puta!... Roubaram-lhe, na caderneta militar, os 27 meses de cativeiro!"...

O Exército ainda deve uma reparação, mesmo que seja meramente simbólica e moral, ao nosso camarada António da Silva Batista, a quem eu proponho que aceite figurar na nossa lista de amigos e camaradas da Guiné!

É o gesto mais elementar de solidariedade que nós, todos nós, podemos ter para com ele, acarinhando-o e ajudando-a lidar melhor com uma vida passada feita de pesadelos. Espero que o Paulo e o Álvaro possam fazer-lhe chegar esta singela homenagem do nosso blogue, e que ele a aceite! (..)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14241: Blogoterapia (265): Ainda a tragédia do Quirafo, apesar do muito que já se disse e escreveu (Juvenal Amado / João Maximiano)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Fevereiro de 2015:

Carlos e Luís
Não é muito mais do que já se sabia sobre o triste acontecimento mas mesmo assim aqui vai.
Seguem também algumas fotos
Juvenal Amado


Em conversa com o João(1) chegámos à conclusão que entrámos no CICA-4 no mesmo dia para fazer a recruta embora em pelotões diferentes. Findo que foi esse período eu rumei ao RI-6 e ele ao RC-6, no Porto, para a especialidade e finda que foi esta, ele foi para a Figueira da Foz, RAL-2, e eu para Abrantes, RI-2.

Quis a roleta dos números mecanográficos que nos voltássemos a encontrar, eu na CCS e ele na 3491 do Batalhão 3872. Mas ao João tinha o destino reservado uma das mais duras e temidas provas que a vida militar nos podia reservar, ao cair numa emboscada e ver a morte bem na frente dos olhos e sentir o seu bafo.

Em 17 de Abril de 1972 caiu na emboscada do Quirafo que vitimou praticamente todos o que seguiam na viatura da frente da coluna. Ele era o condutor da segunda viatura e foi a rapidez do desenrolar dos acontecimentos que impediu de entrar na zona de morte.

Não foi um combate mas sim um massacre que podia ter sido evitado em última instância, quando foram avisados 10 km antes pela população de Sincha Made Bucô que o IN estava à espera algures na picada. O que leva os homens a dissidirem sobre a sorte e o azar numa espécie de roleta russa? Talvez a vontade de sermos superiores aos comuns dos mortais, ou pensarmos que só acontece aos outros.

Ele hoje só se lembra do fogo, das explosões, do som das armas automáticas, do desnorte e do camarada Azevedo que procurou abrigo junto dele, mas que, já estava mortalmente ferido com pelo menos três tiros. Logo de seguida, o abrigo onde se tinha refugiado foi atingido por uma explosão e confessa não saber o que aconteceu ao camarada que estava junto dele. Lembra-se dos Fiat's aparecerem e bombardearem, mas não sabe se foi o transmissões(2) que antes de morrer os chamou, pois garante que o camarada ainda saltou da viatura e se meteu mato dentro.

Uma coisa é certa, os Fiats apareceram e bombardearam, embora também não saiba quem os orientou para eles fazerem o seu trabalho. O resto, ficamos a saber pelos PelRec que no dia seguinte arrancaram de Galomaro ainda a tempo de levantar uma mina que possivelmente foi lá posta depois.

Aquele dia ficou assim marcado num misto de terror e zona cinzenta na sua memória, talvez como mecanismo de autodefesa, mas com o passar dos anos essa proteção abriu fendas e de lá saíram qual monstros, as insónias e os pesadelos onde revive noite após noite aquela manhã de má memória.

Felizmente está já a ser ajudado com consultas psiquiátricas em Coimbra, após pedido de ajuda no Núcleo da Liga dos Combatentes da Batalha, concelho a que pertence.

Por seu intermédio estou a tentar contactar o Moniz que era o condutor da GMC da qual só ele e o António Baptista(3) escaparam com vida. O Moniz é natural de Reguengo do Fetal mas não está a ser fácil encontrá-lo.

Junto envio umas fotografias cedidas pelo João Maximiano.

Um abraço para todos meu e do João que não tem computador nem sabe mexer-lhe.
Juvenal Amado


S/legenda

Monumento aos mortos da CCAÇ 2406

Ponte do Saltinho

Canhão s/recuo

Condutores: Granja; Gilberto; Maximiano e Moniz, que conduzia a primeira viatura na coluna emboscada e o Mec Auto Joaquim.

S/Legenda

Viatura do Maximiano
____________

Notas do editor

(1) - Vd. poste de 22 DE NOVEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

(2) - António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972

(3) - António da Silva Batista (o morto-vivo), ex-Soldado At da CCAÇ 3490, Saltinho, 1972, dado como morto na emboscada do dia 17 de Abril de 1972. Viria a ser libertado pelo PAIGC em Setembro de 1974.

Vd. último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14069: Blogoterapia (264): Infelizmente para mim e para quem me é mais próximo, este Natal não será como dantes (Joaquim Cardoso)

sábado, 22 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13927: Ser solidário (174): Vamos ajudar o nosso camarada João Maximiano, que encontrei em Leiria, ex-sold cond auto da CCAÇ 3490 (Saltinho), que continua a sofrer com as recordações da terrível emboscada de que foi vítima no Quirafo, em 17/4/1972... (Juvenal Amado, ex-1º cabo cond auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74)

1. Mensagem do Juvenal Amado [ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74],  com data de 7 do corrente:

Venho a chegar de Leiria onde dei uma vista de olhos pelo Fórum Leiria e acabei por encontrar um camarada do Saltinho [, CCAÇ 3490,]  dos que caiu na emboscada do Quirafo [, em 17 de abril de 1972].

Era o condutor da segunda viatura e também fiquei a saber que o condutor da GMC que caiu mesmo dentro da área de morte [, vd.fotos abaixo],  é aqui de Reguengos de Porto de Mós.

Mas o camarada [João] Maximiano, o que eu encontrei,  está a sofrer de stress pós-traumático e não consegue dormir e passa a vida nos médicos. Quando ele lhes diz que esteve na Guiné e lhes conta os pesadelos, eles tem uma atitude de muita compreensão, mas dão-lhe a entender que pouco ou nada podem fazer.

Agora a pergunta que urge... há malta do blogue que sabe onde se deve ele dirigir? Como proceder?

Olha eu tenho o nº de telemóvel dele e fiquei de lhe telefonar entretanto. Gostava de lhe dizer alguma coisa que o confortasse,  se isso for possível.

Um abraço.
Juvenal.


2. Resposta no mesmo dia, do nosso editor L.G.:

A Associação Apoiar dá ajuda, gratuita, à malta com problemas de stresse pós-traumático de guerra, ou vítimas de stresse de guerra... O problema é que fica em Lisboa... É sempre a mesma história, ou cada vez pior, com a litoralização do país...

Tens aqui o contacto [, telemóvel e emaill.] do Mário Gaspar, que foi cofundador e diretor da Apoiar... (publicou agora o livro "O Corredor da Morte", deves-te lembrar dele do nosso último encontro em Monte Real...).

Aquele abraço.
Luís


3. Nova mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:

Caro Luís, Carlos e demais camaradas da Tabanca Grande

Há dias encontrei o João [Maximiano] que foi condutor da companhia do Saltinho.

Falamos um bocado onde ele me confidenciou que estava com problemas de saúde. Acabou por acrescentar que a sua saúde hoje era reflexo de ter caído na emboscada do Quirafo,   pois era ele o condutor da segunda viatura.

O tempo não deu para falarmos,  como eu gostaria, mas mesmo assim fiquei com a impressão que os distúrbios de que padece são ao nível de stress pós-traumático,  o que não será para admirar.

Mas eu não sou médico nem técnico dessa área e, após informação do Luís Graça,  acabei por encaminhar para associação Apoiar e para a Liga dos Combatentes em Leiria.

Este é mais um caso de alguém que, passados tantos anos, passa sofrer com as recordações.

Também fiquei a saber que o condutor da primeira viatura vive em Reguengos do Fetal, que é aqui perto de Fátima. Vou tentar juntar os dois,  pois por mais que se fale daquilo,  é sempre pela boca de quem lá chegou depois.

Outra noticia que me deu foi que a companhia [, a CCAÇ 3490,] se reúne todos anos.

Um abraço.
Juvenal





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo alf mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... 

Foram utilizados LGFog e Canhão s/r. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda era visível, em fevereiro de 2005, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram à Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo e João Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

4. Poema de Juvenal Amado:

João Maximiano, sobrevivente do Quirafo 1972 (**)

A Paz não está ao alcance de todos.
Devagar,
Insidiosamente,
As recordações são viscosas,
Enleiam-se em ti.
És devorado sem saber,
Revives pela milionésima vez,
As tripas contorcem-se.
João, ali está a curva fatídica,
Violência que esperou por ti há hora marcada,
Foste poupado, para seres esmagado agora,
Saídas ensurdecedoras, impactos cavos e subterrâneos,
Martelo de dois tons,
Temores há muito esquecidos,
Regressam todas as noites.
Sem ser convidados.
Os fantasmas relembram medos passados.
Não tens defesa contra a guerra
Que te visita 40 anos passados.
Não há G3 que te valha.
O terror, esse, é real 
E povoa-te o sono,
Acordas mas não te livras do pesadelo,
Antidepressivos são hoje a tua ração de combate.
Regressaste, passaste pelos corpos dos teus camaradas,
Não os reconheceste,
Eles visitam-te agora, 
Persiste o odor acre e a dor.
Ficaram sempre jovens, 
Com a farda com que embarcaram.
Estás refém da memória que te esmaga,
Foste para a guerra 
E na verdade nunca regressaste dela.
Quem te escolheu o caminho?
A Paz nunca ficará ao teu alcance.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

Ainda sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes do Paulo Santiago:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

sábado, 25 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13799: A propósito de paludismo... e da arte de bem guerrear (Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 23 de Outubro de 2014:


Meus caros:
Para matar saudades, estou a anexar o meu contributo para o tema em epígrafe.

Um abraço tão grande e forte como a estima e a consideração que me mereceis.
Mário Migueis


A PROPÓSITO DE PALUDISMO
por Mário Migueis da Silva 

[, membro da Tabanca Grande, desde 16/4/2009: recorde-se o seu BI:  (i) Furriel Miliciano
com a especialidade de Reconhecimento e Informação, esteve na CCS/QG (Bissau),  em em diligência na CCS/BART 2917 (Bambadinca, Novembro 70-Janeiro 71),  CCaç 2701 e CCaç 3890 / Saltinho (Março 71 a Outubro 72)]

Tendo decidido que, a partir de agora, vou fazer um pequeno esforço para tentar ultrapassar tão rapidamente quanto possível as mil e uma entradas da feraz caneta do nosso distinto tabanqueiro Mário Beja Santos, nem sempre beneficiária dos meus encómios, mas nem por isso desmerecedora – ela, a caneta – da minha vénia a tanto engenho e farto saber, vou, desde já, aproveitar o ensejo do tema apresentado pelo nosso não menos estimado Rui Vieira Coelho - que, por sinal, foi médico em Galomaro, sede dos dois últimos batalhões em que estive em diligência – para partilhar uma pequena amostra do que foi a minha luta incessante contra o famigerado paludismo, ainda hoje responsável por milhões de baixas neste “mundo do Senhor”.

O encontro de apresentação, ou seja, a primeira manifestação do dito deu-se, por alturas de Março de 1971, em Bissau, onde me encontrava em formação na Repartição de Informações do Comando-Chefe, onde estava colocado. Começou com uns arrepios e, daí a nada, estava com uma temperatura diabólica, o que me levou a uma consulta médica na Amura, à qual se seguiu uma outra na enfermaria do QG, que era a minha unidade, em virtude de os meus camaradas de quarto no “Palácio das Confusões” terem ficado alarmados com a evolução – para pior – do meu estado de saúde. Mas, não havia razões para tanto susto: com a terapêutica da ordem, decorridos cerca de oito dias, pouco mais que pele e osso, e agarradinho às paredes ou a um ombro amigo para não me estatelar no chão, tal era a fraqueza das minhas pobres canetas, lá consegui chegar ao Clube Militar de Sargentos, que, providencialmente, era ali mesmo ao pé, para uma primeira refeição após o já inesperado ressurgimento.

A umas bolachinhas com Fanta natural, seguiram-se umas sandes com umas coca-colas e, finalmente, uns camarões de fazer queimar a beiça, acompanhados de umas cervejas fresquinhas e retemperadoras. Tinha, assim, levado de vencida este nosso primeiro embate, e o que achei de mais curioso, em termos de sintomatologia, foi, de permeio com as terríveis dores de cabeça, corpo dolorido, febre altíssima, falta de apetite, vómitos e mal-estar geral, a sensação de que cada fio do meu cabelo estava implantado numa chaga.

Dito isto, passemos, desde já, à quarta ou quinta experiência, que não haveria papel que chegasse nem paciência que vos sobrasse para tanto relato, se eu me perdesse agora, por aqui, a contar tudo, tim-tim por tim-tim.

Estava eu no Saltinho, e tinha terminado há muito pouco tempo o período de sobreposição das duas companhias de caçadores minhas anfitriãs: a “2701”, dos “velhinhos” do capitão Carlos Clemente, e a “3490”, do capitão miliciano Dário Lourenço, com quem eu ficara, de castigo – mentira!...

Ao entardecer de mais um dia de muito sol e boa disposição, fui tomar o meu habitual banho numa das piscinas naturais do Corubal, a pouco mais de cinquenta metros do arame da nossa posição militar. Lá de cima da rocha mais alta, que eu não fazia aquilo por menos, mergulho como uma bala nas águas mornas e suaves do pacato rio, e, emergindo com a potência de mais que muitos cavalos-vapor, dou meia dúzia de braçadas até à margem. É aí que, acto imediato, e embora fizesse ainda bastante calor, sinto aqueles arrepios – sempre eles! – que me fizeram encolher, apanhar a toalha e regressar “a casa”, a rogar pragas à minha pouca sorte: não havia dúvidas nenhumas, aí estava o paludismo, uma vez mais!...


Uma bela imagem do Rio Corubal, no Saltinho. 

Foto retirada da página Encore de L'audace do nosso camarada Paulo Santiago, com a devida vénia


Já a bater o dente, fui directo ao Henrique Custódio, furriel (miliciano) enfermeiro, a quem não dei hipóteses de paninhos quentes:
- Dá-me já uma dessas injecções de cavalo, que esta merda não vai com comprimidos nem afins!....

Não passara ainda meia hora, deitava eu contas à minha triste sina de paciente dos pântanos compulsivo, quando chegam, em passo de corrida, dois elementos da população de Madina Bucô, a darem conta de que, nas imediações da sua tabanca, a cerca de oito quilómetros de distância do Saltinho, tinham sido detectados “turras” – eh, pá!... -, em preparativos para um ataque pela calada da noite.

Em resposta – pois claro! -, prepara-se para avançar o pelotão de intervenção, que, com os seus homens já instalados em três “burrinhos”, aguarda a ordem de “siiiiga!...”. É quando o furriel enfermeiro, que estava sentado ao lado do Elói, outro furriel miliciano de elevado gabarito, salta do pequeno camião e se dirige a mim, perguntando-me com um espanto de espantar:
- Como é, não vens connosco, meu sacana?!...
- Sacana?!... Sacana és tu, meu malandro do caraças!... Então, acabaste de me dar a puta da injecção para o paludismo e queres que vá convosco prá rambóia?!... Desta vez, ides ter que passar sem mim.



Guiné> Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > CART 3490 > Saltinho, 1972, época das chuvas

Foto: © Mário Migueis (2009). Todos os direitos reservados


E, assim foi. Daquela feita, consideradas as condições de periclitante saúde, não fui, armado em rambo, para a coboiada. E, afinal, até nem fui preciso para nada, porque, felizmente, não houve ataque nenhum aos nossos amigos fulas e o Henrique Custódio, de quem já me tornara um bom amigo, pôde, na madrugada do dia seguinte, regressar são e salvo, para poder acompanhar convenientemente os efeitos do “soro cavalar” administrado.

Mas, entretanto… Entretanto, pouco faltaria para a meia-noite no quartel do Saltinho – e penso que em Madina Bucô também -, estava eu no gabinete do comandante da companhia, que funcionava simultaneamente como sala de informações. Só, sentado à secretária, cabeça caída sobre o tampo alagado com os suores de gelo que me faziam tremer de frio e morrer de calor, aguardava a morte.

Assim, com a febre a atacar-me impiedosamente, fui surpreendido por aqueles estampidos secos, que nada tinham de familiares. “Devo estar com alucinações!”, pensei. Só que, ao primeiro estalo, seguiu-se, segundos depois, uma surda explosão que me pareceu bastante mais distante. Mas, não pestanejei sequer, até porque estava com os olhos bem colados às pálpebras, coitaditas, mais mortas que vivas. Já ao terceiro – alto lá!, que, pelos vistos, a coisa era para durar - soergui ligeiramente a cabeça e passei a mão direita pela testa ensopada e pegajosa. E ia a coisa já no quarto ou quinto – palavra de honra que não contei! -, quando tive a percepção de que cessara o ruído – tom, tom, tom - do enorme gerador, acomodado no outro lado da parada.

Com um esforço pouco menos que titânico, consigo levantar duas ou três pestanas da vista melhor colocada e reparo que a lâmpada do tecto se extinguira e que a grande ventoinha de estimação dava os últimos suspiros. É, então, que me atrevo, aos tropeços e às apalpadelas, a fazer os dois metros que me separam da porta, para espreitar, a tentar perceber o que se passa. Não foi preciso muito tempo para isso, pois a explicação estava ali, diante dos meus olhos vermelhos e cansados: dos lados de Aldeia Formosa, a meio caminho dos dez quilómetros em linha recta que separavam os dois aquartelamentos - por aí -, partiam, em direcção a norte, projecteis tracejantes – luminosos, pois, - com uma trajectória curva de longo alcance, tendo eu estimado que os impactos se estariam a verificar a cerca de 20 quilómetros de distância a norte da zona de lançamento.

Comigo de novo todo encolhido, cabeça em fogo sobre o tampo da secretária, eis que irrompem na escuridão da sala, mansa e quieta, a pobrezita, que não fazia mal a ninguém, três ou quatro tigres de Mampa…, quer-se dizer, três ou quatro tigres da Malásia, que, de lanterna em punho, se vêm colocar desrespeitosamente de costas para mim. Aos saltos de nervosismo, ganas, enfim, de entrar em acção, “dá cá a lanterna, passa-me essa merda”, apontam o foco de luz para a tela plastificada que cobre completamente toda a parede de cinco por três.
 - É dali, é dali!..., - exclama o alferes Rainha, que substituía o capitão Dário, ausente em Bissau ou coisa assim.
- É mais abaixo, Rainha! – agora, o alferes Armandino, com a sua voz roufenha e aparentemente mais calma, apontando para o número 44, envolto por um circulo a vermelhão, na carta de tiro do morteiro de maior alcance de que dispúnhamos na unidade.
- Não, não, Armandino, o tiro sai mais a sul! – insiste o Rainha, brandindo a lanterna, impaciente.
- Tás enganado, Rainha, mas pronto, faz lá como tu quiseres – concede, por fim, o Armandino, a ajeitar o quico e a puxar o cinto das calças para cima, preparando-se já para sair com os restantes invasores, rumo ao espaldão do “10.7”.
- Amanda-se prós dois, pronto!... Fogo pró trinta e pró quarenta e quatro!... - resolve o Rainha, que, para além de mais velho, tem todo o aspecto e os tiques de ser o mais belicoso.


Guiné> Zona leste > Setor L5 (Galomaro) > CART 3490 > Saltinho, s/d. c. 1971/72... O Miguéis (, aqui conhecido por Silva,) sentado no "tigre" qye encimava o monumentos aos mortos da CCAÇ 2406 (Olossato e Saltinho, 1968/70), companhia do meu tempo e que era conhecida como os "tigres do Saltinho" (fizemos operações juntos) (LG)

Foto: © Mário Migueis (2009). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

Não aguentei mais tanta impetuosidade, tanta vontade de fazer ronco:
- Fogo o caralho!... – resmunguei com quanta força me permitia a debilidade da minha carcaça em brasa. “Ó, cum caraças!”, só não se atiraram ao chão, porque começaram a tropeçar uns nos outros, em direcção à porta por onde antes entraram de rompante e dispostos a pôr tudo a ferro e fogo.

A áspera caralhada, assim disparada do escuro, à falsa fé sem ninguém contar, tivera o efeito de uma granada que nos cai aos pés. O Armandino foi o primeiro a reagir e, apanhando a lanterna ainda acesa que o Rainha deixara cair com o susto, vira-a para mim e consegue titubear:
- Ai é você?!...
- Pôrra, Migueis, que susto do caraças!... Você não está a ouvir os rebentamentos?!... – esganiça o Rainha, mais magro e descorado ainda do que em tempos de paz.
- É claro que estou, mas isso não é nada connosco!...
- Mas deve ser com o quartel de Buba, ou coisa assim!... – justificava-se e tentava impor-se o comandante em exercício, perante o saber de experiência feita do furriel de informações.
- Qual Buba, qual quê!... Alguém pediu fogo de apoio?!... – perguntei, agora com a cabeça fora da carapaça, e a procurar levantar-me da cadeira, onde estava literalmente colado.
- P´ra já, não, mas…
- Ai, não?... Então, deixem-se estar mas é quietos, senão os gajos viram-se p´ra cá e ainda nos rebentam com a puta da ponte!

Estava escrito que ainda não era daquela que os indómitos periquitos haviam de fazer o gosto ao dedo, e eu, logo que me recompus, e na sequência da mensagem que o SIM oportunamente fizera seguir para o Comando-Chefe, elaborei o relatório de informações respectivo, onde, nos “Ensinamentos Colhidos”, que, normalmente, ultimavam o texto, omiti, por incúria, o que de mais importante se extraíra de tão alvoroçada experiência: “O paludismo pode funcionar como agente dissuasor do gasto excessivo de munições, que tantos sacrifícios custam ao erário do nosso depauperado povo”.

Dias mais tarde, chegar-nos-iam notícias recortadas provenientes da República da Guiné, dando conta de que o PAIGC tinha recebido recentemente alguns carros de combate (tanques) da União Soviética, os quais haviam chegado a Conakry por via marítima e depois seguido para Kandiafara, principal base logística do IN, onde se mantinham. Os carros de combate – referiam ainda as mesmas fontes - tinham sido, entretanto, testados junto à linha de fronteira, para os lados do Saltinho, ou seja, acrescentei eu, tinham utilizado abusivamente a nossa carreira de tiro, sabedores que eram, porventura, de que eu, o maior da cantareira, estava a braços com as febres dos pauis.

In “A Arte de Bem Guerrear”, autoria cá do rapaz, a publicar brevemente

Esposende, 22/10/2014

Um abraço muito amigo,
Mário Migueis

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13359: Op Trampolim Mágico: 26 de fevereiro de 1972: 18 Gr Comb + 2 GEMIL + CCP 123, com apoio da FAP e da Marinha, fazem desembraque anfíbio na margem direita do Rio Corubal e passam tudo a pente fino, do Fiofioli a Mansambo (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

1. No nosso último encontro, em Monte Real, no passado dia 14 de junho, em conversa com os camaradas Joaquim Mexia Alves e Juvenal Amado, veio à baila uma operação anfíbia no Rio Corubal em fevereiro de 1972, no setor L1 (Bambadinca).

O Joaquim Mexia Alves, na altura alf mil op esp na CART 3492, sediada no Xitole, participou nessa operação, juntamente com mais malta do BART 3873, cujo comando e CCS estavam sediados em Bambadinca. O Juvenal Amado mandou-me, a seguir, informação mais detalhada sobre essa operação, com nome de código Trampolim Mágico,  que aparece descrita no blogue do nosso camarada Luís Dias, Histórias da Guiné 71/74 -  A CART 3491, Dulombi. (Vd. poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra).

[Foto à esquerda: Luís Dias, c. 1972/74]


Escrevi ao Luis Dias a pedir-lhe autorização para reproduzir,  no nosso blogue, o texto e as fotos que ele acabara de publicar, com vista a uma divulgação maior. Aqui vai a mensgem que tem data de 16/6/2014:

Luís: Não tenho a certeza do teu mail estar a funcionar... Há mensagens com data anterior devolvidas... Mas escrevo-te a pedir autorizaçãop para  publicar parte de um poste teu em que descreves a tua participação na Op Trampolim Mágico, juntamente com outras unidades,  incluindo a CART 3492 (Xitole), a CART 3494 (Xime), a CCAÇ 12...
Como vais tu ? Não tens dado sinais de vida... Foi o Juvenal (que faz anos amanhã) que me ajudou a chegar até aqui...

O Fiofiioli era um "mito" no meu tempo e a marinha não se atrevia a entrar no Rio Corubal, depois da Op Lança Afiada (10 dias), em março de 1969... Se tiveres mais fotos e informação, diz-me ou escreve... Vou publicar um poste sobre a Op Trampolim Mágico com o teu nome e com link para o teu blogue... Tudo isto faz parte das nossas memórias... mais ou menos doridas...

Pode ser ? Um abraço. Luis


2. A resposta do Luís Dias acaba de chegar, por intermédio do Juvenal Amado:

2 de Julho de 2014 às 21:36
Assunto: Operação Trampolim Mágico

Caro Juvenal: Fazes o favor de reencaminhar esta msg para o Luís Graça, dado que o seu endereço desapareceu do meu sistema e não sei porquê.Um abraço. Luís Dias

Amigo Luís Graça

Peço desculpa de só agora te estar a responder, mas tenho andado atarefado com aulas de formação, bem como outras actividades e confesso que não tenho tido tempo de vir ver as minhas msgs (estão em perto de 300!!!).

Podes utilizar tudo o que quiseres do blogue da minha companhia, muito em especial, o que está escrito sobre a operação Trampolim Mágico. A foto foi retirada já não sei de onde, talvez da Tabanca Grande (o blogue que tão dignamente diriges), mas não tenho referências da mesma.

Um abraço e manda sempre, Luís Dias




Guiné > Zona Leste > Croquis do Sector L1 (Bambadinca) > 1969/71 (vd. Sinais e legendas)


3. Descrição da Op Trampolim Mágico > Excerto do blogue do Luís Dias > poste de 10 de junho de 2014 > A nossa cruz de guerra.


Entre 24 de Fevereiro e 26 de Fevereiro [de 1972], o 2º GC e 3º GC da companhia [, a CART 3491, sediada em Dulombi] , participaram na Op Trampolim Mágico, na área de intervenção do BART 3873, com sede em Bambadinca, (que tinha chegado à Guiné poucos dias depois de nós - éramos todos uns "periquitos").

As NT foram agrupadas  da seguinte forma:

(i)  Grupo Castanho, formado por 4 GC da CART 3493 [ Mansambo], juntamente com o 2º e 3º GC da CCAÇ 3491 [, Dulombi];

(ii) O Grupo Laranja, formado por 4 GC da CART 3492 [, Xitole,]  reforçados por 1 GC da CCAÇ 3489 [, Cancolim,] e outro da CCAÇ 3490 [, Saltinho];

(iii) O Grupo Amarelo, formado pelos 4 GC da CART 3494 [, Xime], reforçados por 2 GC da CCAÇ 12 [, Bambadinca];

(iv) O Grupo Preto, formado pelos GEMIL 309 e 310;

(v) O Grupo Verde, formado pela CCP 123 [, BCP 12, Bissalanca, BA 12, 1972/74].

Em apoio: 1 parelha de Fiats G91, 1 parelha de T-6, 2 Hélios e 1 Héli-canhão e a artilharia de uma LDG.

Os grupos Castanho e Laranja foram embarcados em LDG e desceram o Rio Geba, onde passaram o dia, desembarcando em Porto Gole, ao fim da tarde e onde pernoitaram.

No dia seguinte, embarcámos de novo e lançados a todo o "vapor" fizemos um desembarque na Ponta Luís Dias (tem o nome de um dos alferes da nossa companhia, mas não tem nada a ver com ele) e em Tabacuta, sob o bombardeamento da aviação e da artilharia da LDG e com a presença no terreno do Comandante-Chefe, General António de Spínola.

Efectuámos acções de ataque a aldeias dominadas pelo IN, atravessando as matas do Fiofioli até Mansambo.

Dada o número das nossas forças os guerrilheiros foram fugindo, deixando para trás as mulheres, as crianças e os velhos, efectuando flagelações à distância, em especial de noite, para tentar nos localizar.

Nesta operação, em que estavam envolvidos batalhões recém-chegados à Guiné, houve momentos, em especial no Grupo Castanho, em virtude de termos ficado parados muito tempo ao sol (a excepção foram os nossos dois GC, que eram os últimos da coluna e que, ao nos apercebemos que iríamos ficar ali muito tempo saímos do sol, procurando abrigo na sombra das árvores) que poderiam ter dado em desgraça, face à falta de água, originando muitas evacuações por cansaço, insolação e desidratação.

A operação que implicou muitos meios não obteve os êxitos esperados, para além da destruição de locais do IN, da apreensão de diverso material e de documentação e da recuperação de população (32 pessoas) e foi mais um meio de mostrar ao IN a nossa presença na zona onde eles estavam implantados.



Porto Gole, onde existia um Padrão dos Descobrimentos portugueses e onde bebemos a cerveja que nos soube melhor, depois de um dia no meio do Rio Geba, dentro da LDG. [Foto de João Martins, reproduzida no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com a devida vénia.]



Lancha LDG utilizada pelo agrupamento Castanho e Laranja, na Op Trampolim Mágico. Em pé e do lado dto (a olhar para a foto), o Alf Luís Dias. Fopto de Luís Dias (2014).



Zona de mato denso onde estavam diversas palhotas que serviam de refúgio a elementos do PAIGC e população que os apoiava e que foram destruídas pela nossa passagem. Foto de Luís Dias (2014).

Texto e fotos (a preto e barnco):  ©  Luís Dias (2014). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Vd. postes sobre a Op Lança Afiada

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11382: Estórias do Juvenal Amado (48): Fizeram-me lembrar os "Doze Indomáveis Patifes"

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 25 de Março de 2013:

Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabana Grande.
Mais uma pequena lembrança dos tempos de Galomaro.
Aproveito para agradecer a ajuda que o Luís Dias (ex-alferes da companhia do Dulombi CCaç 3491), que me confirmou quanto às informações operacionais das movimentações das nossas tropas e do PAIGC na nossa zona de acção.

Juvenal Amado


FIZERAM-ME LEMBRAR OS DOZE INDOMÁVEIS PATIFES

Alferes Dias em Galomaro com a MG42 

Lembrou há pouco tempo o ex-Alferes Dias da CCAÇ 3491 do Dulombi, que o BCAÇ 3872 até meados de Abril de 1972 só com três meses de mato já sofrera 12 mortos metropolitanos (4 em Cancolim – CCAÇ 3489 + 8 no Quirafo/Saltinho - CCAÇ 3490) mais cinco milícias e um desaparecido em combate (o Baptista também no Quirafo). Juntando aos mortos e os feridos, as baixas eram já consideráveis e em virtude disso, chegou a ser considerada a possibilidade de o Batalhão ser transferido para outra zona.

Tal não se veio a confirmar pois ao aumento da movimentação do IN, entre Cancolim (atacado várias vezes) e Galomaro onde atacaram várias tabancas como Cansamba, onde estava um pelotão da companhia do Saltinho, Bangacia, Campata (e ainda Bafatá pois o IN infiltrava-se passando perto do destacamento de Cancolim) posteriormente a própria CCS em Galomaro.

A este acréscimo da movimentação do PAIGC respondeu-se com medidas acertadas, que talvez tenham feito gorar os intentos do movimento independentista e assim para sacudir o assédio que vinham fazendo na zona, foram precisas várias intervenções dos pára-quedistas (logo em 1972) e, posteriormente, a transferência da CCAÇ 3491 que veio reforçar Galomaro e Cancolim (I GCombate). Também essa companhia “emprestou” para Piche o II Grupo de Combate do Luís Dias (e o III GCombate do Farinha). A certa altura Galomaro, também foi reforçada por um pelotão comandado pelo alferes Luís Borrega (em 1972) e outro de uma companhia independente (em 1973), onde estava um meu antigo colega de escola, Carlos Afonso

Pára-quedistas em Galomaro desta vez em 1973.

Mais tarde tivemos mais mortos e feridos (zona de Cancolim e zona de Galomaro) e um desaparecido em Cancolim (António Manuel Ribeiro) que veio a aparecer por ter conseguido fugir em Março de 1974 de uma prisão do PAIGC, usando o rio Corubal para se guiar até ao Saltinho.

Posteriormente alguns soldados vieram para o nosso batalhão alguns por castigo, como o caso de um madeirense expulso dos comandos, que integrou o Pel Rec e pelo que vou contar, também se recorreu a agrupamentos disciplinares para reporem os nossos mortos e evacuados.

Belo dia juntamo-nos todos para ver o grupo de soldados que tinha chegado em rendição das baixas de Cancolim. O aspecto deles não era o melhor e o estado das fardas era representativo das vicissitudes por que tinham passado até ali chegar. Todos a roçar mais os 30 do que os 20 anos, eram o retrato vivo de soldados que a indisciplina, o azar ou quem sabe fruto de uma certa revolta os atiraram para castigos na maioria com passagem pelas prisões militares.

Um tinha agredido um superior, alguns refratários, etc... depois já sabe, ou não se sabe onde existe a verdade e onde ela acaba.

Nisto ouço ao meu lado uma exclamação: Olha o Lino!!!!! 

- É um moço lá do mê bairro e há anos que o não via! - Dizia o Caramba naquela forma tão peculiar de falar e dando a perceber com expressão do rosto, que o Lino era de primeira apanha.

O Lino também o reconheceu logo e fez-se ali uma festa com umas cervejas à mistura.

O Lino contou imensas peripécias e as inúmeras “porradas” que levou na Metrópole às quais juntava outras tantas já na Guiné, com passagens pelo presidio militar. Via-se que pela cara dele, que há muito tinha deixado de se vangloriar dos seus feitos e que esses lhe tinham custado demasiado caro.

- Lembras-te de quando atiravas bombas de carnaval ao polícia com a fisga?

Todos nos rimos imaginando o pobre policia a ser bombardeado sem saber donde lhe chovia. Outras patifarias onde o Lino era figura principal foram recordadas e está claro, que elas eram bem presentes na memória do Caramba, que delas sabia em primeira mão ainda moço.

O Lino bem como os outros lá foram no mesmo dia para Cancolim na coluna que regressava de Bafatá.

Nós, com mais de um ano de comissão, não ficamos indiferentes à sua passagem por Galomaro e ao seu especto físico e ar arruaceiro, o grupo mais fazia lembrar os “Doze Indomáveis Patifes”, um conhecido filme americano sobre a II guerra mundial.

Nessa mesma noite Cancolim é atacada e lá vai o Lino evacuado para Bissau com um ferimento numa perna. Nada de especial e acabou por regressar mas, se não estou em erro, foi mais tarde evacuado com uma ulcera no estômago e, desta vez sim, nunca mais o vimos.

Nunca me esqueci do seu aspecto, sem dentes, muito moreno, pequeno e magro com um rosto algo sofrido, irreverente que se desarmou ao ser por nós tratado com amizade. É que ali debaixo daquele sol tórrido, éramos todos iguais.

Nota de rodapé:
- Os pára-quedistas foram usados várias vezes na nossa zona em 1972 e 1973 em Cancolim onde reforçaram o próprio destacamento. Foram largados entre Galomaro e Saltinho (íamos buscá-los quando caimos numa mina com um morto) e posteriormente no eixo Cancolim, Dolumbi, Madina de Boé. Também o grupo do Marcelino da Mata fez operações a partir de Galomaro após o ataque a Campata.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro

terça-feira, 17 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9763: In Memoriam (117): Recordando o dia 17 de Abril de 1972 e a trágica emboscada de Quirafo (Juvenal Amado)

 

1. Em mensagem do dia 4 de Abril de 2012, o nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), enviou-nos este texto de homenagem aos camaradas da CCAÇ 3490 que morreram na emboscada de Quirafo, no dia 17 de Abril de 1972:





Pintura de autoria de Juvenal Amado para oferecer à Tabanca do Centro a fim de ser leiloada e assim ajudar alguém através daquela Tabanca.

"António Ferreira"

Homenagem do nosso camarada Mário Migueis ao 1.º Cabo TRMS António Ferreira morto durante a emboscado do Quirafo
Acrílico: © Mário Migueis da Silva (2010). Direitos reservados


COMO SE FOSSE UM FILME

Hoje nas suas fotos parados no tempo, olham-nos com uma censura muda. Os olhos parece que nos seguem. Perguntam-nos porque não aproveitamos para criar algo mais justo, mais fraterno, quando tivemos a oportunidade, que lhes foi negada a eles na flor da idade.

Se fosse nos States far-se-ia um filme, talvez um épico. Nunca podia ser com o John Wayne como actor principal, pois ele nunca morria nas fitas. Normalmente ele era o herói, que namorava a dona do Saloon e dava porrada em todos “maus”. No fim partia sempre rumo ao Sol poente, deixando a pobre com água na boca.
Por outras palavras ela casava com o cavalo, dizíamos nós a brincar.

Bem segundo parece, nunca esteve em combate de verdade, só usava a sua “bravura” para a propaganda militar, dando assim azo à fanfarronice e egocentrismo tão americano.

Uma bela imagem do Rio Corubal, no Saltinho. 

Foto retirada da página Encore de L'audace do nosso camarada Paulo Santiago, com a devida vénia

Escolhemos uma data?
Talvez 17 de Abril de 1972, numa picada repleta de sol numa Segunda-Feira.

Vão-se recomeçar os trabalhos interrompidos na Sexta-Feira na abertura da estrada, que talvez não fosse dar a lado algum, a não ser à sede de protagonismo de chefes militares.

Para que seria aquela estrada que ia na direção de locais em que nós não éramos visita desejada há muito tempo? Tinham-nos mandado fazer aquele serviço, para o qual talvez não tivessem sido devidamente avisados dos perigos, que era “cutucar a onça com vara curta”, como é uso agora dizer-se, que temos o português das telenovelas brasileiras, a assaltar-nos os sofás várias vezes ao dia. Depreciar o perigo resulta na sua duplicação como se viu.

Mas se fosse um filme nós sairíamos para a rua no final da sessão com os ouvidos cheios de tiros, explosões, a visão cheia actos heróicos e muitos mortos. Embora não tivéssemos visto, os “mortos” no fim de cada cena levantam-se, retocam o “sangue das feridas”, ajeitam os buracos nas fardas, pois talvez seja preciso repetir as filmagens naquela ou na outra cena de matança, quanto mais realista melhor para o êxito da fita.

Sabemos nós que há 40 ou 50 anos provámos da nossa própria angústia, que não se passa assim, que os mortos ficam mesmo mortos e o sofrimento é real para além do intolerável.

As viaturas roncam carregadas com soldados, trabalhadores, granadas, motosserras, gasolina e farnéis. A curva feita e desfeita tanta vez, desta vez albergava uma mortal surpresa.

A bocarra da morte estava ali à espera deles, como quem ri com escárnio da sua juventude, porque não se era jovem demais para morrer naquelas terras vermelhas e de sol impiedoso.

Apanhados de surpresa, as balas e canhoada atingem viaturas e rasgam as carnes, só escapa quem foge, quem se tenta refugiar é apanhado à mão. Sorte incerta para ele, certa para quem ficou estendido varado pelos tiros e metralha. A gasolina arde numa enorme fogueira, onde se mistura viatura e corpos sem vida.

Que sabemos nós dos seus últimos pensamentos?
Ter-se-ão apercebido da grande tragédia em que foram o actores principais?

As notícias do desastre chegam longe.
Quantos caixões?
Muitos!
Nem todos são brancos mas quais? E quem são?
Perguntámos nós.

Mais a cima as preocupações eram outras e perguntou-se “quantas viaturas”? Os homens substituem-se o equipamento compra-se.

Só muito mais tarde, se soube quem era quem, no desenlear as teias tecidas pela morte daquele dia. Mês de Abril das flores dos dias claros e pujantes, em que a natureza morta pelos rigores do Inverno, revive num ciclo imparável de Séculos. É a diferença, os homens que nos deixam, só regressam na nossa memória.

As romagens às suas campas, normalmente de exaltação patriota em data previamente marcada, não de introspecção, só servem alguns fins para o qual, nem eles nem as famílias foram tidos nem achados.

Resisto a olhar os olhos das fotos para sempre jovens, pois aquele olhar corta.

O silêncio, as flores, algumas de plástico, dão um ar de desolação e a certeza, de que há um fim até para saudade presente e dolorosa, porque a vida tem que seguir em frente para os ficam.

Despeço-me parafraseando aqui o titulo do poema do canto-autor Geraldo Vandré que "É P´ra Não Dizer Que Não Falei das Flores".

Dedicado aos camaradas da Companhia de Caçadores 3490,  mortos naquele dia fatídico de 17 de Abril de 1972, Saltinho.

Alferes Miliciano Armandino Silva Ribeiro - Magueija / Lamego
Furriel Miliciano Francisco de Oliveira Santos - Ovar
1.º Cabo Sérgio da Costa Pinto Rebelo - Vila Chã de São Roque / Oliveira de Azemeis
1.º Cabo António Ferreira [da Cunha] - Cedofeita / Porto
Soldado Bernardino Ramos de Oliveira - Pedroso / V. N. Gaia
Soldado António Marques Pereira - Fátima /  Ourém
Soldado António de Moura Moreira - S. Cosme  / Gondomar
Soldado Zózimo de Azevedo - Alpendurada / Marco de Canaveses
Soldado António Oliveira Azevedo - Moreira  / Maia (**)
Milícia Demba Jau - Cossé / Bafatá
Milícia Adulai Bari - Pate Gibel / Bafatá
Trabalhador Serifo Baldé - Saltinho / Bafatá
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9716: In Memoriam (116): O senhor Luís Henriques (pai do nosso editor Luís Graça), faleceu hoje, dia 8 de Abril de 2012, aos 91 anos, na Lourinhã (Tertúlia)

Sobre a emboscada de Quirafo, entre outros, vd. postes de:

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

(**) Originalmente dado como "desaparecido em combate", confundido com o António da Silva Batista (dado como morte)

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8485: Os nossos médicos (29): O arraial minhoto do Alf Mil Med Pinheiro Azevedo no Xitole, em 4 de Abril de 1972 (Joaquim Mexia Alves, CART 3492 / BART 3873, 1971/74)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 3942 / BART 3873 (1971/73)  > Empenagens de granadas de canhão sem recuo, recuperadas depois da primeira flagelação ao Xitole em 04.04.1972. Ao fundo vêem-se as valas que utilizávamos durante as flagelações.

Foto: © J. Mexia Alves (2009). Todos os direitos reservados





Viseu> 15 de Junho de 2007> Encontro do BART 3873 ( Bambadinca 71/74)> Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Casimiro Barata, António Silva, Álvaro Basto, António Barroso; Silva, Eduardinho, Lima Rodrigues, António  Azevedo (assinalado com rectângulo a amarelo); Maçães, Mourão, Ceia, Artur Soares e Carlos Nunes.

Foto (e legenda) : © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, aproveitando  este pequeno e feliz macaréu que foi a chegada, à nossa Tabanca Grande, mais um camarada doutor, o ex-Alf Mil Med José Pardete Ferreira (*):

De: Joaquim Alves [joquim.alves@gmail.com]
Enviado: quarta-feira, 29 de Junho de 2011 11:07
 Assunto: Falando de médicos


Meus caros editores: Como estamos a falar de médicos (*), envio-vos uma pequena história, que não sei se já contei aqui na Tabanca Grande.


O António Azevedo, não me leva a mal, tenho a certeza, por eu contar esta história, que foi ele próprio que a contou. O António Azevedo, médico, que o foi durante uns meses no Xitole, é uma pessoa excelente, que deixou saudades em todos nós e,  por isso mesmo, é um amigo que todos muito prezamos.


A história conta algo que, se calhar, alguns de nós vivemos assim mais ou menos parecida!


Lembro-me, como já uma vez contei aqui na Tabanca Grande, que no primeiro ataque na Ponte dos Fulas, salvo o erro, o meu pensamento ser qualquer coisa como:
- Aqueles gajos são doidos! Ainda matam alguém a disparar para aqui!


Enfim, a noção de guerra ainda era um "sonho"!


A fotografia [, acima,] mostra empenagens de granadas de canhão sem recuo, julgo que recolhidas no quartel do Xitole após a flagelação de 4 de Abril de 1972. Ao fundo, a chamada vala da "messe de oficiais", da qual se vê uma ponta do alpendre de entrada.


Um abraço bem camarigo e sorridente do
Joaquim Mexia Alves


2. Onde é o arraial ???
por Joaquim Mexia Alves


Num almoço que a CART 3492 teve em Monte Real, há dois anos, talvez, o António Azevedo, nosso médico, (que deixou saudades) (**), durante uns tempos no Xitole, contou-me a seguinte história que tenho a certeza não levará a mal que aqui a reproduza.

Conta ele que quando foi o primeiro ataque ao Xitole estava no exterior da "messe" de oficiais, e ao ouvir os sons das saídas de morteiro e canhão sem recuo, começou a olhar para o ar para ver onde era o "arraial", pensando estar em Viana do Castelo,  nas festas ou coisa parecida.

Conta ainda que se sentiu projectado no ar e caiu dentro da vala, comigo por cima!

Tinha sido eu que o tinha "atirado" para a vala,  ao dar-me conta que ele não percebia o que se estava a passar!

Se fosse hoje, com o meu peso,... esmagava-o!!!!


____________


Notas do editor:


(**) De seu nome completo, António Alfredo Viana Pinheiro Azevedo, natural do Porto, ou a viver e a trabalhar no Porto,  neurologista do Hospital Stº  António. É conhecido profissionalmente pelo apelido de família, Pinheiro Azevedo. 


A informação é do Álvaro Basto, que foi Fur Mil Enf da CART 3942 (Xitole).  No nosso blogue também aparece como António Alfredo Azevedo ou Alfredo Pinheiro Azevedo:


17 de Abril de 2009  > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)

(...) Ora, esta alegada constatação do Álvaro Basto, cuja presença no Saltinho, bem como a do Alf Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo, me passou despercebida no meio daquela verdadeira barafunda – pelo menos, não me lembro de os ter visto -, leva (ou pode levar) os leitores a concluírem que nenhum dos mortos terá sido identificado e os familiares a interrogarem-se mesmo sobre a realidade (o quê ou quem?) escondida naquelas urnas seladas, chumbadas, que um dia lhes remeteram para casa. (...)


(...)  P1985 (22/07/2007: “… O Álvaro Basto tem uma questão pertinente. No dia da emboscada, ele e o Alf Médico Azevedo, que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, a fim de passarem as respectivas certidões de óbito. O Dr Azevedo, apesar da insistência do Lourenço (capitão da CCaç 3490) recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados…”.(...)


(...) Não corresponde, pois, à realidade a ideia de que não terá sido possível a identificação dos corpos, conforme poderia inferir-se do teor do P4117. Na verdade, o Fur Álvaro Basto e o Alf Médico Alfredo Azevedo poderão não o ter conseguido fazer (e, se calhar, é justamente isso que o Álvaro pretende dizer), justificando-se perfeitamente a eventual recusa de emissão das certidões de óbito (não conhecendo pessoalmente as vítimas e perante corpos tão maltratados, mais não se lhes poderia exigir, mesmo disponibilizando-lhes os documentos de identificação, com foto, da totalidade das vítimas). Mas, outros puderam fazê-lo com segurança: traços fisionómicos e/ou outros característicos permitiram, felizmente, esse reconhecimento, pelo que não havia razões para inventar nada, como terá sido o caso em situações análogas (constava, não sei se de facto existiram) verificadas nos três teatros de operações. De qualquer modo, acredito que, na Guiné, durante o consulado de António de Spínola, isso seria absolutamente desaconselhável de tentar, dado o pendor patriarcal do General e a sua reputação de Comandante-Chefe implacável para com os incompetentes e irresponsáveis. (...).








(...) [Comentário a este poste] Mensagem do Álvaro Basto, nosso prezado camarada, que é trambém um dos animadores da Tabanca de Matosinhos, e que foi Fur Mil Enf, na CART 3492 (Xitole e Ponte dos Fulas, 1971/74)















Luis: Excelente texto, este do Mário Miguéis a quem na passada quarta-feira tive o prazer de conhecer pessoalmente embora não o relacionando nem de perto nem de longe com este assunto. O esforço pela síntese da verdade na amálgama de tanta informação, alguma até contraditória, é merecedora do nosso mais vivo respeito e daqui quero expressar-lhe desde já os meus parabéns.















Muito do que tenho procurado transmitir tem sido ventilado com o Dr. Pinheiro Azevedo com quem continuo a ter excelentes relações e que por diversas vezes tenho tentado trazer à liça com as suas informações obviamente credíveis e esclarecedoras.















Adianto que irei uma vez mais insistir para que, também ele, dê o seu contributo esclarecendo e confirmando alguns dos aspectos mais relevantes desta tragédia especialmente no que concerne à identificação dos corpos. 















O horror dessa tarefa teve em mim duas acções contraditórias no tempo, por um lado nunca mais esqueci as suas imagens mais gerais e por outro (se calhar ditado pelo meu inconsciente), o de ter esquecido muitos dos pormenores.















Ficou-me com especial nitidez a imagem do [Alf] Armandino que jazia inanimado em cima de um unimog e os corpos mutilados e carbonizados nas casas de banho. Recordo-me da dificuldade que reinava em reconhecer muitos deles. Recordo-me que dois deles estavam especialmente mal tratados e que não haveria concenso quanto a saber-se quem era quem. Acho que o Dr. Alfredo Pinheiro Azevedo se recusou mesmo a assinar as respectivas certidões de óbito desses dois tendo-me contado que, mais tarde, em Bissau de partida para férias, foi confrontado com a insistência do Capitão Lourenço e tanto quanto sei do primeiro sargento da companhia que queriam.... arrumar aquela papelada... tendo-se no entanto este mantido firme e não tendo assinado... 















Mas para evitar mais especulações estou a mandar cópia deste mail ao Dr. Alfredo Viana Pinheiro Azevedo com um pedido solene aqui expresso de se pronunciar.... Esperemos que ele se decida a faze-lo depois de ler a síntese do Miguéis no Post 4194 e no Post 4200.Um grande Alfa Bravo. Álvaro Basto (...)







  

Em 2008, o Dr. Pinheiro Azevedo estava também registado como investigador do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto (UP)


Fica uma dúvida:


 (i) o Joaquim Mexia Alves diz que ele, Dr. António   Azevedo, ou Pinheiro Azevedo [, foto da época, à esquerda], pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), que tinha companhias sediadas em Xitole (CART 3492), Mansambo (CART 3493) e Xime (CART 3494); 


(ii) o Álvaro Basto garante-me que o médico em causa (Dr. Pinheiro Azevedo) pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), com companhias em Cancolim (CCAÇ 3489), Saltinho (CCAÇ 3490) e Dulombi e Galomaro (CCAÇ 3491)...



22 de Julho de 2007  > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

(...) O Álvaro Basto tem uma questão pertinente. No dia da emboscada, ele e o Alf Mil Médico Azevedo [, foto actual à direita], que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, afim de passarem as respectivas Certidões de Óbito. O Dr Azevedo, apesar das insistências do Lourenço [, capitão da CCAÇ 3490], recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados.

Pergunta o Álvaro e agora também eu [, Paulo Santiago,] pergunto :
- Quem assinou as ditas certidões? (...)