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quinta-feira, 2 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16158: Dossiê Guileje / Gadamael (26): É minha convicção que, se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído (Manuel Reis, ex-alf mil cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74)

1. Comentário de Manuel Augusto Reis [, ex-alf mil  cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74], a  propósito do poste P16152 (*).

O texto foi enviado para a nossa caixa de correio, tendo nós a devida autorização para o publicar como poste, numa série que tem estado  parada há... quatro anos (Dossiê Guileje / Gadamael) e que suscitou muitas dezenas de comentários, nem todos serenos, como deveria ser timbre do nosso blogue.  (***)

O poste do António Martins de Matos foi reencaminhado, mal foi publicado, para um conjunto de camaradas e amigos da Guiné, grã-tabanqueiros, que se têm interessado pelo dossiê Guileje/Gadamael, quase todos protagonistas dos acontecimentos (ou que, em outros tempos, passaram por Guileje e/ou Gadamael, e que têm escrito sobre a guerra no sul da Guiné).

Trata-se, de resto, de um dossiê que nunca ficará encerrado, tão cedo,  por nos  faltar  a competente investigação historiográfica, de base científica, rigorosa, plural, contextualizada e comparada. 

Todos nós, portugueses (mas também os guineenses),  temos "velhas contas por saldar", fantasmas por exorcizar, ganhos e perdas a contabilizar e consolidar, ódios e amores mal resolvidos, histórias por contar, análises de custo-benefício, etc. Não vai ser na nossa geração que a gente vai decididamente "arrumar" esta parte da história pátria...

Mas, enquanto os arquivos continuam em silêncio (e eles nunca falarão se não forem tratados,   disponibilizados e explorados pelos investigadores...) , os protagonistas, de um lado e do outro, vão desaparecendo, vão morrendo ou envelhecendo... Estamos todos cansados (da guerra, da vida, da Pátria, do blogue, etc.) e alguns de nós optaram já por se calar de vez, ao que parece, ou então deixaram-se cair na perigosa armadilha do cíclico nacional pessimismo. De resto, os portugueses são um povo bipolar, dado a euforias e depressões...

O Manuel Reis, no seu mail, via este seu comentário como um mero "desabafo"... Respondi-lhe em tom de brincadeira: "Camarada, o teu 'desabafo' também é para a história.. Vou publicá-lo, se mo autorizares. E dou conhecimento dele, desde já, ao nosso camarada e amigo AMM... Tudo o que se escreveu e a vier escrever  sobre Guileje e Gadamael ainda é pouco... E já não temos muito tempo, que 'a vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugitiva, a experiência enganadora, o juízo difícil',  como diria o médico grego Hipócrates, pai da medicina ocidental  (Aforismos, Séc. IV/V a.C.).

A nós, que fomos protagonistas de uma guerra, depois de fazê-la. mal ou bem, por terra, ar e mar, compete-nos falar dela e escrever sobre ela, mal ou bem... Atores, não podemos ser juízes, mas podemos ter opinião, individualizada...   O  Manuel Reis foi o primeiro a responder  ao nosso desafio. E espero que não seja ele a encerrar de vez o "dossiê Guileje / Gadamael" que tem sido, afinal, um belo exemplo da pluralidade  (em termos de  conhecimentos,  memórias,  perceções, valores, sentimentos, emoções, etc,) que faz a riqueza e a originalidade da nossa Tabanca Grande... Aqui cabemos todos,  com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos separa... (LG)
_____________________

De: Manuel Augusto Reis  
Data: 1 de junho de 2016 às 14:50

Assunto: Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Caro amigo António Matos,

Gostei imenso do teu texto,  muito esclarecedor,  sobre os tempos complicados de Guileje e Gadamel. Muito conversámos sobre isto nos almoços-convívios da Tabanca do Centro. Algumas discordâncias mantêm-se e assim vai continuar a ser. Só me referi ao que vi, tanto em Guileje como em Gadamael. Tu ofereces-nos uma visão mais ampla e mostras-nos outros métodos de actuação da Força  Aérea  e outras estratégias do PAIGC.

Dizer que Gadamael tinha sido apanhado de surpresa não é verdade. Gadamael, através do seu Comandante, conhecia o dia a dia de Guileje, naqueles dias turbulentos, e o Comandante do COP5 foi-o informando, mesmo pessoalmente, quando se deslocou a Bissau. Inclusivamente assistiu à tomada de decisão do Comandante do COP5, pois estava presente em Guileje, embora muito contrariado.

O Comandante do COP 5 [. o major art Coutinho e Lima,] tudo fez para aguentar Guileje. Deslocou-se a Bissau, em missão arriscada, à procura de ajuda. Regressou de mãos a abanar, mas regressou. Como era fácil provocar uma situação anómala e ficar retido, deixando o odioso para outro que o fosse substituir!. Mostrou um brio profissional invulgar ao não abandonar os seus militares. A tomada de decisão foi devidamente ponderada, a situação que se vivia no aquartelamento devidamente escalpelizada e os riscos de semelhante decisão calculados. Não deixou de referir que a sua vida tinha terminado aí.

Em Gadamael cabíamos todos, não havia falta de espaço e é errado responsabilizar Guileje sobre o sucedido em Gadamael. Novo Comandante [, cor pqdt  Rafael Durão], material humano em duplicado e 9 dias para preparar o embate, previsível.

O que foi feitio? Melhoraram-se as valas e fizeram-se patrulhamentos diários, de resultados nulos, apesar dos contactos frequentes com o PAIGC, de que resultaram alguns feridos leves.

A gravidade da situação de Gadamael foi mal avaliada, como o já havia sido em Guileje. O novo Comandante do COP5, a partir do dia 22 de Maio, parte no dia 31 de manhã para Cufar [. sede do CAOP1,],  julgando que a situação de Gadamael estava controlada. Regressa de imediato, na manhã do dia 1 de junho, mas nada há a fazer. Aliás a presença dele em nada alteraria o rumo dos acontecimentos. Não há homens no aquartelamento, nem material capaz de se opor à violência dos ataques do PAIGC. Algum desespero apodera-se de alguns Comandantes e acontecem desastres imprevistos. (**)

Meu caro amigo, no essencial estou de acordo contigo. Gadamael tremeu mas não caiu e tal se deve à actuação do Batalhão de Paraquedistas [, BCP 12,] e à actuação EFICAZ da Força Aérea. Como homem no terreno, é minha convicção que se as Forças Paraquedistas demorassem mais 2 ou 3 dias, não era preciso mais, Gadamael teria caído com estrondo, aprisionando ou matando tudo o que lá se encontrava.

Falei do que sabia, opinei sobre o vi. A tua perspectiva é mais global e interessante e entronca na situação política.  

Um forte abraço,
Manuel Reis.



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 2769 (Gadamael e Quinhamel, de janeiro de 1971 a outubro de 1972) > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971. Foto do cor art ref António Carlos Morais da Silva, e por ele gentilmente cedida ao nosso camarada Manuel Vaz.

Foto: © Morais da Silva (2012) Todos os direitos reservados.[Edição: LG].
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Notas do editor:

(**) Todos os postes anteriores desta série:

12 de dezembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5450: Dossiê Guileje / Gadamael (18): Estive 18 horas em escuta nesse dia fatídico para o Sr.Tenente Pessoa e a FAP, em 25 e 26 de Março de 1973 (Victor Affaiate)

11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)

9 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5434: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (16): Guileje não caiu, foi abandonado (José da Câmara)

7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4736: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (14): Na minha opinião pessoal, o Major Coutinho Lima foi um Herói! (Amílcar Ventura)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4634: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito a contar a minha versão... (Constantino Costa)

14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4344: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (12): Homenagem dos Homens Grandes de Guiledje a Coutinho e Lima (Camisa Mara / TV Klelé)

5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)

1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4035: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (8): Amigo Paiva, confirmas que fomos vítimas de ameaças e pressões (Manuel Reis

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15217: História de vida (42): Clube dos Octogenários - Narrativa de 80 anos de vida (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 17 de Setembro de 2015:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto envio o texto em epígrafe, no qual relato a minha vida, com relevo para a vida militar e dou algumas informações relativas ao próximo livro que comecei a escrever.

Um Abraço Amigo
Coutinho e Lima

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CLUBE DOS OCTOGENÁRIOS

Narrativa de 80 anos de vida

Ao entrar, por direito próprio, no Clube dos Octogenários, entendi fazer o que agora se designa como “narrativa” dos meus 80 anos de vida. É o que se segue.

Nome: Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Nascimento: 21 de Setembro de 1935
Local: Freguesia de Vila Fria – Concelho de Viana do Castelo
Instrução Primária: 4 Classes, na Escola Primária de Vila Fria
Ensino Secundário: 5 anos no Liceu Nacional de Viana do Castelo 6.º e 7.º anos, no Liceu Camões, em Lisboa


Vida militar, postos, colocações e funções

Escola do Exército – 1953/56 
- 53/54 – Curso Geral Preparatório, no Aquartelamento da Amadora

- 54/56 – Curso de Artilharia, em Gomes Freire


Tirocínio para Oficial – 56/57 – na Escola Prática de Artilharia (EPA), em Vendas Novas.
Tive o privilégio de ter, como Comandante da Bateria de Instrução, o Sr. Capitão de Art.ª ERNESTO PASSOS RAMOS, um dos mais prestigiados Oficiais do Exército Português. Foi barbaramente assassinado pelo PAIGC (era Major), juntamente com outros Oficiais, em Abril de 1970, na região de Pelundo/Jolmete – Guiné.


Alferes e Tenente – 1957/61

- Regimento de Artilharia Pesada n.º 2 – Serra do Pilar – V. N. de Gaia.

Durante este período, frequentei:
- Curso de Observador Aéreo de Art.ª na EPA e Base Aérea 3 – Tancos .
- Curso de Instrutor de Educação Física Militar, no CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), em Mafra.


Capitão – 1961/70 

- Regimento de Artilharia Ligeira n.º 2 – Coimbra

- CMEFED

- CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné) – 1.ª Comissão – 63/65
Comandante da CART (Companhia de Artilharia) n.º 494 - Gadamael

- CMEFED

- CTIG – 2.ª Comissão - 68/70
Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe - Bissau

- Academia Militar


Major – 1970/76 

- Academia Militar

- CTIG – 3.ª Comissão (72/74)
Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama - Director de Instrução
Comandante do Comando Operacional n.º 5 (COP 5) – Guileje
Bissau - Prisão Preventiva (MAI 73/MAI 74), como consequência da Retirada de Guileje

- Estado Maior do Exército – 5.ª Repartição

- Quartel General da 3.ª Divisão – Santa Margarida – Chefe de Estado Maior (CEM)

- Academia Militar – Gabinete de Estudos

- Escola de Artilharia dos Estados Unidos da América – Fort Sill, Oklahoma
Curso Avançado de Artilharia – Field Artillery Officer Advanced Course (2-76)


Tenente Coronel - 1977/82 

- Academia Militar

- Comando da Área Ibero-Atlântica (COMIBERLANT) – Oficial de Pessoal e Segurança (JUL 77/NOV 80)

- Quartel General da Região Militar dos Açores (QG/ZMA) - CEM

- Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e Costa (CIAAC) – 2.º Comandante


Coronel – 1982/89

 - Direcção do Serviço de Educação Física do Exército (DSEFE) – Inspector

- QG/ZMA – CEM

- DSEFE – Inspector

Passagem à situação de Reserva – 1 de Setembro de 1989

Passagem à situação de Reforma – 1 de Setembro de 1995


Desempenho de funções não militares

- Director de Segurança do Metropolitano de Lisboa – 1989/1997

- Presidente da Direcção da Casa do Minho em Lisboa – 1988/89; 1992/93

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Depois desta descrição, penso que posso concluir que tive, durante 80 anos, uma vida militar muito variada e intensa, tendo aprendido sempre em todas as situações e circunstâncias.

Nas actividades, em tempo de paz, saliento as dedicadas à Educação Física: Curso de Instrutores no CMEFED (58), onde fui Instrutor em 62/63 e 65/68; mais tarde prestei serviço na DSEFE, antes e depois de ter sido, com o Posto de Coronel, CEM do Q/ZMA; na DSEFE desempenhei a função de Inspector.

Na guerra, têm especial relevância as 3 Comissões, por imposição, na Guiné, nas quais conheci os 3 Comandantes-Chefes: Senhores Generais ARNALDO SCHULZ, ANTÓNIO DE SPÍNOLA e BETTENCOURT RODRIGUES.  Por esta razão, tive oportunidade de verificar a evolução da guerra: no que respeita o IN, desde o baptismo de fogo, em 17 SET 63 (primeiro dia da CART 494, que eu comandava, em Ganjola – Norte de Catió) – 1.ª Comissão, até ao ataque em força a Guileje (3.ª Comissão), no período de 18/22 MAI 73, onde eu era o Comandante do COP 5.

Relativamente à actividade operacional, na 1.ª Comissão, a CART 494 (integrada no BCAÇ 513 – sede em Buba), ocupou a localidade de Gadamael (com um destacamento em Ganturé), materializando no terreno a Missão atribuída ao Batalhão, pelo Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, de ocupar a fronteira Sul com a Rep. da Guiné Conacri. As outras posições ocupadas pelas NT foram Guileje, Sangonhá (com um destacamento em Cacoca) e Cameconde - destacamento da Companhia com sede em Cacine.

Na 2.ª Comissão, como Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe, em Bissau, (era Comandante-Chefe o Sr. General Spínola), tive oportunidade de viver a outra face da guerra, esta muito mais confortável.

Na 3.ª Comissão, (ainda era Comando-Chefe o Sr. General Spínola) com o posto de Major, comecei por ser Director de Instrução do Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama e a seguir Comandante do COP 5, em Guileje; em 22 MAI 73, decidi retirar desta localidade todos os militares, milícias e população, por ter considerado, face à negação de reforços, solicitada ao Comando-Chefe, conjugada com a intensa e constante pressão do IN (37 flagelações em 80 horas), a posição insustentável.

Como consequência, foi ordenada a minha prisão preventiva, com a instauração de um auto de corpo de delito.

Sobre este assunto escrevi o livro “A Retirada de Guileje”.

Presentemente, estou a escrever um 2.º livro (ainda na fase inicial), cujo título será “As minhas 3 Comissões, por imposição, na Guiné”.

Relativamente à 3.ª Comissão, não faz nenhum sentido e não o farei, repetir o que consta no livro já publicado. Nestas condições, é minha intenção:

- incluir no próximo livro, cópia da “Acta da Reunião de Comandos realizada em 15 de Maio de 1973, no Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, em Bissau” ; é um documento da maior importância, que será objecto de dois comentários: um sobre o seu conteúdo geral; outro analisando a decisão da retirada de Guileje, face ao que consta, na referida acta, das declarações de alguns dos participantes, nomeadamente o Sr. Comandante Adjunto Operacional e os Senhores Chefes das Repartições de Informações e Operações;

- publicar as críticas, positivas ou negativas, que chegaram ao meu conhecimento, sobre “A Retirada de Guileje”; das críticas negativas, algumas muito contundentes, destaco as de 4 Senhores Oficiais da Força Aérea (todos Pilotos Aviadores): 3 Oficiais Generais e 1 Tenente Coronel;

- solicitar, a todos os militares que estavam em Guileje, no período de 18/22 MAI 73, uma opinião sobre a decisão de retirar de Guileje, se assim o entenderem.

Importa referir que, destes militares, apenas um apresentou no nosso blogue, uma crítica, muito severa, sobre este assunto – Soldado Constantino Costa; embora eu lhe tenha respondido, a opinião deste militar perde toda a credibilidade, ao afirmar que os relatórios de operações da Companhia eram todos iguais (qualquer que fosse a missão), apenas mudava a data e que, depois do 25 de Abril (na sua designação 25 A), fora eleito representante dos Oficiais, Sargentos e Praças da Companhia, junto da estrutura do MFA na Guiné; tais afirmações, como terei oportunidade de provar, são puras mentiras.

Aproveito esta oportunidade para sugerir aos componentes da nossa Tabanca Grande, se assim o entenderem, que me façam chegar a sua opinião sobre a decisão que tomei de retirar de Guileje, para serem incluídas no meu próximo livro.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13945: (Ex)citações (252): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (4) (Coutinho e Lima)

1. Conclusão do comentário feito pelo nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado no Blogue "O Adamastor":


2.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné, Guileje e o desnorte do reino" (2)

Qualquer pessoa minimamente informada sobre o que se passava na altura, na região, podia prever, com grande probabilidade de acertar, que o PAIGC, logo que entrasse em Guileje, deslocaria todo o seu dispositivo para Gadamael, tanto mais que tinha ainda uma grande reserva, nomeadamente de munições da armas pesadas, que podia utilizar contra o novo objectivo.

Em minha opinião, impunha-se, ao novo Comandante do COP 5, em Gadamael - Sr. Coronel Durão, promover as seguintes acções:

1. Evacuar, o mais rapidamente possível, a população de Guileje para Cacine, porque em Gadamael só atrapalhava e não tinha nenhumas condições para ali permanecer.
2. Solicitar, de imediato, o reforço urgente de Gadamael, com tropa especial, para impedir, ou no mínimo, criar as maiores dificuldades ao In na fase de instalação do seu dispositivo. Logo que chegasse o reforço, evacuar, para Cacine os militares que estivessem em piores condições, não só para permitir a sua recuperação, como aliviar a sobrelotação da guarnição.
3. Melhorar as defesas do aquartelamento.
4. Patrulhar a zona de acção, com a intensidade possível.

Das 4 acções indicadas, tenho a certeza que a 4.ª foi efectuada.
Relativamente à 3.ª, admito que tenha havido alguma actividade.
As duas primeiras não foram promovidas.

Foi com as tropas no estado em que o Sr. Coronel Durão descreveu e nas situações física e psicológica indicadas pelo médico, que o Sr. Comandante do COP 5 preparou a guarnição para a acção, mais que provável, do PAIGC sobre Gadamael.

Nos diversos patrulhamentos efectuados no período de 22/31MAI, verificaram-se alguns contactos com o In que, compreensivelmente, se furtava ao contacto porque, estando numa fase de implantação do seu dispositivo de ataque, era essa a conduta mais apropriada aos seus objectivos.
Não foi este o entendimento do Sr. Coronel Durão, porque no dia 30 MAI, foi para Cufar (saiu de Gadamael, via fluvial) onde assumiu o Comando do CAOP 3 (Comando de Agrupamento n.º 3), ficando a comandar o COP 5, em Gadamael, o Sr. Capitão Comando, Ferreira da Silva, que tinha chegado nesse mesmo dia 30MAI.
Esta mudança de Comando deve ter sido proposta pelo Sr. Coronel Durão. Se este previsse o que iria acontecer, seguramente que não teria saído naquela data.
Penso que o Sr. Coronel Durão, durante o período em que comandou o COP 5, em Gadamael (22/30MAI73), não pediu nenhum reforço ao Comando-Chefe, pois se isso tivesse acontecido, tal reforço teria sido atribuído.

E pode perguntar-se qual a actuação do Comando Chefe e do seu Estado Maior, no período de 22/31MAI73.

Em 16MAI73, a CCAÇ 3566 (Empada), comunicou por mensagem à REF/INFO do Comando Chefe, “ a presença de carros de combate, na fronteira”, possivelmente para actuar sobre Gadamael, onde a configuração do terreno, mais aberta, era propícia aqueles veículos.

A própria REP/INFO, no seu PERINTREP (Relatório Periódico de Informações) n.º 21/73, (período de 20/27 MAI 73), referia:

“ …INIMIGO
…sendo provável que o IN continue a flagelar… ou GADAMAEL, com a Artilharia de KANDIAFARA, instalando bases de fogos na Rep. Guiné. De assinalar, ainda, os reconhecimentos efectuados ultimamente na área de GADAMAEL, constituindo possível indício de uma acção em força.”

Não obstante tudo isto, nomeadamente a última transcrição, o Comando-Chefe, que, seguramente, tinha muito mais informações do que o Comandante do COP 5, em Gadamael, como é óbvio, não tomou a iniciativa de enviar, para esta guarnição, o reforço que se impunha.

Em 31MAI73, pelas 14H00, o In iniciou as intensas flagelações a Gadamael; até às 18H00 do dia 02JUN73 caíram no aquartelamento cerca de 700 granadas, que provocaram às Nossas Tropas 5 Mortos e 14 Feridos (entre estes os 2 Capitães, Comandantes das Companhias de Gadamael e da que tinha vindo de Guileje), além de avultados danos materiais.

No início da acção do In, a maior parte dos militares e a população saíram para fora do quartel e espalharam-se pelas margens do rio a caminho de Cacine, sem que se conheça, verdadeiramente, o que provocou tal procedimento.

No dia 01JUN, aterrou um helicóptero, em Gadamael, transportando o Sr. Coronel Durão, o Sr. Capitão Manuel Monge e o Sr. Capitão Caetano; o primeiro, depois de inteirar da situação regressou a Cufar, tendo os outros ficado em Gadamael, tendo o Sr. Capitão Monge assumido o Comando do COP 5.

No dia 02JUN, deslocou-se a Gadamael, de helicóptero, o Sr. General Spínola, acompanhado do Sr. Coronel Durão. Pouco depois de aterrar, tiveram que se abrigar numa vala, em consequência do início de mais um flagelação do In. Aproveitando um pequeno interregno do bombardeamento, embarcaram rapidamente. Imediatamente após a descolagem, caiu uma granada, no preciso local onde estivera o helicóptero.

Foi entretanto accionado o reforço, tendo chegado a Gadamael no dia 03JUN a Companhia de Caçadores Paraquedistas 122 (CCP 122), vinda de Cufar (Sector do COP 4); com esta veio o Sr. Major Pára Mascarenhas Pessoa, que assumiu o Comando do COP 5.
No dia 05JUN voltou o Sr. Coronel Durão, reassumindo o Comando do COP 5, até ao dia seguinte quando voltou para Cufar.
No dia 06JUN, chegou a Gadamael a CCP 123, acompanhada do Sr. Ten. Cor. Araújo e Sá, que passou a comandar o COP 5; mais tarde, juntou-se-lhes a CCP 121, que até 31MAI estivera de reforço a Guidage.
Desta forma, o BCP 12 (Batalhão de Caçadores Paraquedistas 12), com as suas 3 Companhias, esteve de reforço a Gadamael.

Não quero deixar de referir que o COP 5, em Gadamael, no período de 15 dias (22MAI/06JUN73), teve 6 Comandantes:
22/30MAI - Sr. Cor. Durão
30MAI/03JUN - Sr. Capitão Ferreira da Silva
01/03JUN - Sr. Cor. Monge
03/05JUN - Sr. Major Pessoa
05/06JUN - Sr. Coronel Durão
A partir de 06JUN - Sr. Ten. Cor. Araújo e Sá

Foi, seguramente, um recorde absoluto, fruto da indecisão do Comando-Chefe sobre Gadamael.
Apesar do considerável e muito importante reforço do Batalhão de Caçadores Para-quedistas (BCP) 12, apresentou-se em Gadamael, em 10JUN, o Sr. Major Leal de Almeida, enviado de Bissau, com a missão de preparar a retirada de Gadamael, que acabou por não se efectuar.

É de toda a justiça realçar a brilhante actuação do BCP 12, em Gadamael, sem a qual, estou certo disso, a guarnição não tinha condições para resistir à acção em força do PAIGC.

Para concluir esta análise sobre Gadamael (porque não estive lá, socorri-me, principalmente, das informações dos Oficiais da Companhia que veio de Guileje, bem como de alguns documentos oficiais), a minha opinião é que o que ali aconteceu foi por NEGLIGÊNCIA e INCOMPETÊNCIA, quer do Sr. Coronel Durão, quer do Comando-Chefe e seu Estado-Maior, pois nenhuma destas entidades teve a capacidade de prever o que, após a retirada de Guileje, tinha grande probabilidade de se verificar, no que respeita à actuação do PAIGC.
Se Gadamael tivesse sido devidamente reforçado, logo a seguir à retirada de Guileje (22MAI 73), tenho a firme convicção que a actuação do In, a verificar-se, teria tido para as NT, consequências bem menos gravosas.

Comparando a actuação do Comando-Chefe e seu Estado-Maior em Guidage, Guileje e Gadamael, a minha conclusão é:

Guidage - COMPETENTE
Guileje - NEGLIGENTE E INCOMPETENTE
Gadamael - NEGLIGENTE e INCOMPETENTE (até ao dia 03JUN73) - REFORÇO ADEQUADO (após 03JUN73)

Na guerra dos 3 Gs, não há nenhuma dúvida que Guileje foi o “parente pobre”, porque não teve direito a qualquer reforço.

Na parte final deste longo comentário, vou indicar documentos que relatam o conhecimento que o Comando Chefe tinha das intenções do PAIGC relativamente a Guileje, bem como a análise da situação feita na Reunião de Comandos, realizada em 15MAI73, em Bissau.

O processo de que fui alvo e na sua folha 608, pode ler-se uma cópia do seguinte documento CONFIDENCIAL, com data de 27DEZ72 (anterior à criação do COP 5 - 08JAN73) :

“ EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO N.º 108
271800DEC72
DE: MAMADU BALDÉ - SEXO: MASCULINO - IDADE: 25 ANOS
GRUPO ÉTNICO: FULA - NATURALIDADE: CACINE - ESTADO: SOLTEIRO
………………………………………………………………………………………………….


INTENÇÕES DO INIMIGO …………………………………………………………………………………………………..

2. NA FRONTEIRA: 
Refere que o In pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no Corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Art.ª na RÚSSIA, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar essa acção.

MODOS DE ACTUAÇÃO

Os chefes sabem que nas flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada da Artilharia.
Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. 
Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficam a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção, em correcções angulares. 
Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bases de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.
………………………………………………………………………………………………………………………………”.

Este documento, por mais estranho que pareça, não me foi dado a conhecer, pela REP/INFO do Comando-Chefe, após a minha nomeação para Comandante do COP 5, como era sua obrigação.

Se tivesse tido conhecimento do seu conteúdo, teria apresentado a absoluta necessidade de reforçar Guileje, com o objectivo de impedir ou, no mínimo, dificultar ao máximo, as intenções do In, porquanto os efectivos de que o COP 5 dispunha, não eram, nem suficientes, nem adequados para o efeito.

Mesmo que não me fosse atribuído qualquer reforço, o conteúdo do documento esta-ria sempre nas minhas preocupações e tudo teria feito para contrariar a intenção do In, dentro das possibilidades de que dispunha.

E é lícito perguntar qual o tratamento que tal documento teve por parte da REP/INFO do Comando Chefe. Esta tinha possibilidades e meios para confirmar o que nele era relatado; nem no processo, nem em outra qualquer fonte há informação de que tal tenha sido feito. Se a REP/INFO não procedeu, neste caso, como lhe competia, fez mui-to mal. As intenções do In confirmaram-se plenamente, culminando com a acção em força iniciada em 18MAI73.

Outra pergunta pertinente é a seguinte:  
Como é que um documento tão comprometedor para o Comando Chefe (por, aparentemente, não lhe ter dado a devida atenção), foi parar ao processo?

Em 30JUN73 fiz um requerimento ao Senhor Comandante Chefe das Forças Armadas da Guiné, solicitando que me fossem fornecidas cópias de diversos documentos, que considerava importantes para a organização e fundamentação da minha defesa.

Este requerimento foi objecto do seguinte despacho:

“… Os documentos solicitados devem ser entregues ao oficial de polícia judiciária mi-litar para serem apensos ao auto de corpo de delito, devendo o Major Coutinho e Lima deles tomar conhecimento através daquele oficial…”

Para cumprimento deste despacho, foram entregues ao Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar (PJM), para serem juntos ao auto de corpo de delito 124 documentos, que foram apensos ao processo, constituindo as folhas 485 a 627, sendo que o documento referido é a folha 608.

Incluído num conjunto de 124, tal documento passou despercebido, não tendo mereci-do a atenção de ninguém, nomeadamente do Sr. Oficial da PJM; se este o tivesse lido, certamente não seria apenso ao processo, por motivos óbvios.

Acta da reunião de Comandos realizada, em Bissau, em 15MAI73

Em 15MAI73, teve lugar no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, sob a presidência do Sr. General António de Spínola, uma reunião de Comandos, na qual participaram os Senhores Comandantes dos 3 Ramos das Forças Amadas - Exército, Marinha e Força Aérea, o Sr. Comandante Adjunto Operacional. o Sr. Chefe de Estado-Maior do Comando-Chefe e os Senhores Chefes das Repartições de Informações (REP/INFO) e de Operações (REP/OPER).

A acta dessa importante reunião, com 63 páginas encontra-se no Arquivo Histórico Militar e já foi difundida no nosso blogue.

Dessa acta, transcrevo, a seguir, algumas declarações

O Sr. Comandante Adjunto Operacional - Sr. Brigadeiro Leitão Marques, afirmou:

"..............
No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o IN está a preparar as necessárias condições de destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica - isto está já ao alcance das suas possibilidades militares.
Quanto às vantagens para a manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa.
..............
Assisti ao pressionamento psicológico ao povo americano, por causa dos seus prisioneiros no Vietnam do Norte durante quatro anos e senti em toda a sua profundidade o efeito desmobilizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação, apesar de todo o poderio militar americano.
O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante?
................."

Nota - Os sublinhados são meus.

Da intervenção do Sr. Chefe da REP/INFO ( Sr. Ten Cor. de Inf.ª Artur Baptista Beirão), transcreve-se:

"...........
No imediato, julga-se que o IN:
..........
intente uma acção tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL. GUILEJE e/ou BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a este tipo de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições;
..........
Num futuro próximo, prevê-se que o IN, partindo do clima de denso agravamento que a sua actividade imediata proporcionará:
_ tente a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções isoladas de tipo convencional;…
...........
Resta referir, a finalizar, ...não permitem, como desejaria, uma melhor adjectivação das zonas preferenciais de esforço do IN...
...e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o TO, sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta área de preocupação, na qual dificilmente se podem, no momento, visualizar priorizações.
..........."

Da intervenção do Sr. Chefe da REP/OPER (Sr.TCor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida), transcreve-se:

"............. 
Se não forem concedidos os reforços solicitados as armas que permitam às NF enfrentar o IN actual
.........
julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais e que permitam, à luz de outras concepções de manobra, desencadear mais tarde acções ofensivas de grande envergadura para recuperação das posições enfraquecidas, ou estruturar uma manobra de feição caracterizadamente defensiva baseada na implantação de um certo número de pontos de apoio a sustentar a todo o custo. Mas neste caso, as missões actualmente dadas às NF, em termos de protecção das populações e apoio ao esforço principal da manobra de contra- subversão centrado na manobra sócio-económica, teriam de ser revistas.
...........
A ameaça de utilização, pelo IN, de carros de combate, em golpes de mão sobre as guarnições de fronteira, aconselha a, desde já, dotar, pelo menos as guarnições indicadas pela Repartição de Informações como mais susceptíveis de ataques deste tipo, de meios que permitam a sua defesa anti-carro. Com o armamento que possuem e com o pessoal treinado para o tipo de guerra que temos enfrentado até ao presente, as guarnições apresentam-se impotentes e inaptas para fazer face à nova ameaça."

Lembra-se que, na data (15MAI73), em que se realizou a Reunião de Comandos, já estava em curso, desde 08MAI, o ataque do PAIGC a GUIDAGE: É bastante estranho que, na acta da referida reunião não apareça nenhuma alusão a tal acontecimento.

As transcrições atrás indicadas, merecem-me os comentários seguintes.

Acerca da intervenção do Sr. Brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional que, em 22MAI73, foi nomeado, pelo Sr. General Comandante-Chefe para proceder a auto de corpo de delito contra mim. Se eu tivesse conhecimento desta acta de Reunião de Comandos, quando fui por ele ouvido, em 31MAI73, perante a última pergunta:

"Quando decidiu retirar tinha ponderado os altos prejuízos para a Nação resultantes desse procedimento?

Certamente, ter-lhe-ia respondido com a pergunta seguinte:

Pensou bem na hipocrisia desta pergunta, face às suas declarações na Reunião de Comandos de 15MAI73?

Acerca das declarações do Sr. TCor. de Inf.ª Artur Baptista Beirão, Chefe da Repartição de Informações, teria formulado as seguintes perguntas:

- Quais as diligências que mandou efectuar, relativamente ao Relatório de Interrogatório, feito em 27DEZ72, ao nativo Mário Mamadu Baldé, tendo em vista a verosimilhança e fiabilidade desse relatório e a que conclusões chegou?

- Porque não me foi dado conhecimento desse relatório, depois de eu ter sido nomeado, em 08JAN73, Comandante do COP 5?

- Porque julgava que o IN, intentasse, no imediato, "uma acção tipo convencional, com carros de combate, contra GADAMAEL, GUILEJE,...", quando esta comunicação da Companhia de EMPADA, em 9 MAI 73, foi rectificada por outra mensagem da mesma Companhia?

- Porque não foi enviada ao COP 5, em 15 MAI 73, a mensagem 586/C da Companhia de BEDANDA, informando a chegada em 10 MAI, de 4 grupos vindos da REP. GUINÉ e a chegada a KANDIAFARA de cerca de 50 cubanos.

- As mensagens das Companhias de EMPADA e BEDANDA, associadas a outras eventuais informações que a REP/INFO tinha, não eram suficientes para prever, com grande probabilidade um ataque do IN a GUILEJE?

Acerca das declarações do Sr. Ten. Cor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida Chefe da Repartição de Operações, teria feito as seguintes perguntas:

- Nas suas declarações na Reunião de Comandos de 15MAI73, quando referiu que era necessário reforçar guarnições... que se considerassem essenciais, estava a pensar na guarnição de GUILEJE? Se a resposta for SIM, que propostas fez para que esta guarnição fosse reforçada?

- Tendo afirmado que era necessário dotar com meios de defesa anti-carro, as guarnições que a REP/INFO considerasse mais susceptíveis de ataques desse tipo e tendo esta Repartição indicado GUILEJE como uma das mais ameaçadas, no imediato, que propostas fez para que GUILEJE fosse dotada de meios de defesa anti-carro.

Da análise das transcrições anteriores da Acta da Reunião de Comandos de 15MAI73 dificilmente se pode entender que não tenha saído dessa reunião a necessidade urgente de reforçar Guileje.

Infelizmente não se conhece como o Sr. Chefe da REP/OPER (o primeiro responsável pela condução das operações, por parte das NT), pretendia resolver a situação de Guileje, após o início da acção In, em 18MAI73, porque tal não lhe foi perguntado pelo Sr. Brigadeiro Leitão Marques, no âmbito do processo, nem aquele teve a iniciativa de abordar este assunto, vá lá saber-se porquê.

Conhece-se, no entanto, como o Sr. General Spínola, via o problema. Para isso, transcrevo parte do depoimento do Sr. Coronel Para Rafael Durão, no processo:

“… No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe, ordem para manter a todo o custo o destacamento de GUILEJE, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem.”

É de salientar a maneira redutora como o Sr. Comandante-Chefe analisava a situação, limitando-se a referir o problema dos abastecimentos. Muito mais importante era a neutralização da bases de fogos do In, para aliviar a pressão sobre Guileje.
A manutenção “a todo o custo”, é a missão que implica a resistência até ao último homem.
Numa altura em que nem o próprio Sr. General Spínola acreditava na solução militar para a guerra, é caso para nos interrogarmos se a Missão que atribuiu ao Sr. Coronel Durão, nas circunstâncias concretas vividas em Guileje, era aceitável e, se pelo contrário, não era um sacrifício injustificável a que ficavam sujeitas a guarnição e a população de Guileje.

Para terminar a análise ao artigo do Sr. Ten. Cor. Pil. Av. Ref. Brandão Ferreira, devo dizer que em tempos, tivemos o ARNALDO MATOS, o EDUCADOR DO POVO.
Qualquer dia vamos ter BRANDÃO FERREIRA, o REGENERADOR DO REINO. Para começar e por uma questão de coerência, para responder a uma “duvida existencial”, deve procurar regenerar os programas de ensino “dos cadetes e comandantes das actuais Forças Nacionais destacadas".

Com os meus cumprimentos
Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(Cor. de Artª. Ref.- Comte do COP 5, em Guileje)
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13942: (Ex)citações (251): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (3) (Coutinho e Lima)

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13942: (Ex)citações (251): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (3) (Coutinho e Lima)

1. Segunda parte do comentário feito pelo nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado no Blogue "O Adamastor":


2.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné, Guileje e o desnorte do reino" (1)

Continuando o comentário(*) ao artigo em epígrafe, do Sr. Ten. Cor. (TC) Brandão Ferreira (BD), vou agora analisar o que escreveu sobre as actuações do PAIGC em Guidage e Gadamael, bem como comparar o comportamento do Comando Chefe (COMCHEFE) no reforço a estas duas localidades e a Guileje. Indicarei ainda documentos que comprovam que o COMCHEFE soube, com antecedência, as intenções do PAIGC, relativamente a Guileje. Analisarei também, através de alguns extractos, a Acta da Reunião de Comandos realizada, m Bissau, em 15MAI73.

Sobre Guidage, o Sr. TC BD afirma:

“Guidage começou a ser atacada em 8 de Maio e esteve cercada e debaixo de fogo, constante, durante um mês.
Foram organizadas várias colunas de reabastecimento que foram duramente atacadas e, finalmente conseguiu-se reforçar a guarnição com uma companhia de paraquedistas. No entretanto montou-se uma grande operação que envolveu a totalidade dos efectivos do Batalhão de Comandos Africanos, sobre a base de Cumbamori, que apoiava as forças do PAIGC.
Durante este período as NT sofreram 47 mortos e mais de uma centena de feridos.”

Tal como sucedeu, no que respeita a Guileje, esta narrativa está muito incompleta.
Porque não estive em Guidage, nem tão pouco conheci aquela guarnição, socorro-me de um documento elaborado pela Repartição de Operações (REP/OPER) do COMCHE-FE, com o título:

“SITUAÇÃOEM GUIDAGE NO PERÍODO DE 08MAI73 A 13JUN73”.

Da análise desse documento, salienta-se:

"A hora tardia a que foi iniciada, em 08MAI73 (15 horas), a coluna de reabastecimento FARIM-GUIDAGE, o que teve como consequência a retenção da coluna, em virtude do accionamento de uma mina anti-carro, obrigando o pessoal a pernoitar no local.

O forte ataque à coluna, na noite de 08/09MAI 73.
O regresso da coluna a BINTA (tinha partido de FARIM), deixando no local 4 viaturas que, a pedido, foram destruídas pela Força Aérea; as Nossas Tropas sofreram, nestes incidentes, 4 Mortos e 30 Feridos, tendo provocado ao Inimigo 13 Mortos e elevado número de Feridos.

A realização em 10MAI73 (início às 05h00 horas) de uma nova coluna de reabastecimento BINTA-GUIDAGE, sob o Comando do Comandante do BCAÇ 4512 (FARIM).
Relativamente a colunas de reabastecimento, foram iniciadas 7 e atingiram Guidage 5, tendo as Nossas Tropas sofrido 22 Mortos e 70 Feridos; foram destruídas ou danificadas 6 viaturas. Quanto aos efectivos presentes em Guidage, no período indicado (08MAI/13JUN73), no primeiro dia (08MAI) a guarnição foi reforçada com 2 grupos de combate da CCAÇ 3 e depois com os Destacamentos de Fuzileiros 1 e 4, Companhia de Para-quedistas 121 e outras forças.

A operação, iniciada em 290530MAI73, de abertura do itinerário BINTA-GUIDAGE, reabastecimento e apoio da guarnição de GUIDAGE, envolvendo grandes efectivos, incluindo, entre outros, a 38.ª Companhia de Comandos, a Companhia de Para-quedistas 121 e os Destacamentos de Fuzileiros 1 e 4.

O Apoio Aéreo efectuado em 8, 9, 10, 13, 14, 18 e 19MAI73.

A realização da Operação AMETISTA REAL, levada a efeito pelo Batalhão de Comandos Africanos, com forte apoio da Força Aérea, que praticamente nela empenhou todos os seus meios: 4 helicópteros (para evacuações) e um helicóptero armado; aviões de ataque FIAT G-91, 4 Aviões DORNIER de Comando e Controlo da Operação; esta realizou-se de 17 a 21 MAI73 e a missão consistia em aniquilar ou, no mínimo, desarticular os elementos Inimigos na zona, nomeadamente a base inimiga de CUMBAMORY (Rep. do Senegal). Os resultados globais da Operação foram os seguintes: causados 67 Mortos ao Inimigo, bem como bastantes baixas prováveis provocadas pelo bombardeamento da Força Aérea; destruição de uma enorme quantidade de material e capturado diverso armamento; as Nossas Tropas sofreram 10 Mortos, 22 Feridos e 3 Desaparecidos.”

A transcrição do documento da REP/OPER, merece-me o seguinte comentário:
- A hora tardia a que foi iniciada (15 horas) a coluna do dia 08MAI73; não sei a razão por que tal aconteceu; em Guileje, tal não teria sucedido.
- O reforço efectuado à guarnição de Guidage, logo no primeiro dia (08MAI73) refere-se que as guarnições de Binta e Ganturé (onde se encontravam os Destacamentos dos Fuzileiros), pertenciam ao Comando do COP 3 (com sede em Bigene); por esse facto o Comte do COP 3 fez a manobra de meios que entendeu.

- A realização da coluna de 08MAI73, a partir de Farim, sede do BCAÇ 4512 (portanto não pertencente ao COP 3).
- A coluna do dia 10MAI73 (Binta- Guidage), foi comandada pelo Comte. do BCAÇ 4512, por determinação do COMCHEFE (mensagem RELÂMPAGO da REP/OPER do dia 9 MAI 73, às 21H30).
- O empenhamento de praticamente todos os meios da Força Aérea (sabendo o COMCHEFE, a partir de 18MAI73, que Guileje estava também sujeito à acção do IN), no apoio à Operação Ametista Real (17/21MAI73); penso que foi por este facto que o pedido de apoio aéreo, após a emboscada da manhã do dia 18MAI73, em Guileje, não foi satisfeito; a justificação que nos foi dada referiu que as condições atmosféricas não o permitiram; no entanto, não foi isso que constatámos, em Guileje. E não falo nas evacuações, pedidas e não satisfeitas, nesse mesmo dia 08MAI, que de qualquer maneira, nunca seriam feitas. Este assunto das evacuações já foi referido na 1.ª Parte.

“Guidage começou… e esteve cercada e debaixo de fogo constante, durante um mês.”

Repito que não estive em Guidage; dos elementos de que disponho (seguramente são mais do que os do Sr. TC BF), considero que é muitíssimo exagerada a afirmação de que esteve “debaixo de fogo constante, durante um mês”.

Consultando o Google, pode ler-se, sob o título “Guiné – O inferno dos três Gs: Guidage, Guileje e Gadamael” da autoria de Aniceto Afonso, com a data de 26 de Maio de 2012:

“Nos cerca de 20 dias que ficou cercada esteve sujeita a 43 ataques de foguetões de 122mm, artilharia e morteiros.”

Ora entre 43 ataques em 20 dias e “debaixo de fogo constante, durante um mês”, é uma enormíssima diferença. Guileje sofreu 37 flagelações, (com grande predominância de Morteiro 120 mm), em 80 horas. Não quero, de maneira nenhuma, menorizar a acção do PAIGC sobre Guidage, que, seguramente, foi muito intensa e prolongada.

Outra interrogação do Sr. TC BD:

“Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias - com mais meios do que o seu camarada de Guidage - o TCor Correia de Campos, que se veio a revelar um valoroso Comte. - que chegou a estar no limite das munições e dos víveres?”

Vamos por partes.

“…com mais meios do que o seu camarada de Guidage…”

Quando me despedi do Sr. Comandante-Chefe, antes de seguir para Guileje, este disse-me que qualquer dia me ia fazer uma visita, que não pedisse reforços e que fizesse a manobra de meios que entendesse.
Porque o Subsector de Guileje era aquele em que devia ser feito o esforço principal, conforme decorria da MISSÃO, havia que proceder ao reforço da guarnição, o que fiz no dia em que lá cheguei - 22JAN73, tendo determinado que fossem deslocados para Guileje:
- 1 Grupo de Combate da CCAÇ 3520 (a Companhia tinha a sede em Cacine e um destacamento em Cameconde).
- Pelotão de Reconhecimento Fox (incompleto), que estava em Gadamael.
- Pelotão de Milícia 236, de Gadamael.

Foi esta a manobra de meios que entendi fazer.

O Sr. TCor Correia de Campos, que eu muito admirava e que antes de comandar o COP 3, em Guidage, já tinha dado provas de um valoroso combatente (não foi lá que se revelou), ao decidir não reforçar Guidage, teve as suas razões, talvez porque em caso de necessidade, tinha a certeza de poder contar com o apoio incondicional do COMCHEFE, como se veio a verificar.
Foi esta a única razão porque em Guileje havia mais meios que em Guidage; ainda bem que eu tinha reforçado a guarnição, em devido tempo, porque se estivesse à espera de reforços promovidos pelo Escalão Superior, bem podia “esperar sentado”.

“…chegou a estar no limite das munições e dos víveres.”

Relativamente à escassez de munições, o Comte do COP 3 (Sr. TC Correia de Campos), enviou, em 08MAI73, às 15h25, a seguinte mensagem RELÂMPAGO:

“GUIDAGE ENCONTRA-SE SEM MUNIÇÕES OBUS 10,5 MORT 81 E POUCAS 7,62. SOLICITO ENVIO MUITO URGENTE REFERIDAS MUNIÇÕES:”

O reabastecimento foi feito, na tarde desse mesmo dia, por 5 helicópteros para Bigene, transportando 150 granadas de Morteiro 81 e 30.000 cartuchos de 7,62 e por um avião NORD ATLAS para Farim, levando 92 granadas de Obus 10,5 cm e 12.000 cartu-chos 7,62.

No que diz respeito à escassez de víveres, não tenho nenhum conhecimento, nem vi nada escrito sobre o assunto.

Reportando-me à falta de munições, não se compreende muito bem que, no primeiro dia do ataque inimigo, tal tenha acontecido, mas certamente que houve motivo para que isso se verificasse. Talvez o facto de, maioritariamente, a guarnição ser constituída por pessoal nativo, seja uma eventual explicação.
Mais uma vez constato que, a verificar-se uma situação análoga em Guileje (o que era muitíssimo difícil acontecer), igualmente poderíamos “esperar sentados”, porque ninguém nos socorreria.

“Que se terá passado então, para que o Comandante de Guileje tivesse apenas resistido quatro dias…”

Chegámos ao cerne da questão.
Depois das diligências que entendi promover, amplamente descritas na 1.ª Parte deste comentário, que culminaram com o meu encontro, em Bissau, com o Sr. General Comandante Chefe, cuja decisão também já foi divulgada, regressei a Guileje, “com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, como sói dizer-se.

Quando cheguei a Guileje, no final da tarde do dia 21MAI73, a situação encontrada foi a seguinte:

- Destruição total do Centro de Comunicações, incluindo todas as antenas.
- Existência de 1 Morto (Furriel Miliciano), provocado na flagelação dessa tarde.
- Estavam destruídas, como consequência das variadíssimas flagelações: cozinha, dois depósitos de géneros, depósito de artigos de cantina, forno, celeiros de arroz (ainda ardiam) e grande parte das palhotas da população.
- Muitos impactos nas valas.
- Varadíssimos rebentamentos (da ordem das centenas) dentro do aquartelamento.
- Falta de água potável, já referida.
- Escassez de munições de Artilharia, já descrita.
- Presença do In, do lado de Mejo (Este), com a primeira actuação nessa tarde.
- Toda a população estava recolhida nos abrigos da tropa, desde a primeira flagelação; a lotação dos abrigos tinha triplicado, o que, além de dificultar o movimento dos militares, fazia com que a habitabilidade fosse praticamente insuportável.
- Desde o dia 19, inclusive, a alimentação passou a ser ração de combate.
- Todo o pessoal estava arrasadíssimo, quer física, quer psicologicamente, pois as flagelações mantinham-se durante 3 dias e noites.

Depois de me inteirar das circunstâncias encontradas, fiz um estudo mental da situação, considerando os seguintes factores:

1 - Forte pressão do Inimigo, que se iria manter e, com grande probabilidade, seria cada vez maior. A Repartição de Informações do COMCHEFE tinha enviada no dia 20MAI (19H00), uma mensagem, com o seguinte texto: “NOT A2 REFERE EFECTIVOS 3.º CE MATA MEJO. AMMITE-SE POSSIBILIDADE MESMOS VIREM ACTUAR SOBRE ESSA.”
2 - Não atribuição de reforços
Com a decisão do Sr. Comandante-Chefe de me negar qualquer reforço, considerei insustentável permanecer em Guileje.
3 - Não evacuação de feridos
4 - Escassez de munições, especialmente de Artilharia
5 - Falta de água no aquartelamento
6 - Defesa da população

Na Missão atribuída ao COP 5, consta:

“Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT…”

Nas circunstâncias presentes, não tinha condições para garantir “a defesa eficiente” da população.

7 - Destruição do Centro de Comunicações
8 - Novo Comandante do COP 5

Não me foi comunicado quando o novo Comandante do COP 5 - Sr. Coronel Durão, assumiria as suas funções. Mesmo quando isso se verificasse, a situação não melhora-ria muito, porque: - não viria acompanhado de reforços;
- não solucionaria o problema da água;
- não faria chegar a Guileje as munições de Artilharia;
- não garantiria a evacuação de feridos.

9 - Previsão do futuro, a muito curto prazo

A minha previsão era que o In, no dia seguinte - 22MAI, tivesse completado o cerco ao quartel, do lado de Mejo, com os efectivo do seu 3.º Corpo de Exército, que tinham sido deslocados para o efeito, no dia 20MAI.

Conjugando todos estes factores e ainda o facto de que a existência de um ferido, não impedia a retirada (se tivéssemos mais feridos, seria incomportável o seu transporte), decidi efectuar a retirada às primeiras horas do dia 22MAI, tirando partido do efeito de SURPRESA.
Estou absolutamente convencido, pela razão apontada atrás, que a retirada foi efectuada na altura correcta; passado mais um dia, o PAIGC teria impedido a nossa saída.

Posso agora responder à questão do Sr. TC BF, qual foi a que só tivesse resistido 4 dias.

A razão determinante foi a não atribuição de REFORÇOS, sem os quais, além dos factores indicados, não tínhamos condições para resistir mais tempo.

E não se argumente que, com a chegada do novo Comandante, os reforços também viriam. Havia forte probabilidade de o Sr. Coronel Durão, na sua deslocação de Gadamael para Guileje, ser interceptado pelo In, impedindo-o de chegar ao seu destino.
Não cabe no âmbito deste comentário fazer uma reflexão sobre o que teria acontecido se não tivesse acontecido a retirada. Não deixarei de a fazer, quando considerar oportuno.

Vou agora analisar a situação de GADAMAEL, começando por transcrever o que o Sr. TC BF escreveu:

“…e nada justificava o seu abandono tão prematuro, que veio a causar algum pânico em Gadamael Porto e poderia colapsar - por efeito de dominó - todo o dispositivo junto à fronteira.
As forças do PAIGC reagruparam-se então em torno de Gadamael e atacaram-na fortemente, tendo a situação sido resolvida rapidamente por tropas paraquedistas, enviadas de reforço.”

Antes de mais nada, não me considero, directa ou indirectamente, minimamente responsável pelo que aconteceu em Gadamael.
Quando a coluna retirada de Guileje, no início da tarde do dia 22MAI, chegou a Gadamael, já lá se encontrava o Sr. Coronel Durão (chegara nessa manhã de helicóptero), que passou a ser o novo Comandante do COP 5.

Importa agora referir parte das declarações do Sr. Coronel Durão, quando ouvido como testemunha, no âmbito do processo que me foi instaurado.

“4ª. Pergunta
Dada a sua experiência de combate, o moral das unidades que abandonaram Guileje, dada a sequência dos factos ocorridos de 18 a 21MAI73 e a decisão final adoptada, podia ter afectado estas profundamente e prejudicá-las quando empenhadas em futuras operações?

Resposta
Em minha opinião, por tê-las contactado em GADAMAEL durante cerca de 10 dias, aquelas tropas estão afectadas de tal modo que só dificilmente poderão ser mentalizadas ou recuperadas para acções de combate em que o Inimigo se mostre forte e determinado; verifiquei que no contacto com o Inimigo à distância de quilómetros do aquartelamento de GADAMAEL, os postos de armas ligeiras, de vigilância, disparavam as armas e a maioria dos militares metia-se dentro das trincheiras e abrigos; o estado psicológico do pessoal da Companhia de GUILEJE parece ter transtornado, no mesmo sentido, o pessoal de GADAMAEL; mas que, no aspecto de contactos no exterior do aquartelamento, a conduta dos mesmos parecia quase normal em relação às restantes unidades não especiais.”

No processo foi também ouvido o Sr. Alf. Mil. Médico Antunes Ferreira. Transcrevem-se as suas declarações:

“1ª. Pergunta
Estava em serviço na guarnição de Gadamael, em 22MAI73?

Resposta
Estava.

2ª. Pergunta 
Na sua qualidade de médico, pode descrever todos os factos e observações que permitam conhecer o estado moral e físico do pessoal da guarnição de Guileje, após a retirada, na noite de 21/22 MAI? 

Resposta
O que observei no pessoal da guarnição de Guileje consistia, fundamentalmente, em síndromas de esgotamento físico e psíquico em cerca de 100 indivíduos, sendo os mesmos extremamente marcados na maioria; epigastralgias em várias dezenas de indivíduos, podendo estimar-se em 50% da guarnição, relatando a maioria ingestão alimentar deficientíssima nos dias imediatamente anteriores; síndromas disentéricos em cerca de quatro dezenas de indivíduos; otalgias em várias dezenas, feridas e flictemas dos pés na quase totalidade do pessoal, assim como cãibras dos membros inferiores, em cerca de quatro dezenas de indivíduos. Analisando os síndromas observados em todo o pessoal da guarnição de Guileje, pude verificar que os oficiais e sargentos tinham uma vivência mais profunda e intelectualizada dos acontecimentos; não observei em nenhum momento qualquer situação que pudesse ser diagnosticada como reacção de pânico. Julgo ainda referir que, tentando averiguar, no desempenho das minhas atribuições, a etiologia de grande número de situações psíquicas observadas, me foi referido pela maior parte dos indivíduos que, entre as vicissitudes sofridas nos últimos dias, havia um factor de insegurança decorrente da quase certeza de inexistência de evacuação rápida, em caso de ferimentos graves.”

(Continua)
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Notas do editor

(*) Vd. postes de

27 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13804: (Ex)citações (243): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (1) (Coutinho e Lima)
e
27 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13808: (Ex)citações (244): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (2) (Coutinho e Lima)

Último poste da série de 21 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13924: (Ex)citações (250): a autogrua Galion e o cais de Bambadinca, quatro anos depois, em novembro de 1973

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13804: (Ex)citações (243): Comentário ao artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino" publicado em O Adamastor (1) (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 22 de Outubro de 2014:

Assunto: Artigo "Guiné, Guileje e o desnorte do reino", do Sr. TC Brandão Ferreira (BF)

Caro Amigo
Junto envio um comentário sobre o artigo em epígrafe.
As razões por que escrevi este comentário são porque me assiste o direito de resposta e porque "quem não se sente não é filho de boa gente" e eu prezo muito a memória dos meus pais.
Embora o artigo em questão tenha sido publicado no blogue do Sr. TC BF, considero mais adequada a publicação do meu comentário no nosso, para assim todos os tabanqueiros dele tomarem conhecimento.

Um abraço amigo
Coutinho e Lima


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2. Nota prévia do editor

A retirada do Guileje está mais que debatida, aqui no nosso Blogue e não só, mas não queremos privar o Cor Coutinho e Lima do direito de resposta, utilizando um meio semelhante àquele onde foi publicado o artigo em causa.

Para contextualizar a resposta, o artigo pode ser lido no Blogue O Adamastor.
O comentário do camarada Coutinho e Lima, por ser algo extenso, vai ser publicado em duas partes. CV

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1.ª Parte do Comentário ao artigo
"Guiné, Guileje e o desnorte do reino" (1)

Há umas semanas, fazendo uma pesquisa no Google, sob a rubrica “retirada de Guileje – comentários”, encontrei um artigo, com o título referido acima, da autoria do Sr. Ten. Cor. Pil Av. (Ref.) Brandão Ferreira, com data de 22 JUN 2013, publicado no seu blogue Novo Adamastor. Neste, o Autor apresenta-se como Comandante de Linha Aérea e Mestre em Estratégia.

Antes de entrar na análise do artigo indicado, importa referir que o Sr. Ten. Cor. nasceu em Setembro de 1973; por esse facto, na data de 25 de Abril de 1974 (referido, na sua escrita, como “21/4”, o que, só por si, tem o seu significado), tinha 20 anos, estando portanto no início da sua vida militar. Por esta razão, não pôde participar na guerra – Angola, Guiné e Moçambique; em consequência, a sua experiência nestas guerras é igual a ZERO. Não obstante este facto, não se coíbe de fazer afirmações sobre a nossa guerra em África, como se tratasse de um catedrático na matéria, com longa experiência no campo de batalha. Talvez o Curso de Comandante de Linha Aérea e o Mestrado em Estratégia o tenham habilitado com as ferramentas necessárias para perorar sobre assuntos que desconhece.
“Presunção e água benta cada qual toma a que quer”.

No que diz respeito a experiência de guerra, devo informar que cumpri 3 comissões, por imposição, na Guiné: a 1ª. (63/65), comandando a Companhia de Artilharia 494 (CART 494), que esteve em Ganjola (Norte de Catió), desde Setembro a Dezembro de 1963; em Gadamael, com um destacamento em Ganturé, desde Dezembro de 1963 até Maio de 1965; todas estas localidades, foram ocupadas pela primeira vez, pela CART 494. Além da missão prioritária, que era a actividade de contra-subversão, contra um inimigo bastante aguerrido, a Companhia teve que construir 3 aquartelamentos, partindo praticamente do zero.

 Na 2.ª Comissão (68/70), fui colocado no Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, em Bissau. Não se pense que esta colocação foi consequência de alguma “cunha”; na verdade estava habilitado com o Curso de Observador Aéreo de Artilharia (COAA), frequentado em Vendas Novas e Tancos, em 1958; o COAA era especialidade de mobilização (já o era em 63), razão pela qual tive esta colocação. Refiro que o Sr. Comandante Chefe era, durante toda esta Comissão, o Sr. General António de Spínola.

Na 3.ª Comissão (72/74), com o posto de Major, fui mobilizado, em rendição individual, de novo para a Guiné; de SET a DEZ 72, prestei serviço no Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama; de JAN a MAI 73, fui Comandante do Comando Operacional nº. 5 (COP 5), em Guileje; de MAI 73 a MAI 74, estive na situação preventiva, em Bissau, como consequência de ter decidido efectuar a Retirada de Guileje. Regressei a Lisboa, em 12 MAI 74.

Portanto, comparando a minha experiência de combate e a do Sr. Ten. Cor. Brandão Ferreira estamos conversados.

Depois de ler o artigo do Sr. Ten. Cor., que contem algumas, poucas, afirmações verdadeiras, tem, porém, muitas mentiras, imprecisões e omissões, fica claro que o articulista não conhece, verdadeiramente, o que se passou e, presumo que não leu o meu livro “A Retirada de Guileje”, pois se o tivesse feito, não dizia tantas asneiras.
Felizmente que, depois do 25 de Abril de 1974, há liberdade de expressão e, em consequência, também há liberdade para a ASNEIRA.

Vou agora analisar o conteúdo do artigo em causa, nesta 1.ª Parte apenas no que respeita à retirada de Guileje; na 2.ª Parte abordarei os aspectos relativos a Guidage e Gadamael, assim como referirei documentos relacionados com a guerra dos 3 G – Guidage, Guileje e Gadamael.

Começo com a seguinte referência:

“…e ao mito que se veio a criar que a guerra na Guiné estava perdida…”

Sobre este “mito”, reporto-me ao livro MARECHAL COSTA GOMES – No centro da tempestade, da autoria de LUIS NUNO RODRIGUES (pág. 101 a 103), referindo uma viagem, em JUN 73 à Guiné:

“… A posição de Costa Gomes relativamente à situação no teatro de operações da Guiné era bastante clara. Na sua opinião, o “desenvolvimento da manobra em curso” e a “manutenção do actual dispositivo” só seria possível mediante a “disponibilidade de volumosos meios adicionais que permitissem o reforço adequado das guarnições de fronteira”. Nisso concordava com Spínola. No entanto, nas condições existentes em Portugal, tanto humanas como materiais, a Guiné não poderia contar com o “reforço adequado de meios por absoluta impossibilidade de os fornecer actualmente”. A solução, sob o ponto de vista militar, passaria pela “adopção de uma manobra visando o encurtamento de área efectivamente ocupada, evitando-se desse modo a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira que se impõe a todo o transe evitar, atentas as repercussões militares e políticas externas e internas”.

De acordo com Costa Gomes, esta modificação do dispositivo implicava a retirada de todas as forças colocadas nas fronteiras para uma zona onde não pudessem ser “vítimas” dos “chamados morteiros de 120”, uma arma terrível, utilizada pelo PAIGC “com muita facilidade”.

…Na sua opinião, a Guiné era “defensável” caso o dispositivo fosse modificado, retirando para o interior as guarnições militares que estavam a defender as povoações localizadas junto à fronteira. Tudo isto, porém, na condição de o PAIGC não utilizar os Migs que se sabia possuir. 
Deste modo, se o PAIGC viesse a dispor doa aviões Migs poderia bombardear Bissau, “nós perderíamos imediatamente a guerra.”

Relativamente aos meios aéreos de que o PAIGC dispunha nessa altura, transcreve-se o que o  Sr. Chefe da Repartição de Informações do Comandante Chefe afirmou, na Reunião de Comandos, realizada em Bissau, em 15 MAI 73:

“…Para complementar o quadro da evolução do potencial material do In, resta acrescentar, no que se refere a meios aéreos, que o PAIGC dispõe já de 4 aviões ligeiros e aguarda o fornecimento de mais 6 de tipo não revelado, contando já com 28 pilotos…
    
…no quadro do potencial aéreo inimigo, os meios que a REP GUINE pode empenhar e em relação aos quais se refere:

- A recente chegada de 6 pilotos estrangeiros (líbios e argelinos) à REP GUINE para substituir, nos MIG-15 e MIG-17, os pilotos guineanos cuja imperícia se revelou em alguns acidentes.

- A chegada à REP GUINE de 2 helicópteros MI-8 em fins de Abril.

- A promessa da REP GUINE ceder uma pista ao PAIGC para manobra dos seus aviões.”

Pelo que fica escrito, parece que não se tratava propriamente de um “mito”.

Continuando com as afirmações do Sr. Ten. Cor.:

“No meio da ofensiva referida veio a ter destaque, pelas piores razões, o abandono do quartel do quartel e povoação de Guileje, no dia 22 de Maio.
Piores razões, porque marca uma página negra da História Militar Portuguesa, dado que uma guarnição que estanho longe de ser batida, quebrou o dever militar, ao abandonar a sua área de operações sem ordem para o fazer e sem razão que o justificasse. A única que o fez em 13 anos de combate.”

“Pelas piores razões”, é a opinião do Sr. Ten. Cor., mas não é, seguramente, a da esmagadora maioria (com uma única excepção) dos militares que estavam em Guileje, que, para mim, é incomensuravelmente a mais importante.

Felizmente não é o Sr. Ten. Cor. que faz a História Militar Portuguesa e por isso vamos esperar  para ver se os historiadores consideram o facto “uma página negra”.

A guarnição, contrariamente ao articulista afirma (até parece que estava lá…), “estando longe de ser batida”, estava, com toda a certeza, muito próxima de ficar completamente cercada pelo PAIGC (o cerco estaria completo no dia 22 MAI 73).

Não considero que tenha quebrado “o dever militar”, porque, alem de não estar vedada a retirada (só o estaria se a Missão fosse “defesa a todo o custo”, o que não era o caso), esta foi efectuada “sem ordem para o fazer”, pelo facto de o quartel ter ficado privado de qualquer meio de comunicação, porque o centro de comunicações foi totalmente destruído pela flagelação sofrida na tarde do dia 21 MAI 73.

Tenho sérias dúvidas que o abandono de Guileje tenha sido o único; o Sr. Ten. Cor. contradiz-se, quando refere em (1) que em 30/1/73 (enganou-se no ano, pois foi em 74 e não em 73), também foi abandonado Copá; não tenho a certeza se também o quartel de Canquelifá não terá sido também abandonado e em seguida reocupado em 74.

Continuando a análise, afirma o Sr. Ten. Cor:

“Depois de abandonar o serviço activo, escreveu um livro, profere conferências e entra em debates, no sentido de descrever o que se passou, explicar as razões por que tomou a decisão que tomou e insurgindo-se contra o processo de que foi alvo”

Será que só o Sr. Ten. Cor. está autorizado a escrever, proferir conferências e entrar em debates? Continuarei a fazê-lo, quando para isso for solicitado, mesmo com a sua discordância.

Nunca me insurgi contra o processo de que fui alvo (isto é mais uma invenção do Sr. Ten. Cor.), porque sabia que a instauração de um auto de corpo de delito era inevitável.

O que censuro, com a maior veemência, é a maneira, verdadeiramente tendenciosa, como o mesmo processo foi levado a efeito. Sabe-se que o objectivo primário da investigação é o apuramento da verdade; seguramente, não foi esta a preocupação do Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar (PJM) – Sr. Brigadeiro Leitão Marques; não sei se este recebeu algumas orientações específicas para conduzir o processo, nem isso interessa muito. O Sr. Brigadeiro foi o único responsável pela forma como dirigiu a investigação, da qual resultou a intenção deliberada de me acusar.

No processo, podem verificar-se várias anomalias, apontadas no meu livro. Indico algumas:

- Depoimentos contraditórios de duas testemunhas, sobre a destruição dos carros sanitários, sem que o Sr. Oficial da PJM tenha feito qualquer diligência para esclarecer o assunto.

- Não aceitação da procuração em que eu nomeava meus defensores 4 Advogados, Oficiais Milicianos, todos a prestar serviço militar na Guiné, prejudicando assim a minha defesa.

- O interrogatório que o Sr. Brigadeiro Leitão Marques fez à testemunha, Sr. Ten. Cor. Pinto de Almeida, Chefe da Repartição de Operações do Comando Chefe (pág 692 a 697 do processo), em que nem uma pergunta foi feita sobre os acontecimentos ocorridos em Guileje; todas as perguntas versaram sobre o que ocorrera em Guidage.

Sobre este último assunto escrevi no meu livro:

“Após ter feito a primeira leitura do depoimento do S. Chefe da Repartição, fiquei com dúvidas se teria lido bem. Voltei a ler, com toda a atenção, e fiquei perplexo e estupefacto; na realidade, o caso não era para menos; não é que, tratando-se de um processo sobre a retirada de Guileje, o Sr. Oficial da PJM não formulou nenhuma pergunta acerca do objecto dos autos!

Isto tem um nome, que é DESONESTIDADE INTELECTUAL.”

A testemunha podia, por sua iniciativa, fazer declarações sobre Guileje, mas assim não entendeu.

Não tenho qualquer dúvida, que se tratou de UM VERDADEIRO CONLUIO ENTRE O SR. OFICIAL DA PJM E A TESTEMUNHA, o que considero gravíssimo, especialmente por se ter verificado no Exército Português.

Continuando a análise do artigo, o Sr. Ten. Cor. Afirma:

“ Foram escolhidas pois estavam mesmo junto à fronteira…”

Referia-se a Guidage e Guileje; enquanto que a primeira localidade está mesmo na fronteira, já Guileje dista da dita fronteira, cerca de 8 quilómetros, em linha recta, o que significa que, mais uma vez, não sabe do que estava a falar.

“No meio desta ofensiva séria, foi atacado o aquartelamento de Guileje, no dia 18 de Maio, possivelmente como diversão, para obrigar forças que estavam a auxiliar Guidage.”

A “ofensiva séria” era em Guidage, podendo por isso entender-se que, em Guileje, a “ofensiva era a brincar…”. No mínimo, haja respeito por quem lá estava.

Não admira que o Sr. Ten. Cor. confunda tudo, porque da guerra da Guiné, não percebe nada.

Para seu esclarecimento, devo informá-lo que, pelo chamado “corredor de Guileje”, que vindo da República da Guiné Conacri, passava bem longe do aquartelamento de Guileje, o PAIGC fazia entrar cerca de 60/70% dos abastecimentos, de toda a ordem, para todo o nosso território. Daí a importância atribuída pelo In à nossa presença, o que fez com que preparasse, com muitos meses de antecedência um “ataque com toda a força a Guileje”, na própria expressão do PAIGC.

Não tenho qualquer dúvida que o ataque a Guidage (de acordo com informações recolhidas no Simpósio Internacional de Guileje, em Mar 2008, em Bissau, devia ter início ao mesmo tempo que o ataque a Guileje e só não houve simultaneidade porque, no primeiro caso, foram detectados pelas NT, as comunicações do In, obrigando este a desencadear o ataque mais cedo), era uma manobra de diversão, sendo o ataque a Guileje a acção principal. A intenção do PAIGC era obrigar o Comando Chefe , em Bissau, a socorrer as duas guarnições, tendo que repartir as suas reservas. Para o In, a actuação do Sr. General Spínola não podia ser-lhe mais favorável, ao hipotecar praticamente todas as suas reservas no socorro a Guidage. Mais à frente voltarei a este assunto.

“A guarnição do Comando Operacional 5 sofreu um morto e dois feridos. O Comandante, Major Coutinho e Lima, decidiu ir a Bissau expor a situação. Regressou no dia seguinte e tomou a decisão de abandonar o quartel, levando consigo toda a população para Gadamael- Porto, uma povoação a poucos quilómetros.”

Esta narrativa (como agora se diz) do Sr. Ten. Cor., muito sintética, sobre o que se passou em Guileje, fica muito aquém da realidade, além de incluir várias incorreções e deturpação dos factos. Passo a esclarecer.

As baixas sofridas pelas NT, na emboscada de 18 MAI 73, foram: um morto, sete feridos graves e quatro feridos ligeiros (e não um morto e dois feridos).

Não decidi ir a Bissau, conforme afirma o Sr. Ten. Cor.

Após a emboscada montada pelo In, impedindo, pela primeira vez, a realização da coluna de reabastecimento, tive a noção perfeita de que estávamos perante uma situação grave. Nestas condições, enviei, em 18 MAI 73, às 09H05, uma mensagem RELÂMPAGO (a de maior prioridade, sendo as prioridades seguintes: IMEDIATO, URGENTE e ROTINA), para a REP/OPER, com o seguinte texto:

VIRTUDE FORTE EMBOSCADA COLUNA HOJE SOLICITO VINDA ESTE DELEGADO ESSA DELEGADO COAT”. (COAT = Comando Aero-Táctico da Força Aérea)

Quando enviei esta mensagem, não sabia ainda que a Força Aérea não ia a Guileje, o que vim a verificar depois.

A resposta foi dada, no mesmo dia, às 13H13, com uma mensagem IMEDIATO:

“ REF S/…AGUARDA-SE ENVIO RELIM” (RELIM= Relatório Imediato).

Às15H10, enviei nova mensagem RELÂMPAGO:

“ S/…INFO RELIM INSUFICIENTE. ASSUNTO TRATAR DIZ RESPEITO FALTA APOIOS EFECTIVOS REALIZAÇÃO COLNS FACE POTENCIAL IN. SOLICITO INFORME ESTA VIA QUANDO VÊM DELEGADOS.

Continuando sem resposta da REP/OPER, enviei nova mensagem RELÂMPAGO, às 22H45 desse dia 18MAI:

“M/…SOLICITO RESPOSTA ESTA VIA POIS TENHO POSSIBILIDADE SEGUIR MANHÃ 19 MAI GADAMAEL PORTO.”

Preocupado com a vinda os delegados, enviei em 19 MAI, às 03H50, a mensagem RELÂMPAGO:

CASO HAJA DIFICULDADE VINDA DELEGADOS SOLICITO AUTORIZAÇÃO IDA BISSAU E TRANSPORTE PARTIR GADAMAEL PORTO FIM EXPOR SITUAÇÃO.”

Esta mensagem foi respondida, no mesmo dia, às 11H11 (07H21 depois, o que é um exagero, inadmissível, para responder a uma mensagem RELÂMPAGO):

“ REF S/… DE 19 MAI 73, SITUAÇÃO LOCAL NÃO ACONSELHA SAÍDA DEMORADA DO SECTOR. ESTE TENTOU IR MAS FAEREA SO VAI GADAMAEL EMERGENCIA, EXPONHA SITUAÇÃO ESTA VIA.”

Esta mensagem foi enviada apenas para o COP 5 (Guileje), onde a REP/OPER sabia que eu não estava, o que demonstra a maneira desleixada (para não ser mais contundente), como o assunto foi tratado; o procedimento correcto era enviar a mensagem também para Gadamael e Cacine, havendo assim a certeza que eu a receberia, na hora.

Em consequência, só tive conhecimento do seu teor no dia 20 MAI, pelas 03H00, quando foi retransmitida de Guileje para Cacine, onde eu me encontrava.

Tendo chegado a Cacine na manhã do dia 19 MAI, donde foram evacuados os feridos pela Força Aérea (a REP/OPER não se lembrou de utilizar este transporte para enviar os delegados que eu, insistentemente pedia), e não recebendo resposta de Bissau (recordo que a mensagem acima só foi do meu conhecimento no dia seguinte), desesperado com tanta negligência, fui tentando resolver a situação, inclusivamente solicitando transporte ao Comando de Defesa Marítima, que tinha um avião à sua disposição, o que não foi possível.

Entretanto Guileje estava sujeito à acção do In, com flagelações de dia e de noite.

No dia 20 MAI, às 03H20, após tomar conhecimento da mensagem da REP/OPER do dia 19 MAI, (11H11), pelas razões apontadas, enviei, de Cacine, a seguinte mensagem RELÂMPAGO:

“ SUA…DE 19 MAI 73 CMDT PRESENTE NESTA INFORMA NECESSITA UMA COMPANHIA TROPA ESPECIAL FIM EFECTUAR REFORÇO TEMPORÁRIO REABASTECIMENTO GUILEJE. NECESSÁRIO TAMBÉM REFORÇO VIATS E ESTIVADORES. VIRTUDE SE ENCONTRAR NESTA JULGA ACONSELHÁVEL IR BISSAU REGRESSANDO IMEDIATAMENTE”.

No dia 20 MAI, à tarde, veio finamente a Cacine um helicóptero, que me transportou para Bissau.

Pelo que fica escrito, espero que o Sr. Ten. Cor. se convença que não decidi ir a Bissau.

“Do que se sabe o General Spínola …e não lhe explicou nada. Podia ter-lhe dito…eu agora não lhe posso valer pois tenho todas as minhas reservas empenhadas (o que era verdade), volte para lá, aguente-se, que logo que possa envio-lhe auxílio”.

Realmente o Sr. General Spínola não me explicou nada. Contrariamente ao que afirma o Sr. Ten. Cor., não é verdade que todas as reservas estivessem empenhadas. Conforme se pode verificar pelo depoimento do Sr. Chefe de Repartição de Operações, já indicado atrás, em resposta à pergunta do Sr. Oficial da PJM:

“… qual a situação das reservas do TO em vinte de Maio de mil novecentos e setenta e três…”, a resposta foi:

“…A trigésima quinta de Comandos encontrava-se em Bissau com a missão de segurança ao Palácio do Governo. …A Companhia de Caçadores Paraquedistas cento e vinte e um encontrava-se em Bissau em descanso desde vinte de Abril de mil novecentos e setenta e três.”

Portanto, se o Sr. General Spínola quisesse (e não quis), podia reforçar Guileje, de imediato, com a 35ª. Companhia de Comandos (depois de substituída na missão que lhe estava atribuída, o que não era particularmente difícil) e com a Companhia de Paraquedistas 121; refere-se que, esta Companhia foi reforçar Guidage, desde as 17H00 do dia 20 MAI 73 (ironicamente, depois de eu ter pedido reforço- ver mensagem anterior, enviada às 03H20 desse mesmo dia 20- esta Compª foi mandada para Guidage) até às 15H00 do dia 31 MAI73.

O argumento de que não havia reservas para reforçar Guileje, como se vê, é verdadeiramente falacioso. Acrescenta-se que estavam, em 20 MAI 73, em Cufar, as Companhias de Paraquedistas 122 e 123 (Sector do COP 4), que quinze dias mais tarde, foram reforçar Gadamael. Estas duas Companhias também podiam socorrer Guileje, de imediato, se recebessem essa missão do Comandante Chefe.

Se o Sr. General tivesse dito (e não disse), …”logo que possa envio-lhe auxílio”, isto equivaleria a dizer que a guerra, em Guileje, poderia esperar. Na prática, foi o que o Sr. General determinou, com a sua decisão de não atribuir qualquer reforço. Esqueceu-se foi do PORMENOR do envio de uma mensagem RELÂMPAGO, de teor semelhante ao seguinte:

“ Para o Comandante Zona Sul PAIGC – Nino Vieira
VIRTUDE TER TODAS MINHAS RESERVAS EMPENHADAS GUIDAGE, SOLICITO PARAGEM TEMPORÁRIA VOSSA ACÇÃO GUILEJE. LOGO QUE RESOLVA PROBLEMA NORTE, INFORMAREI ESTA VIA.
       António de Spínola

Talvez Nino Vieira tivesse sido sensível à solicitação!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste dasérie de 21 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13776: (Ex)citações (242): Água da bolanha... quem a não bebeu ?!... Abastecimento na poça da Tabanca de Padada, dia 15JUN69 (Fernando Gouveia)