Queridos amigos,
O que foi a atividade da Casa Gouveia na Guiné é um dos assuntos relevantes que continua por investigar em profundidade. Esta comunicação de Maria Eugénia Mata num simpósio que se prendeu com as comemorações dos 150 anos do nascimento de Alfredo da Silva ilumina o tempo histórico dessas atividades, quando se iniciaram, contemporâneas da circulação da moeda com o BNU, não se conhece a documentação (estará perdida?) referente ao desempenho da Casa Gouveia em nome do BNU entre 1903 e 1917, fica-nos um quadro, dado por esta importante comunicação, do papel económico e financeiro da Casa Gouveia. A documentação existente na Fundação Mário Soares sobre a Casa Gouveia parece pouco elucidativa, resta saber o que há noutros fundos documentais, desde o arquivo da CUF, Arquivo Histórico Ultramarino, Sociedade de Geografia de Lisboa, Biblioteca Nacional, e por aí adiante. Grande empreitada que aguarda candidato...
Um abraço do
Mário
Procurar saber um pouco mais sobre a Casa Gouveia (2)
Mário Beja Santos
Há anos que procuro saber por onde andam os arquivos da Casa Gouveia, a principal empresa comercial da Guiné, associada à CUF. Finalmente abriu-se-me uma porta, há um arquivo no Barreiro, indicaram-me o nome de alguém que durante anos na Guiné estivera na gestão dos Armazéns do Povo, depois da libertação para eles convergiram o património da Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina e Barbosa e Comandita, hoje assunto passado, tal como outros grandes empreendimentos, caiu na água levando ao tempo mais de 5 mil trabalhadores para o desemprego. Recebido com enorme afabilidade na Fundação Amélia de Mello, tenho a promessa de uma viagem ao Barreiro, ver o que há e não há. Entretanto, recebi uns bons quilos de publicações, comecei por este título Globalização em Português, atas do simpósio que se realizou na Academia das Ciências em Lisboa, Princípia, 2021. Chamou-me à atenção a comunicação de Maria Eugénia Mata com o título "Casa Gouvêa: Monetarização e Integração da Guiné na Economia Mundial". Vale a pena aqui respigar alguns dados pertinentes que permitem desvelar o poder deste empreendimento.
A autora, como vimos, revela a grande aproximação que existiu entre os negócios da Casa Gouveia e o BNU. Este, no período da Primeira Guerra Mundial, e muito depois, teve um papel determinante no sistema monetário, emitiu para as transações de pequeno valor (cédulas).
Como a autora observa:
É um tempo de pavimentação de estradas que permitiram a circulação de veículos de transporte. Em 1947, a colónia contava com telégrafo em 23 centros urbanos, melhorara a sua rede telefónica, tinham começado as emissões experimentais de rádio da estação de Bissau, foi reconstruída a fortaleza da Amura (desta vez em pedra em vez de barro e madeira), a capital encheu-se de equipamentos: o museu, o hospital com maternidade, a cadeia, a estufa, o liceu, o estádio, paióis, uma catedral, um palácio para o governador, uma mãe de água no Alto Crim para canalização e aprovisionamento doméstico; e foram construídas moradias para funcionários guineenses.
A Casa Gouveia servia a totalidade do território devido às suas sucursais, em 1948 eram 14: Bafatá, Bambadinca, Binta, Bissorã, Bolama, Brames, Cacheu, Teixeira Pinto, Farim, Nova Lamego, Geba, Mansoa, Sonaco e Pelundo. Sucursais em que se vendiam bens adaptados à vida em contexto rural e atmosfera étnica (têxteis, bicicletas, aparelhos de rádio, máquinas de costura, utilidades domésticas e querosene).
E a autora dá-nos conta dos aspetos económico-financeiros em que emergiam os seus negócios, chama à atenção de que a circulação monetária do escudo da Guiné era diferente da circulação do escudo da metrópole, as exportações de produtos da Guiné eram pagas em escudos metropolitanos, ao preço da cotação desses produtos tropicais na Bolsa de Lisboa, incidia o pagamento de impostos alfandegários. Dá-nos conta da percentagem de cambiais obtida da exportação que devia ser entregue ao Fundo Cambial. Tive oportunidade, quando procedi a investigações no antigo Arquivo Histórico do BNU, de avaliar toda esta momentosa questão dos cambiais, as múltiplas petições das empresas que se queixavam da dureza de tributação. E escreve a autora:
A autora evoca testemunhos descrevendo os mecanismos económicos, cita mesmo o trabalho de Martinho Simões, datado de 1966, "Nas Três Frentes Durante Três Meses, Toda a Verdade da Guerra Contra o terrorismo", o repórter descreve as “casas grandes” do comércio guineense, visitou o centro industrial da Casa Gouveia no Ilhéu do Rei.
Assim se chega à luta pela independência, somos confrontados com a atividade económica do período e após a independência a Casa Gouveia foi integrada nos Armazéns do Povo, uma integração que ficou concluída a 31 de dezembro de 1975. O imenso descalabro que se seguiu já não conta para esta história.
Finda aqui a recensão ao trabalho de Maria Eugénia Mata, vamos confiar que há outras fontes documentais à espreita de consulta.
Nota do editor
Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24219: Historiografia da presença portuguesa em África (363): Procurar saber um pouco mais sobre a Casa Gouveia (1) (Mário Beja Santos)