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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8363: Contraponto (Alberto Branquinho) (35): Teatro do Regresso - 10.º e último Acto - Estou velho com'ó caraças! - ...mas não cai o pano

COMEÇOU ASSIM...

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o "1º. Acto" do grande "TEATRO DO REGRESSO", que esteve em cena durante mais de uma década e um grande ABRAÇO do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (26)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

1º. Acto - E Agora?


Cenário:

Finais dos anos 60 do séc. XX.
Deck de navio, navegando em mar alto, transportando tropas de Bissau para Lisboa.

Personagens:

Dois alferes milicianos, fardados, apoiados nos ferros da amurada. Um segura a cabeça entre as mãos; o outro fuma um cigarro e fixa o horizonte, olhando em frente.

Acção:

A segunda personagem, apaga o cigarro, senta-se, encosta-se bem na cadeira, cruza os braços, encara o outro e pergunta:

- O que vais fazer, agora, quando chegares?
(Silêncio, durante uns segundos).

- Não sei se tenho cabeça e disposição para voltar a estudar. E tu?

- Vou abrir um consultório.

- Consultório?! De quê?

- Ponho um anúncio à porta. Assim:

PERGUNTEM TUDO SOBRE GUERRA.
EU RESPONDO.

Ambos sorriem. Sorrisos irónicos.

(CAI O PANO)


...A VAI TERMINAR ASSIM:

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 29 de Maio de 2011:

Caríssimo Carlos
Junto estou a enviar o texto do Contraponto (35), que consta do 10º. e último Acto do "Teatro do Regresso".

Despeço-me (eu, não o Contraponto) com um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (35)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

10º. Acto – Estou velho com’ó caraças!

(Último acto – aqui.)

Cenário

Porto de Lisboa. Cais da Rocha do Conde de Óbidos.
Amurada de navio que transporta tropas, que regressam da Guiné.
O navio está a fazer manobras para atracar.
Centenas de militares observam de bordo a multidão que os espera no cais, acenando, desfraldando faixas com escritos, agitando lenços de várias cores. Os gritos de chamamento de bordo e de terra misturam-se no ar, fazendo um barulho ensurdecedor.


Acção

O cabo “Alcântara” vem caminhando calmamente, com o saco militar às costas, da proa para a ré, tossindo e ziguezagueando por entre os militares, que procuram chegar-se mais à amurada tentando ver melhor e serem vistos de terra.

Finalmente consegue entrever o Fonseca (um “filho de Campo de Ourique”). Coloca-se ao lado dele, poisa o saco aos pés e, para conseguir fazer-se ouvir no meio da algazarra, berra-lhe ao ouvido:

- Está tudo na mesma, pá: a Torre de Belém, os Jerónimos, a Ponte, o Cristo-Rei, o rio, o Porto Brandão, a Trafaria… e, até, esta maralha toda aí em baixo é a mesma. Eu, é que estou velho com’ó caraças! Parece que já tenho 35 anos. E cheio de gosma…

(NÃO CAI O PANO), pois…

…de muitos e desvairados ACTOS se fez o teatro do regresso!

Alberto Branquinho
____________

Nota de CV:

Vd. postes do Teatro do Regresso de:

1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto - E Agora?

4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto

11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

24 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8316: Contraponto (Alberto Branquinho) (34): Teatro do Regresso - 9.º Acto - Filho da ausência

terça-feira, 24 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8316: Contraponto (Alberto Branquinho) (34): Teatro do Regresso - 9.º Acto - Filho da ausência

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Maio de 2011:

Caro Carlos
Este 9º. Acto - Contraponto (34) - aborda um outro aspecto da realidade verificada em alguns dos regressos, consequência da ausência e da carência por ela provocada... (paciência!...).

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (34)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

9º. Acto – Filho da ausência

Cenário

Refeitório dos soldados.
O Elias, analfabeto, observa as frases escritas na carta que acabou de abrir, vira e revira a folha, com ternura nas pontas dos dedos. Entretanto, olha em volta. Regressa à contemplação da carta. Espera o Cabo Costa, que faz de seu “secretário” na leitura e resposta ao correio que recebe. Esta carta chegara há pouco no Dornier.


Acção

Entra o Cabo Costa e senta-se em frente do Elias.

- Atão, bê lá o que é que a minha mulher diz.

O Costa pega na folha e lê:

- “Meu querido homem…”

Pára e olha o Elias, que já saboreia as palavras, com a cabeça apoiada entre as mãos.
Continua:

- “Espero que esta te bá encontrar de boa saúde que nós por cá todos bem graças a Deus. Olha, agora já te posso dar a nuticia porque já tenho a certeza. No hospital já confirmaram que eu estou grábida. Como bês deixas-te-me uma prenda antes de abalares prá Guiné. Dizem que o menino porque eu acho que é menino debe nascer lá pró Natal. Bai ser o nosso Menino Jesus…”

O Costa pára a leitura e fica a olhar o Elias, com ar interrogativo. Este, com ar embevecido, olha o papel da carta, como se, através dela, visse a mulher, a aldeia, o futuro filho…
Aí o Costa poisa a carta em cima da mesa e começa a contar pelos dedos. E repetia, repetia a contagem. Foi interrompido pelo Elias:

- Atão? Acabou?

- Não, pá. Não pode ser… O filho não é teu.

- O quê??!!

- Pois. Olha lá: a gente embarcou no princípio de Janeiro, estamos no fim de Março e se vai nascer em Dezembro, passam quase onze meses depois de embarcarmos… de tu embarcares.

- Não estou a entender.

- Ó Elias, o filho… não é teu filho.

- Hã??

Ficam os dois a olhar-se e, num repente, o Elias arranca a carta de cima da mesa e sai.
O Costa, aparvalhado, fica a vê-lo afastar-se. O Elias nunca mais lhe falou. Soube que pedira ao alferes para desempenhar as funções de “secretário”.

………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………

Cerca de vinte meses depois, regressam da Guiné.
Quando desembarcam do comboio que os transportara de Lisboa para o Porto, o Costa pára para observar o “pai” Elias com o bebé, de quase um ano, ao colo, rodeado da mulher e mais familiares.
Retoma a marcha e, levantando os ombros, diz baixinho:

- Ora… que se lixe… Já estamos em casa.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

terça-feira, 17 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 15 de Maio de 2011:

Caro Carlos
Este 8º. Acto, que aqui segue, está, afinal, na sequência do anterior ("Prótese), mas, nestes casos, não houve (ou, infelizmente, não pôde haver prótese?).

Recebe um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (33)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

8º. Acto – Foi outra guerra qualquer


Cenário

Primavera de 1990.
Uma janela grande, com luz intensa exterior.
A janela situa-se sobre a Avenida Rainha D. Leonor, no Lumiar, em Lisboa, quase em frente às instalações da Associação de Deficientes das Forças Armadas.


Personagens

Duas mulheres, conversando junto da referida janela.


Acção

- Pois, Eunice, gosto muito da tua casa nova. Estas janelas… Este sol, esta luz.

- Foi por isso que a comprámos. Mas tivemos que fazer obras.

- Tenho estado a olhar lá para fora, enquanto estava à tua espera. Quem são esses homens em cadeiras de rodas que vão ali no passeio… Sem as pernas e… alguns são pretos?

- Acho que são mutilados da Segunda Grande Guerra.

- Credo, filha! Os homens têm lá idade para ter andado na Segunda Grande Guerra. E Portugal nem sequer entrou nessa guerra.

- Então, não sei. Foi outra guerra qualquer.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

terça-feira, 10 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8254: Contraponto (Alberto Branquinho) (32): Teatro do Regresso - 7.º Acto - Prótese

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Aí vai o texto do CONTRAPONTO (32) - Teatro do Regresso - 7º. Acto.
Enviarei ainda mais alguns, assim, semanalmente.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (32)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

7º. Acto – Prótese

Cenário

No passeio, em frente à Estação do Rossio, em Lisboa.
Dois homens, parados, conversam.


Personagens

Os dois homens atrás referidos e um outro, que entra em cena , proveniente da Praça dos Restauradores.


Acção

Enquanto as duas primeiras personagens, paradas, conversam, a terceira entra em cena, caminhando e olhando fixamente um dos homens que conversam. Pára e pergunta-lhe:

- Desculpem. Você esteve na Guiné?

- Sim.

- O seu nome é Andrade?

- Sim. Quem és tu?

- Sou o Alvarinho. Não me reconheces porque eu andava de barbas.

- Eh, pá!

Abraçam-se efusivamente.

- Alvarinho, deves ter chegado há pouco tempo…

- Há quase quinze dias.

E, olhando fixamente para as pernas do outro:

- Andrade, desculpa. Tu foste evacuado de Gambiel porque uma antipessoal te rebentou com uma perna.

- Foi. Olha.

E, debruçando-se sobre a perna direita, bateu nela com as articulações das falanges da mão direita:

- Toc, toc, toc…

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8210: Contraponto (Alberto Branquinho) (31): Teatro do Regresso - 6.º Acto - Que próximo-futuro?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caro Carlos
O Teatro do Regresso parece que nunca mais acaba. É uma peça em vários Actos...
Aí vai o 6º. - CONTRAPONTO (31)

E vai, também, um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (31)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

6º. Acto – Que próximo-futuro?

Cenário

Quarto de furriéis. Três camas.
Dois estão deitados de costas, dormitando. A terceira cama está vazia.


Personagens
Os dois furriéis atrás referidos.


Acção

Um dos furriéis apoia-se no braço direito e diz:

- Daqui a mais ou menos um mês, se Deus quiser, já estaremos na Metrópole. Não sei se vou conseguir trabalhar, outra vez, com horários, relógio de ponto, preso à secretária, a aturar chefes… E tu, voltas para o trabalho?

- Quando fui chamado para a tropa não estava a trabalhar. Fingia que estudava…

- E agora, quando chegares?

- Acho… que vou estagiar.

- Onde?

- À tarde, nas esplanadas da Avenida da Liberdade, em Lisboa. A maralha toda, da Guiné, anda por lá. Aos caídos… À noite, no Cantinho dos Artistas, Maxime, etc.. Para variar, o pessoal vai até ao Cais do Sodré ou ao Conde de Redondo.

- Mas que raio de vida!

- Anda por lá muita gente que chegou da Guiné. Uns mais recentes, outros mais antigos, que eu não conhecia. Vão respondendo a anúncios, mas, quando têm resposta, a maior parte das vezes não aparecem às entrevistas. Outras vezes vão e “armam um escabeche” do caraças. Chamam-nos para ir vender enciclopédias, porta a porta. Ou coisas assim. O pessoal não consegue aclimatar-se…

- Está bem…está bem…

- Nas férias encontrei por lá o Simões de Bedanda. Sempre bêbado ou meio bêbado. Ele aqui (lembras-te?) já era um marado do caraças… Consta que tem umas gajas por conta no Intendente. Uma é daqui, da Guiné… ou de Cabo Verde.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Neste "5º. Acto - (Des)encontros imediatos" do Teatro do Regresso a acção ("presente") passa-se no Café Bento ("5ª. Rep") em Bissau e "acção futura" no... mundo.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (30)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

5º. Acto
(Des)encontros imediatos

Cenário

Guiné, nos tempos da guerra.
Esplanada da “5ª. REP.”, em Bissau.


Personagens

Vários furriéis e alferes milicianos, com a tez característica de quem fez muitas caminhadas por terras do interior.
Alguns fardados outros em traje paisano. Estão sentados à volta de três mesas juntas. Bebem e conversam.


Acção

Levanta-se um e diz:

- Eh malta! Eu e o Rodrigues vamos dar uma volta pela Europa. Há lugar para mais um ou dois. Aceitam-se voluntários. O carro já lá está à minha espera.

- Partes quanto tempo depois de a malta chegar?

- O tempo suficiente para conseguirmos o passaporte. O serviço militar já está cumprido…

- Ó Lopes, vamos?

- Não posso. Logo que chegue, vou começar a tratar dos papéis para ir para trabalhar para Angola.

Chegou um outro, vindo de fora de cena, encosta-se às costas de uma cadeira e, levantando os braços:

- Eh pessoal! Oiçam! Oiçam! O Uíge atraca amanhã logo de manhã. A gente deve começar a embarcar depois de amanhã pela fresquinha…

- Como é que tu sabes?

- O gajo é da PIDE… tem muitos informadores.

- P’ró c……!

- Porreiro. Amanhã ainda se pode fazer qualquer coisa.

- Zé! No primeiro Domingo depois de a gente chegar vou fazer-te uma visita a Vila Real.

- Não estou lá. Vou viver para o Porto. Casei-me nas férias e vou viver para o Porto.

- Este gajo vai para o Porto trabalhar com o sogro. Vai trabalhar por conta do sogro.

- É verdade? Vais mesmo?

- Vou trabalhar na fábrica do meu sogro.

- E vais fazer o quê?

O outro encolheu os ombros, como quem diz “não sei”.

- O gajo sabe lá! Tu sabes qual é o trabalho respeitante à profissão de genro.

- Fazer netos.

- Eu vou “meter o chico”. Quem me comeu a carne, agora que roa os ossos.

- Mal por mal, anda comigo para a África do Sul.

- Fazer o quê?

- Precisam de gajos com experiência de combate.

- Foda-se! Não estás farto?

O que foi interpelado levantou os braços e, acompanhando com um trejeito de lábios, concluiu:

- Não sei fazer mais nada.

As conversas continuaram, mas, a pouco e pouco, começaram a debandar: um a um, dois, depois outro e mais outro. Tal como iria a acontecer na vida (vida… finalmente!) que se aproximava.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Abril de 2011:

Caro Camarigo Carlos Vinhal
Este Acto nº. 4 do Teatro do Regresso não é parte ficção e parte real. Aconteceu.

Durante os dias em que a minha Companhia esteve em Bissau esperando o embarque para regresso, o meu Pelotão foi escalado para esse "serviço". (Habituados a "muita coisa", mesmo assim, ao chegar lá, as urnas pequenas impressionavam-nos).
As palavras que o padre me dirigiu no final é que poderão não ter sido exactamente aquelas.
Tivemos que treinar a salva de tiros (sem bala na câmara) e a posição de "funeral arma" que já estava mais que esquecida.

Um abraço
Alberto Branquinho


Guiné-Bissau > Igreja de Santa Luzia
Foto Google


CONTRAPONTO (29)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

4º. Acto - Missa de Corpos Presentes

Cenário:

Abril de 1969.
Pequena igreja situada do lado direito da estrada Bissau – Santa Luzia/QG.
Pela porta aberta entrevêem-se três urnas grandes e duas pequenas, em frente ao altar; o padre, devidamente paramentado, celebra missa de corpo presente, por alma dos falecidos.
Um alferes assiste à celebração em pé.


Personagens principais:

O padre, paramentado, que celebra a missa.
O alferes miliciano, fardado, que assiste à celebração.


Acção:

A missa está a acabar.
O padre, entre o murmúrio de palavras em surdina, asperge água benta, com o hissope, repetidas vezes, sobre as urnas, fazendo o sinal da cruz.

Fora da igreja, uma viatura militar começa a movimentar-se, em marcha-atrás, no sentido da porta da igreja, mas os movimentos são bruscos e desastrados. O padre precipita-se para junto da porta e, com o hissope, faz-lhe sinais para curvar à esquerda, à direita, corrigindo-lhe os movimentos. Finalmente, a viatura encosta correctamente à porta da igreja.

O padre regressa ao altar para, de seguida, voltar para junto da porta.

As urnas começam a ser carregadas na viatura.
A pequena força no exterior, formada do lado direito da igreja, faz a salva militar, disparando sucessivos tiros para o ar.
Uns quantos garotos espreitam às esquinas e às portas das casas e barracas, entre curiosos e assustados.
O padre, ainda paramentado, assiste, dentro da igreja, ao carregamento das urnas, tendo a seu lado o alferes.
Ouve-se a ordem:

- Funeral – ARMA !!!

Pouco depois a viatura iria iniciar a marcha, acompanhada pela pequena escolta.

O alferes despedia-se do padre, quando este lhe prendeu a mão, sustendo a despedida e disse-lhe, olhando-o nos olhos:

- Estes rapazes regressam a casa como carga aérea e, às vezes, em… pedaços. Mas outros… nem sequer… regressam.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8083: Contraponto (Alberto Branquinho) (28): Teatro do Regresso - 3.º Acto - Informação Prévia

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 10 de Abril de 2011:

Caro Carlos
Estou a enviar o 3º. Acto - Teatro da Guerra, para o CONTRAPONTO (28).

Aí vai um abraço também
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (28)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

3º. Acto - Informação Prévia

Cenário

Guiné – quartel no interior, nos tempos da guerra.
Um refeitório.
Joga-se à lerpa e à sueca em duas ou três mesas. Discussões, por causa do jogo, entre os jogadores e os assistentes. Em pé e sentados.

Personagens

Um grupo de soldados e cabos andam à volta das mesas; outros parados conversam. Alguns têm uma garrafa de cerveja na mão.

Acção

De entre os soldados, um vem quase à boca de cena e diz para os outros:

- Bou pedir ao nosso capitomzinho pa me dar uma boa informaçom pa eu poder ir p’á POLÍCIA.

- Queres ir p’ra quê?!

- Tens mesmo trombas de polícia. Ah, isso tens! Desde que nom m’apareças depóís lá pela Areosa a cagar postas de pescada…

- ‘Inda falta quase dois meses pá peluda e este gajo preocupado para ir pá Polícia.

- Qu’é qu’este gajo disse?

- Quer ir para a Polícia…

- Num se pode falar cum bocês, carago!

Vai saindo, deprimido, pela esquerda alta, a caminho da caserna.
Enquanto sai, um deles, diz-lhe, em voz alta:

- Ó manguelas, ‘inda falta mais de dois meses pá peluda e ‘inda podes ir mas é num sobretudo de pau…

(CAI O PANO).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8048: Contraponto (Alberto Branquinho) (27): Teatro do Regresso - 2.º Acto - Espécie de Aviador

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 3 de Abril de 2011:

Vai junto o 2º. Acto do "Teatro do Regresso".
Mas, amigo Carlos, teatro não é só comédia. Pode, também, ser tragédia e de tragédias esteve cheio esse "Teatro" durante todo o tempo que esteve em cena.

Um grande abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (27)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

2º. Acto - Espécie de Aviador

Cenário:

Guiné - 1969.
Messe de sargentos.
Sargentos e furriéis sentados em várias mesas, bebendo e conversando.
Alguns jogam cartas.

Personagens:

Dois furriéis milicianos, em primeiro plano, sentados a uma mesa, com várias “bazucas” vazias em cima.
Um deles está deitado sobre a mesa.

Acção

O outro, encostado na cadeira, com uma “bazuca” na mão, leva-a à boca, bebe e diz calmamente:

- Quando chegarmos, vou descansar uns meses e, depois, vou ver se tenho paciência para acabar o Curso de Contabilidade. E tu, o que é que vais fazer na vida civil?

O outro levantou a cabeça da mesa, olhou-o, hesitou um pouco e, com a voz já entaramelada, respondeu:

- Volto… pá… aviador.

- Aviador?!

- Sim.

- Tu tens “brevet”?

- Não. Vou… aviar… na… na loja do meu pai.

- Ah! Já tens trabalho!

- Talvez…

(Cai o pano)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8028: Contraponto (Alberto Branquinho) (26): Teatro do Regresso - 1.º Acto - E Agora?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Aí vai o "1º. Acto" do grande "TEATRO DO REGRESSO", que esteve em cena durante mais de uma década

e um grande ABRAÇO do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (26)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

1º. Acto - E Agora?


Cenário:

Finais dos anos 60 do séc. XX.
Deck de navio, navegando em mar alto, transportando tropas de Bissau para Lisboa.

Personagens:

Dois alferes milicianos, fardados, apoiados nos ferros da amurada. Um segura a cabeça entre as mãos; o outro fuma um cigarro e fixa o horizonte, olhando em frente.

Acção:

A segunda personagem, apaga o cigarro, senta-se, encosta-se bem na cadeira, cruza os braços, encara o outro e pergunta:

- O que vais fazer, agora, quando chegares?
(Silêncio, durante uns segundos).

- Não sei se tenho cabeça e disposição para voltar a estudar. E tu?

- Vou abrir um consultório.

- Consultório?! De quê?

- Ponho um anúncio à porta. Assim:

PERGUNTEM TUDO SOBRE GUERRA.
EU RESPONDO.

Ambos sorriem. Sorrisos irónicos.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7994: Contraponto (Alberto Branquinho) (25): Memórias

quinta-feira, 24 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7994: Contraponto (Alberto Branquinho) (25): Memórias

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Março de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Junto vai o texto para o CONTRAPONTO (25), intitulado "Memórias".

Com um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (25)

MEMÓRIAS

«Paro na “Vela Latina” e tomo um café... e um pastel de nata» - pensou.
Arrumou o carro. Aliviou o nó da gravata. Hesitou entre deixar a pasta no carro ou levar a pasta.
Colocou a pasta no porta-bagagens e, com o casaco sobre os ombros, encaminhou-se para a cafetaria, evitando os pequenos grupos de turistas, que, calmamente, sob o sol de Julho, aguardavam as indicações dos guias.

Sentou-se na esplanada, saboreou demoradamente o pastel de nata, observando os pardais que, assustadiços, debicavam gulosamente, os restos em cima de uma mesa, que acabava de ser abandonada.
Porque tinha, ainda, muito tempo. dirigia-se lentamente para o carro, quando lhe surgiu a ideia de ir ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, ali perto, junto à Torre de Belém, para verificar se constava o nome de um soldado africano que pertencera à sua Companhia. Alguém lhe tinha telefonado, pedindo para fazer essa verificação. Parou e ficou a tentar recordar o nome completo. Não conseguia. Verificando as listagens dos anos de 1967, 1968 e l969, se constasse, iria recordar-se.

À medida que caminhava para o Monumento, deu consigo a dizer baixinho: « Mamadu..., Mamadu..., Mamadu... ». O resto do nome não saltava à memória. «Vou ver ano a ano todos os Mamadus e, se lá estiver, lembro-me concerteza».

Chegou. Estava nesse momento a decorrer o render das duas sentinelas permanentes ao Monumento. Por respeito pelos mortos vestiu o casaco e compôs a gravata. Seguiu olhando sobre a esquerda, até que deparou com o ano de 1967. Procurou a letra M. Leu a lista dos MM. Não estava ali. Procurava já o ano de 1968, quando, atrás de si, uma voz o interpelou:

- Você está à procura de nome de alguém ?

Voltou-se. Era um homem alto, com cerca de sessenta anos, que trazia pela mão uma garota de quatro ou cinco anos.

- Sim.

- E em que ano morreu ?

- Ora essa é que é a dificuldade. Ou em 67, que já vi e não está. Ou em 68 ou 69.

- E você estava lá ?

- Sim.

- Três anos ? Não pode ser. Só se você foi voluntário.

- Não. Foi do fim de 67 até princípios de 69.

- Ah ! E qual era o nome ?

- Esse é outro problema. Não me lembro do nome todo. Mamadu qualquer-coisa. Mas se o vir, lembro-me.

- Então você também esteve na Guiné ?

- Sim.

- Eu estive lá em 70 / 71. Nos páras. Mesmo agora, às vezes, ainda salto. Então você o que era? Furriel?

- Não. Alferes.

- Eh pá, o meu alferes morreu com uma rajada no peito. E eu quando o vi naquele estado, saltei para cima dele, quer dizer, com um pé de cada lado, a disparar, a disparar para a mata. Então, comecei aos berros:

- Cabrões, cabrões (era para a minha malta ), dêem aqui uma ajuda.

Vieram tês ou quatro, a rastejar, porque o fogo era muito forte e protegeram-no com o corpo. E vai nisto, vejo a ramagem do poilão a mexer, a mexer, dei um salto para trás, agachei-me e comecei a disparar de rajada. Caíu de lá um cabrão de um turra, que, quando caíu no chão, parecia que tinha molas. Levantou-se logo e desapareceu, aos zigue-zagues, no capim. Foi o cabrão que disparou lá de cima e...

- Oh homem, oiça. Todos nós tivemos as nossas guerras, todos nós tivemos as nossas histórias. Tenha calma. – disse o ex-alferes para o homem, que falava descontroladamente, com duas bolas de saliva nos cantos da boca. Ajoelhava-se, deitava-se, fazendo menção de estar a disparar e, esbracejando, berrando em várias direcções.

A garota, que o acompanhava, chorava, sentada e encostada ao muro do Monumento. Deixou cair o chapéu e foi aninhar-se nos degraus da escada de acesso a uma porta que está, mais ou menos, no centro do Monumento, chorando mais e mais.

- E vai o alferes, já a falar muito baixinho, diz-me assim:

- Vocês deixem-me e sigam… Saiam daqui. E eu disse-lhe:

- Não senhor, se formos daqui, vamos todos. Eu ainda não tinha dito isto e vai um dos meus camaradas, que estavam ali ao pé, esticou-se ao comprido, ficou de costas, que até parecia um saco de batatas, com a cabeça aberta e os miolos espalhados no chão. Os cabrões rebentaram-lhe com a caixa dos pirolitos. E vai, eu arrastei o meu alferes para uma vala que havia ali, assim de rastos e ainda lhe falei ao ouvido para lhe dar alma, mas já estava sem pinga de sangue. Foi-se. Você alguma vez...

- Oh homem, tenha calma. Olhe a a sua neta - neta, não é? – que está ali a chorar, coitadinha.

O ex-paraquedista olhou na direcção da garota sem manifestar qualquer peocupação e tentava continuar a ser ouvido, espumando da boca e com os braços hirtos e esticados para a frente, como que empunhando uma arma.

- Mas você já viu...

- Oh homem, todos nós tivemos as nossas histórias que nos marcaram...

- Mas você que...

O ex-alferes deixou-o a falar só e aproximou-se da criança, que continuava a chorar, sentada num dos degraus, tapando o rosto com as mãos. Pôs-se de cócoras e tentou tocar-lhe. Ela, chorando sempre, berrou:

- Não!

O ex-paraquedista aproximou-se, de lenço aberto nas mãos, tomou-a ao colo, limpando-lhe as lágrimas. O ex-alferes apanhou o chapéu e pô-lo na cabeça da garota. Então encaminhou-se para a listagem dos mortos do ano de 1968, mas, perturbado, não encontrava os nomes com M. Respirou fundo, olhou sobre a direita e procurou de novo:

- Mamadu... Mamadu... ». Lá estava.

O homem aproximava-se, com a neta ao colo, que berrava:

- Quero ir para casa. Vamos embora.

- Está bem, Tânia, vamos já. Você já encontrou o nome ?

- Sim, está aqui.

E colocou um dedo em cima.

- Olhe, o meu alferes está aqui... 1971... 1971... É este. Não o conhecia ?

- Não. Era miliciano ?

- Não sei.

- Era difícil eu conhecê-lo. Devia ser mais novo uns três anos.

- Já viu como o número de mortos aumentou em 71, 72 e 73 ?

A criança berrava desesperada:

- Vamos embora! Vamos!

- É verdade. Nunca tinha notado isso.

- Eu gostava de falar consigo sobre isso do meu alferes, do falecido e outras coisas.

- Pois. Todos nós passámos os nossos maus bocados, mas eu, agora, tenho que ir. Tenho que fazer.

Estendeu-lhe a mão. O outro demorou largos segundos a consumar o cumprimento de despedida.

- Adeus, Tânia.

Tentou passar-lhe com a mão na cabeça, mas a garota, chorosa, evitou-o.

Foto © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos reservados.

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Cerca de quinze anos mais tarde, um casal de namorados passeava em frente à Torre de Belém, quando o rapaz olhou na direcção do Monumento aos Combatentes do Ultramar, que o sol de Primavera iluminava, fazendo brilhar o mármore.

- Olha. O que é aquilo ? Vamos lá ver.

- Não.

- Porquê ?

- Não. Se queres, vai tu. Eu não vou.

- Está bem. Mas porque é que não queres vir, Tânia ?

- Eu já conheço. Fui lá muitas vezes com o meu avô.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7886: Contraponto (Alberto Branquinho) (24): Fronteira portuguesa? Ainda?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7886: Contraponto (Alberto Branquinho) (24): Fronteira portuguesa? Ainda?

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Fevereiro de 2011:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto vai um pequeno texto para o CONTRAPONTO (24) que foi a reacção imediata à leitura de um conto do José Eduardo Agualusa.

Abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (24)

FRONTEIRA PORTUGUESA? AINDA?

No livro de contos “Fronteiras Perdidas” (Publicações Dom Quixote) de José Eduardo Agualusa, cuja 1ª. edição é de 1999, está incluído um conto denominado “Lugar de Morança” (pág. 57).

Como natural de África, que fala e repete África (não só Angola), aqui a história começa em Ziguinchor – Senegal.

Há referências a uma “velha casa, com uma larga varanda a toda a volta”, “um rádio ligado e uma voz que canta”, ao “grito do muezim chamando o povo às orações”, ao “rio Casamansa”, à “poeira vermelha flutuando sobre a estrada”, tal como nos nossos tempos de Guiné…

E, inesperadamente, termina do seguinte modo:
«Sigo em direcção à fronteira, a São Domingos, na Guiné-Bissau. E é então que vejo uma placa na berma da estrada, meio oculta pelo capim exuberante, corroída pelo tempo, a humidade feroz, um desgosto antigo:

- Portugal 30 - Km. ».

(Passei por aqui, a caminho de Dakar, em 1999, saindo da Guiné por São Domingos, depois de termos passado a noite nos arredores de Susana. Não vi essa placa, que estará – estará ainda? – colocada de modo a ser vista por quem viaje de norte para sul e não em sentido contrário.)

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7851: Contraponto (Alberto Branquinho) (23): Os milicianos na guerra

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7851: Contraponto (Alberto Branquinho) (23): Os milicianos na guerra

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Fevereiro de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Hoje estou a enviar um texto para o CONTRAPONTO (23), que não é da minha lavra e que gostaria fosse intitulado "OS MILICIANOS NA GUERRA".

Do livro A ÚLTIMA MISSÃO* do Coronel José de Moura Calheiros, retirei, com a devida vénia, um extracto, que estou a enviar digitalizado. Pertence à página 462, parte "31 - A Batalha de Guidage" e dele ressaltam dois aspectos:

1 - O papel desempenhado pelos milicianos na guerra (neste caso, na Guiné) e

2 - O paradoxo de, sendo contra a guerra, se verem confrontados com as realidades da mesma, quando estavam já bem "metidos" nela.

Estes dois parágrafos são uma contribuição para a análise desses dois temas.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (23)

OS MILICIANOS NA GUERRA

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)
e
18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7684: Contraponto (Alberto Branquinho) (22): Quê?! Catota?!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7684: Contraponto (Alberto Branquinho) (22): Quê?! Catota?!


1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 11 de Janeiro de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Junto vai o texto para o Contraponto (22), cujo título poderá, no imediato, parecer menos "decente".
No entanto, a palavra que poderá, porventura, ferir pessoas mais sensíveis consta do glossário do blogue, na coluna mais à esquerda.

Com um abraço
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (22)

- QUÊ?! CATOTA?!

Foi esta a reacção de espanto que tive ao ler o livro de mini contos irreverentes, “nonsense”, irónicos, surrealistas “Doutor Avalanche” de Rui Manuel Amaral (Angelus Novus, Editora), página 93 (“A tampa de uma esferográfica”):

“Por que escarafunchava ele o ouvido com a tampa de uma esferográfica? Bem, talvez por causa disto: uma grande, redonda, brilhante e interessantíssima catota. E por que é que uma catota pode ser tão interessante? Ora, como todos os geógrafos experimentados sabem, as catotas germinam e saem exclusivamente do nariz. Esta, porém, saiu do ouvido, solene e orgulhosamente empinada na tampa da esferográfica.”

Reacção seguinte: - Que coincidência, a imaginação do autor ter inventado a palavra “catota”! Podia ter inventado uma outra qualquer.

Mas assaltou-me a dúvida: - Será que a palavra existe mesmo na língua portuguesa? Consequência: corrida aos dicionários.

E não é que o autor tem razão? A palavra “catota” é usada no Brasil e tem mesmo a ver com o nariz.

“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”:
“catota… muco nasal ressequido; meleca;...“

Confirmando “meleca”:
“meleca… macaco (muco ressequido)……………….“

Assim é, pelo menos, no nordeste brasileiro.

Do atrás exposto constatei, com espanto:

- Como foi possível um homem chegar aos sessenta e tantos anos sem saber o que é catota… (em linguagem nordestina…).

Alberto Branquinho
__________

Notas de CV:

1. Huíla
Edificação do hospital da missão de Catota será concluída este ano

Lubango – As obras do hospital da missão de Catota, no Lubango, e a reabilitação de outro em Cavango, na província do Huambo, pertencentes à União de Igrejas Evangélicas de Angola (UIEA), estará concluído este ano, informou hoje o presidente da organização religiosa, Eduardo Chikete.
Em declarações à Angop, perspectivando as acções a desenvolver no decurso deste ano, o interlocutor disse tratar-se de obras estimadas em um milhão e 150 mil dólares, dos quais um milhão é financiamento do governo e 150 mil de apoios diversos.
De igual modo, continuou o reverendo, pretende-se reforçar a produção nos projectos de desenvolvimento agrícola, numa fazenda na zona do Giraúl (Namibe) e o pecuário, com o alargamento das suas produções, mormente de hortícolas tubérculos e criação animal, para ajudar os obreiros na sua dieta alimentar.
Consta também dos projectos da instituição religiosa a realização de uma caravana automóvel de paz do Bié ao Moxico, contra o alcoolismo e droga.
Notícia retirada da internete, ANGOP, Agência Angola Press, com a devida vénia.


2. Cabral, Salvador das Bajudas Desfloradas
Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”.
Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha…
Entre Fulas, Mandingas e Beafadas, as mulheres eram compradas, alcançando-se verbas elevadas. Cheguei a arbitrar casamentos, cujo dote atingiu os trinta contos! Claro que era exigida a virgindade, que às vezes havia desaparecido… Era então que o Alfero odjo grosso era procurado para remediar o que parecia irremediável.
Quanto ao teste pré-matrimonial, a cargo das mulheres grandes, que utilizavam um ovo(!), a questão resolvia-se, com alguns pesos.
O mais difícil era a prova do sangue no lençol, que devia ser exibido no dia seguinte à cerimónia. Equacionado o problema, adoptei uma solução que sabia já ter sido usada entre outras gentes com sucesso. Comprei em Bafatá pequenas esponjas, as quais embebidas em sangue de galinha, e metidas no local apropriado deram um resultadão.
Não houve mais Bajuda que não casasse em total e absoluta virgindade e confesso que me dava um certo gozo assistir às manifestações de júbilo dos viris maridos, no dia seguinte aos casamentos, no meio da algazarra da Tabanca.
Espalhada a minha fama, acorreram noivas de todo o lado. Ponderei mesmo montar um gabinete especializado, tendo chegado a escrever um folheto publicitário a informar que Alfero poi catota noba, dam trezbintim.

Jorge Cabral no Poste Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

3. Vd. último poste da série de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7608: Contraponto (Alberto Branquinho) (21): Ensinar/Aprender a ler

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7608: Contraponto (Alberto Branquinho) (21): Ensinar/Aprender a ler


1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 11 de Janeiro de 2011:

Caro Carlos Vinhal
Junto mais um texto para a série Contraponto, que, como se vê, não sendo "fora de série", tem o n.º 21.

Abraço
Alberto Branquinho




CONTRAPONTO (21)

ENSINAR/APRENDER A LER

Catió

O alferes conversava com um soldado milícia fula à porta da casa onde estavam instalados o capitão e os quatro alferes. A casa ficava próxima do cavalo de frisa que cortava o caminho que levava a Príame.
O soldado era um dos dois ou três preferidos do João Bácar Jaló. Era um homem magro, temerário debaixo de fogo, condecorado.

O alferes pediu ao soldado que contasse até vinte em fula e ele começou imediatamente com a lenga-lenga da contagem.

- Espera aí.

O alferes retirou uma agenda pequena do bolso da camisa e uma esferográfica.

- Diz lá outra vez, mas devagar.

O soldado começou e o alferes já escrevia. O soldado acelerou de novo.

- Pára! Diz lá – um, dois, três… Devagar.

E ia escrevendo.
Daí resultaram notas manuscritas, passando os sons a grafia corrente.

Acabada a cantilena da contagem e acabado o escrito, o alferes começou a ler. Ainda ia a meio de contar de um a vinte (em fonia fula) e já o soldado olhava o alferes, dando gritos de espanto: -Hi! Hi! Hi! Hi!

Chegado aos vinte, o soldado milícia afastou-se três ou quatro passos, olhando espantado o alferes, ao mesmo tempo que, no meio de gargalhadas, ia dizendo:

- Quê?! Alfero têm manga di cabeça dirêta!!!

Arrancou a agenda das mãos do alferes e, depois de observar as letras, tomou um aspecto sério e perguntou:

- Noss’alfero, bô ensina mim a ler? A mim faz essame, pass’á cabo e ganha manga di patacão. Suma Paulo.

Ficou combinado. Quando não houvesse saídas ou operações – todas as manhãs ali, no alpendre da casa.

Começou com o ensino das vogais. O alferes escreveu-as várias vezes no papel – a, e, i, o, u.

- Este é o “a”. Diz lá “a”. Então?

O soldado não entendia aquela “história” de ter que dizer “a”, depois”e”…, mas lá ia repetindo.

O alferes passou aos ditongos, tentando estimular o aluno.

- O “a” com o “i” – “a…i! - “ai”. Ora, diz lá: “a…com “i”-“ai”, “ai”.

Depois de olhar o alferes, meio desconfiado, lá veio o “ai”.

- Porreiro. Para escrever “ai”, junta-se o “a” com o”i”; “ai”. Diz lá: “ai”. Ele olhava o alferes, com ar relutante, parecendo estar a pensar: - Está a gozar comigo.

- E juntando o “a” ao “u”? Lê-se “a…u”, “au”. Diz lá “a…u”, “au”.

O alferes ia escrevendo as vogais e juntando os ditongos “ai” e “au”, ao mesmo tempo que os lia: “ai”, “au”, “ai”, “au”…

O soldado milícia olhava para o papel e depois para o alferes, com ar desconfiado e incrédulo.

- Diz lá.

- Quê, noss’alfero?

- “a…u” – “au”.

Olhava o alferes nos olhos, interrogativo.

- “ai”, “au” – pronunciava o alferes, apontando as letras com a esferográfica.

E ele, embora renitente:

- “ai”… “au”.

Levou como trabalho de casa escrever cinco vezes as vogais por baixo daquelas que o alferes escreveu no papel. No dia seguinte voltou com o trabalho feito. As cinco vogais estavam relativamente bem desenhadas.

O alferes continuou com o som das vogais, a escrita das vogais, a construção dos ditongos – ai, au, ei, ou…, mas o soldado milícia não dava mostras de satisfação.

Levou como trabalho de casa copiar cinco vezes os ditongos, por baixo dos que o alferes escrevera.

No terceiro dia apareceu sem… a folha dos ditongos.

- Noss’alfero… A mim cá pude… a mim cá tem

E afastou-se coçando o alto da cabeça, com a mão por debaixo do quico.

O relacionamento entre os dois nunca mais foi o mesmo. O soldado milícia passou a evitar o alferes.

Nunca mais conversaram como conversavam antes. A culpa foi daquelas brincadêra di minino com… vogais e ditongos.

Alberto Branquinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7409: Contraponto (Alberto Branquinho) (20): A granada de morteiro que veio jantar

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7409: Contraponto (Alberto Branquinho) (20): A granada de morteiro que veio jantar

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 7 de Dezembro de 2010, com o seu habitual Contraponto:

Caríssimo Carlos Vinhal

Aí vai o Contraponto (20) - a história de uma "partida" de uma granada ou de uma granada que não (se) partiu.

Com um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (20)

A GRANADA DE MORTEIRO QUE VEIO JANTAR

Aconteceu na nova Messe de oficiais do Batalhão, de construção recente. Era coberta de chapas de zinco, assentes numa estrutura de barras de ferro que faziam as quatro águas. No interior tinha um tecto falso em contraplacado de madeira.

O jantar estava a ser iniciado. O capelão já tinha feito a oração prévia (ritual que tinha introduzido logo no dia da sua chegada). Os que não o acompanhavam aguardavam, de pé, que terminasse.

Sentados já, começaram as conversas habituais.

O soldado que servia à mesa já circulava com a grande terrina metálica da sopa, segurando-a com a mão esquerda por uma das asas e encostando-a ao tronco, no lado esquerdo. Com a robusta concha militar colocava no prato de cada um a dose desejada, respeitando posições e galões.

Num repente pararam as conversas.

- POOU!! POOU!! POOU!!

Três “saídas”!!! Sabe-se lá se de canhão, se de morteiro pesado.

Voou a terrina da sopa, mais a concha, mais a sopa, ao mesmo tempo que todos corriam para os seus postos e responsabilidades, tentando alcançá-los antes de as granadas rebentarem, que sabe o diabo onde seria.

As “saídas” continuavam em bom ritmo: - POOU!! POOU!! POOU!! POOU!!.....

Uns, sem missão especial, correram directamente para as valas e abrigos, outros iriam, antes disso, buscar as G3 e carregadores, outro para os morteiros, um para os canhões, posto de rádio e… os mais “afortunados” tinham que se armar, esperar o ajuntamento dos seus pelotões atrás de uma parede que estivesse em oposição ao fogo e, depois, sair a correr, debaixo do fogo, pela porta de armas, para ir ”cortar” itinerários no exterior, que davam acesso às tabancas próximas.

Entretanto, começavam a rebentar as primeiras granadas (umas perto, outras longe e, talvez, uma ou duas dentro do quartel) e instalava-se um pandemónio de correrias e gritos por todo o lado.

Depois de o ataque acabar e serenado o ambiente, inspeccionadas valas e abrigos, de lanternas na mão, feita inspecção ao terreno, visitado o posto socorros, feito o “inventário e balanço”, o pessoal, em geral, quase retomava a normalidade.
Os que estavam fora, depois de fazerem reconhecimento das tabancas e reportarem através do “rádio-banana”, recebiam ordem para recolher.

Os oficiais começaram a regressar à Messe para “comer qualquer coisa”. Notaram uma forma escura no chão, a cerca de metro e meio da cadeira do Comandante do Batalhão.

Aproximaram-se. Era uma granada de morteiro, que, caindo de lado, se anichara no cimento, com a empenagem bem cravada no chão. Olhando o tecto de madeira prensada, lá estava o buraco que tinha feito. Teria, também, furado (sem rebentar) a chapa de zinco da cobertura.

O alferes sapador olhou-a cuidadosamente, andando à volta dela e desarmou-a.

Chegado o Comandante, mandou colocar a granada no local.

Foi feita uma caixa de madeira com tampo de vidro, que ficou a tapá-la.
Foi em Catió.
Lá ficou. O pessoal dos Batalhões seguintes tê-la-ão visto.

Felizmente não (se) partiu e… ficou para jantar.

Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7361: Contraponto (Alberto Branquinho) (19): Já que se falou de heróis

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7361: Contraponto (Alberto Branquinho) (19): Já que se falou de heróis

1. Em mensagem de 28 de Novembro de 2010, Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais um Contraponto:

CONTRAPONTO (19)

JÁ QUE SE FALOU DE HERÓIS…

1 – Herói, herói…
Mas, afinal, o que é um herói?
Eu próprio, passando por Bissau, fui chamado “herói” pelo pessoal do “ar condicionado” e não me senti nada bem. Já contei isso aqui, há uns tempos.

O Dicionário Francisco Torrinha, da Livraria Simões Lopes/Porto, edição dos anos 40 do século passado, define herói do seguinte modo (deixando de lado os heróis mitológicos, semideuses e afins):
«Homem extraordinário pelas suas proezas guerreiras;…………………………….».

O Dicionário Porto Editora apresenta a seguinte definição:
«Homem ilustre por feitos guerreiros ou de grande coragem;………………………….».

Finalmente o Dicionário HOUAISS (para que não se diga que não falei de “bossa nova”) caracteriza o herói do seguinte modo:
«1 …………;2…………..; 3 indivíduo notabilizado pelos seus feitos guerreiros, a sua coragem, tenacidade, abnegação, magnanimidade, etc. 4…….5……,6…….7…..8…..
9 indivíduo que desperta enorme admiração; ídolo………………………………….».


Portanto, é isto mesmo que todos temos em mente quando falamos de heróis, não interessando se esses feitos, proezas, etc. foram praticados em terra, no mar ou no ar, que é como quem diz por militares do Exército, da Marinha ou da Força Aérea.

2 - Mas, ao pensar exactamente nisso, surgiu-me a dúvida sobre se, no ideário (e imaginário) português, o conceito de herói é entendido como aplicável também aos que se destacaram ao serviço da Força Aérea. Ora, vejamos.

3 – Camões, n’”Os Lusíadas”, não inclui no conceito de herói, salvo melhor opinião, qualquer homem do Exército. Enaltece somente os feitos marítimos, a Marinha. Claro que não poderia ter cantado os feitos da Força Aérea, porque ela não existia ainda.
Tomemos como exemplo a terceira estância, logo no início do “Canto Primeiro”, quando Camões explica a obra a que se vai abalançar:

«…………………………………………………
………………………………………………….
………………………………………………….
………………………………………………….
Que eu canto o peito ilustre Lusitano
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
………………………………………................
………………………………………………..».


Note-se: os feitos do Portugueses nos mares foram tais que até Neptuno (deus do mar) lhes obedeceu. Não interessa, portanto, fazer especial menção aos humanos inimigos da armada Portuguesa (digamos, a Marinha).

- E Marte? - perguntarão. - O Deus da guerra também é referido por Camões.

Pois é. Mas, na minha interpretação, a referência que Camões faz à obediência prestada por Marte aos Portugueses, deve ser entendida como numa relação directa com Neptuno, portanto à guerra conduzida nos mares. No entanto, dou de barato que seja, também, uma referência às guerras apeadas feitas pelos Portugueses. Seja, portanto, uma menção aos feitos heróicos do Exército, na medida em que Marte é sempre representado com os pés assentes na terra e não embarcado.

Muito bem.
“Siga a Marinha!”

4 – Mas lembremos, agora, a letra do Hino Nacional. Há nela alguma referência à Força Aérea?
Duas passagens são de realçar:

(i) A Marinha em primeiro lugar: «Heróis do mar…»;

(ii) E uma passagem mais adiante:
«Às armas, às armas
Sobre a terra e sobre o mar
. …………………
»

Note-se: Exército e Marinha somente.
Onde está a referência (implícita que seja) à Força Aérea? Não há!

QUESTÕES:

– Será que para o ideário (e o imaginário) Português não há mesmo heróis da Força Aérea?

– Não deveria a Força Aérea constituir-se em “lobby” para conseguir que seja alterada a letra do Hino Nacional, de modo a fazer referência expressa aos seus heróis?


ANTES QUE OS ELEMENTOS DA FORÇA AÉREA COMECEM A LARGAR BOMBAS, vamos lá repor a verdade histórica e falar de uma curiosidade Portuense:

1 – “A Portuguesa”, apesar de muito anterior a 1910, só foi adoptada como Hino Nacional a seguir à implantação da República;

2 – A aviação só começou a ser Aviação já na parte final da Guerra 1914/18,

Portanto, a letra d’“A Portuguesa” nunca poderia conter qualquer referência à Aviação, então incipiente e não imaginada, então, como instrumento de combate e muito menos em Portugal.

3 – O feito de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral no início dos anos 20 do século passado (que teve um grande impacto popular) está assinalado através de um bonito painel desses tempos (em bronze?) no “hall” da Estação de São Bento, no Porto.

Terá sido colocada numa construção destinada a albergar transporte ferroviário por não existir uma estrutura aeroportuária? Ou a razão foi outra?

Alberto Branquinho
__________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7288: Contraponto (Alberto Branquinho) (18): Regresso

Aqui fica a letra (completa) de "A Portuguesa", de autoria de Henrique Lopes de Mendonça.
O autor da música foi Alfredo Keil


Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

Desfralda a invicta Bandeira,
À luz viva do teu céu!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu
Beija o solo teu jucundo
O Oceano, a rugir d'amor,
E teu braço vencedor
Deu mundos novos ao Mundo!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal do ressurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injúrias da sorte.

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela Pátria lutar
Contra os canhões marchar, marchar!


Fonte: http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/portuguesa.html

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7288: Contraponto (Alberto Branquinho) (18): Regresso

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 12 de Novembro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Para afrontar o tal "(Autor devidamente identificado)" - carta "transcrita" no CONTRAPONTO (17) - POST 7225 - o tal que não foi à guerra e desdenhou da poesia, aqui vai uma, com o pedido de desculpas por ter sido escrita sobre os "alicerces" do "eu".

Peço-te o favor de "meteres" a foto que saiu no POST 6704, onde estou mais simpático e é mais recente. (Parece que necessito de melhorar a imagem...)

Um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (18)

REGRESSO

No limite de ser eu
ou ter sido eu-outro
me disputei na guerra
nas insónias nevoentas
das noites que passavam lentas lentas
nos pequenos grandes nadas
nos dias que não passavam
ou não passavam depressa
nos tiros e granadas
que me rebentavam dentro da cabeça
me fico a pensar
se fui eu
ou eu-outro
que morreu
e não voltou.


Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 4 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7225: Contraponto (Alberto Branquinho) (17): Vão cuidar dos netos

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7225: Contraponto (Alberto Branquinho) (17): Vão cuidar dos netos

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Outubro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Aí vai a "transcrição" de um ponto de vista para o CONTRAPONTO (17).
Há milhentos "pontos de vista" àcerca de tudo o que seja actividade humana (e não só).

Com um abraço do
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (17)

Vão cuidar dos netos

Senhores Editores do Blog “luisgraca&camaradasdaguine”

Dirijo-me a V. Exªs. na qualidade das funções que desempenham, tal como vai endereçado, funções que, creio, implicarão, por certo, também a recepção, coordenação, escolha/triagem dos textos que vos são remetidos para postagem.
Ora, com o devido respeito, os textos publicados são, na sua grande maioria, de muito duvidosa qualidade e falta de gosto.

Talvez devido à minha provecta idade, não consigo compreender como é que tanta gente tem tanto para escrever, sempre à volta do mesmo tema, depois de quarenta anos volvidos sobre os acontecimentos. E, além disso, parece resultar dos escritos que não há, nunca houve outra guerra. Esquecem, até, as outras Províncias Ultramarinas que passaram por idêntico transe como o da vossa... guerra na Guiné.
Guerra, guerra… mais correcto seria designá-la de operações militares de contra-insurreição.

Em guerra esteve o Povo Português em 1914-1918, com mortos, feridos, estropiados, gaseados… E alguém fala disso?

Os textos que os Senhores publicam são, com o devido respeito, repetitivos, lamechas, por vezes quase infantis ou, então, falando de “heroicidades” próprias, revelado egocentrismos, seguindo, outras vezes, a via da vitimização. Por outro, encontro demasiado diletantismo, intelectualismo barato, literatice barata e até… poesia. Poesia…

Pavoneiam-se pelos seus escritos como se fossem o centro do Universo. Outros aplaudem os posts em comentários boçais e, mesmo quando discordam, não demonstram bom gosto, inteligência e educação.
Mas o mais caricato é que entendem que estão a fazer História ou que são fonte para ser feita História.
Haja decoro!

Ponham os olhos na modéstia do antigo alferes médico e laureado escritor António Lobo Antunes, que, nos seus livros, aborda muitas vezes a temática dessa “guerra” chamada “colonial”. “En passant”, repito, simplesmente “en passant”, ele conta-nos que, durante as colunas militares, seguia sentado nos garda-lamas das viaturas “rebenta-minas”. Que coragem, lição e desprendimento de si! Claro que os vossos escreventes vão considerar que se tratava de “temeridade gratuita” ou coisa assim. Não se esqueçam, meus senhores, que ele era um médico, a prestar serviço militar. Que desprendimento e doação de si mesmo!

Eu também cumpri as minhas obrigações de serviço militar (já não sou uma criança), embora nunca tenha tido a honra de servir em África.

Meus senhores, se me permitem, termino dando-vos um conselho. Na vossa idade deviam ter outras preocupações e actividades – por exemplo cuidar dos netos e, em alguns casos, dos bisnetos. Mas não lhes falem, por favor, dessas vossas guerras óptimas e únicas, dessas vossas sempre repetidas experiências africanas.

Apresento os meus respeitosos cumprimentos.
(Remetente devidamente identificado)

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Alberto Branquinho
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7144: Contraponto (Alberto Branquinho) (16): Assinatura ilegível

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7144: Contraponto (Alberto Branquinho) (16): Assinatura ilegível

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 17 de Outubro de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Estou a reenviar um texto que te é dirigido e que caiu na minha caixa de correio...
Pensei várias vezes se deveria enviá-lo para o blogue ou não.
Sinceramente, se entenderes que pode vir a ferir alguém devido ao tipo de escrita e à ortografia (apesar do P.S. que vai no final), NÃO PUBLIQUES.

Um abraço
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (16)

ASSINATURA ILEGÍVEL

Senhor Carlos Binhal
Eu era o soldado básico que tratava das cóisas dos ufissiais da nossa Cumpanhia.

Vossemessê num creia em tudo o qum ufissial da nossa Cumpanhia escrébe prái. Ele num é de cunfiar de tudo. Naõ era má pessua, mas ai faz muntas inbenções. Olhe que rasgaba o musquiteiro de raiba à noute e despois dezia quera eu. Andaba sempre a précurar pelas cuecas que faltabam as cuécas que faltabam as cuécas que faltabam as cuécas. Inté tinha alguma razão porqueu um dia puchei o pano pra baicho à labadeira e a gaija tinha umas cuécas dele bestidas. Embora tibesse alguma razõm às bêses ele num é de cunfiar de todo. Sou eu que o está a abisar. Sabe lá cuantas beses eu tibe capanhar os cacos das cerbeijas quêle partia contrá parede do quarto. Dábamle aquelas ráibas e despois desia que lhe faltabam os cumpremidos pra durmir que lhe roubavam os compremidos pra durmir. Cal comprimidos pra durmir aquilo era prá doudice. Gastábaos êle e num fazia contas a eles.

Mas olhe cus outros ufissiais tamém não eram milhores. Eram cuase todos das ilhas. Esses nunca os bi aí do seu computador.
Um um dia disse que cando chegasse da operação queria um copo de leite cum milho. Sabe lá vossemessê o queu passei prá arranjar o milho no quartel e quêle ficasse molinho pra pôr dentro do leite. Despois chateou-se comigo cu quêle queria era o leite com um pó castanho que tinha dentro duma lata chamada MILO.
Outro tinha à cabeceira futugrafias da namurada ou da mulher ou lá o que era e cando eu entrava era de arrecuas porquêle se chateava se eu olhasse prás futugrafias.
O outro deles às bêses berrava comigo e quando eu lhe précuraba alguma coisa ou falaba cum ele nem oubia passaba o tempo a olhar pró chão ápertar o cinto dos calções a dezapertar o cinto dos calções e só desia carássas carássas carássas.
Talbez estibessem apanhados du clima mas eu é que num tinha culpa nenhuma disso.
O que me balia era o nosso capitão quéra munto bôa pessôa.

Nunca fui pró mato mas sabe deus o queu passei por causa deles.

Com muntos comprimentos pra vossemessê e para toda a sua família mas num creia em tudo o que esse ufissial escrebe prài porque é quase tudo inbenções.
Assinasse este que num manda as futugrafias que vossemessê pede sempre queu num quero quê-les saibam.

(assinatura ilegível)

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Alberto Branquinho

(P.S. – Não se entenda o texto acima como sendo de menos consideração pelo soldado “imaginado” ou pela “sua” escrita. É só um ensaio para fazer um retrato).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7065: Contraponto (Alberto Branquinho) (15): Chegada à Guiné (Planeta África)