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quarta-feira, 14 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18414: Ser solidário (211): Concentração cívica (hoje, 4ª feira, às 18h00, no antigo Hospital Militar Principal, Estrela, Lisboa) e petição pública a favor do apoio social e clínico aos militares e seus agregados familiares, incluindo os antigos combatentes da Guerra em África


Lisboa > Estrela > Hospital Militar Principal, numa fotografia de Augusto Xavier Moreira (c. 1865). Imagem do domínio público.

Fonte: Wikimedia Commons.


1. Chegou-nos, pela  mão do nosso grã-tabanqueiro, Mário Gaspar, a notícia deste evento:

CONCENTRAÇÃO CÍVICA 

Quarta-Feira – 14/3/2018 às 18hOO

Ex- Hospital Militar Principal – Estrela, Lisboa

Petição Pública com mais de 4750 assinaturas

Considera-se importante chegada 15 minutos antes das 18h00, para cumprir horários e compromissos.

Presença da ADFA e de Militares Grandes Deficientes

Intervenções:

1. MGen Bargão dos Santos
2. TCor Cmd António Neves
3. Cor Cmd Carlos de Matos Gomes
4. Intervenções Livres (15’)

2. Petição Pública [assinar a petição aqui]

Apoio Social e Clínico aos Militares e seus agregados familiares

Para: Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República

Excelência

O que se expõe não corresponde a uma situação exclusiva dos militares e das suas famílias , uma vez que diz respeito e de algum modo, a parte igualmente significativa da nossa população.

É apenas dada ênfase aos militares e seus agregados familiares por admitir tratar-se de uma realidade que tem tanto de particular, se atentarmos sobretudo ao que se encontra legislado na Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar ( LBGECM), como injusto e preocupante e neste sentido, trazer ao conhecimento de V. Exa, para os devidos efeitos, o seguinte:

Concretamente, a urgente necessidade do apoio a largas centenas de doentes, beneficiários do IASFA, I.P. (Instituto de Acção Social das Forças Armadas) que necessitam de acompanhamento de natureza hospitalar, fundamentalmente por doenças crónicas prolongadas ou situações resultantes de demências ou de acidentes cerebro-vasculares e que hoje se denominam de Unidades de Cuidados Continuados e Paliativos.

De facto, confrontamo-nos hoje com um envelhecimento muito alargado da população militar, com um quantitativo ainda muito significativo de combatentes da Guerra em África , com todas as suas sequelas, seja a nível físico ou psíquico.

Para que se possa ter uma ideia da complexidade e gravidade da actual situação e a título de mero exemplo, refere- se que em termos de Oficiais e Sargentos, apenas do Exército e na situação de reforma (Lista de Antiguidades, Set 2016), existem com mais de 80 anos, cerca de 3500 e com mais de 70 anos, perto de 6000, por sua vez, perante uma realidade de mais de 39.000 beneficiários com mais de 65 anos de idade.

Explicando melhor, a actual lista de espera de doentes beneficiários para internamento nas instalações de acolhimento do IASFA,I.P. para cuidados desta natureza ou afim, ronda os 1500 , sendo a capacidade deste Instituto no âmbito da denominada Acção Social Complementar (ASC), naturalmente diminuta e muito insuficiente para as reais necessidades.

Se recuarmos um pouco recordamos que a criação de um Hospital único para as Forças Armadas (HFAR), sempre desejada ao longo de décadas, como forma de racionalizar recursos materiais, equipamentos e efectivos, então dispersos por três Hospitais, dois do Exército ( Hospital Militar Principal e Hospital Militar de Belém ) e o Hospital da Marinha, levou à decisão política da cedência dos mesmos a outras Instituições, na circunstância à CVP [Cruz Vermelha Portuguesa] e à SCML [Santa Casa da  Misericórdia de Lisboa].

Com esta atitude, as Forças Armadas perderam cerca de 400 camas de internamento hospitalar, correspondente aos três Hospitais e foi desperdiçada de algum modo, uma considerável reserva estratégica nacional de apoio sanitário, perante eventuais situações de calamidade ou catástrofe.

Por sua vez os referidos Hospitais tinham uma taxa de ocupação da ordem de pouco mais de 90%, o que dá para avaliar e fazer-nos hoje reflectir, por onde andarão e em que condicões estarão a ser seguidos esses doentes.

Entretanto, o Hospital Militar de Belém que foi cedido à Instituição da Cruz Vermelha Portuguesa, por um período de vinte e cinco anos, para instalação de uma unidade de Cuidados Continuados e uma Residência Sénior (DR 189/2015 de 28/9/15), continua inactivo.

O Hospital Militar Principal, com capacidade para mais de 200 camas, fechou entretanto as suas portas em Dezembro de 2013 (há mais de três anos) e mantém -se igualmente encerrado, quando seria por inerência a solução mais económica , mais justa e racional para ser a retaguarda indispensável ao actual HFAR (Hospital das Forças Armadas).

Em 30/7/2015, este mesmo HMP, viu então ser formalizada a sua cedência (Pavilhão da Família Militar) à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através de um protocolo firmado entre o seu Provedor, Sr Dr Santana Lopes e o Sr Dr Aguiar Branco, Ministro da Defesa Nacional.

Visava-se então criar a maior Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos, do País, entre outras valências.

Não obstante o esforço da sua pronta divulgação local, em chamativo cartaz e placas identificativas, não chegou a abrir e desconhece- se inclusivamente uma data para a sua inauguração.

O Hospital da Marinha desafectado do Dominio Público Militar, para ser vendido em hasta pública (17/3/2016).

Em síntese, solicita-se:

1. Uma definição do Ministério da Defesa Nacional relativamente a uma previsão para a abertura das Unidades Hospitalares cedidas pelo Exército respectivamente à CVP e SCML, sendo de admitir como hipótese , perante a gravidade do exposto, a sua reconversão para a administração do Exército, caso se prolongue por mais tempo, a entrada em funcionamento dos mesmos.

2. Que sejam facultados ao IASFA,I.P. os recursos humanos e materiais indispensáveis que lhe permitam, seja por realização de protocolos de assistência médica e social ou por seus próprios meios, dar resposta adequada às necessidades de tratamento ou internamento dos seus beneficiários, em Unidades de Cuidados Continuados ou Paliativos ou de qualquer outra natureza médica e social, servindo em todo o País os seus Deficientes, militares e seus agregados familiares que o necessitem.
3. Que possa finalmente e em definitivo, ser dado o devido reconhecimento de integrar sempre que possível em Unidades de Cuidados desta natureza, os cidadãos hoje civis, mas ex- combatentes da Guerra em África, que delas tenham necessidade e que estão hoje bem identificados pelas diferentes Instituições( Liga dos Combatentes ou outras , que lhes são afins e representativas).

Lisboa, 17 de Março de 2017
João Gabriel Bargão dos Santos 
CC - 01080439
NIF- 108149536

[Fixação de texto, para efeitos de edição neste blogue, incluindo negritos e realce a amarelo: LG]
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 24 de fevereiro de 2018  > Guiné 61/74 - P18351: Ser solidário (210): A ONGD Resgatar Sorrisos apresenta-se à Tabanca Grande e agradece desde já quaisquer apoios para poder construir a escola de Candamã (, no antigo subsetor de Masambo) (Luís Granquinho Crespo)

domingo, 13 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12145: Convívios (537): Fotos do almoço convívio do pessoal que esteve no HM241 entre os anos 1967 e 1972, que decorreu em Viseu em 5 de Outubro último (Manuel Freitas)

1. O nosso Camarada Manuel Freitas, que foi 1º Cabo Escriturário no HM 241 - Bissau - 1968/70, enviou-nos algumas fotos do convívio do Almoço/Convívio do pessoal que esteve no HM241 entre os anos 1967 e 1972.

Almoço convívio do pessoal que esteve no HM241 entre os anos 1967 e 1972

Viseu
5 de Outubro de 2013 

Caro Luís Graça, 

Conforme o combinado envio algumas fotos do encontro do pessoal que esteve no HM 241, durante os anos de 1967 a 1972, e decorreu no passado dia 5 de Outubro, em Viseu.

A concentração foi no Palácio do Gelo, tendo-se seguido o almoço no Restaurante Perdigueiro.

Foi um êxito e correu tudo bem. A malta ainda mantém algum vigor o que é bom. 








Com um grande abraço do, 
Manuel Freitas 
1º Cabo Escriturário do HM 241 
____________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

2 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12109: Convívios (535): O 1º encontro dos bedandenses em Peniche: 28 de setembro de 2013..., sob a batuta do Belmiro da Silva Pereira (Parte II) (Hugo Moura Ferreira)


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11849: Os nossos médicos (66): Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, incluindo um Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, oriundo de Moçambique, com militares quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de 'fósforo' (J. Pardete Ferreira)


1. Com data de 15 de junho último, aqui vai uma mensagem do J. Pardete Ferreira, em complemento de uma outra já  aqui publicada,  na véspera (*):

Obrigado,  caro Luís Graça,

Provavelmente o erro foi meu mas a instrução no HMP era de 6 semanas e não de 6 meses [, como por lapso informei,], englobando ainda algumas idas ao HMDIC (Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas), perto da Ajuda.

Ao que eu informei,  devo acrescentar sobre os "reinspeccionados", médicos que estavam isentos de Serviço Militar ou que já tinham uma certa idade: a sua  recruta era mais "soft" e era feita na EPC [, Escola Prática de Cavalaria,] em Santarém;  iam preferencialmente para os Hospitais, havendo, igualmente, quem integrasse os Batalhões.
Respondo agora ao teu questionário:

1 - Já me pronunciei e hoje mandei um Post-Scriptum.

2 - a) No meu Batalhão, três médicos. No barco (2 Batalhões) 6 médicos + dois de rendição individual, para o HM 241.

b) Eu saí logo do meu Batalhão e segui para o CAOP1, outro foi para Aldeia Formosa e mais tarde para o HM 241 e foi substituído por outro colega.

c) No meu Batalhão, Madureira, Morais Sarmento e Pardete Ferreira. O substituto foi o Bigote e eu fui substituir o Bessa, juntando-me ao Fernando Maymone Martins. Quem me substitui no CAOP1 foi o Gouveia.

d) Eu precisei de Consultas de ORL, por causa do meu Clesteatoma, de Medicina Interna e de Fisioterapia, porque me "lembrei" de fazer uma neuropraxia do radial direito. Estando em Bissau e não podendo operar, andei a prestar assistência às Unidades do exército sediadas em Bissau.

e) Nunca estive internado, mas na sede do CAOP1  havia enfermaria.

f) Respondida em e).

g) Não fui evacuado para a Metrópole mas acompanhei três evacuações, duas via TAO, um Militar e uma civil atropelada por um Jeep Militar e um avião Super Constellation de carga, transformado em enfermaria, vindo de Moçambique, que já tinha tido duas ou três avarias. As camas e os lugares eram de lona, e eram quase todos portadores de queimaduras provocadas pelas granadas de "fósforo". Duas Enfermeiras Pára-quedistas vieram também: a Maria Arminda, que já vinha de Moçambique, e a Aura Teles que entrou em Bissau.

Acrescento que em Cacheu, detectei uma cardiopatia num Cabo Maqueiro que evacuei para Bissau e depois foi evacuado pela Metrópole e que a Junta considerou inapto para o Serviço Militar... e os colegas dele diziam que não podia estar doente porque era o mais "operacional" de todos...

f) Em Teixeira Pinto havia um Hospital Civil e uma Maternidade à nossa guarda. No Cacheu os civis eram vistos pelo  médico militar mas num Posto separado. Em Csió, no Bachile e em Jeta e em plena picada na desmatação, era tudo junto. Era o médico militar quem tratava de praticamente toda a População Civil.

Sempre pronto a recordar embora já com 42 a 44 anos passados sobre os acontecimentos.... envio-te um grande abraço, extensivo a todos os Combatentes e, particularmente aos Tabanqueiros (*).

Pardete Ferreira

PS - A 1 de Julho, tivemos, aqui em Setúbal o 16º emncontro da Malta do HM 241 (63 presentes, alguns acompanhados de familiares. A 30 de Julho estarei nas Comemorações do 26º Aniversário da Associação de Pára-quedistas de Setúbal, que vai ser Condecorada pela Câmara Municipal. E já que estamos a falar em Condecorações, a semana passada a minha mulher foi Condecorada pelo Governo Francês com o grau de "Chevalier de l'Ordre des Palmes Académiques".

2. Outra mensagem do J. OPardete Ferreira, com data de 18 de junho último:

É natural que no início da Guerra houvesse um Médico por Companhia mas os recursos em médicos foram-se esgotando. Assim, no meu tempo, iam três por Batalhão e já se recorria aos "reinspeccionados". 

Os médicos chegaram a ser mobilizados com 53 anos de idade, como o Falecido Dr. Rui de Brito, Cardiologista no Porto e o Dr. Botelho e Melo, Oftalmologista em Ponta Delgada. 

É verdade, igualmente, que, não existindo especialistas em número suficiente, fossem chamados para o desempenho destas, médicos com grau mais avançado na carreira médica ou até por conhecimento ou prémio no final da comissão. Naturalmente estes factos implicavam rotação e distribuição pois havia a pretensão de não existirem zonas muito desprotegidas. O Antero da Palma Nunes, Oftalmologista em Faro, por exemplo, foi Médico de Batalhão, foi Médico da equipa itinerante de Estomatologia e Oftalmologista do HM 241.

Alfa Bravo
José Pardete Ferreira
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11704: Os nossos médicos (47): Qual era a dotação médica de um batalhão ? Três médicos por batalhão, diz-nos o ex-alf mil méd J. Pardete Ferreira (CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71)


(...) Questões:

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?

(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...

domingo, 23 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11753: Inquérito online: Alguma vez tiveste necessidade, camarada, de recorrer ao médico ou ao enfermeiro da tua companhia, no TO da Guiné ? A resposta é múltipla e já temos 42 respostas

A. Mensagem enviada hoje, internamente, aos membros da Tabanca Grande, e que queremos alargar aos nossos camaradas, combatentes, que nos leem...

Quem é que não esteve doente no TO da Guiné ? Já não falo por ferimentos em combate,,, Falo de doença dita "natural"... Quanto mais não fosse, quem é que não esteve doente...  com uma carga de paludismo, uma diarreia valente, uma blenorragia ou com o corpo infestado de "flores do Congo" ?!

E, se sim, tivemos que recorrer ao "pastilhas" (enfermeiro) ou ao "senhor alferes miliciano médico" da companhia ou do batalhão. Médicos civis, nas santas terrinhas por onde passámos e penámos, não os havia... Hospitais a sérío, só o HM 241 (Bissau) ou HMP (Lisboa)... Sabemos que certas doenças transmissíveis como a tuberculose ou a hepatite davam logo direito a "evacuação" para a metrópole... Houve alguns safados que, mal por mal, preferiam uma hepatitezinha do que andar no mato... 

Bom, tudo isto para a gente recordar as nossas doenças e os nossos queridos médicos e enfermeiros... Há uma sondagem a correr sobre o tema. Precisamos das vossas respostas. Já houve 42 camaradas que responderam, às 20h30. Têm, a seguir, as perguntas e as respostas dos 42...Quem ainda quiser colaborar, tem 3 dias. A resposta é múltipla, podem dar mais do que uma resposta... Tem que ser "on line" (, na coluna do lado esquredo) E é anónima, a resposta, pois claro!..

Agradecemos desde já a vossa colaboração... Vocês têm (ou melhor,. todo nós temos) um precioso "capital de memória" que compete ao nosso blogue rentabilizar... Há perguntas que têm de ser feitas (e respondidas) agora, em 2013... No 1º centenário do início da guerra colonial, em 2061, de certeza que nenhum de nós cá estará para dizer que foi assim ou assado... 

Fiquem bem, bom, alegre, divertido e saudável São João!... Divirtam-se!

Um Alfa Bravo. Luís Graça



B. SONDAGEM: 

ALGUMA VEZ TIVESTE NECESSIDADE DE RECORRER AO MÉDICO OU AO ENFERMEIRO DA TUA COMPANHIA, NO TO DA GUINÉ ? (RESPOSTA MÚLTIPLA) (n=42)


1. Felizmente nunca tive necessidade de recorrer ao médico ou ao enfermeiro
n=4 (9%)

2. Fui visto uma vez pelo médico
n=6 (14%)

3. Fui visto mais do que uma vez pelo médico
n=20 (47%)

4. Fui visto uma vez pelo enfermeiro
n=3 (7%)

5. Fui visto mais do que uma vez pelo enfermeiro
n=21 (50%)

6. Não havia médico na minha companhia
n=12 (28%)

7. Não havia médico no meu batalhão
n=0 (0%)

8. Tive de passar pelo HM 241 (Bissau)
n=15 (35%)

9. Felizmente nunca tive de passar pelo HM 241 (Bissau)
n=15 (35%)

10. Tive de ser evacuado para o HMP (Lisboa)
n=4 (9%)

11. Felizmente nunca tive de ser evacuado para o HMP (Lisboa)
n=16 (38%)

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, BissorãOlossatoMansoa, 1965/67), com data de 20 de Maio de 2013:

Caros amigos Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro:
Recebam o habitual abraço de saudação.
Junto mais um episódio (mais compilação) tirado das minhas memórias “Páginas negras com Salpicos cor-de-rosa”.

Saúde + saúde e muita saúde é o que vos desejo.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

25 - Hospital Militar de Bissau (HM 241) - Hospital da Estrela (HMP) - Anexo do HMP na rua Artilharia 1

É verdade, deu para conhecer os três. Estive internado, uns dias no primeiro, umas boas semanas no último. O da Estrela, só lá ia, depois, para consultas, mas deu para ver…
Embora fosse de imaginar, vi nos 3 hospitais o que jamais pensava ver.

Também deu para conhecer o Hospital civil de Bissau, aqui de visita. Edifício de aspeto idêntico ao Hospital Militar de Bissau, pelo menos quanto à fachada frontal e sua volumetria, embora com a entrada principal a meio daquela. Impressionou-me o aspeto arrumado, limpo e metódico, dado os condicionalismos daquela terra e daquele povo. Seria bom que, pelo menos, hoje ainda assim fosse. Este hospital ficava na estrada que ligava a fortaleza da Amura lá acima a Santa Luzia ali mais ou menos na direção e por trás das instalações da UDIB na avenida principal. Estrada orlada a mangueiros.

Chegado a Lisboa depois de 16 horas de voo a bordo de um velhinho DC6, na altura já na frota militar, com breve escala de 45 minutos em Las Palmas, fui de seguida em viatura militar para o HMP na Estrela, mas nem cheguei a sair da viatura. Segui logo para o Anexo. Ali na Estrela ficaram os casos a requererem mais cuidados, isto é, mais urgentes.

Era já alta madrugada do dia 6 de Janeiro de 1967. Dia de Reis.

Fui evacuado da Guiné para ser operado ao joelho direito. Motivo? Lesão meniscal e ligamentar com calcificação e outras complicações no joelho direito.

Aconteceu no Olossato a… jogar à bola.

Logo no dia seguinte ao eu ter regressado ao Olossato, vindo de férias da metrópole, tive um acidente incrível, se bem que de gravidade relativa constatada depois.

Estávamos em Julho de 1966.

A jogar futebol, dobrei a perna direita totalmente para o lado direito; a perna encostou à coxa do mesmo lado, do lado de fora, literalmente. Fechou como um canivete. O meu azar foi cair sobre a perna que estava então desligada do joelho. Este não demorou a inchar como um grande melão. Acidente arrepiante, também para quem assistiu. Foi a dar um pontapé em bicicleta (uma espécie de) e, no ar, senti a perna desligar-se pelo joelho.

A rótula veio-me parar ao meio da canela e instintivamente puxei-a para o sítio. Foram umas dores horríveis! Tive a sorte de a perna ter ido por si ao sítio, isto é à sua posição normal, como que impelida por uma mola. Fui transportado para a minha cama e não podia mexer a perna. E eu, que nem me podia mexer, ainda tive que correr para um abrigo nessa noite, pois o inimigo resolveu atacar.

Foi assim um azar acrescido: o inimigo resolveu vir-nos atacar nessa noite, o que até era raro. Nessa noite eles vieram de metralhadora pesada e de grande calibre, a julgar pelas fortes detonações e, como era de noite, tinham um efeito ensurdecedor. Parecia que estava ali perto. Destacava-se bem das armas ligeiras. Usavam também balas tracejantes, talvez da dita metralhadora, e que bem se viam no céu escuro, mas, para felicidade nossa, também muito altas passavam. Não sei como consegui levantar-me e atingir o abrigo mais próximo. Foram alguns minutos de fogo da parte deles, tido mais como de flagelação, a que a malta praticamente nem reagiu. A experiência da 816 já era grande, e gastar munições para quê? Eles até estavam tão longe!... Do outro lado da pista como era costume. O meu amigo Brandão com uma obusada, normalmente resolvia a questão.

De regresso do abrigo vi-me em sérias dificuldades para regressar à cama. Aquela surtida tinha-me agravado a lesão, pelo menos as dores redobraram.

Aguardei no Olossato então uns dias, por indicação do médico, que na altura estava lá, para ver se o inchaço no joelho desaparecia, e tudo se recompunha mas, como ao fim de uma semana o joelho continuava fortemente inchado e as dores continuavam, o médico tratou então de eu ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Fui de Dornier.

Fiquei internado num quarto destinado a Oficiais e Sargentos no primeiro andar, e logo a primeira coisa que me fizeram foi extrair o sangue da hemorragia no joelho. Quando vi uma agulha de dois milímetros de diâmetro numa grande seringa apontada ao joelho fiquei apavorado.
Tratou disto o Ortopedista Dr. Martins Ferreira (operou-me mais tarde em 1975, passados 8 anos de ter chegado da Guiné !!), no hospital Santa Maria no Porto, por minha conta.
Procurei-o no Porto onde sabia que tinha consultório.
No hospital de Bissau fui então tratado. Tomei também comprimidos anti-inflamatórios e o ortopedista extraiu então do joelho e por diversas vezes mais sangue da hemorragia e também líquido sinovial.
Fui também radiografado. Sempre com aquele fueiro de vez em quando a entrar pelo joelho dentro. O Dr. Martins Ferreira enfiava a agulha com uma precisão tremenda. Que sorte! Artroscopia pelo meio, que pincel! Vi estrelas nesta e era bem de dia.

Depois de alguns exames ali, e algo recuperado, regressei à Companhia, esta já em Mansoa, vinda do Olossato, e continuei ali operacional.

Fui ainda para Cutia (destacamento) algum tempo e depois para o abrigo (bunker) de Uaque onde estive umas semanas integrado numa secção reforçada com guarnição de bazooka e morteiro. Deixei de andar no mato, mas passei a ser cigano. Acampa ali, acampa acolá.

Em Novembro e, como estava marcado, voltei ao hospital a Bissau para fazer novos exames ao joelho.
Fui então novamente radiografado e sujeito a outros exames, tendo o médico, o Dr. Martins Ferreira, constatado que eu tinha uma calcificação na zona onde eu tivera a rotura de ligamentos para além da rotura meniscal. Aqui o médico atribuiu um diagnóstico e terapêutica definitivos. Teria de ser operado e então entendeu o clínico que eu devia ser evacuado para a metrópole para ser observado e operado no hospital Militar da Estrela em Lisboa. 
Tinha então aqui acabada a minha missão na Guiné, no mato, pelo menos. Passados alguns dias, fui então evacuado para a metrópole, para a Estrela.
Assim aconteceu quando apenas faltava um mês para terminar a comissão na Guiné e regressar com a Companhia no Uíge.
A Companhia regressou no mês seguinte.

No Hospital Militar de Bissau para onde eram evacuados naturalmente e principalmente os feridos em combate com maior gravidade e de atenção imediata. Muitas das vezes os helicópteros aterravam em plena zona de combate para resgatar os feridos. Havia também em boa verdade muitos acidentes nos quartéis ou fora destes e que nada tinham a ver com a guerra. Cheguei a calcular que seria 50/50%. Os feridos, e às vezes muito, assim a precisarem de cuidados hospitalares urgentes, eram quase todos transportados nos Alouettes, primeiro nos que traziam uma ou duas macas no exterior, os Alouettes II. Como me intrigou as macas no exterior ao princípio, quando estava em Brá, em trânsito para o mato. Os Alouettes passavam mesmo por cima do quartel que não distava muito do Hospital; mais tarde os Alouettes III já com espaço para os feridos virem no interior. Estes helicópteros também, pelo menos alguns, equipados de helicanhão. Portanto tinham também parte ativa no combate e com caraterísticas especiais, e mais a temerosa e talvez a principal função que era a recolha de feridos no mato, muitas vezes debaixo de fogo inimigo. Salvar um camarada e defender a pele concomitantemente. Feridos mais leves ou doentes a não requererem tratamento imediato vinham de Dornier e depois eram transportados de Bissalanca para o Hospital Militar de Bissau ou então aguardavam por colunas-auto, normalmente pelas de reabastecimento.

Alouette II – Quando chegamos à Guiné eram estes os helicópteros que operavam com as tropas. Os tais que transportavam os os feridos de gravidade e outros acidentados em macas fixadas do lado de fora da aeronave. Impressionou-me esta disposição. 
(Foto do Álbum fotográfico do camarada Abílio Duarte, Furriel Miliciano da CART 2479 e que aqui com a devida vénia se reproduz).

No Hospital de Bissau muitos casos de Paludismo, Dengue e Iterícia ou Hepatite ; estes, doentes amarelinhos, cor canário, grande parte em trânsito para o Hospital da Estrela em Lisboa. Ainda eram uns poucos. Dificilmente eram curados ali.
No Hospital de Bissau julgo, que se tratavam ali também muitos casos de doenças patológicas e/ou sazonais. Os casos mais complicados, como feridos em combate e de grande gravidade (alguns mesmo muito), hepatites, fraturas ósseas mais complicadas (dizia-se que o clima não ajudava nada à consolidação dos ossos) seguiam para Lisboa.
O Hospital em Bissau tinha bons clínicos e cirurgiões. Era certo e comum dizer-se.
O Hospital Militar em Bissau um pouco afastado da cidade (aí 3-4 Kms.) na estrada para o aeroporto militar, logo a seguir o aeroporto civil, mais adiante Safim, depois Nhacra e mais lá para adiante Mansoa.

Tinha 2 andares: em cima, os primeiros quartos, quem entrava logo depois da escadaria, eram para Sargentos e Oficiais. Por lá andei uns dias. Primeiro aquando da lesão e então mais tarde após o veredito médico a aguardar transporte para a metrópole.
Um terraço dominava o andar em todo o comprimento do edifício. O banco de urgência logo ali acima das escadas e Bloco operatório também ficava por ali.
No andar de baixo camaratas onde ficavam os soldados. Julgo que também que as divisões quer em cima quer em baixo também eram seletivas, isto é, o que era infeto-contagioso tinha instalações e cuidados próprios naturalmente.
Havia missa regularmente no terraço, no topo norte.

Na altura, havia lá um cirurgião que se dizia fazer autênticos milagres. Era um homem franzino, baixo e já um pouco calvo. A indumentária no trabalho era em truces, de chinelos (havaianas), avental, touca e máscara cirúrgica, esta descaída no peito quando fora da sala de operar, nos corredores.
Simplicidade e descontração extremas, mas mãos de milagreiro. Julgo que o apelido era Garcia e não me devo enganar muito tratar-se do Dr. Fernando Garcia de que fala o Poste 5581.
Chegou ao que disseram lá no hospital a massajar o coração de um ferido diretamente no órgão pois o buraco que trazia assim o permitia e salvou o homem. Julgo que ainda por aí muita gente que chegou a ver o manto da morte a querer cobrir-lhe e um ou outro cirurgião (e haviam lá dos bons) afastou milagrosamente aquele manto. Casos difíceis, feridos de guerra… doenças tropicais… insalubridade da água, etc., etc.

Um soldado contou-me, já, depois de restabelecido, que chegou ali bastante ferido e chegou a ouvir de um médico para ser posto de lado, pois estava feito. Posto de lado para seguir para a morgue! “Oh (!) meu Furriel eu a ouvir aquilo e eu sabia que estava vivo mas não tinha forças para o dizer e ouvir ali que estava sem hipótese”, contou-me ele já depois “Vivinho da Silva” Salvou-se! Não cheguei a saber como. Alguém o viu mexer… se calhar!
Havia doentes com serviço ambulatório e outros de consulta externa para tratarem dentes (isto é, arrancar) e outros problemas mais ou menos passageiros. Aquele clima (ou a água?) deitava abaixo dentes e cabelo… no mínimo. Na minha Companhia houve quem deitasse petróleo (ou com este no composto) na cabeça, para evitar a queda do dito cujo.
Atrás do hospital ficava então a morgue. O fim da linha.

O meu Natal de 1965 foi alegre e a malta esteve muito bem disposta lá no Olossato. O Capitão ordenou rancho melhorado e toda a Companhia consoou no refeitório dos soldados. Mesas e bancos em tábua corrida, mas um ar de rica festa e de alegre convívio. Houve teatro em palco construído para o efeito e um orfeão bem ensaiado pelo Alf. Esteves.
O capitão Riquito distribuiu tarefas de representação quase para toda a gente. Espectadores? Os nativos das tabancas e vieram muitos.

Já o Natal de 66 e ali no HM 241 e embora eu já estivesse com um pé na metrópole nem por isso. O que me foi dado ver naquele dia, foi penoso, dramático, que ficou arquivado no cérebro e… para sempre!!

Eu conto.
Na noite de consoada ou de Natal - não posso precisar qual - foram postas mesas compridas cá fora um pouco atrás do edifício hospitalar e fez-se ali a ceia de Natal com rancho melhorado para toda a gente do Hospital. Tudo muito bem arranjado, dentro dos condicionalismos e dos meios. A certa altura e já fazia um pouco noite apercebo-me da chegada de helicópteros; chega um, outro e logo outro, do outro lado do hospital. Já são muitos, pensei eu.

A CCAÇ 816 chegou a atuar com a colaboração dos Alouette III, que aqui vemos durante uma operação ao Morés em Fevereiro de 1966. Estes helis, mais espaçosos interiormente, já transportavam os feridos no seu interior. Eram também equipados (alguns?) com helicanhão, o que lhes permitia terem também ação direta no teatro da guerra.

Os helicópteros aterravam em sítio criado e assinalado para o efeito do lado da frente do hospital e do lado direito, isto é do lado oposto à porta de entrada principal do hospital.
Discretamente saí da mesa e por curiosidade desloquei-me para a morgue pois apercebi-me que o movimento era mais naquela direção. Estavam a entrar 6 cadáveres de camaradas combatentes, entre eles 2 Furriéis (disseram lá).
Bastante maltratados, estropiados uns mais que outros, os cabelos tesos como arames e puxados num só sentido. Fora a forte deslocação de ar proporcionada por minas certamente, pensei eu. Indescritível! Lembro-me que pela porta da morgue entreaberta dava para ver o pessoal distraído e relativamente alegre nas mesas de consoada. Que contraste! Lembrei-me automaticamente das famílias daquelas grandes e infelizes vítimas que na Metrópole estariam a consoar ou na ceia de Natal e nem sonhariam por certo o que estava a acontecer aos seus “meninos”.
Saí da morgue, agora com um arrepio e a meditar. Sentei-me novamente à mesa e a vida fez-se continuar para aqueles que como eu ali estavam por este ou aquele motivo a necessitar do hospital. Não me sentia o mesmo já. Deve haver no Blogue alguém que saiba deste acontecimento. 
Notem:
 - 24 ou 25 de Dezembro de 1966
- Emboscada forte com pelo menos 6 mortos e alguns feridos. Minas acionadas, certamente.
- Julgo que foi lá para o Sul.

Equipa desportiva em estágio? Não, não senhor! Uma equipa de mancos e coxos no HM 241. Do lado esquerdo, com o braço sobre o muro, o Machuco e, sentado no muro ao lado do Machuco, estou eu. Cada um tinha o seu problema e muito diverso. Havia casos bicudos (típicos do clima tropical) para os médicos diagnosticarem… e tratarem

No hospital logo fiz amigos.
O Sargento Inácio que era um grande ponto e que ali estava a queixar-se dos intestinos. Acabei por saber que aquilo era mas era um pé para ver se saía do Exército, pois ele era do Quadro e não queria mais aquela vida.
Conheci o “Machuco” que esteve entre a vida e a morte, muito mais perto desta do que daquela, pois teve um nó nos intestinos e esteve neste estado e no mato, a aguardar transporte, cerca de 15 dias. Todo este tempo também sem comer por não poder. A figura do “Machuco” assustava, pois ali só havia pele e osso. Máquinas à volta do Machuco num quarto isolado. Vi com satisfação, quando passava no corredor, a sua progressiva reabilitação. Outro milagre!...
Foi também ali que encontrei um Furriel conhecido de Chaves e que tinha as pernas cheias de estilhaços, mas já em período de franco restabelecimento. As pernas estavam todas sarapintadas.
Conheci outros mais. Ali estavam, uns por isto, outros por aquilo, ou seja, uns por doença, outros por ferimentos em combate mais ou menos graves e outros e não eram poucos, por acidente com viaturas militares. Casos complicados… as doenças ditas tropicais, e a serem estudados (pensei eu).

A sala das refeições dos sargentos no HM241. O cabo atrás de mim, em pé e à esquerda, que nos servia à mesa, era o mesmo que prestava serviço na Morgue…

Assisti ali via rádio ao Mundial de 1966.
No dia 5 de Janeiro por volta das 9 da manhã entrava então no DC6. O aspeto do avião não era o melhor. “Queres ver que…”, pensei eu. Deixava o pesadelo da Guiné (isto até valia mais… do que pensar no avião)

No Hospital da Estrela, onde o pessoal que estava no Anexo ia as consultas em viatura militar que levava o pessoal para o efeito, ainda deu para ver numa enfermaria (e o que se viu meu Deus!) que ficava não no edifício principal mas sim já do lado direito da Basílica, ali no princípio da rua Sto. António à Estrela, o meu bom amigo do Sarrico (conhecido no RI 10 de Aveiro) que tinha ficado muito maltratado quando uma granada de mão incendiária (mais tarde retiradas oficialmente das operações) rebentou num bolso das calças do camuflado.
Tive oportunidade de ver estas granadas e a sua segurança era feita, depois de tirar uma cápsula, que se soltava facilmente, por uma fita branca, tipo fita de nastro, com alguns decímetros de comprimento enrolada à volta e que impedia o acionamento e a posterior deflagração da granada. Bastava a fita desenrolar-se, por simples descuido, até que a granada ficava pronta a despoletar.
O Sarrico foi vítima da fragilidade, em termos de segurança, destes engenhos. Andava sempre com uma no bolso!!... Foi vítima daquilo que ele julgava ser uma pronta defesa.
Não tive coragem de lhe falar, se é que ele me ouvia; uma enfermeira tentava dar-lhe leite à boca. O Sarrico estava muito mal, o bom do Sarrico que não largava a sua máquina fotográfica mesmo no teatro da guerra. Um dia passou pelo Olossato e esteve comigo. Ele com a sua inseparável máquina. Pouco tempo depois, soubemos do infausto acontecimento.
Paz à tua alma bom Sarrico.

Hospital da Estrela HM1 
Foto tirada da Net. Ao legítimo autor faço a devida vénia para aqui a reproduzir


No Anexo do HMP na rua Artilharia 1

- Do site www.exercito.pt/sites/HMP/Historial
Em 1961, o Aquartelamento de Campolide deixou de ser ocupado pelo Regimento de Artilharia n.º 1, sendo aí instalado o Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, anexo do HMP, face ao grande número de evacuados do Ultramar-.

O Anexo ficava muito perto do Hotel Ritz, mais abaixo o parque Eduardo VII. No HMP uma equipa médica do qual fazia parte o ortopedista Dr. Aníbal Costa que foi médico do Sporting e da Seleção Nacional acharam por bem pouparem-me à operação pois não era atleta e podia fazer uma vida normal, tal como o joelho se encontrava. Estive então algumas semanas a fazer fisioterapia até passar à disponibilidade e com a condição se mais tarde tivesse problemas com o joelho, o processo era sempre reaberto e teria sempre assistência médica via militar.

Muita gente ali no Anexo. Muitos em convalescença de doenças diversas mas sobretudo para os camaradas se adaptarem às próteses normalmente construídas e montadas na Alemanha. Um ginásio bem equipado com aparelhos diversos e outro equipamento, para muitos, que com próteses, tentavam recuperar de algum modo a locomoção perdida.

Éramos transportados numa viatura militar que saía todos os dias à mesma hora para o hospital da Estrela para consultas e outros acompanhamentos clínicos.

Só saiam para fora, para a cidade, aqueles que tinham autorização, por escrito, do respetivo clínico responsável. Havia porteiro devidamente fardado (farda não militar) com ordens muito rígidas no portão de saída em ferro, largo, virado para a rua Artilharia 1.
Vi ali no Anexo um militar com uma prótese de uma perna quase completa a tentar correr sempre que se deslocava como a convencer-se e a convencer que era igual aos outros. Que determinação! Sensibilizante!

Preparativos para o embarque das tropas que vão combater na Primeira Guerra Mundial. Parada do Quartel de Artilharia 1 em Campolide 
(foto e legenda extraída do Blogue historia-dos-tempos.blogspot.pt/fotos e histórias/Portugal na grande guerra e que, com a devida vénia, aqui se reproduz)

Em relação aos princípios 1967, quando ali estive, a foto acima nem faz muita diferença pois do lado esquerdo havia uma edificação térrea também, talvez agora (na altura em que lá estive) restaurada e onde ficavam os nossos quartos, julgo dos Sargentos, um gabinete de enfermagem e outro de administrativos.
O edifício alto à direita parece-me o mesmo. Não cheguei a saber a que serviços se prestava.
Mais adiante no correr do edifício havia uma cantina onde podíamos comprar de tudo e a preços mais acessíveis.
Ao fundo, a seguir à árvore, perto da pequena casa que se vê ao centro, existia então o Pavilhão dedicado à fisioterapia e à recuperação locomotora possível dos infelizes camaradas que usavam próteses.
Ainda cá para trás e do lado esquerdo também ficava o refeitório da malta. Tínhamos direito a um copo de vinho. Acho que não se comia mal. Cozinheiros civis atarefavam-se bem em servir a malta.

Até ao portão de saída, desde o sítio onde está a tropa na fotografia, ainda eram cerca de 100 metros para o lado direito. Dava para a rua Artilharia 1.
Tinha o privilégio (assim como muitos outros) de poder sair, pois o médico responsável julgou que o meu problema não era de todo impeditivo. Muitos também e julgo que os que eram de Lisboa faziam o seu tratamento e iam para casa para depois voltarem. Muitos portanto em regime ambulatório.

O movimento frenético de uma cidade como Lisboa era alheia ao drama dos seus hospitais militares. Também não podia ser de outra maneira (ou podia?... talvez não)

La vie était (et est toujours) de sorte.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11278: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (24): O Sampaio armadilhou os seus tomates e deu mesmo estouro

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7491: Tabanca Grande (257): Anselmo Garvoa (ex-Fur Mil, CCAÇ 2315 / BCAÇ 2835, Mansoa, de Janeiro de 1968 até ser ferido em combate em 30/9/1968, e evacuado para o HMP)



"ONDE ANDA ESTE PESSOAL TODO, DO CURSO DE RANGER DO VERÃO DE 1967,  NA CIDADE DE LAMEGO ? GOSTAVA DE REVER ESTE PESSOAL. MEU CONTACTO: Garvoa@gmail.com OU  964240024. VAMOS TENTAR JUNTAR ESTE PESSOAL TODO. PARA JÁ UM GRANDE ABRAÇO...


A pergunta  e o desejo são do Anselmo Reis Garvoa na sua página no Facebook  (Foto aqui reproduzida com a devida vénia...).




1. Mensagem de Anselmo Reis, conhecido na tropa pelo seu apelido, Garvoa:


Data: 20 de Dezembro de 2010 23:41


Assunto: Mais um camarigo


Caro Luís Graça




Depois de me ter tornado amigo no Facebook, e conforme o prometido,  apresento o meu pedido de adesão à grande TABANCA GRANDE.


Passo a apresentar-me:


ANSELMO REIS GARVOA


(i) Natural de Chaves, nascido em 9 de Agosto de 1943, mas,  por razões que desconheço oficialmente a data é 2 de Janeiro de 1944 ( ainda não havia abono de família);

(ii) Residente em Massamá, somos quase vizinhos, não sei se é necessário morada completa, caso seja é só pedir;

(iii) Cumpri serviço militar obrigatório entre Setembro de 1966 e Janeiro de 1970, passei por várias unidades, entre outras Caldas da Rainha recruta, Tavira especialidade e em Lamego no verão de 1967 frequentei o curso de Operações Especiais Rangers ( 2º. ou 3º. curso);

(iv) Depois fui para o R15, Tomar,  onde já estava o Batalhão de Caçadores 2835, formado pelas companhias 2315 (da qual fiz parte como furriel miliciano de operações especiais), 2316, 2317 e respectiva CCS;

(v) Depois foi aguardar a oportunidade de embarcar para a Guiné, onde chegamos em meados de Janeiro de 1968, do quartel da Amura para Binar, Bula e Mansoa;

(vi) Para mim terminou aqui porque a 30 de Setembro de 1968 fui ferido em combate e alguns dias depois fui enviado para o continente;

(vii) O resto do tempo foi passado no Hospital da Estrela entre cirurgias e recuperação...




No período que estive na Guiné, não vale a pena acrescentar nada pois todos nós sabemos como era, eu em particular, por força de várias anestesias que fui submetido, a minha memória foi e está muito afectada, por vezes quero lembrar-me de certas coisas e não consigo, inclusive nomes de camaradas.


Saudações e já agora BOM NATAL.


Anselmo Garvoa


2. Comentário de L.G.:

Obrigado por seres já nosso amigo no Facebook e agora quereres passar à categoria, mais exigente (uma espécie de posto...), de camarigo (camarada da Guiné que passa a integrar a magnífica Tabanca Grande...). Pois, sê bem vindo, camarigo. Tiveste nove meses de Guiné, deixaste lá, além de muito suor e lágrimas, o teu sangue, um bocado do teu sangue. És naturalmente credor do nosso especial carinho e, seguramente, vamos ajudar-te a recuperar as "brancas" da tua memória... O sítio ideal é o nosso blogue e a nossa blogoterapia... Aqui há aqui muita malta que passou por Lamego e por Mansoa...


Conheces as nossas regras, afixadas na coluna da primeira página, do lado esquerdo, e que basicamente dizem: Somos um blogue de memórias e de afectos... Temos, entre nós, alguma malta do teu BCAÇ 2835, mas não da tua companhia... Serás, pois, o primeiro representante da CCAÇ 2315. Na Tabanca Grande terás o nº 463.


Que este Natal te traga boas recordações e melhores perspectivas, mesmo não tendo tu passado nenhum na Guiné. Um Alfa Bravo. Luís Graça


PS - O nosso co-editor MR é que costuma ter o privilégio de apresentar à Tabanca Grande os seus camaradas "rangers"... Assim aconteceu contigo, mas houve uma embrulhada qualquer, à mesma hora eu (em Alfragide) e ele (em Matosinhos) editávamos o mesmo poste... Ficou o meu, por decisão dele, que é "pira" (cá no blogue)... Mas eu achei que a nota que ele te escreveu merecia chegar ao teu conhecimento e ao dos demais tabanqueiros. Aqui vai:


 "Camarada Garvoa, em nome do Luís Graça e demais editores, eu, Magalhães Ribeiro apresento-te os melhores cumprimentos e votos de boas-vindas a este local cibernético onde mais de 400 Camaradas-de-armas vão registando, o melhor que podem e sabem, os seus melhores testemunhos factuais dos nossos, mais ou menos, difíceis tempos passados na Guiné, mais ou menos hilariantes e/ou  dramáticos, trocam informação, discutem ideias, etc. consoante a sorte ou o azar de cada um, nas suas estadias por aquelas bandas.
"Ficamos à espera que nos envies mais alguma matéria sobre a tua comissão e fotografias desses tempos, se as tiveres, como é óbvio".


______________________


Nota de L.G.:


Último poste desta série >  21 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7482: Tabanca Grande (256): António Duarte, ex-Fur Mil, da CCAÇ 12, da 3ª geração (Bambadinca e Xime, 1973/74)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

Lisboa > 2008 > Primeira página do sítio do Maxime, um cabaré de luxo dos anos 40, na Praça da Alegria, nº 58, que, na década de 60, também fazia parte do roteiro da noite dos camaradas da Guiné, de regresso a Lisboa ou em trânsito por Lisboa (como era o caso dos hóspedes do Hospital Militar Principal, à Estrela)... A par do Comodoro, do Bolero, do Ritz Club, e outros, e, claro, do Tosco, ali, ao Conde Redondo, do outro lado da Avenida da Liberdade...

Foto: Cabaret Maxime (2008). (Com a devida vénia...)

1. Mensagem, enviada a 4/11/08, pelo Jorge Félix ao Carlos Vinhal, e que este por sua vez me remeteu, a mim, chefe da redacção, com a seguinte (seca):
"Luís:
Pareces mais dotado para publicar as poucas vergonhas.
Aí vai a continuação do Tosco, do Jorge Félix.
Ab
Carlos.
Morcão... eu?"...

Carlos: Afinal o Tosco também é Guiné. Segue segunda parte, que volta a ficar ao teu critério. (...).


2. O Tosco - segunda leva

por Jorge Félix

O Mário Fitas atesta que o Tosco existiu (*).

Se não encontras referências no Dicionário de Lisboa sobre o Tosco, é porque, e bem, os senhores da verdade consideravam o Tosco como espaço Africano.

Fiquei muito lisonjeado com tudo o que me imputaste sobre a memória do Tosco.

A noite de Lisboa , em 69, tinha como sabemos , o Maxime, o Galo, o Bolero, ... mas quando tentei falar do Tosco, foi com o intuito de continuar a falar da Guiné.

O Tosco era território africano onde rolavam escudos. Se aparecerem "paradores" daquelas noites, podes ter a certeza que vais escutar histórias imperdiveis.

Não era malta que tenha guardado os aerogramas das madrinhas. Talvez não se recordem de nada.

Se os poderes olhar, se algum te aparecer, vais perceber o que digo.

Mas então qual era a relação do Tosco com a Guiné? Em Junho de 69 já havia bajudas a alternar no Tosco. Elas apareciam no Tosco porque os evacuados estavam lá, e não o contrário.

A malta ia para o Tosco porque havia um eléctrico que passava no Hospital da Estrela, e parava no Tosco. Era o único meio de transporte para aquela gentinha. O táxi não admitia passageiros como os clientes do Tosco. Se o eléctrico parasse no Comodoro, a história era outra.

Como muito bem recorda o Mário, "e lá desciam eles da Estrela". No Tosco paravam os combatentes mais sacrificados da guerra da Guiné.

A mancarra da Guiné era melhor que o amendoím de Angola

No Tosco ninguém discutia se a guerra estava perdida. Isso é que era bom !

Quem queria saber novidades da Guiné ia ao Tosco. E, Luis, naquele tempo, havia um ror de indivíduos que gostavam daquela gente.

Os gajos do Tosco gostavam de dizer, "ninguém ta tomar conta de nha bolanha", mas quando os "conchas contavam do Nelson Ned, " o que é que você vai fazer domingo á tarde", toda gente se calava e em uníssono, etilicamente temperados gritavam: VOU À BOLA!!!

Não se ia para o Tosco por causa das gajas. Descia-se para o Tosco pelo convívio e pelas histórias que a África nos reservava.

"A mancarra da Guiné é melhor que o amendoim de Angola", "Em Bissau com uma cerveja vêm dois meios camarões grelhados, camarão de Moçambique, rijnho, estes gajos não tem nada disso", "Como perdeste as mãos ? - caga nisso e dá-me outro golo de cerveja!"...

Esperemos por notas de quem andou pelo Tosco.

As noites quentes de Bissalanca..., as tardes quentes de Lisboa, com a Madame, a Princesa, a viúva de um piloto...

Para saltar do Tosco para Bissau tenho que falar na noite de Bissalanca. Confidências que não foram lavrados nos aerogramas, por pudor.

No Tosco, e não só, eram aliciadas brancas para irem para Bissau. A história é simples e resume-se ao seguinte: as Senhoras contratadas iam passar por serem as esposas de oficiais, sargentos e praças que estavam no mato, e que há muito tempo não viam o marido e passavam dificuldades financeiras.

O chorinho e lenga lenga batida sempre acabavam por adiantar umas massas em troca dos favores amorosos. Mas era diferente, não era prostituição. Era uma infidelidade guardada a sete chaves e selada com uns pesos valentes. Quem não queria enganar um cabrão que estava a bater com os costados no mato, e não enviava dinheiro à esposa ?

Aqueles que encheram o seu ego com o gesto glorioso de papar a Dona Fulana nas tardes quentes de Bissau , não se esqueça que pode ter caído numa bem ardilada história de amor construída no Tosco.

Entretanto apareceu o Luís Sousa que trabalhou no Comodoro. Por aí já andava a Madame, a Princesa e uma que não recordo o nome, "viúva de um piloto","um desastre do caraças", pormenor para aumentar o valor da queca e o mistério da senhora. A história era parecida com as Senhoras de Bissau mas com valores contrários. Talvez o Luís tenha conhecimento disto. (O patrão do Comodoro era do Farense, veio-me à ideia esta

Julho de 69: Um mês de boémia em Lisboa por conta da Junta Médica...

Um pequeno reparo, ao que dizes sobre os meus exames em Julho de 69. Ninguém vinha fazer exames de medicina aeronáutica a Lisboa, (um luxo; como bem escreves). Aconteceu comigo, ter que embarcar de uma hora para a outra, sem nenhuma explicação, num avião com guia de marcha para o Hospital Militar. (Outra história a recuperar).

Perante a junta médica que me questionou, o que é que eu "tinha", a minha resposta não deve ter agradado aos doutos senhores pois esperavam um rol de maleitas habituais em tais situações e levaram com "Não tenho nada!". Este dito permitiu-me estar em Lisboa um mês onde aprendi a apanhar o eléctrico para o Tosco. Nunca soube porque fui evacuado. Na altura tudo "estava bem" e tudo acabou em bem.

Luis, vamos ficar à espera que apareçam os tertulianos que foram personagens destas guerras que não fez vítimas nem recalcou ninguém.

Li agora do Jorge Cabral, a referência ao Ritz Club e ao Bolero. Quem escuta uma história de um veterano de 69, escuta todas as estórias dos outros contemporâneos . Rapaz das noitadas, tinha que ir a estes sítios todos, e a todos no mesmo dia, se se aguentava das pernas.

Compreendo muito bem porque o Jorge Cabral falhou como empresário da noite (**). Naquele tempo não era fácil.

Ao Ritz levei o Manuel dos Twistes, Furriel Manuel Ferreira, a cortar o cabelo, depois de termos passado numa livraria ali no Jardim da Parada, comprar um poster do CHE [Guevara], para levar para Teixeira Pinto, com embarque ás duas da manhã .

O Bolero tinha a tal sala em cima, onde se comiam uns pregos, e se escutava a tal orquestra; acordeonista cego, baterista coxo, e um empregado de Braga danado para a brincadeira. Quando a banda estava no seu merecido descanso , invariavelmente atirava com a bandeja para o chão a fim de imitar o som do prato da bateria, gesto este que punha imediatamente o Cego a tocar. Brincadeira repetida vezes sem conta, mas que todos achavam uma graça do carago.

No Bolero as gajas alternavam em baixo enquanto as "famílias comiam em cima".

O Tosco,como já tentei dizer, era diferente de tudo.

Esperemos por uma memória a valer e que nos fale das histórias do Tosco (***).

Um Abraço
Jorge Félix


3. Comentário de L.G.:

Carlos, "estas poucas vergonhas" também fazem parte do nosso cadastro... Temos que as assumir. Fazer batota era limpar, branquear o nosso cadastro, como o António Ferro, o ministro da propaganda de Salazar, fez ao fado, canção maldita das putas e dos chulos de Lisboa... E, depois, que poucas vergonhas eram essas, quando comparadas com as grandes golpadas de que fomos, directa ou indirectamente, vítimas ?

Jorge: Nota máxima para o teu segundo apontamento sobre o nosso roteiro da noite... Por que era de noite que carregávamos as baterias para enfrentar os pesadelos dos dias... Infelizmente não há, até ao momento, imagens do Tosco, do Bolero, do Ritz Club com os veteranos de 69 (e do Vat 69, que a marca do uísque marado que a gente emborcava)... Talvez se perceba: ali não havia glamour, nem lantejoulas, nem champanhe francês, nem meninas que tocavam piano e falavam francês... Por ali passava a fauna da Guiné, a nossa fauna, esfomeada de sexo, de calor humano, de ternura, de liberdade... Não é fácil falar destas poucas vergonhas, como diz o Carlos na brincadeira... Por isso, obrigado, Jorge, por dares o exemplo, por nos mostrares o caminho no regresso ao passado, por seres nosso guia e nosso cúmplice...
____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

4 de Novembro de 2008 Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

(***) Não sobre o Tosco (que eu não conheci, frequentei apenas o Maxime, na primavera de 1971, e onde cheguei a ter uma garrafa de uísque marado...) mas sobre Bissau, cidade-bordel dos anos de 1969/70, escrevi algumas notas, já aqui publicadas:

14 de Novembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)
(...) Bissau: cidade-caserna, cidade-bordel

Bissau revisitada… Devo, antes de mais, confessar-te que, se acaso fugi da Guiné por uns dias, nem por isso deixo de sentir-me perseguido pelo seu fantasma. Sabes como é (ou, pelo menos, deves imaginar): uma incómoda sensação de estado de sítio (que nada tem a ver com a insularidade – aliás, pouca gente sabe que Bissau fica numa ilha), agravada, para quem aqui vegeta, pelos fantasmas dos foguetões que ainda há tempos flagelaram Bolama, a antiga capital colonial…

Bissau, cidade-caserna, cidade-bordel!... Para quê falar-te do tráfego (e do tráfico!) de carne branca sem qualquer carga erótica para lá do fetiche da cor da pele ?! De qualquer modo, o contrabando do sexo é negócio que vai de vento em popa - aqui funcionam as leis do mercado, a procura é muita e a oferta é variável ! – a par da quinquilharia oriental e sobretudo dos produtos nipónicos que ultimamente invadiram os free-shops cá do sítio, desde os Gouveia aos Taufik Saad, para quem o amendoim, o coconote e os panos de chita já foram chão que deu uvas… Enfim, o comércio da guerra e a guerra do comércio, uma parelha que sempre se deu bem em toda a parte!

Para quê falar-te dessas prostitutas que naufragam em todos os portos onde cheire a merda, a morte e a soldadesca, fugidas da miséria das ilhas de Cabo Verde e dessas outras ilhas de Lisboa e do Porto ?! Ou ainda dessas fêmeas, balzaquianas, que os tropas do ar condicionado mandaram vir da Metrópole e que passam, sequestradas, nos Wolkswagen e nos Mercedes pretos, conduzidos por soldados africanos – insólita imagem de jovens eunucos negros, subsaarianos, guardando as velhas odaliscas nos haréns dos sultões das Arábias!...

Não suporto, aliás, a visão desse branco asséptico, dessa cor neutra das metropolitanas cujo tom de pele tem qualquer coisa de viscoso como as paredes dos hospitais… Receio até que esteja a tornar-me racista ao contrário ou a caminhar para a misogenia, como aquele prisioneiro que, ao sair de Auschwitz, não conseguiu sequer beijar a mulher porque tinha horror a tudo o que era humano…

Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…

Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”!...

Imagina, pois, Bissau como estância de repouso do guerreiro. Há aqui, de certo, um equívoco, um tremendo equívoco por parte do médico miliciano, que até é um gajo porreiro, capaz de dar umas baixas aos operacionais, não obstante as ameaças veladas do comandante de sector… Mas eu estou farto dos gajos porreiros, como ele, que joga bridge com os cabrões dos oficiais superiores, apostados em ganhar a guerra (leia-se: os próximos galões) à custa de ti, de mim e da nossa tropa-macaca… É que Saigão, meu caro, é o último lugar do mundo onde eu poderia esquecer o Vietname!...

De qualquer modo, para além duns furtivos raides ao Pilão, as únicas operações que aqui se realizam ainda são do tipo gastronómico. Enfim, a nossa velha filosofia epicurista segundo a qual o melhor que se leva desta vida é ainda o que se come e o que bebe. Eis-nos, portanto, tristemente reduzidos ao ciclo vegetativo , ou seja, aos camarões, às ostras e às verdianas (sim, por que essas pretas de 1ª, na nossa linguagem machista e racista, também são coisas que se comem!) (...).

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA



Meia evacuação, ou... uma grande salganhada


Hugo Guerra
ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma


Às tantas. Até nisto fui exagerado. Fui evacuado por duas vezes e meia.

A meia evacuação

E tenho que começar pela meia evacuação para se perceber como aconteceram as outras duas. Foi assim:


Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.

Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.

Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.

Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos.

A minha ligação de amizade com os Páras e o Coronel Diogo Neto, a quem pedi uma boleia no 1º avião que saísse de Bissau, colocou-me em Lisboa na noite seguinte.

Esclarecida a situação, para mim completamente surrealista, pois mais parecia estar a viver um pesadelo, fui às Urgências do HMP [Hospital Militar Principal, à Estrela] em desespero de causa, mas com a ideia que tinha duas coisas a fazer: (i) Cumprir o que tinha prometido ao General Spínola; e (ii) fugir de tudo isto - os meus 24 anos e a época em que vivíamos, não eram compatíveis com a visão marialva da vida que tinha levado até então.

Fui muito bem atendido no HMP e drogaram-me o suficiente para chegar a Bissau, como era meu desejo. Podia ter acabado ali a minha comissão mas o orgulho ferido e a vergonha eram muito fortes e pensava que o melhor era pôr a distância entre mim e toda esta porcaria.

Lá embarquei num avião militar que fez escala em Cabo Verde e, como ia cheio de comprimidos, adormeci profundamente num banco de madeira que por lá havia e esqueceram-se de me acordar.

Só passado mais de meia hora deram comigo e lá segui, com uma carta do HMP para baixar de imediato ao HM 241, à Psiquiatria. 18 de Julho de 1969. Como o percurso foi ao contrário chamo-lhe meia evacuação.

Vamos à seguinte

Na Psiquiatria em Bissau vi os apanhados do cacimbo e outros que se faziam a isso.
Não era bonito de ver essa golpada, quando mesmo ao lado tínhamos verdadeiros heróis, todos esfarrapados e já com peças a menos, que só eram evacuados se houvesse a certeza que não morriam pelo caminho; eu estive lá a estabilizar e como queria regressar ao meu pelotão, o Pel Caç Nat 55, os médicos devem ter percebido que eu já não batia certo e despacharam-me mesmo para Lisboa.

Passados dias vim então, evacuado para a Psiquiatria do HMP.

Na Psiquiatria onde fiquei internado em camarata, pois claro, com janela virada para o Jardim da Estrela onde as moto-serras começavam o seu chinfrim às horas em que conseguia adormecer (durante a noite os pesadelos eram mais que muitos), dizia eu, na Psiquiatria, éramos atendidos por Psiquiatras novatos, muito junto uns as outros, de modo que uma consulta era muitas vezes partilhadas com os vizinhos do lado.

Acho que a medicação também devia ser standard , o que nos fazia parecer um bando de doidinhos.

Cansado disto e porque mais uma vez me encontrava em Lisboa onde me sentia altamente traumatizado e desconfortável, pedi para tratar-me em ambulatório, gozei uns dias de férias no Algarve e, ainda sem os 12 meses cumpridos, pedi outra vez que dessem alta e mandassem de volta à Guerra.

Fui a uma Junta Médica e consideraram que eu estava no meu melhor e apto... para todo o serviço militar. Mais tarde e, na sequência deste filme, a doença foi considerada como adquirida em Serviço de Campanha.

Ter ou não 12 meses cumpridos em zona de 100% era importante por ser norma, não sei se escrita, que o pessoal nessas condições fazia o resto da Comissão em Portugal. Nem disso quis saber...

E só regressei a Bissau depois do Ano Novo, 1970, Janeiro, porque as meninas do Depósito Geral de Adidos, com peninha de mim foram escamoteando o meu regresso até passar as Festas Natalícias.

Terceira e última

Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade. Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.

Fiquei num quarto com mais dois camaradas que estavam lá a repousar, duma operação a uma hérnia um, e de um quisto qualquer, outro.

Só passados cerca de 10 dias a minha família foi avisada e nada disseram aos meus Pais. Afinal ainda podia morrer. Recordo-me de ver dois vultos aos pés da minha cama e ouvir a voz da minha irmã mais velha dizer, lamuriante:

- O meu irmão era tão bonito.

Imagino o aspecto que teria todo queimado e cheio de cicatrizes na cara, cabeça e membros. Nessa altura já o médico me tinha dito que tinha ficado sem o olho esquerdo e começaria os tratamentos a seguir à Páscoa quando estivesse mais estabilizado. Só ao fim de dez ou quinze dias comecei a poder comer porque até aí os dentes abanavam todos.

Em meados de Abril já fazia a pé o caminho para as diversas clínicas que passei a frequentar e apanhei o primeiro susto quando tiveram que me amputar os restos do olho.

Foi horrível mas acho que foi o Luís (Graça) que pediu algumas vivências de camaradas da Tabanca que tivessem frequentado o HMP, tout court.

Não sei se esta parte da Guerra é publicável, mas eu limito-me a contar a minha história, como a vivi e sobrevivi.

A verdade é que com isto tudo estava outra vez em Lisboa e, assim que achei que estava operacional, em Agosto outra vez, pedi para me mandarem à Junta Médica (JHM) e fiquei livre da minha guerra de G3.

Assim pensava. Em Outubro já estava em Angola a tomar conta da Fazenda Tabi, em zona de guerra, perto do Ambriz e fiquei naquele belo País até Abril de 1974. Foi o tempo para lamber e sarar as feridas.

Um abraço do
Hugo Guerra

__________


Notas de vb:

1. Artigos do Hugo Guerra em

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel (Hugo Guerra)

2. E da série Histórias de vida em:

17 de Novembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3067: Estórias do Juvenal Amado (12): O longo abraço (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74



1. No dia 12 de Julho de 2008, recebemos esta mensagem do nosso camarada Juvenal Amado

Caros Carlos, Virgilio e Luis Graça e toda a Tabanca

Esta estória acaba por ser a história de um camarada nosso, mas acima de tudo serve para prestar homenagem a um homem bom, que em dada altura ajudou outro sem esperar qualquer beneficio. Antes pelo o contrário o ter ignorado a questão, podia ter-lhe trazido alguns problemas.

Tenho lido a série dos nossos regressos. Não li todos mas já alguns entre eles os relatos do Carlos e do Virgilio. Gostei muito. Nem eu me lembrava do que senti também quando regressei.
Possivelmente também escreverei sobre isso, mas ainda estou . Ainda não consigo regressar.

Um abraço para todos
Juvenal Amado






Caderneta Militar do Filipe



2. O longo abraço
Tem cuidado, deixa essas conversas para a Metrópole. O africano veio fazer queixa de ti.

Por Juvenal Amado

Naquele momento sentiu desabar sobre ele uma infinidade de sensações. Umas de revolta por ser tão ingénuo, outras de espanto por alguém que sendo também um oprimido, tinha feito queixa dele.

O Alferes Mota era o Comandante do Pelotão das Transmissões e por conseguinte o Oficial Superior do nosso camarada. Estava de Oficial de Dia, tinha recebido a denúncia. Após ter-lhe feito a recomendação, dirigiu-se para messe.

Meio atarantado, o Rádiomontador Filipe dirigiu-se para o seu abrigo cheio de medo e pensando:
– Desta vez não me safo - criticar o regime na nossa situação, pode ser considerado traição.

Tudo se tinha passado no Regala (*), pequena loja de utilidades que também servia uns bitoques com um tempero africano, que era de comer e chorar por mais.

O Filipe, como de costume, tinha algum prazer em iniciar as discussões. Dessa vez não foi diferente e a forma como se estava a ministrar o ensino da língua portuguesa, às crianças da Guiné, era para ele motivo de crítica. O individuo de cor chegou-se à mesa ninguém sabe bem como. Cada um pensou que ele era amigo do outro e ninguém fez reservas. Entrou na conversa sobre a escola e o ensino que estava a ser administrado nas escolas primárias.

O Filipe entusiasmou-se com a conversa e sem se aperceber de inicio, com a retirada estratégica da conversa que os companheiros de mesa fizeram, soltou tudo que pensava e quanto mais os outros se retraíam, mais ele avançava.

Mais alguns mas... da parte do negro (possivelmente professor) o Filipe, subia o nível as criticas ao Estado e à guerra, aliás assunto que já lhe tinha causado alguns dissabores e apertos. (**)

O africano levantou-se e dirigiu-se na direcção da Porta de Armas, que ficava talvez a quinhentos metros.

O Filipe que tinha caído em sí e desconfiado, seguiu até o ver entrar no Quartel.
Ficou com o coração apertado, mal disse o seu feitio de ser pouco cuidadoso com quem falava, pois ele sabia como as opiniões politicas contra o regime eram tratadas.
Mas ele era assim, quando via ou ouvia algo que lhe desagradasse, tomava partido e como era costume, raramente alguém compreendia as suas razões.

Entretanto, algum tempo depois vai para Bolama, em gozo de férias. Naquele tempo cometia-se toda casta de imprudências, desde beber por copos possivelmente mal lavados, comer marisco de proveniência duvidosa, enfim petiscos porque férias são férias.

As férias foram óptimas naquele ambiente paradisíaco e exótico.
Já perto do regresso a Galomaro, adoece e é já doente que chega ao destacamento. Está todo amarelo, é urgentemente evacuado para o Hospital Militar de Bissau. Está com hepatite e corre perigo de vida.

E é lá que está, quando o Alferes Mota chega, também ele doente com hepatite. O Filipe vai vê-lo através da porta envidraçada da enfermaria dos infecto-contagiosos. É numa dessas espreitadelas que vê o enfermeiro junto à cama, com o nosso camarada já morto.

Dois dias após a sua chegada, morre o alferes Mota (***), com os parâmetros das análises mais baixas do que as do Filipe.
A morte passou por ali e fez a sua escolha.

O Filipe esteve internado 32 dias em Bissau, antes de ser evacuado para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde esteve 173 dias.

Conhecendo eu o Filipe, o seu romantismo revolucionário, não o deve ter deixado calado por onde passou. Resultado cartas, fotos e objectos, que ao tempo foram considerados suspeitos vá-se lá saber porquê, tudo desapareceu entre Galomaro, Hospital de Bissau e Estrela .

A PIDE também visitou a casa da mãe no Porto, quando ele por sorte estava em Lisboa. A seguir, o 25 Abril veio pôr fim aos delitos de opinião, que as gerações mais novas nem sonham o que era, talvez por nossa culpa.

O Filipe faz um sentido agradecimento à memória do Alferes Mota, por o ter ajudado naquela noite, quando ele regressava do Regala. Eu também lhe agradeço, pois pequenos gestos como o que praticou, ajudaram a anular a suspeita, as escutas e a delação, que eram uma constante nas nossas vidas.

Brancos ou pretos, a PIDE não escolhia cores e o braço era longo.
Obrigado Alferes Mota.

Algumas notas:
(*) - O senhor Regala era um individuo de origem caboverdiana, que para além de proprietário do café, também faziam colunas de reabastecimento connosco. Homem bem falante e lúcido, quanto aos problemas da sua terra. Dizia-se que tinha relações privilegiadas com a guerrilha e por isso, coluna onde ele fosse nunca era atacada. Galomaro também beneficiava dessa protecção, o que veio provar-se ser mentira, uma vez que fomos violentamente atacados.

(**) - Em dada altura que o Filipe, assistiu à saída de camaradas para os postos avançados e patrulha nocturna, desatou a fazer barulho e a protestar contra o facto. O barulho chegou aos ouvidos do Comandante, que mandou averiguar o que se passava. Dessa vez o anjo protector chamou-se Dr. Pereira Coelho, que abraçando-o, disse-lhe ao ouvido que se fingisse bêbado e assim o salvou.
Por vezes O Filipe, era mal compreendido e se não vejamos o episódio das bajudas; Ao fim da tarde, os soldados iam ter com as lavadeiras, que se acercavam do destacamento. Eram momentos em que os soldados, davam por vezes largas a alguma falta de respeito para com as lavadeiras. Alguns por graça e para as ouvir dizer de uma enfiada só, todos os palavrões que conheciam em português e no seu dialecto. Apalpavam-nas e diziam-lhe que não lhes pagavam, por elas lhes terem partido os botões todos, ao lavarem as camisas como hábito, batendo com as ditas em pedras pois sabão, era coisa que não entrava nos seus apetrechos.
Tínhamos chegado a Galomaro, quando o Filipe se insurgiu contra uma dessas cenas, que verdade se diga não eram muito dignificantes, pois algumas bajudas eram muito novas. Resultado foi ele se envolver em briga, com um dos participantes dessa tertúlia, indo parar ao chão com o estalo que recebeu.

(***) - O Alferes Mota era um oficial miliciano, antigo seminarista, bastante culto, muito correcto para com os seus subordinados.
Morreu se não estou em erro no dia 26 de Novembro de 1972 com hepatite e não com paludismo como escrevi na minha estória O Ultimo Natal em Galomaro.

PS: Esta estória resulta da correspondência que tenho mantido com o Filipe há já algum tempo.

Juvenal Amado
09.07.08

Foto 1 > O Filipe com a lavadeira

Foto 2 > O Filipe com o Esofe que se juntou à Resistência

Foto 3 > O Filipe em Galomaro

Foto 4 > O Filipe na esplanada do Regala com dois camaradas do STM e Centro de Operações

Foto 5 > O Filipe no HM 241 de Bissau

Fotos © Juvenal Amado(2008). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2938: Estórias do Juvenal Amado (11): Galomaro, Bambadinca, Cancolim e Gabu (Juvenal Amado)