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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23480: Nota de leitura (1470): Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
É bem interessante o contexto histórico em que ocorreu a definição das fronteiras da Guiné. A presença portuguesa era praticamente inexpressiva, a diplomacia portuguesa queria o apoio de Paris para reconhecer a legitimidade dos nossos interesses nos territórios entre Angola e Moçambique. Foi dolorosa a perda do Casamansa, nem os comerciantes nem os autóctones desejaram o domínio francês, e ninguém na época ia supor que todo o Casamansa seria um pomo de discórdia quando se fundou o Senegal. Já aqui se divulgaram as notas de um brioso oficial da Marinha que foi até à região de Cacine e Kandiafará, nesta região havia mercado e não havia autoridades portuguesas. O artigo de Armando Tavares da Silva, que anda muito próximo do conteúdo do seu livro "A presença portuguesa na Guiné", descreve todas as peripécias que levarão à fixação das fronteiras, fazendo ver a todos esses apóstolos de hoje que batem a mão no peito sobre a nossa presença de cinco séculos a grande ilusão que se montou para se falar numa Guiné onde mal existiu o sopro de um verdadeiro colonialismo.

Um abraço do
Mário



Como nasceram as fronteiras da Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Armando Tavares da Silva, autor do livro "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, assina no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa aqui referido, o artigo A fixação das fronteiras da Guiné pela Convenção Luso-Francesa, texto que acompanha com grande proximidade o que ele publica no seu livro entre as páginas 127 e 148. Tratando-se de matéria de elevado interesse histórico, intenta-se um resumo das várias questões tratadas, visto que a partir de maio de 1886 houve em definitivo a definição de um território que até então conhecera inúmeras designações e de que se desconheciam todos os contornos.

A questão ganha premência com a crescente presença francesa na região do Casamansa, a Norte, e na região de Compony, a Sul, os franceses queriam alargar os seus domínios, não estavam satisfeitos em ficar à entrada do rio Casamansa, e queriam fazer recuar a presença portuguesa para lá de Cacine. Quem representava os interesses portugueses agia lentamente, num vai-e-vem de exposições e respostas diplomáticas que só nos prejudicava. Honório Pereira Barreto assistia ao perigo crescente e informou o Governador de Cabo Verde em maio de 1837. Novo vai-e-vem diplomático, a França invocava razões históricas para ali estar. É então que o visconde da Carreira se dirige ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da França com as nossas provas históricas, dando ênfase à Crónica da Conquista da Guiné, de Zurara.

Armando Tavares da Silva repertoria um conjunto de incidentes na região do Casamansa, ora tira ora põe bandeira portuguesa ou francesa, caso dos incidentes de Adiana e Sindão. Recorde-se que a região Sul também estava sob cobiça, os franceses pretendiam comprimir a presença portuguesa para cima do rio Cacine, resta dizer que a presença de autoridades portuguesas era nula na região.

Depois de várias pressões da diplomacia francesa, e tendo já terminado a Conferência de Berlim, o governo de Paris manifesta disposição para negociar fronteiras não só na Senegâmbia como também sobre o litoral do Congo. O governo de Lisboa tenta separar a questão do Casamansa e de Cacine com a pretensão francesa da posse do território de Massabi. Certo e seguro, as negociações entre Portugal e a França irão ter lugar em 1885, a França insiste então não nos seus direitos históricos e utiliza uma expressão subtil: “em nós penetra a ideia que a solução para ser prática deve ser procurada mais nos factos do que nos arquivos”, evitando-se complicar a obtenção do acordo “por discussões onde cada um se acharia a produzir títulos históricos sem que eles possam conduzir a comissão a qualquer conclusão, uma vez que nós não teríamos qualidade para concluir, o que é desde já uma razão para os pôr de parte”.

Seguem-se propostas e contrapropostas, a diplomacia portuguesa dá sinais de transigência quanto às fronteiras da Guiné desde que se retire qualquer reivindicação francesa sobre o Massabi. E chega-se a uma sessão em 11 de janeiro de 1886 em que a questão dos rios Cacine e Compony vem à baila, a França não esconde que pretende um recuo da fronteira da possessão portuguesa para lá de Cacine, está muito interessada em conservar a posse da ilha Tristão na embocadura do Compony.

O governo de Lisboa, e continuamos em janeiro de 1886, declara abertamente que não pode aceitar o abandono dos territórios na margem esquerda do Massabi (ou Loema). No mês seguinte, a França insiste na posse da margem esquerda do Loema. Depois de algumas vicissitudes, entre elas a queda do governo de Lisboa, Portugal sacrifica o seu direito histórico no Casamansa e no rio Nuno. O político Barros Gomes escreve: “Para nenhuma das regiões além-mar poderia Portugal ostentar melhores títulos de posse do que para as regiões banhadas pelo Casamansa. Descoberta, conquista, ocupação efetiva, tratados celebrados com os potentados indígenas, convénios diplomáticos com as nações da Europa, remontando alguns ao século XV, tudo quanto pode constituir um direito e justificar a soberania, tudo pode ser alegado em favor do domínio de Portugal naqueles territórios, tudo tende a acentuar o sacrifício consumado com o seu abandono".

Perdia-se o Casamansa, lutava-se por uma fronteira mais folgada no Sul. A França deixa de insistir na sua presença no Massabi. E assim se chega ao projeto de convenção apresentado pela França, onde esta faz o reconhecimento do direito de Portugal exercer a sua influência nos territórios que separavam as possessões portuguesas de Angola e Moçambique, era uma vaga e inconsequente declaração formal, não terá qualquer peso face ao Ultimato. Durante as negociações, Portugal pretendeu que se mencionassem os limites dos territórios entre Angola e Moçambique, a França opôs-se liminarmente, fez reconhecimento “sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potências”. A Convenção Luso-Francesa foi aprovada na Câmara dos Deputados a 2 de julho de 1887 e aprovada na Câmara dos Pares a 18 seguinte.

Em 25 de agosto de 1887 a Convenção foi assinada pelo rei D. Luís. Armando Tavares da Silva regista a extensa apreciação que a comissão de negócios externos da Câmara fez do projeto de lei, dava-se como as cedências no Casamansa compensadas tanto pelo rio Cacine como pelo reconhecimento que a França fazia de quase todo o território do Massabi e o da zona de exploração entre a província de Angola e Moçambique: “O rio Cacine e os territórios de uma e outra margem foram com efeito uma cessão a troca de outra, porque, embora as nossas descobertas e as nossas pretensões a domínio se estendessem ainda mais para o Sul, é certo que a posse efetiva pertencia à França”.

Estavam consumadas as fronteiras. Segue-se um período de tentativas de ocupação que só serão coroadas de êxito com as campanhas de Teixeira Pinto, é a partir daí que a administração portuguesa, de forma mínima, se irá internando até ao Gabú, descendo à península de Cacine e ao arquipélago dos Bijagós, finalmente submetido em 1936, com a capitulação do régulo de Canhambaque.

Monumento alusivo às campanhas do Canhambaque, imagem de Francisco Nogueira, publicada na obra "Bijagós, Património Arquitetónico", Edições Tinta da China, 2016, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23470: Nota de leitura (1469): Sobre Graça Falcão, a melhor fonte será porventura "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", de Armando Tavares da Silva; Caminhos Romanos, 2016 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23378: Historiografia da presença portuguesa em África (322): A Guiné e as Campanhas Coloniais (1850-1925) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
A coleção Batalhas da História de Portugal teve grande notoriedade, para além das livrarias chegou a vender-se nos quiosques e papelarias, teve imensa procura, recebeu apoio da Academia Portuguesa de História e vários investigadores consagrados colaboraram ativamente nos diferentes livros. Um deles foi dedicado às campanhas coloniais, poder-se-á dizer que não traz grandes novidades mas é uma boa síntese divulgativa e permite uma leitura num contexto comparativo com as campanhas que decorreram em Angola (Cuamato, Dembos, Lunda, I Guerra Mundial), Moçambique (Campanhas da Zambézia e a luta contra os Bongas, Barué, Chire, Macequece, Campanhas do Sul do Save, Marracuene, Magul, Coolela, Chaimite, a Campanha de Gaza, até à pacificação do Angoche), depois temos um quadro dos acontecimentos na Índia e Macau até às campanhas e revoltas em Timor. Enfim, uma obra que merece ser apreciada num meritório trabalho de divulgação que infelizmente parece ter arrefecido, é público e notório o abrandamento de trabalhos em torno do Império Colonial Africano e mesmo do Império Português em geral.

Um abraço do
Mário



A Guiné e as Campanhas Coloniais (1850-1925)

Mário Beja Santos

A Coleção "Batalhas da História de Portugal" consagrou um volume às campanhas coloniais que ocorreram entre 1850 e 1925 em Angola, Moçambique, Guiné e Timor. O texto principal deste volume é da responsabilidade do Prof. Doutor António Ventura, QUIDNOVI, 2006. Como é compreensível, vamos cingir as nossas observações ao que o historiador refere sobre a Guiné.

Vejamos como ele introduz a problemática das campanhas na colónia:
“Na Guiné, desde a década de 40 do século XIX que se sucederam as sublevações e os confrontos entre diversas etnias locais, por um lado, e entre estas e as autoridades portuguesas, por outro. Em 1844, os Grumetes atacaram a Fortaleza de Bissau, que contava com um reduzido número de defensores. Em 1853, foi criado o cargo de Governador da Guiné, com residência em Bissau, ficando-lhe subordinado o governo da Praça de Cacheu. Nesse ano, ocorreu a sublevação dos Papéis, que atacaram Bissau, que só foi salva graças à intervenção de forças francesas: o brigue Palinure desembarcou um destacamento em socorro da Praça. A 9 de Outubro de 1856, Honório Barreto conseguiu forçar a submissão destes sublevados”.
No período posterior dá-se uma nova organização administrativa, a Guiné é constituída como um só concelho, fica subdividida em Praças e Presídios, sob a administração de um Governador chamado da Guiné Portuguesa, residente em Bissau, virá a ser a sede de um Distrito Administrativo Militar, na vila é também criada a Comarca Judicial. Os conflitos interétnicos agudizam-se: a guerra sangrenta de Fulas contra Mandingas e Beafadas, que se estenderá ao Forreá em 1866. Em 1871 eclode nova rebelião dos Grumetes de Bissau, durante a qual foi morto o Governador-interino do Distrito. Em 1878, os Felupes atacaram em Bolor uma força comandada pelo Tenente Calisto dos Santos, morrem dois oficiais e 50 soldados. O acontecimento tem grande repercussão em Lisboa, decide-se romper com a dependência de Cabo Verde e estabelece-se autonomia da Província, pela primeira vez há uma capital na Guiné, Bolama.

Mas as sublevações não param, logo houve que reprimir uma revolta do Batalhão de Caçadores N.º 1, em Bolama. No ano anterior, os Felupes de Jufunco cediam todo o seu território a Portugal. Assinam-se tratados de paz com os Fulas do Forreá e com os Beafadas de Guinala. A despeito desta atmosfera de paz, em 1881 os Fulas e Futa-Fulas do Forreá atacaram a Praça de Buba, e pouco tempo depois revoltam-se os Beafadas de Jabadá, tudo fica aparentemente resolvido com acordos de paz. Não param as sublevações mas também as homenagens ao governo da colónia. Em 1885 é feita a paz em Buba entre os Fulas e Beafadas, depois de uma longa guerra de extermínio. No ano seguinte, Portugal confirma e ratifica a Convenção Luso-Francesa, renuncia-se ao território do Casamansa incluindo o porto de Ziguinchor. Sucedem-se pequenas desordens, rebeliões na ilha de Bissau, no Leste e nos Bijagós. Onde fervilha a tensão é mais à volta da fortaleza de Bissau, mas também há guerra na região do Geba. em 1892, a província é convertida em Distrito Militar Autónomo. Criaram-se os Comandos Militares de Bissau, Cacheu e Geba, mas os efetivos continuam a ser minúsculos e as rebeliões na ilha de Bissau permanentes. Tudo parecia ter melhorado na região de Cacheu bem como na região de Cacine, melhorara a ocupação militar da Guiné, para além de Bolama e Bissau, estendia-se a Geba, S. Belchior, Sambel-Nhantá, Cacheu, Farim, Buba, Bolola, Contabane, Cacine e Cacondo. Ao todo, estavam no território dois destacamentos com sete oficiais, dois sargentos e duzentos cabos e soldados.

Em 1896, é a vez dos Manjacos manifestarem rebeldia. Inicia-se a primeira Campanha do Oio, é durante estas operações que um chefe Mandinga, Lamine Indjai, aliado dos Portugueses, morreu a defender a bandeira que levava e que não deixou cair nas mãos dos sublevados. Mas a campanha terminou de uma maneira desastrosa, Graça Falcão, Comandante de Farim e responsável pela Campanha escapou por um triz. Até ao fim do século vão aumentando os postos militares. Há populações que se recusam a pagar imposto e insubordinam-se, daí várias campanhas, logo na zona de Churo, envolvendo forças terrestres e navais, os Papéis submetem-se. Cria-se uma companhia mista de artilharia em Bolama, efetuam-se uns trabalhos de delimitação de fronteiras, as forças portuguesas e francesas foram alvo de ataques. Em 1907 começa a guerra do Cuor, que prosseguirá no ano seguinte, com um contingente nunca visto. O régulo do Cuor, Infali Soncó, foge depois de ter dado séria resistência. Novas operações na ilha de Bissau, é aí que se faz notar Abdul Indjai, que acabará exilado em S. Tomé, depois perdoado e mais adiante vamos vê-lo como um autêntico braço direito do Capitão Teixeira Pinto.

As sublevações, insurreições e insubordinações são uma constante entre o fim da Monarquia e os primeiros anos da I República. A grande alteração começa a ser dada com as operações de Teixeira Pinto nas regiões de Mansoa e Oio, em 1913, com o apoio de forças navais, acompanha-o uma guarda avançada de Abdul Indjai e 400 irregulares. Em janeiro de 1914, depois de nova revolta no Churo começa a marcha da coluna de operações de Cacheu, comandada por Teixeira Pinto, em abril estes territórios dão-se como pacificados, Teixeira Pinto prossegue contra os Manjacos e dá-se por finda a campanha de Cacheu e Costa de Baixo. Teixeira Pinto volta-se agora para os Balantas que pedem a paz. Teixeira Pinto embarcou para Lisboa e só regressou em janeiro do ano seguinte. Desta feita, a grande questão é Bissau, os Papéis dão imensa luta.

Teixeira Pinto e o Tenente Sousa Guerra mais 1600 guerreiros com Abdul Indjai à cabeça, de novo com apoio naval, procuram obter uma vitória definitiva. Os sublevados pareciam levar tudo a melhor até que foram repelidos por Teixeira Pinto que contra-ataca e toma de assalto as posições de Intim e Bandim e mais adiante Antula, e depois Safim, a marcha terminará em Bor e Biombo. Com a captura do régulo de Biombo e a rendição do régulo de Tore terminava com êxito completo a campanha da ilha de Bissau. Foi uma pacificação que custou um elevado preço aos portugueses e seus aliados: 284 mortos e feridos. Mas ainda se estava longe de uma pacificação efetiva. Em março de 1917 era declarado o estado de sítio em todo o arquipélago dos Bijagós, o Tenente Sousa Guerra comanda uma coluna com o objetivo de estabelecer um posto militar em Canhambaque, mas nada sucedeu. De novo declarado o estado de sítio em maio com o mesmo objetivo de estabelecer um posto militar em Canhambaque, o sucesso foi reduzido. É neste período que surgem graves problemas com Abdul Indjai, então régulo do Oio e Cuor, o seu comportamento e os abusos praticados provocaram um grande descontentamento das populações, as autoridades portuguesas viram-se obrigadas a agir contra o seu antigo aliado. Novas operações em julho de 1919 e prisão de Abdul Indjai que será demitido do posto de Tenente de 2.ª linha, previa-se a sua deportação para Moçambique mas morreu em Cabo Verde.

Vão continuar a haver problemas nos Bijagós, grandes combates, em maio de 1926, durante esta fase de tentativa de ocupação, nesta região Bijagó sublevada as forças portuguesas tiveram 22 mortos e 74 feridos. A chamada pacificação da Guiné será reconhecida só em 1936, com a submissão de Canhambaque e a paz com os Bijagós.

Infali Soncó, régulo do Cuor, ainda no momento de confraternização com as tropas portuguesas, 1908, fotografia de José Henriques de Melo
Ataque dos auxiliares portugueses na chamada Guerra do Cuor, 1908
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23352: Historiografia da presença portuguesa em África (321): Grande polémica (2): Luís Loff de Vasconcelos versus Teixeira Pinto e Abdul Indjai (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23271: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (24): Cacheu, restos que o império teceu... - Parte I


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Uma das 16 peças de artilharia que defendiam a entrada do rio Cacheu.

"Os trabalhos de recuperação do antigo forte colonial foram desenvolvidos de Janeiro a Março de 2004, com recursos da ordem de cem mil Euros, disponibilizados pela União das Cidades Capitais de Língua Oficial Portuguesa (UCCLA). Visando assegurar a sua utilização como área de lazer e cultura, além de promoção do turismo, foram promovidas a reurbanização de seu interior, onde foram instalados diversos equipamentos de lazer e recolocadas as estátuas dos navegadores portugueses Gonçalves Zarco e Nuno Tristão, os primeiros europeus a atingir as costas da Guiné, no século XV. Nas antigas edificações de serviço foram instaladas uma biblioteca e salas de convívio." (Fonte: Wikipedia)


Fpto nº 1A > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > "O forte, de pequenas dimensões, apresenta planta na forma de um rectângulo, com 26 metros de comprimento por 24 metros de largura, com pequenos baluartes nos vértices. As muralhas, em pedra argamassada, apresentam cerca de quatro metros de altura por um de espessura. Encontrava-se artilhado com dezasseis peças. O Portão de Armas, com mais de um metro e meio de largura, é o seu único acesso." (Fonte: Wikipedia)


Foto nº 2 > Guiné -Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI)    > Hoje funciona como depósito de alguma estatuária colonial... como é o do que resta da estátua, em bronze, do governador Honório Barreto... Veio de Bissau, ficava justamente no centro da Praça Honório Barreto, perto do Hotel Portugal, hoje Praça Che Guevara.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Restos da estátua de Teixeira Pinto, o "capitão-diabo" ...Estátua, em bronze, da autoria do professor de Belas Artes, o escultor Euclides Vaz (1916-1991), ilhavense. Encontrava-se no  Alto do Crim, antigo parque municipal, onde agora está a Assembeleia Nacional. (*)

 

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) >   O que resta da estátu, também em bronde, do Nuno Tristão:  erigida por ocasião do 5º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446), a estátua ficava no final na Av da República, hoje, Av Amílcar Cabral... Esta artéria, a principal avenida de Bissau no nosso tempo, vinha da Praça do Império ao Cais do Pidjiguiti, tendo no final a estátua de Nuno Tristão; no sentido ascendente, ou seja, do Pidjiguiti para a Praça do Império, tinha à esquerda a Casa Gouveia, por detrás da estátua, e mais à frente, à direita, a Catedral.


Foto nº 5 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) >  Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau,  frente à ponte cais de Bissau...


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segundo Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura colonial do Estado Novo, o pedestal na ponte cais de Bissau (agora vazio) da estátua do Diogo Gomes ainda lá estava em há meia dúzia de anos, tal como a inscrição, um exerto do canto VII dos Lusíadas, "Mais mundo houvera"... 

O pedestal é obra do Gabinette de Urbanização do Ultramar (GUU). A estátua, entretanto removida em 1975 para o forte do Cacheu, deve ser da autoria do escultor Joaquim Correia, autor de monumento análogo que ainda hoje está de pé na cidade da Praia, Cabo Verde. 

Esta e outras estátuas (Honório Barreto, Nuno Tristão, Teixeira Pinto) faziam parte de "um escrupuloso programa de 'aformoseamento' do espaço público", integrado nas comemorações do 5º centenário do desembarque de Nuno Tristão. na altura do governo de Sarmento Rodrigues (1945-48). 

No entanto, a colocação das estátuas destas figuras históricas da colonização só será efetuada na segunda metade da década de 1950 [Vd. Ana Vaz Milheiro - 2011, Guiné-Bissau. Lisboa, Círculo de Ideias, 2012. (Coleção Viagens, 5), pp. 32-33].

Obrigado ao Patrício Ribeiro, o "nosso último africanista" que resiste, desde 1984, à usura (física e mental)  do tempo, da história, dos trópicos, no país, a Guiné-Bissau, que ele escolheu para viver e trabalhar,  e que se lembra, de vez em quando,  de nós e realimenta as nossas "geografias emocionais"  do tempo de soldadinhos de chumbo do Império... 

As fotos acabaram de chegar, ainda estão frescas, mas há mais para uma segunda parte. (***). O Patrício diz-me,  sempre dsicreto e  lacónico, que "sim, todas a fotos, foram tiradas no domingo passado, em Cacheu onde estive a trabalhar. Umas são  sobre o porto do Cacheu e outras sobre a "fortaleza do Cacheu". 

Eu que não sou especialista em arquitetura, muito menos militar e colonial, confesso que são sei distinguir um forte, uma fortaleza e um fortim...Com cerca de  624 metros quadrados de área total, e muros "altos de 4 metros", aquilo parece-me mais um "castelo de areia" do meu tempo de praia, quando eu era menino e moço e construía "castelos de areia"... Mas, enfim, lá cumpriu a sua missão, mal ou bem, não podendo nós, todavia, esquecer que o seu passado "esclavagista"  como tantos outros pontos da costa africana ocidental... 

PS - Patrício, fico feliz por teres trabalho (tu e os teus "balantas"), mas preocupado por teres de trabalhar ao domingo, como, de resto, muito boa gente... Em primeiro lugar, também precisas de descansar. Por outro, não respeitando o Dia do Senhor, ainda corres o risco de seres transformado, como o ferreiro, em "dari" (o nome afetuoso que os guineenses chamam ao nosso "primo" chimpanzé). Nestas coisas, é bom estar com Deus, Alá e os bons irãs...

2. Faça-se a devida pedagogia destas fotos, para os iconoclastas de todo o mundo, e de todos os quadrantes político-ideológicos, mas também para os nossos "saudosistas do Império", leitores do nosso blogue...  Aproveito para citar um comentário do nosso querido amigo Carlos Silva (a quem desejamos rápidas melhoras), e que é um dos nossos camaradas que melhor conhece (e ama) a terra e a gente da Guiné-Bisssau (****):

(...) "A estátua de Teixeira Pinto estava situada no Alto de Crim, onde actualmente está situada a Assembleia Nacional.

O monumento com o busto de Teixeira Pinto creio que situava-se na baixa de Bissau, próximo da catedral e foi inaugurado em 1929 pelo Governador Cor Leite de Magalhães. (...)
 
Quanto às estátuas que refere o Armando Tavares da Silva, presentemente estão as 3 dentro da Fortaleza do Cacheu. Pelo menos estavam em Abril de 2019, mas antes estiveram fora da fortaleza, mas próximo da mesma,  das quais tenho fotos dos anos 90 e de 2001 e de outros anos.

Falei com vários altos dirigentes, incluindo com o falecido Presidente Interino Manuel Serifo Nhamadjo sobre este tema e todos concordam que as estátuas fazem parte da História do país, mas não há vontade política para fazer seja o que for.

Para mim, os pedaços das estátuas estão lá na fortaleza de castigo e para lembrar o colonialismo.

E duas estátuas já foram à vida, a do Comandante Oliveira Mozanty que estava em Bafatá, da qual tenho fotos de 1997, toda partida, mas que já foi para a sucata, embora continue por lá o pedestal em granito preto com relevos e muito bonito.

A outra era a de Ulisses Grant, presidente dos EUA que arbitrou o caso de Bolama entre Portugal e os Ingleses. Esta também foi para a sucata." (...)


(***) Último poste da série > 7 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23238: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (23): Bafatá... e as nossas "geografias emocionais"

(****) Vd. poste de 8 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21747: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (80): busto do capitão Teixeira Pinto, em Bissau, c. 1943 (Armando Tavares da Silva)

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23207: Historiografia da presença portuguesa em África (314): Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
O Conselho Ultramarino, entre o reinado de Filipe II de Espanha e o fim do Império em 1974 teve uma existência intermitente, nem sempre valorizado e nem sempre com as mesmas atribuições. O período em análise corresponde à ressuscitação que lhe deu Fontes Pereira de Melo e durou poucas décadas. É como que um Diário da República do império colonial. Os membros do Conselho Ultramarino funcionou dentro do Paço e têm a seu cargo o expediente volumoso de acordo com funções alargadas que envolvem emolumentos, condecorações, nomeações, pedidos de informação da mais variada índole, etc. Do primeiro volume apreciado a Guiné tem um pálido registo, que aqui se transcreve, convém mencionar que ainda estamos um tanto longe da autonomização de Cabo Verde, pelo que em muitos casos é necessário pesquisar em Cabo Verde o que tem a ver com a Guiné. Seguramente que estes apontamentos não passam de uma curiosidade se não forem compulsados com dados mais substanciais. Será o caso da "admoestação" que recaiu sobre Honório Pereira Barreto por este ter proferido uma crise contundente que em Lisboa não foi muito bem apreciada...

Um abraço do
Mário



Anais do Conselho Ultramarino: Curiosidades da Guiné (1)

Mário Beja Santos

Perguntará o leitor que importância se pode atribuir às matérias constantes nestes anais. A primeira parte da resposta passa por atribuir importância ao Conselho Ultramarino, um órgão que iniciou a sua vida em tempos de Filipe II, teve interrupções, e mesmo com outras designações chegou a abril de 1974. As obras que estão em consulta na Biblioteca da Sociedade de Geografia referem-se concretamente ao período encetado na governação de Fontes Pereira de Melo e que irá durar até à década seguinte. Iniciei a consulta na série 1.ª, vai de fevereiro de 1854 a dezembro de 1858, a edição é da Imprensa Nacional, 1867. Tem-se a sensação quando se folheia estes anais que têm qualquer coisa a ver com o Diário da República colonial, o Conselho Ultramarino funcionava junto do Paço, refere nomeações, condecorações, composição de comissões, autorização de despesas… O que significa que o leitor encontra pontualmente informações que carecem de contextualização e justaposição com outros documentos. Logo em 1854, e assinado pelo Visconde da Atouguia, temos a nomeação de uma comissão para regular o serviço de cortes de madeira em Bissau e Cacheu, nomeiam-se o Capitão-Tenente Roberto Teodorico da Costa e Silva, que presidiria, o 1.º Tenente da Armada José Francisco Schultz e o 2.º Tenente da mesma Armada Álvaro José de Sousa Soares d’Andréa, para proceder à confeção de um regulamento para os referidos cortes de madeira. Mais adiante, em agosto de 1855, a propósito dos ofícios enviados a Sua Majestade pelo Governador-geral de Cabo Verde que acompanha uma exposição de negociantes de Bissau que protestam contra o exclusivo do comércio do sal e da navegação do rio Corubal, decidido por aquele governador-geral. E toma-se a seguinte decisão: “Vendo-se de todos estes documentos que o mesmo governador-geral, tendo em consideração o miserável estado em que se achava a Praça de Bissau, e vendo-se ao mesmo tendo falto dos necessários recursos para acudir com as obras e outras previdências que as circunstâncias urgentemente reclamavam, estabelecera, com o voto unânime do conselho do governo, o exclusivo do comércio do sal e o da navegação do rio Corubal, para com o produto da arrematação destes exclusivos ocorrer às necessidades daquela praça…”. Ora Sua Majestade desejava que a liberdade do comércio dos súbitos portugueses só tivesse as limitações indispensavelmente necessárias, e assim, obtido o parecer do conselho ultramarino, mandava anular a decisão do governador, havendo que providenciar por outra forma a conclusão das obras da praça de Bissau.

Não menos curioso é o parecer do Conselho Ultramarino com data de novembro de 1853 a propósito do aumento de vencimentos para os oficiais e praças de pré que o Governador-Geral de Cabo Verde destacar para a Guiné. Reconhecem-se as dificuldades de se renderam os destacamentos por falta de embarcações e é patente a repugnância que as praças de pré e oficiais da província de Cabo Verde têm àquele serviço, pela insalubridade do clima guineense, “pelo amor à sua família e pátria, e pela diferença de preço nos géneros de que estão habituados a alimentar-se, e nos objetos de vestuário”. O parecer do Conselho é de que seja aprovada a proposta do Governador-Geral de Cabo Verde para os referidos aumentos.

E é com satisfação que ao folhear estes anais se encontra a informação do Visconde de Atouguia de que acabam de chegar a Lisboa, pela fragata D. Fernando e brigue Moçambique seis mancebos cujos nomes constam da relação inclusa, vindos de Angola e da Guiné Portuguesa, e mandados pelos respetivos governadores para serem educados e instruídos para a vida eclesiástica no Seminário Patriarcal de Santarém. E ficamos a saber que um dos três mancebos era Marcelino Marques de Barros, que prestará à Guiné relevantes serviços no campo da investigação e da missionação, será mesmo Vigário-Geral da Guiné e correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa. Esta informação do Visconde de Atouguia foi enviada para a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar e Cardeal Patriarca de Lisboa em 20 de fevereiro de 1856.

E voltamos às madeiras, veja-se o que Sua Majestade pretende apurar: “Constando que de Serra Leoa, especialmente, se exportam todos os anos para Inglaterra muitos carregamentos de mogno, produzido nas consideráveis matas que também consta existirem em toda a Senegâmbia, pede informações se nos territórios dependentes dos dois ditos governos, Bissau e Cacheu, existem matas da dita madeira; se existindo, se faz dela exportação e para onde; se as ditas matas estão próximas do litoral ou se estão distantes que a sua condução influa sensivelmente no custo; e quanto poderá custar aproximadamente uma tonelada da dita madeira posta a bordo”. E veja-se como finaliza a protensão régia: “Por esta ocasião manda Sua Majestade que o sobredito Governador-Geral remeta ao Conselho Ultramarino uma relação de todas as madeiras, incluindo a de que se trata, próprias para construção e marcenaria, conhecidas na Guiné Portuguesa, contendo os nomes, as localidades onde se encontram, se há ou não abundância delas, o custo, e se há ou não dificuldade em transportá-las das matas para o litoral”. Estas informações são datadas de setembro de 1854.

A próxima decisão, e já temos a assinar a documentação Sá da Bandeira, tem a ver com a higiene e saúde pública, a limpeza do poço de Pidjiquiti, aonde os navios faziam aguada e usado pelos habitantes da povoação, estava cheio de imundícies e em abandono, era imperativo proceder à limpeza do dito poço, o governador-geral poderia utilizar a contribuição de licenças. A data é de 13 de julho de 1857. Segue-se um reparo a um protesto de Honório Pereira Barreto, este mostrava-se increpado contra recente legislação sobre assuntos de Fazenda, havia de advertir o Governador da Guiné do gravíssimo erro que cometera, competindo ao governador-geral corrigir a falta cometida por Honório Pereira Barreto. A data é de 21 de dezembro de 1857.

Temos seguidamente a formação de mancebos em Cirurgia e Farmácia. O Governador da Guiné Portuguesa propunha que se mandassem estudar no reino alguns mancebos da Guiné para assim haver mais certeza de que não faltassem os recursos para o tratamento dos doentes. E assim se decidia informar ao dito Governador-Geral de Cabo Verde que se estava a gastar perto de 80 mil reis com alunos mandados vir do Ultramar, mas que se tiravam poucos resultados, “sendo mui poucos os que têm chegado a concluir os estudos, e ainda menos os que têm voltado a África, que nenhuma confiança deve haver no meio que se lembra para se obter aquele fim. A data é 7 de janeiro de 1858".

E por fim vamos falar dos Balantas e Felupes. Recebera Sua Majestade ofícios informando que os Felupes do Bote, vizinhos de Cacheu, haviam roubado uma canoa portuguesa mas que o governador da Guiné lhe participara que tinha meios para punir tal facto; noutro ofício dava-se conta de que o régulo de Intula tinha pedido ao governador da Guiné que o protegesse contra as vexações dos Balantas que lhe faziam roubos, o governador da Guiné exigia, como condição prévia para atuar, que o régulo se declarasse sujeito ao reino português, este recusou-se imediatamente a aceitar tal condição. “Atendendo Sua Majestade a que estes factos mostram a falta de respeito com que ao menos alguns vizinhos dos nossos estabelecimentos da Guiné tratam os súbditos portugueses, e a falta de consideração que têm às autoridades portuguesas, recomenda ao novo governador-geral de Cabo Verde que preste atenção aos negócios da Guiné, estudando os meios de fazer com que os súbditos e a propriedade portuguesa sejam devidamente respeitados pelos povos da Guiné, e empregue para este fim os meios convenientes, de modo que o comércio português na mesma região possa desenvolver-se com a necessária segurança”. A data é de 27 de fevereiro de 1858, e assina Sá da Bandeira.

(continua)


Guiné Portuguesa, mapa do século XIX, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Bissau, José Luís de Braun, 1780, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
Rio Grande de Bissau, Planta da foz, desde a ponta de Bambe até à ponta de Balantas, com o ilhéu dos Pássaros, ilha de Bissau e Ilhéu do Rei, José Luís de Braun, 1778, propriedade do Arquivo Histórico Ultramarino
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23183: Historiografia da presença portuguesa em África (313): Informações da Guiné na Memória do Tenente Bernardino de Andrade (1777) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Estamos a descrever os últimos atos públicos de Honório Pereira Barreto que obteve na sua viagem aos Bijagós um precioso acordo de paz e aceitação da soberania portuguesa em Canhabaque. Mas os britânicos não desarmam, fazem a apologia do combate à escravidão e andam descaradamente a negociar escravos na Serra Leoa. Em Bissau, a Comissão Municipal pede a Honório Pereira Barreto para ficar, a sua presença simboliza paz. Na região do Geba tudo voltou a azedar, mais expedições, mas com resultados inconclusivos. A proteção fortda navegabilidade do Geba é garantida pela fortaleza de S. Belchior. Lemos este derradeiro período da escrita de Senna Barcelos (ele encerrará a sua investigação em 1879, quando a Guiné se autonomizou definitivamente de Cabo Verde) e assistimos a tumultos constantes, a pressão no Casamansa agudiza-se e em breve a problemática de Bolama irá ser entregue a um árbitro, ao Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses S. Grant.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (12)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Continuamos a dar palavra a Honório Pereira Barreto, a sua epistolografia é preciosa e ninguém como Senna Barcelos deu destaque a este incontornável conjunto de peças que ajudam a esclarecer estes anos decisivos da pressão francesa sobre o Casamansa e britânica sobre o sul da Guiné. Honório escreve um relatório dirigido ao Governador-Geral em 7 de maio de 1856 acerca da viagem que fez aos Bijagós, e diz claramente: 

“Desde março de 1853, em que os franceses foram atacar a ilha de Canhabaque que apliquei toda a minha atenção sobre as ilhas dos Bijagós”

Critica o comportamento então adotado pelo Governador de Bissau e Cacheu que se devia ter oferecido como mediador em conflitos interétnicos e depois entra diretamente no assunto, dá notas dos factos: 

“Em dezembro desse mesmo ano de 1853, uma esquadrilha inglesa veio à ilha de Canhabaque para exigir uma satisfação pelo assassinato feito de um oficial inglês; era eu então Governador-interino da Guiné; recorreram, porém, à minha mediação e tive a fortuna de acabar a questão a contento de ambas as partes. Longe de aumentar aí a influência estrangeira, cresceu a nossa, apertaram-se os laços da antiga amizade”.

E Honório vai contar os principais aspetos da sua viagem, iniciou-a em 11 de janeiro, descreve a sua comitiva e leva presentes para régulos e chefes. Aportou primeiro à ilha das Galinhas, a etapa seguinte foi Canhabaque, ficou hospedado em casa do régulo de Tuore, de nome Tissac, herdeiro do rei que os franceses mataram em março de 1853. Tenta uma reunião com os 17 régulos e chefes de Canhabaque, reuniu com muitos e deixa-nos o seguinte apontamento: 

"Este povo de Canhabaque é verdadeiramente livre, nem consentem ser vendidos; os régulos são simples presidentes de umas assembleias deliberativas, que só têm lugar quando se trata de negócios de interesse geral para o país”

O ponto fundamental da reunião é de que todos se manifestam de súbditos portugueses; segue para a ilha de Orango, onde é recebido com uma salva de artilharia, e o rei deu-lhe um tratamento régio. 

“Com franqueza direi a Vossa Excelência que depois que cheguei a Orango e depois que vi os objetos que o rei possuía, pois mobilou a casa em que residia com canapé, cadeiras, mesa, oleados, toalhas e esteiras, fiquei embaraçado sobre o presente com que lhe devia corresponder. Felizmente havia a bordo da lancha que me conduziu um oratório para venda, pertencente à viúva Ferreira, objetos que pessoas bem informadas me disseram seria agradável ao rei. Resolvi dar-lho”

Mais tarde Honório enviou ao Governador-Geral o tratado que tinha efetuado com os régulos bijagós da ilha de Canhabaque.

Em 26 de agosto de 1858 fundeou no porto de Bolama o vapor de guerra inglês Tridente, que ali cometeu atos de violência contra os portugueses, e disso deu conta o morador José Carlos Rebelo Cabral a Honório Pereira Barreto: 

“Pelo meio-dia desembarcou o comandante, acompanhado de tenente e alguns oficiais superiores e inferiores do navio, e de David Lourenço, vindo todos eles armados de espada e pistola. O sobredito comandante logo ao desembarcar fez fala aos habitantes, dizendo-lhes que aqueles que fossem cativos podiam embarcar para bordo como livres, porque isto era uma colónia inglesa”

E Cabral roga conselhos a Honório Pereira Barreto que se dirige ao Governador Interino em Bissau a exigir previdências. A situação naturalmente que se agravara, o governador alegava que Bolama era portuguesa, os britânicos diziam que era inglesa. E dá-se um encontro entre Honório e o comandante Close e o que escreve Senna Barcelos é exemplar: 

“A bordo, na presença do comandante, verificou Honório que todos os escravos eram os próprios que constavam das certidões de registo, mas nem assim os escravos foram entregues, levando-os o comandante para Serra Leoa, onde seriam vendidos pelas autoridades aos negociantes revertendo o produto da venda em benefício das mesmas. E assim afirmavam os ingleses que os portugueses é que faziam escravos quando o governo de Serra Leoa era um depósito de negros escravizados”.

Honório sente-se doente e quer-se afastar da política. Em 15 de julho de 1858 dirigiu o seguinte ofício ao Governador-Geral: 

“Tendo acabado de sofrer uma forte febre, havia já embarcado a bordo de uma escuna portuguesa toda a minha bagagem, e só esperava ter mais forças para poder embarcar e retirar-me para Cacheu, quando no dia 12 deste mês veio à minha casa a Comissão Municipal da Praça entregar-me a carta pedindo-me para ficar. Posto que eu esteja inteiramente convicto da inutilidade do sacrifício que de mim exigem, e que faço, não neguei demorar-me nesta até que Vossa Excelência se digne pronunciar como for conveniente e assim o comuniquei à referida comissão. Em nada concorri, nem direta nem indiretamente, para este passo que porventura imprudentemente deu a Comissão Municipal".

Tinham regressado entretanto os tumultos à região de Geba, houvera conflito entre o presídio de Geba e os Beafadas de Badora. O Major Correia Pinto fora a Geba para apaziguar uma questão entre eles, foi preso. O Governador Zagalo reuniu no Porto de Gole um conselho militar, todos foram unânimes que devia haver castigo. 

Entabulou o governador negociações com o gentio do território de Gussará e de Tumaná, eles foram atacar Ganjarra, outros efetuaram a tomada de Bigine, tudo difícil e com traições pelo caminho, não houve condições para impor uma derrota, o governador retirou-se para Bissau e deixou guarnecido o Forte de S. Belchior para proteger a navegação do rio Geba. 

Senna Barcelos diz-nos que o súbdito inglês David Lawrence (que Honório Pereira Barreto considerava ser português) aproveitando-se das más relações do gentio de Badora com o Governo, mandou aos Beafadas três bandeiras inglesas que foram arvoradas em Bambadinca, Fá e Ganjarra. 

Foi neste contexto que o governador Zagalo requisitou 800 soldados do reino para submeter as gentes de Badora. No entretanto, em Cacheu o gentio de Churo declarou guerra à praça, nova expedição que o Governador-Geral não aprovou. Em Geba as coisas azedaram, organizou-se uma expedição para castigar o gentio, envolveu 6 oficiais, 80 soldados e alguns voluntários a que se juntaram 300 auxiliares, incendiou-se e saqueou-se Bambadinca e voltou a calma aparente.

(continua)


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23060: Historiografia da presença portuguesa em África (307): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23060: Historiografia da presença portuguesa em África (307): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (11) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
É imprescindível ler toda a epistolografia de Honório Pereira Barreto para conhecer o patriota, que a despeito da indiferença dos seus superiores, contribuiu decisivamente para definir as fronteiras da Guiné, batendo-se com galhardia contra as autoridades francesas e britânicas, desvelando patranhas, recorrendo à ironia para pôr à mostra a grosseria de procedimentos de outros, enfim, cita-se aqui um documento fundamental em que conta, passo a passo, o que viveu em Cacheu, como procedeu para defender os interesses portugueses neste período crucial em que, em tenaz, franceses e britânicos procuraram pulverizar o que restava da Senegâmbia Portuguesa. Barreto impõe-se pelo brio, pelo bom-senso das medidas, pelas propostas mais ajustadas, pelo envio de cartas às autoridades francesas pondo-as a ridículo, tanto pela ignorância demonstrada como pela grosseria dos procedimentos. E avançamos em direção a 1879, altura que Senna Barcelos põe termo ao seu extraordinário e incontornável trabalho.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (11)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

É de um indiscutível valor histórico esta epistolografia de Honório Pereira Barreto travada pelas autoridades francesas, percebe-se facilmente que não se pode investigar este período da colónia da Guiné sem ter em conta a documentação que sai do punho do Governador Barreto. Falando com o delegado francês em Selho, é polido quanto baste e exige a diplomacia, mas não escamoteia os factos, falando do assassínio de súbditos franceses que tinha sido praticado por gentes de Pacau:
“Creio que Vossa Senhoria estará plenamente convencido que os portugueses não concorreram, nem direta nem indiretamente, para tal desgraça. Não posso deixar de dizer a Vossa Senhoria quando em 1844, nós portugueses, estávamos em guerra nesse rio com os Balantas de Jatacunda, que também nos assassinaram e saquearam, os comerciantes de Selho não só levaram a tais gentios armas e munições de guerra, mas até lhe compraram uma canoa que eles tomaram aos portugueses. Vossa Senhoria quer estabelecer o princípio que os portugueses devem sofrer prejuízos para benefício dos franceses, e que estes, pelo contrário, devem-se aproveitar das perdas daqueles. Estas ideias não são deste século, nem da grande nação a que Vossa Senhoria pertence. A França é justa. Os portugueses, apesar do precedente que podiam apresentar, e que acima expus, não levam ao gentio de Pacau munições de guerra; apenas vão ali vender sal, como costumam há séculos; e Vossa Senhoria nenhum direito tem de impedir as nossas canoas de navegarem por todos os pontos do rio. Se Vossa Senhoria julga ter tal direito, não pode também recusar aos portugueses o mesmo direito, isto é, impedir que por Ziguinchor passem as embarcações francesas que vão para esse ponto do Selho. Se Vossa Senhoria, porém, quer abusar da força, há-de permitir-me que lhe diga que isso não é próprio do caráter generoso da nação francesa; nunca a força dá direito algum. Vossa Senhoria, falando do sangue europeu, parece fazer diferenças de raças, e mesmo usar de uma frisante ironia para com o delegado administrativo de Ziguinchor, que é de cor preta, mas que não cede a europeu algum em honra e dignidade. Não distingo cores, mas homens pelas suas qualidades boas ou más. Estou intimamente convencido que o ilustrado governo francês concede proteção a todos os seus súbditos, seja qual for a sua cor. Sinto realmente que Vossa Senhoria trate uma autoridade portuguesa com tão pouca consideração, que lhe dirija correspondência oficial num papel em que eu me envergonharia de escrever a um súbdito meu”.

Em Cacheu, em 27 de outubro de 1855, Barreto envia ofício confidencial ao Governador-Geral dando-lhe conta de como as coisas se processam em Ziguinchor, assim terminando: “Corre aqui a notícia que a França, reconhecendo os nossos direitos sobre Casamansa, prometeu abandonar os estabelecimentos que ali tem hoje. Se isso for verdade, fica a Guiné feliz, porque aquele rio exporta o dobro do que exportam os outros portos juntos”. Para Senna Barcelos, a situação era deprimente: “Pouco era o comércio da Guiné; os franceses no Casamansa e os ingleses em Bolama colocaram no mercado fazendas por preços tão baixos que os da indústria portuguesa não podiam competir”. Barreto era a figura central da política guineense, e assim se compreende como em 7 de junho de 1857 uma representação dos moradores de Bissau, incluindo oficiais militares, se dirigiu ao governo pedindo a recondução de Barreto no governo. Estamos na época em que o governador-geral propôs para que a Guiné se constituísse em governo independente.

E Senna Barcelos conta-nos uma história rocambolesca:
“Em 10 de junho de 1856, tendo requerido o 2.º Sargento do Regimento de Lanceiros da Rainha, Venceslau de Andrade, para se averiguar se um seu tio de nome António Garcia de Andrade, de quem se dizia ter sido Governador de Cacheu e Comandante da Praça de Farim, era ou não vivo, foi mandado pedir informações a Honório Barreto que em 30 do mesmo mês respondeu: que nem o juiz Forâneo e nem o Administrador do Concelho de Cacheu souberam dar elementos para a informação exigida; que se houve engano no nome, este devia ser António José de Andrade, seu conhecido em Cacheu, e que faleceu em Farim, em 1842 ou 1843; este indivíduo viera degredado por toda a vida, com pena de morte se voltasse ao reino, constando que chegara a dar três voltas à forca, por crime de roubo; que chegara a Cacheu em 1833 ou 1834, assentou praça na companhia de 1.ª linha de Cacheu, onde foi promovido ao posto de sargento, e tendo dado a um certo governador um escravo de presente, este lhe rasgou a guia e o propôs então ao governador-geral para capitão de 2.ª linha de um dos redutos de Farim, passando depois a capitão-mor; que nunca fora governador de Cacheu mas sim comandante do presídio de Farim, o que é muito comum na Guiné”.

Continuam a fazer-se relatórios sobre a usurpação do Casamansa pelos franceses e Honório Pereira Barreto envia para o governador-geral um dos seus mais importantes relatos:
“Em 1829 cheguei eu a Cacheu vindo de receber em Lisboa uma mui limitada educação, porém, suficiente para poder avaliar e apreciar o procedimento das nossas autoridades em Cacheu. Notei que à indignidade e incapacidade dessas autoridades se devia o estado em que vim encontrar a pequena Cacheu. Bem se podia dizer que não havia governo porque não havia, nem quem entendesse o que era o governo, nem ao menos representasse o seu fantasma; porque o tempo era pouco para os empregados, incluindo o governador, ocuparem-se de um comércio, pois todos eram traficantes. O governador desse tempo andava na rua vestido indecentemente; passava dias a bordo dos pequenos navios estrangeiros de cabotagem que vão ali comerciar. Os estrangeiros tratavam e negociavam diretamente com os gentios tanto em Cacheu como em Ziguinchor. Pouca correspondência havia entre o Governador de Cacheu e o da Província. Para me resumir, direi que o governo de Cacheu era considerado uma aldeia de gentio independente. Em 1828 já os franceses haviam ocupado a ilha dos Mosquitos na embocadura do Casamansa: este facto tão significativo passou desapercebido em Ziguinchor e Cacheu; ninguém protestou nem disso deu parte. Tudo assim continuou até ao ano de 1834; fui nomeado Provedor de Cacheu, contava eu então 21 anos de idade. Os meus primeiros cuidados foram logo livrar o Concelho de Cacheu do domínio dos estrangeiros e da sujeição dos grumetes e dos gentios. Se tive aventura de obter o segundo objetivo, tive a desgraça, a grande desgraça, de ver os estrangeiros usurparem mais territórios nossos; obtive, contudo, tirar a esses estrangeiros toda a influência nos pontos ocupados por nós. Desde 1835 constou-me que os franceses iam ocupar um ponto ao sul da Gâmbia e que talvez escolhessem Casamansa. Tudo quanto um Provedor de Cacheu, enfim, um português, podia fazer, tudo fiz. Havia eu dado ordens muito terminantes para Ziguinchor para que se não tolerasse que os estrangeiros negociassem em outro ponto do Casamansa que não fosse Ziguinchor. O meu delegado cumprira esta ordem”.

É um documento memorável, peça obrigatória de consulta para quem pretende compreender o grande ecrã da questão do Casamansa. Descreve diligências, as suas idas a Ziguinchor, as cartas dirigidas ao governador-geral que não obtiveram resposta, a chegada dos franceses a Selho, Barreto protesta, pediu auxílio ao governador da Gâmbia, este respondeu que não era seu assunto. Barreto é nomeado Tenente-Coronel de 2.ª linha e então ironiza: “Apesar de o Ministro da Marinha haver declarado que eu era homem de cor, palavra esta que o redator ou editor escreveu em itálico; não há dúvida que o salutar prejuízo da cor, e porventura as conveniências políticas e sociais, exigiam que se fizesse tão interessante e imparcial declaração para serem devidamente apreciados tais serviços”.
A progressão francesa prossegue, a reação de Lisboa é sempre demorada e fraca. Barreto pede a demissão do governo em 1839 e diz no seu documento que teve o desgosto de ver destruído pelos seus sucessores tudo quanto havia feito, e diz sem rebuço: “Começaram logo a ter correspondência com os chefes franceses, em Selho, reconhecendo neles não só os títulos de comandantes que se arrogam mas o direito que julgam ter ao território. Mandaram retirar o destacamento que eu tinha posto em Gorm. O então Comandante de Ziguinchor, que é meu tio, cansado de participar ao Governador de Cacheu pactos, insultos e novas usurpações dos franceses, escreveu-me em 1844, narrando-me tudo, o abandono de Ziguinchor. Apesar de então nada ter com isso, pois era simpatia particular, vendo a apatia do governo fui a Ziguinchor, e à minha custa e em meu nome fiz e mandei fazer, com os chefes daqueles pontos, convenções, em que me cederam terreno, e ficava só reservado aos portugueses a navegação e comércio daqueles rios ou esteiros…”.

E continua a contar a história do Casamansa, desvela as mentiras de antecedentes da presença francesa no Casamansa e Senna Barcelos termina estas belas páginas revelando a carta que a Comissão Municipal de Bissau dirigiu a Barreto pedindo-lhe para não se retirar para Cacheu, a sua presença em Bissau era indispensável para o sossego público.


Continua
Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23044: Historiografia da presença portuguesa em África (306): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (10) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23044: Historiografia da presença portuguesa em África (306): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Sendo facto que se procura dar desenvolvimento ao trabalho produzido por Senna Barcelos, começa agora a ser compreensível, para quem acompanha os sucessivos episódios, a importância historiográfica do mesmo. Este oficial da Marinha foi meticuloso na investigação e retirou da poeira dos artigos documentos de primeira grandeza quanto ao que se passava na Guiné. Temos aqui descritos tumultos em permanência, rebeliões dos próprios militares portugueses, pilhagens, um sobressalto praticamente permanente em torno das praças e presídios; para haver boas relações com a vizinhança eram obrigatórios presentes; o período em análise é de extrema agitação em Portugal, teve obrigatório impacto tanto em Cabo Verde como na Guiné. 

No que a Cabo Verde tange, Senna Barcelos esmiuça depredações, a violência dos assaltos e piratarias, o cortejo das fomes, as manifestações de descontentamento. A Guiné, insista-se, vai minguando, já existe governador do Senegal e a França quer aumentar o seu espaço territorial à custa de Portugal, já que não tem coragem de enfrentar os ingleses que se instalaram no rio Gâmbia; e os ingleses saem da Serra Leoa e querem Bolama e o Rio Grande. 

É na iluminação deste cenário que se pode perceber o comportamento excecional de Honório Pereira Barreto, o pai fundador da Guiné-Bissau que os descendentes teimam em valorizar o papel que ele desempenhou na defesa e consolidação de um território que passou de colónia a estado independente. Se a História da Guiné escrita durante o período da luta armada se podia dar ao luxo de praticar o panfleto, um Estado consolidado há meio século tem o imperativo de tratar condignamente os criadores da sua Pátria, colocando-os, de acordo com a história das mentalidades, no lugar certo para a interpretação dos factos e não para o uso e abuso da interpretação à custa de uma mera conjuntura.

Um abraço do
Mário


Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (10)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

É um período fértil de acontecimentos, sempre as pressões a norte no Casamansa e a Sul de Bolama e Rio Grande de Bolola. Em fevereiro de 1854, era governador-interino Honório Pereira Barreto, foi feita uma convenção com os régulos de Bolor que cederam à coroa o território de Egual. Revela-se verdadeiramente apaixonante as cópias de correspondência trocadas entre o governador da Guiné com o delegado do governador francês no Selho, tudo por causa da questão do presídio de Ziguinchor, esta documentação foi enviada pelo governador-geral António Maria Barreiros Arrobas ao Ministro da Marinha. O ministro respondeu pedindo que em termos de cortesia o governador-geral se dirigisse ao governador do Senegal, pedindo-lhe que ordenasse ao delegado de Selho que não pusesse impedimento à navegação portuguesa no Casamansa e que houvesse de ambas as partes uma conduta que era devida entre nações amigas. Mas o delegado francês revelava-se imparável, enviou uma nota ao comandante de Ziguinchor protestando contra o facto de três canoas portuguesas que chegaram a Selho subissem o rio com destino a Pacau, onde os gentios assassinaram muitos franceses que ali foram negociar, roubando uma parte das mercadorias.

As intenções britânicas em Bolama exploravam conflitos com os povos dos Bijagós. Recorde-se que Honório Pereira Barreto tinha feito tratado com os régulos dos Bijagós e fizera-se o reconhecimento da soberania portuguesa na margem esquerda do Rio Grande de Bolola. É nesse contexto que Honório Pereira Barreto envia um imp
ortante relatório sobre Bolama ao governador-geral, com data de 7 de maio de 1856:

“Em janeiro deste ano soube com mágoa que estrangeiros combinados com portugueses indignos deste nome intentaram concorrer para que nas dependências de Canhambaque se estabelecesse uma feitoria estrangeira que servisse de canal para o contrabando que devia ser introduzido nesta praça (Bissau). No dia 18 às 7 horas da noite larguei para o Orango cujo rei tem uma decidida influência sobre todas as outras ilhas Bijagós; são todas independentes, mas sempre consultam o rei de Orango em casos graves. Cheguei a Orango no dia 20 ao meio-dia, fui recebido com uma salva de artilharia. É este o único que por toda a Guiné merece o nome de rei; apenas desembarcados fomos em direitura a sua casa, que é coberta de telha, conquanto seja construída de barro e feita à maneira das outras. A sua figura denota que é um monstro engolfado em todos os meios que produzem uma crassa ignorância, e um poder absoluto e tirânico. Ele é o único senhor das pessoas e bens dos seus súbditos; nas suas expressões se vê que ele tem consciência do brutal poder que exerce, julga-se igual a Deus, conquanto falando ironicamente se pinte a si mesmo como um pobre e humilde, quando tudo nele demonstra uma selvagem vaidade”.

Senna Barcelos não deixa de observar que o resgate dos escravos decretado em 1854 só se efetivou em 1857, com consequências de toda a ordem. O comércio na Guiné chegou a uma tal decadência que o governador Barreto chegou à atenção do governador-geral em 21 de março de 1857, propondo-lhe medidas para salvar a colónia. 

E o autor observa que “muito trabalhava aquele governador, empregando a sua influência e os seus meios, para evitar ali a crise comercial que se manifestava gravemente devido à barateza dos géneros estrangeiros que eram vendidos aos gentios por um preço inferior aos que podiam vender os negociantes portugueses. O passivo de Bissau era grande e as casas comerciais só giravam com créditos e não com fundos, e os estrangeiros que eram os maiores credores, e os únicos que vendiam a crédito, resolveram cessá-los, limitando-se a vender à vista. Encaminhando os estrangeiros um negócio para o Rio Nuno, Selho e Gâmbia, e retirado o crédito aos portugueses, passaram os gentios a permutar os seus géneros com aqueles. Era de esperar esta crise com o fim da escravatura”.

Barreto tornara-se na figura mais influente na Senegâmbia Portuguesa, de tal modo que em 7 de junho de 1857 foi dirigida uma representação dos moradores de Bissau ao governo pedindo a recondução dele naquele governo, por ser Barreto desinteressado e probo, tendo sacrificado os interesses da sua casa em Cacheu às necessidades do país. O ministro deferiu o requerimento de Honório que solicitava a demissão. O governador-geral propôs para que a Guiné se constituísse como governo independente uma vez que se estabelecessem comunicações entre Bissau, Goré ou Gâmbia. E é nesta atmosfera que se reacende a questão de Bolama. O ministro de Portugal em Londres, conde de Lavradio, apresentou a Lord Malmesbury um enérgico protesto em janeiro de 1859, este responde-lhe sustentando que a ilha de Bolama pertence à Grã-Bretanha. Um ano depois o então governador Zagalo escreve ao governador-geral dizendo que a presença inglesa em Bolama aumentara e recebera do governador da Gâmbia três impressos que este chamava tratados e pelos quais declarava pertencer à Grã-Bretanha não só a ilha de Bolama, mas outros lugares. Ele responde-lhe refutando a argumentação britânica e observa:

“Além das circunstâncias apontadas, ainda hoje existem, tanto em Bolola, como em Guinala e Buba, grandes vestígios dos antigos estabelecimentos portugueses, e atualmente existem em todo o Rio Grande, até Bolola e Guinala, trinta feitorias portuguesas, e apenas uma só feitoria pertencente a David Lourenço, que se diz inglês, não obstante ter nascido escravo no Rio Pongo, território português”.

Quando não é a questão de Bolama e de Bolola voltamos à questão do Casamansa. Há informações que os franceses pretendem atacar os Felupes de Varela. As autoridades portuguesas jogam na antecipação. Em 19 de abril de 1861, Salakir, regente de Varela, faz a declaração da solene sessão e reconhecimento da Coroa de Portugal como possuidora do território. Nesse mesmo dia, o governador da Guiné, António Cândido Zagalo, participa ao comandante de Goré e ao governador do Senegal a ocupação de Varela. Zagalo viaja para Ziguinchor e descobre as péssimas condições em que se vive no presídio, com armamento rudimentar. Os presídios de Farim e Ziguinchor eram defendidos por uma estacada e por baterias de barro, que se cobriam de palha. No presídio havia dois bairros: o do Poilãozinho e o de Vila Fria e para ambos havia um juiz do povo. Nomeou o governador dois destes juízes subordinados ao delegado administrativo. O comércio em Ziguinchor estava representado por duas casas francesas: o comércio em todo o rio, era quase só feito por franceses e em Ziguinchor o mais importante era o do sal. A força militar estava reduzida a dois soldados; Zagalo organizou provisoriamente uma companhia de 2ª linha, na qual se alistaram voluntariamente a maioria dos moradores. De Ziguinchor seguiu para Bissau, onde teve conhecimento pelo encarregado do governo do conflito que houvera entre o presídio de Geba e os Beafadas de Badora. O encarregado do governo fora a Geba para apaziguar uma questão com aqueles gentios; estes prenderam-no e para ser solto teve que satisfazer condições bem onerosas para o presídio e para o governo. Voltemos um pouco atrás para observar o talento e firmeza com que Honório Pereira Barreto respondia às provocações vindas dos representantes franceses.

Quando o delegado francês descreve ao comandante de Ziguinchor, este prontamente reencaminha para Honório Pereira Barreto que lhe responde com frontalidade:

“A mim só é que pertence responder a Vossa Senhoria, pois é da minha exclusiva competência, como governador da Guiné, a direção das relações com as autoridades estrangeiras dos portos vizinhos; e, portanto, rogo a Vossa Senhoria de sempre se dirigir a mim em idênticos casos. Agradeço, como deve, a Vossa Senhoria a bondade que quis ter, segundo diz, de buscar evitar que a canoa de Ziguinchor passasse até Pacau, pelo receio que tinha dos gentios daquele país atacarem a dita canoa, pois os franceses têm a deplorar o assassínio de muitos comerciantes e o saque de muitas mercadorias praticado pelos mesmos gentios. Porém, achando-se o meu governo com força suficiente para se vingar das afrontas e vexames que os gentios desse rio intentarem fazer aos nossos, podemos prescindir do apoio e forças de Vossa Senhoria. Sinto não poder ter a honra de satisfazer ao pedido de Vossa Senhoria sobre manifesto e matrícula para as canoas que forem mercadejar nesse rio, porque havendo os portugueses, verdadeiros descobridores desta costa, sempre feito este comércio, livremente, não é justo que hoje se lhe ponham peias e embaraços, não só inúteis, mas prejudiciais; e eu tenho estrita obrigação de proteger o comércio português. Estou certo da justiça de Vossa Senhoria e da grande nação francesa, sempre generosa, que não haverá abuso da força para impedir a passagem, dessa Feitoria, às canoas portuguesas, porque os franceses passaram em frente de Ziguinchor, para ir fundar este estabelecimento, e, portanto, não pode haver hoje direito de impedir aos portugueses navegar e comerciar por todo esse rio. Permita-me Vossa Senhoria que lhe faça uma simples observação: esse rio não pode de maneira alguma ser considerado, de facto, exclusivamente francês como Vossa Senhoria parece julgar. Não quero entrar na questão de direito porque esse pertence ao gabinete das nossas Nações”.

Veremos adiante como Honório Barreto se manterá incansável na defesa dos interesses portugueses.

(continua)

Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23020: Historiografia da presença portuguesa em África (305): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (9) (Mário Beja Santos)