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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21817: Fotos à procura de... uma legenda (140): Trata-se de uma canoa em tempos apreendida ao PAIGC... Os militares tomam banho no cais de Gampará (Virgílio Valente, régulo da Tabanca de Macau, ex-alf mil, CCAÇ 4142/72, Gampará, 1972/74)



Guiné >  Região de Quinara >  Gampará > Mapa de Fulacunda (1956) >  Escala 1/50 mil >  Posição relativa de Porto Gole, Gampará, Ganjauará e  Ponta do Inglês na Foz do Rio Corubal. (O PAIGC em 1972 conttrolava algumas posições no rio Corubal, como era o caso de Ponta do Inglês / Poindom (subsector do Xime).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



Guiné > Região de Quínara > Jabadá ou Gampará  [?]> 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Canoa apreendida ao PAIGC, em dia de banho, na margem esquerda do Geba [?].

 Foto (e legenda): © José Elias / Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, enviada hoje às 3h49, pelo nosso camarada da Diáspora Lusófona, Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha há mais de 2 décadas, em Macau, região autónoma da China, e que foi alf mil, CCAÇ 4142/72, "Os Herdeiros de Gampará" (Gampará, 1972/74);  é o nosso grã-tabanqueiro nº 709, desde 18 de dezembro de 2015, e régulo da Tabanca de Macau :


Caro Luís e caro Carlos Barros,

Estive em Gampará entre 1972 e 1974. 

A Foto da canoa (*) sugere-me tratar-se da canoa abandonada no cais que servia Gamapará após um grupo do PAIGC, vindo do rio Corubal,  ter colocado uma mina na estrada que ligava Gamapará ao Cais e que foi detectada e levantada. 

Era habitual o pessoal do aquartelamento em Gampará ir ao banho ao Cais. Na verdade, também houve períodos de presença de camaradas de Fulacunda, batalhão de Tite algum tempo em Gampará.

Aparecem caras na foto que me parecem conhecidas.

Mas quem pode dar dicas mais consistentes é o ex-alferes miliciano Eurico Dias, cujo endereço de email fica à disposição dos editores,

Abraços, camaradas

Virgílio Valente, ex-alferes miliciano da CCAÇ 4142, 1972/1974 em Gampará

2. Ficha de unidade > CCAÇ 4142/72

Companhia de Caçadores nº 4142/72
Identificação: CCaç 4142/72
Unidade Mob: RI1 - Amadora
Crndt: Cap Mil Cav Fernando da Costa Duarte
Divisa: -
Partida: Embarque em 16Set72 | Regresso: Embarque em 25Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 20Set72 a 170ut72 no ClM do Cumeré, seguiu em 180ut72 para Ganjauará, a fim de efectuar o treino operacional e a
sobreposição com a CArt 3417.

Em 15Nov72, assumiu a responsabilidade do subsector de Ganjauará, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 7 e depois do BArt 6562/72, tendo orientado a sua actividade para a redução do esforço inimigo na região e coordenação dos trabalhos de reordenamento das populações.

Em 1Ag074, foi rendida no subsector de Ganjauará pela 2ª Comp/BCaç 4612/72, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 114 - 2ª Div/4ª." Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pág.413

terça-feira, 31 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20794: Manuscrito(s) (Luís Graça) (181): Camilo Pessanha (Coimbra, 1867 - Macau, 1926): poesia para dizer em voz alta à janela ou à varanda, uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas.


Camilo Pessanha 150 Anos  > Capa (Com a devida vénia...)




1. No dia mundial da poesia,19 de março de 2020 (*), passei uma parte do dia  a dizer, em voz alta, sonetos da "Clépsidra e Outros Poemas de Camilo Pessanha" [, org. João de Castro Osório, 6ª ed, Lisboa, Edições Ática, 1973,210 pp, (Coleção Poesia)]. 

Camilo Pessanha (Coimbra, 1867 - Macau, 1926): um autor que, confesso, conhecia mal, e em relção qual tinha algum preconceito, justamente pela sua poesia finessecular, de" fim de século", simbolista, decadentista, orientalista... Não devemos, todavia,  fixar-nos nos preconceitos, nos estereótipos, nas ideias feitas..., que são vendas nos olhos.

A força imagética, a originalidade e a musicalidade  dos seus sonetos acabaram por surpreender-me e encantar-me, tal como um melhor conhecimento da sua biografia: sabia apenas que se tinha "autoexilado" em Macau, durante três décadas (1894-1926), comunidade com quem manteve uma relação de amor-ódio,  e que era um sinólogo (aprendeu cantonês,  conhecia 3500 caracteres e foi tradutor de poetas chineses,) e que, em Macau, prolongou a boémia coimbrã e tornou-se dependente do ópio, tendo ali exercido funções como professor, advogado e juiz. Parece que não era bem amado pela comunidade macaense da época, conservadora, puritana, de moral judaico-cristã.

Expoente máximo do simbolismo, entre nós, é  considerado o Verlaine português...  É, na realidade, mais do que isso: é um dos grandes poetas europeus, um "poeta maior" e, no nosso caso, um dos grandes percursores da nossa poesia moderna, tal como o Cesário Verde, poeta de quem gosto muito. Influenciou ou marcou outras poetas, de quem também eu gosto muito (o Mário Sá Carneiro, o Fernando Pessoa, a Forbela Espanca, a Sophia de Melo Breyner Adresen, o Eugénio de Andrade...). 

No Camilo Pessanha, também aprecio o lado artesanal da construção poética, a obsessiva procura da perfeição, da maestria... Espantoso, era um poeta que decorava os seus poemas e depois rasgava os seus autógrafos, os seus escritos...

É muito provável que parte da sua obra se tenha perdido...A 1ª versão da "Clépsidra" foi publicada em 1920 (,seis anos antes do poeta morrer), em Lisboa, longe de Macau, por iniciativa da sua amiga, a feminista de 1ª geração, republicana, escritora e pedagoga Ana Castro Osório (Mangualde, 1872 - Lisboa, 1935) por quem ele tivera uma paixão nunca correspondida (, fizera-lhe um pedido de casamento, que ela recusou, mas mantiveram a sua amizade até à morte do poeta, em 1926, aos 58 anos, vencido pelo ópio e a tuberculose pulmonar). 

Selecionei, da "Clépsidra" (**), quatro poemas, para serem ditos em voz alta às nossas varandas, nestes dias estranhos em que estamos confinados nas nossas casas, em plena pandemia da COVID-19. 

Gritar ou dizer poesia em voz alta, à janela ou à varanda, pode ser uma boa terapia contra os "irãs maus" que infestam agora os poilões das nossas tabancas.

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Inscrição

Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
O! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
(p. 27)



Caminho 

I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d' harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.


II


Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
- Bom dia, companheiro - te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.



III

Fez-nos bem, muito bem, esta demora:
Enrijou a coragem fatigada...
Eis os nossos bordões da caminhada,
Vai já rompendo o sol: vamos embora.

Este vinho, mais virgem do que a aurora,
Tão virgem não o temos na jornada...
Enchamos as cabaças: pela estrada,
Daqui inda este néctar avigora!...

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho,
Eu quero arrostar só todo o caminho,
Eu posso resistir à grande calma!...

Deixai-me chorar mais e beber mais,
Perseguir doidamente os meus ideais,
E ter fé e sonhar 
- encher a alma.

(pp. 31/33)



Camilo Pessanha 

in: "Clépsidra e Outros Poemas de Camilo Pessanha", org. João de Castro Osório, 6ª ed (Lisboa, Edições Ática, 1973, 210 pp, Coleção Poesia).


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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 22 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20759: Manuscrito(s) (Luís Graça) (180): De quarentena, no Dia Mundial da Poesia... Revisitando o poema "Da Falagueira a Buruntuma"


(**) clepsidra | s. f.

clep·si·dra

substantivo feminino

Relógio antigo, de origem egípcia, que media o tempo pelo escoamento de água num recipiente graduado.

"clepsidra", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/clepsidra [consultado em 31-03-2020].

sábado, 21 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20476: Em bom português nos entendemos (24): o crescimento do ensino da língua portuguesa em Macau, 20 anos depois da transferência da administração do território para a China


República Popular da China > Região Administrativa Especial de Macau > Centro Histórico, Património Mundial da UNESCO > O famoso Largo do Senado. Foto: cortesia de www.macauheritage.net. Ver aqui sítio em português: http://www.wh.mo/pt/site/ :

"O Largo do Senado desde sempre se assumiu como o centro urbano de Macau ao longo dos séculos e é, ainda hoje, o local mais popular para eventos públicos e festejos. Situado próximo do edifício do antigo Senado, Sam Kai Vui Kun (Templo de Kuan Tai) recorda também o papel activo da comunidade chinesa local nos assuntos cívicos, sendo um exemplo claro da dimensão multicultural da comunidade de Macau. O Largo está rodeado de edifícios neoclássicos pintados em tons de pastel, criando uma ambiência geral de grande harmonia."

1. Com  devida transcreve-se um excerto do artigo, de 16 do corrente, do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, justamente sobre Macau e a Língua Portuguesa.

Recorde-se  que passaram 20 anos, ontem, do acordo entre Portugal e a China para a transferência de Macau (assinado em 13 de abril de 1987 e concretizado no dia 20 de dezembro de 1999).(Para saber mais, ver aqui o portal do governo de Macau, em português: https://www.gov.mo/pt/ ; para quem quiser visitar Macau, sugerem-se aqui alguns itinerários de viagem na história: 
https://www.macaotourism.gov.mo/pt/suggested-tours/crossroads-of-china-and-portugal )


Macau (*) e a língua portuguesa (**): 20 anos depois da transferência para a administração chinesa

 (...) 20 anos depois da transferência da administração de Portugal, de Macau, para a soberania da República Popular da China (...) , como convive  hoje  a língua portuguesa com os idiomas  mais falados no território: do patoá – também chamado "chinês das amas, língua de Macau ou língua macaísta" (...)  – ao mandarim e ao cantonês,  além do inglês?

Em Macau, são línguas oficiais o mandarim, que partilha com o restante território chinês, e o português, mas, na realidade, os macaenses falam o cantonês, idioma que é também o de Hong Kong. É o cantonês que prevalece em placas de informação, nos comunicados oficiais e na comunicação social, a par da língua portuguesa. Para contrariar esta situação, o Governo tem fomentado o ensino e a aprendizagem do mandarim, que, pese a sua dissemelhança com o cantonês, a maioria da população julga dominar. 

Há ainda uma pequena percentagem da macaenses que falam patoá, que é um crioulo outrora usado como linguagem familiar e na comunicação diária entre chineses e macaenses e também pelos escravos africanos e asiáticos. Este crioulo conserva em si vocabulário de origem portuguesa (...).

Não obstante os 20 anos de administração chinesa, o português continua a ter importância no território. Se, nos primeiros dez anos, se assistiu a uma diminuição na procura da aprendizagem desta língua, o fenómeno tem-se invertido mais recentemente, pois o ensino do português cresceu não só no ensino superior, onde a procura é mais significativa – em 1999/2000 havia cerca de 300 cursos lecionados em português, e atualmente são cerca de 1500 –, mas também nos ensinos primário e secundário, onde duplicaram as escolas com oferta de português – em 1999/2000 eram cerca de 28, e atualmente são 51. 

Paralelamente, o número de docentes que lecionam em língua portuguesa também registou crescimento significativo. Além disso, intensificou-se o intercâmbio de estudantes que partem para Portugal, maioritariamente, para aperfeiçoar a língua. 

Apesar de a dinâmica de aprendizagem do português ser mais visível no território de Macau, o fenómeno estendeu-se a toda a China, que tem cada vez mais universidades com oferta formativa de língua portuguesa e incentivos para a deslocação de estudantes a Portugal. Esta procura crescente, embora devida à herança cultural de Portugal, prende-se fundamentalmente com fatores profissionais e económicas, dado o português impulsionar a entrada no mercado de trabalho em diversas áreas, nomeadamente nos serviços administrativos da região de Macau. (...)

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/atualidades/noticias/macau-e-a-lingua-portuguesa/3388 [consultado em 20-12-2019] (com a devida vénia...)

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Nota do editor:

(*) Vd. alguns postes com referências a  Macau (no nosso blogue são cerca de 40);

20 de abril de2019 > Guiné 61/74 - P19701: Os nossos seres, saberes e lazeres (319): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte III: Pequim e Macau, out / nov 1982

15 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo e (ii) generalidades

16 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12302: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (78): Notícias de Macau, do futuro grã-tabanqueiro Virgílio Valente, ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

4 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10115: Agenda Cultural (209): Lançamento dos livros "Filhos da Terra - A Comunidade Macaense Ontem e Hoje" e "O Livro de Receitas da Minha Tia/Mãe Albertina", Instituto Internacional de Macau, Lisboa, 11 de julho, 4ª feira, 18h.

18 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5673: Blogpoesia (63): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte I (António Graça de Abreu)

14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5465: Blogpoesia (60): Memórias da Escola Prática de Infantaria, Mafra e Macau (António Graça de Abreu)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20475: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (8): Virgílio Valente, régulo da Tabanca de Macau, ex-alf mil, CCAÇ 4142, "Os Herdeiros de Gampará" (Gampará, 1972/74)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Mapa de Fulacunda (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gampará e da Ponta do Inglês na foz do Rio Corubal

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)




BOM NATAL e FELIZ ANO NOVO

聖誕快樂,新年進步

Merry Christmas and Happy New Year


1. Mensagem de Virgílio Valente, terça, 17/12, 09:41


O nosso camarada da Tabanca da Diáspora Lusófona, Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], vive e trabalha há mais de 2 décadas, em Macau, região autónoma da China. F oi alf mil, CCAÇ 4142, "Os Herdeiros de Gampará" (Gampará, 1972/74). É   o nosso grã-tabanqueiro nº 709, desde 18 de dezembro de 2015. E doravante passa  a ser o régulo da Tabanca de Macau.

Recorde-se que Macau passou para a soberania da República Popular da China, justamente há 20 anos, em 20 de dezembro de 1999. É, a par de Hong Kong, uma das duas regiões administrativas especiais da República Popular da China.

A todos os meus amigos,
親愛的大家,
Dear All,

Desejo -vos
Bom Natal e um Feliz Ano Novo!
我希望你
聖誕快樂,新年進步
Wish You
Merry X'mas and Happy New Year

Virgílio Valente
韋子倫

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20465: Feliz Natal de 2019 e Bom Ano Novo de 2020 (7): Paulo Salgado (ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20413: Álbum fotográfico de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7 (Bissau e Fulacunda, 1969/71) - Parte IV: Acção Mabecos (subsetor de Piche, 22-24 de fevereiro de 1971)


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna



Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 > Progressão da coluna


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 >  "Eu estava sob as ordens do Capitão Osório [, de origem macaense,  aqui na foto], homem da artilharia, já falecido. No relatório desta operação está referido a forma elevada como o pessoal da Artilharia participou na resposta ao fogo IN, na sequência de emboscada, logo no primeiro dia, 22".


Guiné > Região de  Gabu > Piche > Acção Mabeos > 22-24 de fevereiro de 1971 >  O fur mil art Domingos Robalo, adjunto do cap art Osório: "A minha posição na coluna era na retaguarda, numa Berliet com um obus 14. Noutra viatura, na retaguarda da minha, ía o alferes Sá Viana Rebelo (sobrinho o Ministro do Exército)."

Imagens da progressão da coluna, de Piche  até à fronteira (, no rio Campa): "Sem fazer grandes cálculos, mas tendo em mente as tropas envolvidas, a nossa coluna teria um comprimento, em movimento de cerca de entre 1500 m a 1800m".

Fotos (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico (*) de Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; foi comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70); vive em Almada; tem mais de 20 referências no nosso blogue. [, Foto atual, à esquerda].

Já no final da comissão, que terminaria em abril de 1971 [, 24 meses!], o  Domingos Robalo, de rendição individual, colocado no BAC 1 / GAC 7,depois de trer comandado o 22º Pel Art, em Fulacunda (1969/70),  ainda participa na Acção Mabecos, em 22, 23 e 24 de fevereiro de 1971 (**):

A Acção Mabecos, executada a partir de Piche, tinha como objecto a retaliação,  com fogo de artilharia, à base IN de Foulamory, na região fronteiriça, a cerca de 12/13 km  Os obuses adequados e definidos para a operação eram os de 14 cm [, Saré Bacar e Canquelifá], e as peças de 11,4 cm, com maior alcance [ Piche.]

Então, convocaram-se os Pelotões de Artilharia de Saré Bacar, com 3 obuses 14,0; Canquelifá com 2 obuses [,14,0] e o pelotão reforçado de Piche, com 4 obuses [, peças 11.4]. [Bajocunda e Pirada tinham obuses 10,5 cm, não sendo adequados à operação.] 

O objectivo era Posicionar - se próximo da fronteira, Rio Campa, junto ao Corubal, e bombardear posições IN na região de Foulamory (Guiné Conacri).

Participaram as seguintes forças:

(i) 1º, 2º, 3º e 4º P el / CART 3332.

(ii) 3º e 4º Pel / /CCAV 2749 / BCAV 2922).

(iii) Duas secções de milícias da CM 249;

(iv) Uma secção de milícias da CM 246, com Morteiro 60, e 30 granadas;

(v) Uma secção Morteiro 81, 30 granadas;

(vi) Artilharia Pesada: 4 peças 11,4 com 160 Granadas [Piche], 2 Obus 14, com 100 [Canquelifá], 3 Obus 14 com 120 [Sare Bacar] ;

(vii) duas WHITE PEL/REC 2.


(...) Estávamos em semana de carnaval. A emboscada foi ao fim da tarde, de 22 de fevereiro de 1971. desencadeada com fogo muito forte. Lembro-me de haver referência à existência de soldados cubanos nas forças que nos atacaram. 

Com o decorrer do tempo parecia que o fogo era cada mais intenso.Daqui resultou que ordenei aos meus soldados que instalassem o obus 14 em posição de fogo. Creio que 5 minutos depois, estavam no ar as primeiras granadas do obus 14. Passados momentos aparece o Capitão Osório, também do GAC7, apoiando a decisão tomada. Passados 2 ou 3 minutos, o fogo do inimigo cessou. Todavia, as noticias não eram agradáveis porque, no pelotão que estava na frente [, o 3º Gr Comb / CART 3332], havia baixas e na manhâ seguinte havia a confirmação de um desaparecido, a do 1º cabo Duarte Fortunato [, além de 3 mortos e feridos graves]

Naquela mesma área, a artilharia [, 9 bocas de fogo,] tomou posição e durante toda a noite efectuaram-se bombardeamentos.   O erro desta operação foi a demora na reunião da logística bélica, porque estivemos em Piche alguns dias com movimentações anormais, o que despertou a curiosidade da população e consequentemente a organização do inimigo.

De certo modo, lembro-me que havia a expectativa de haver condições para uma emboscada, que se verificou. Lembro-me, também do acidente, na caserna, com uma bazuca [ que fez 3 vítimas mortais entre o pessoal do 4º Pelotão da CCAV 2749 / BCAV 2922]. O pessoal já saiu para a operação completamente desmoralizado e entristecido. (...)





Guiné > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) (Escala 1/50 mil) > A tracejado azul, o provável trajecto da coluna, com um cumprimento de 1500 a 2000 metros, que, no âmbito da Acção Mabecos, partiu de Piche até fronteira. (Em linha reta, não devem ser mais de 15 km.)

Nas proximidades do Rio Campa, afluente do Rio Coli,  a par do Rio Cimongru e do Rio Nhamprubana, 9 bocas de fogo (obuses 14 e peças 11.4, c. 500 granadas) flagelaram toda a noite de 23 para 24 de fevereiro de 1971 a base IN de Foulamory, do outro lado da fronteira: A fronteira, aqui,  é delimitada pelo Rio Coli.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
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(**) Vd. postes de:

22 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (113): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..

21 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20368: Blogues da nossa blogosfera (115): "A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate": o dramático relato da Acção Mabecos, Piche, 22, 23 e 24 de fevereiro de 1971 (texto de Eduardo Lopes; fotos de Jorge Carneiro Pinto, CART 3332, 1970/72)

19 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20364: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - IX (e última) Parte: Nunca mais esquecerei aquele abraço, num lojeca em Bissau, antes do meu regresso a casa, daquele negro de Fulacunda, o Eusébio, suspeito de colaborar com o IN, e a quem poderei ter salvo a vida...

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20389: Historiografia da presença portuguesa em África (188): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4): "Portugueses e Espanhóis na Oceânia", por René Pélissier (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
O historiador René Pélissier procede a uma comparação de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os espanhóis, contextualiza os dois impérios na curva descendente, a tentativa expansionista da Espanha nas Filipinas e a atitude portuguesa, de manutenção defensiva, Lisboa não podia ir mais longe, o foco vital, naquela altura, era a África e a situação financeira mantinha-se caótica. O historiador desvela o modo distinto como procederam os colonizadores espanhóis e portugueses, evidentemente a Espanha veio a perder as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas, o Timor português permaneceu incólume, a atitude da repressão portuguesa foi suficientemente brutal a ponto dos poderes gentílicos terem ficado definitivamente erodidos.
Uma obra para ler cuidadosamente, dá para entender esta faceta tão cara ao colonialismo português: as alianças gentílicas contra o insurreto, transformado em inimigo do colonizador e dos outros régulos.

Um abraço do
Mário


A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4)

Beja Santos

René Pélissier
O mais recente livro de René Pélissier em Portugal intitula-se “Portugueses e Espanhóis na Oceânia, duas formas de resolver insurreições”, Principia / Tribuna da História, 2018. O autor justifica assim a substância do seu trabalho: “Trata-se de examinar e comparar, durante um curto período (1887-1899), as atitudes e atividades militares de duas colonizações ibéricas, face às resistências armadas e rebeliões de sociedades ou autoridades indígenas que pretenderam subjugar em duas ilhas da Oceânia: Timor para os portugueses, Ponape para os Espanhóis”. Como é óbvio, o foco desta leitura passa pela questão colonizadora, os métodos usados para a pacificação de gente insubmissa. O autor compara o potencial militar espanhol e português no Pacífico, as duas potências coloniais estavam na curva descendente, com as finanças praticamente falidas, a Espanha sonhava com a expansão, Portugal com a retenção, os seus efetivos tinham recrutamentos diferentes, O efetivo português era multifacetado em termos de origem (muito poucos metropolitanos, indiano ou sino-portugueses de Macau e, após 1878, algumas tropas africanas vindas de Moçambique). O jogo de alianças tinha a ver com o génio colonial português baseado na manipulação dos chefes gentílicos, em caso de necessidade pagava-se ao inimigo dos insurretos nesta ou naquela ocasião, compensava-se o aliado com o saque, assim se procedia com os guerreiros das montanhas, os régulos (“liurais”) e os seus nobres, hostes sempre provisórias. René Pélissier lembra que na época Timor era uma ilha de cortadores de cabeças inveterados que adoravam bater-se pelo saque e guarnecer de crânios as fortificações das suas aldeias. A administração podia reunir, sob a sua bandeira, 15 ou mesmo 20 régulos, qualquer coisa como 10 mil homens armados, mais o milhar de moradores de choque e uma escassa centena de soldados regulares de apoio (moçambicanos e artilheiros). Para quem já estudou as campanhas de pacificação do Capitão Teixeira Pinto, há pouca novidade.

O governo português vivia num período singularmente crítico, tinha-se perdido o Brasil e a quase totalidade do seu primeiro império, o Oriental (salvo os entrepostos da Índia, Macau e uns pequenos retalhos na Insulíndia), apostava-se decididamente em África, ainda houve o sonho de criar um território homogéneo de Angola a Moçambique, mas a Grã-Bretanha lançou o Ultimato, encurtou-se o sonho para Angola e Moçambique. Os espanhóis sentiam-se inquietos com a presença britânica e alemã na vizinhança, houve mesmo um contencioso com Berlim, quando esta anunciou a posse das Carolinas, Madrid reagiu e mandou ocupar, assim se criou Ponape. Observa o autor: “Sem o saber, o governador das Carolinas Orientais tinha acabado de desembarcar num vespeiro a 3800 km de Manila, ou seja, a 15 dias de distância por navio-correio a vapor. A distância até à capital das Filipinas é quase igual à que separa Timor de Macau: aproximadamente 3600 km”.

1887 foi um ano sangrento para os governadores espanhol e português. A 3 de março de 1887, o governador de Timor foi morto pelos seus auxiliares, em Dili; a 4 de julho do mesmo ano o governador espanhol das Carolinas Orientais foi abatido pelos seus novos colonizados. Recorde-se a existência de diferenças nos dois processos coloniais. Em Ponape, a colónia era de fresca data, havia a ingerência de estrangeiros, desde os baleeiros aos comerciantes, contenda entre capuchinhos e missionários metodistas, era um poder colonial frágil que obrigou à mobilização de efetivos para um regresso em força. O novo governador de Timor, o Capitão-de-Fragata Rafael Jácome Lopes de Andrade possuía apenas um vapor em mau estado, duas companhias de soldados africanos, alguns soldados europeus e maratas (de Goa), num efetivo total provável de 250 homens. Empreendeu uma pequena campanha vitoriosa na Costa Norte e tomou medidas promissoras de apaziguamento, perdoou a vários régulos insubmissos. Em Ponape, andava-se a ferro e fogo, os governadores de Timor envolveram-se em companhas, agregaram auxiliares indígenas, intimidaram, incendiaram, usaram os métodos mais radicais. Em Lisboa, numa década de desespero financeiro, em que se chegou a pensar em confiar Timor a uma companhia majestática segundo o modelo moçambicano, seguia-se com admiração o que os governadores obtinham, a preços low cost.

René Pélissier desvela dois modelos militares e coloniais antagónicos, em Ponape uma política colonial amorfa ou inibida, em Timor um modelo de conquista impiedoso. E fala de José Celestino da Silva, um coronel de Cavalaria, como o grande obreiro desse processo de pacificação, um governador que se tornaria “rei de Timor”, uma invejável longevidade de governação, queria ser obedecido por todos, obrigar a população a produzir café, e foi bem-sucedido. O autor dá-nos um relato desenvolvido das campanhas, uma sequência de sucesso até se chegar ao maior desastre dos portugueses, o aniquilamento da coluna do Capitão Câmara, em 1895, o autor observa que foi o maior desastre dos portugueses na Oceânia e provavelmente de todos os exércitos coloniais do Pacífico Sul antes da II Guerra Mundial: 5 oficiais e 4 sargentos decapitados, juntamento com 19 soldados brancos, indianos ou africanos, uma boa centena de moradores e um número desconhecido de auxiliares deixaram igualmente os crânios no terreno, perderam-se espingardas, três canhões, um obus e muito mais. Celestino da Silvo recompôs-se e limpou a honra, foi implacável na punição. No ano seguinte obteve-se autonomia administrativa, Lisboa decretou que Timor passaria a ser um distrito autónomo separado de Macau, embora Macau continuasse a pagar um forte subsídio a Dili, o défice orçamental timorense era catastrófico.

A Espanha envolveu-se em mais guerras, os EUA deram-lhe o golpe de misericórdia, em dado momento, Madrid vendeu o que restava dos seus arquipélagos na Oceânia aos alemães por 25 milhões de pesetas, perdera as Filipinas, Guan e as Antilhas espanholas. O novo colonizador de Ponape revelou-se tão brutal como os portugueses em Timor. No somatório destas insurreições juguladas, tanto em Ponape como em Timor, os chefes gentílicos saíram diminuídos, o sistema quase feudal das duas ilhas não voltaria a erguer-se. O método de alianças e a brutalidade na repressão foram ingredientes da colonização portuguesa, os timorenses acataram a soberania e a bandeira, ficarão do lado português quando os japoneses ocuparem Timor, em fevereiro de 1942.
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Nota:
Informação do tradutor Daniel Gouveia:
A Editora Tribuna da História/Principia pode enviar por correio todas as encomendas com 10% de desconto e oferece os portes a quem encomendar indicando que vem da parte de Daniel Gouveia.
O procedimento é o seguinte: os interessados enviam um email para principia@principia.pt a dizer que têm interesse em comprar o livro “Portugueses e Espanhóis”, na sequência da informação que receberam de Daniel Gouveia. A Principia responde enviando as informações para pagamento por transferência bancária ou por Multibanco e pedindo a morada para envio. O preço do livro será 9€ sem mais custos.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20366: Historiografia da presença portuguesa em África (187): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (3): "Racismos, Das Cruzadas ao Seculo XX", por Francisco Bethencourt (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19701: Os nossos seres, saberes e lazeres (319): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte III: Pequim e Macau, out / nov 1982

1. Foi professor de Português em Pequim (Beijing) e tradutor nas Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Viveu em Pequim e Xangai entre 1977 e 1983.  Ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com 230 referências. Vive em Cascais. É um cidadão do mundo, poeta, escritor e reputado sinólogo. Chama-se António [José] Graça de Abreu, nascido no Porto em 1947.


2. Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (*)

por António Graça de Abreu



Pequim, 15 de Outubro de 1982
O António Graça de Abreu, em Pequim, na Praça Tianamen,
s/d, [c. 1977/83]

As autoridades chinesas deram-me o dia 26 de Outubro [de 1982] como limite da minha estadia na China. Vim com um visto de turista que já não pode mais ser prorrogado, a não ser que eu tenha uma actividade laboral que justifique a permanência no país. O embaixador Costa Lobo [ , embaixador em Pequim, entre 1982 e 1985], disse-me anteontem que tinha enviado, há dias, um telex para o Palácio das Necessidades, registando o meu pedido de trabalho na embaixada, mas que não obtivera qualquer reposta. Deve ser verdade.

A espada de Démocles suspende-se sobre a cabeça de um pacato cidadão das terras lusitanas. Ou talvez não, a espada pode cair mas, em vez do gume afiado ser de ferro, aparecerá revestido de uma lâmina de papelão. A ver vamos…

Ando preocupado, pois claro, como preocupado viajo pela vida há já não sei quantos anos. Sei que o ponto de viragem é a curva com mais curvas que encontrei desde que nasci. Todavia, fui eu que escolhi a estrada, sou eu que conduzo, acelero, travo, volteio. Os obstáculos no percurso são colocados por estranhos, não depende de mim o traçado da via, nem os buracos traiçoeiros, o piso escalavrado, os barrancos na berma, a lama ou a gravilha. Eu sabia que era sim e não tive receio da viagem. Agora só me resta continuar a conduzir e a manobrar. Que não me faltem forças para chegar vitorioso ao fim da prova mais dura de toda a minha vida. Como troféu, receberei não uma taça, não uma coroa de louros, mas uma mulher chinesa.


Pequim, 19 de Outubro de 1982

Estou com um pé no estribo para saltar para Hong Kong e Macau. Faço um pequeno balanço do que tenho escrito neste diário e há sempre mais vida do que a escrevinhação quotidiana mostra, as palavras saem inseguras, confusas, falhas de energia. Quando começarei a escrever bem, a escrever obra? Tenho montado o esquema, já levantei a arquitectura do romance a inventar “Chen Yuhua, a Menina de Jade”, mas não escrevo nada.

As minhas incapacidades capazes terão a ver com as raízes que mergulham de modo avassalador e profundo no húmus dos dias. Porém, em vez de árvore frondosa, nasce um caule enfezado e retorcido, rebentos e ramos que quase não se vêem.

Pequim, 20 de Outubro de 1982

Seis horas da tarde no bar do hotel Yangjing. Espero o Tian Hu, meu aluno na Faculdade de Línguas Estrangeiras de Xangai, colega da Yu Ping. O rapaz vive aqui na capital e chega para, no edifício ao lado do hotel, o Dian Hua Dianbao Dalou,  ou o seja, a Grande Central de Telefones e Comunicações, me ajudar na ligação telefónica para a Yu Ping, em Xangai, tudo falado em chinês para não levantar qualquer suspeita. 

O Tian Hu tem 23 anos, é arguto e esperto, e tem sido uma espécie de hongniang, a “casamenteira” na China clássica que costuma mexer habilmente os cordelinhos dos enredos pré-matrimoniais rumo à concretização de casamentos difíceis.


Pequim, 22 de Outubro de 1982


A Yu Ping chegou para se despedir de mim, pelos atalhos, via Hefei e Tianjin.

Fui buscá-la às sete da manhã à estação dos caminhos-de-ferro de Pequim. A festa nos nossos olhos, corações em alvoroço e entrámos no trolley 106, no percurso até ao Dongwu Gongyuan, o Jardim Zoológico. Não fomos ver leões, nem pandas, nem elefantes, tomámos logo o autocarro 332 até ao Yiheyuan, o Palácio de Verão. Não fomos ver o lago nem os aposentos da imperatriz Ci Xi, avançámos logo para o autocarro 333 até Wofusi, o Templo do Buda Deitado. Não fomos visitar o Mestre, nem acender pauzinhos de incenso no pavilhão dourado. Trocámos tudo pela caminhada pelo Jardim Botânico, até ao Vale das Cerejeiras, já em Xiangshan, a Colina Perfumada. Passámos pela casa onde Cao Xueqin (1715-1763) viveu e morreu, deixando inacabado o manuscrito do Hong Lou Meng 红楼梦,

O Sonho do Pavilhão Vermelho, uma fabulosa história que cruza amores possíveis e impossíveis e é o mais famoso romance de toda a literatura chinesa. Mais acima, escondido na vegetação, fica o Templo das Nuvens Azuis, numa curiosa arquitectura sino-indiana. Não era altura para mais visitas. Perto, num pequeno bosque de bambus, está o pavilhão com o ataúde de cristal destinado ao corpo de Sun Yat-sen [1866-1925], pai da República Chinesa. Uma saudação e continuámos o caminho.

Estamos agora em pleno Vale das Cerejeiras, deitados num leito de urze e folhas secas, escondidos na vegetação, a meia encosta, entre árvores baixas e arbustos, ignorados, esquecidos, enlaçados, um homem de um reino distante e uma mulher de Xangai, dois num só, envoltos em faiscantes novelos de ternura, o céu azul por cobertor, a terra tépida por leito e almofada. Gostar até à loucura, a China-mulher nos meus braços, sob o meu corpo, eu dentro dela, ela toda em mim, espasmos sublimes, nuvens e chuva caindo docemente no verde ondulante de colinas perfumadas.

Macau, 31 de Outubro de 1982

Cheguei a Macau há uma semana, esta singular península que é, há vários séculos, refúgio dos missionários no Império do Meio, os portugueses da religião alheia que, por delitos que não cometiam, recebiam ordens para abandonar a China e aqui se acolhiam, à espera de melhores dias, melhores meses, melhores anos. Quase todos davam a volta às proibições e acabavam por regressar à terra chinesa.

A minha situação é semelhante. Fixaram-me um prazo limite para sair da China e aí vim eu, recambiado até Macau. Em Pequim, naquele aeroporto frio e triste, ao entrar no BAC 111 chinês para voar até Hong Kong, sofredor de desconcertos e angústias, os olhos permaneceram secos, mas as lágrimas corriam por dentro, e encharcavam tudo.

Macau, 6 de Novembro de 1982

Na quinta passagem por Macau, estou a fazer uma mãozinha de jornalismo num novo semanário, o “Tribuna de Macau”, dirigido pelo José Rocha Dinis que veio do “Diário de Notícias” e já me conhecia das crónicas, muitas, que tenho publicado no DN, como correspondente em Pequim. Para sobreviver, necessito absolutamente de ganhar umas patacas.

Tenho a sorte de ter também como amigo o Jorge Neto Valente a quem devo, até ao resto dos meus dias, um agradecimento vasto como o delta do rio das Pérolas. Cedeu-me, como das outras vezes em que vim a Macau, sem eu pagar um avo, o 4º. andar do apartamento no Pátio da Casa Forte, ali defronte da igreja de S. Lourenço, quase sempre vazio porque o Jorge o destina a contabilistas de Hong Kong que, de quando em vez, vêm a esta cidade para o ajudar a tratar de assuntos e negócios. Tenho um mini-lar em Macau, sobrevivo, vivo em busca de melhor vida.


Macau, 15 de Novembro de 1982

Migram as aves,
em busca do calor, do grão ou da frescura.
Assim também os homens,
em busca do ouro, do pão ou da ternura.[1]

Por isso:

Regresso ao meu amor Macau,
após mil falas, dez mil silêncios.
Na foz de um rio de pérolas,
a cidade cicia segredos, envolta em bruma.


Macau, 19 de Novembro de 1982


Apesar de muitos destroços portugueses e chineses coalhando as águas barrentas em volta de Aomen 澳门, a Porta da Baía, gosto muito de Macau, sinto-me bem neste burgo, único em toda a Ásia. Por norma sou bem recebido e não me sinto em terra estranha. Tenho vindo sempre sozinho, a partir das paragens chinesas e aqui, diante de tanta mulher bonita, agiganta-se a minha pena por não ter nenhuma. Tem sido a minha sina sínica. Creio que sei como amar bem uma mulher, como na minha ingenuidade me entrego e desejo partilhar tudo. E habituei-me a receber tão pouco… O que é que falha em mim, no que ao feminino diz respeito?

Espero supremos prazeres e viver com alegria, mas no fundo também sei que gosto de estar triste. Trata-se deste malfadado masoquismo afectivo que tanto compraz ao português puro, a começar pelo primeiro grande modelador da alma lusitana, o meu amigo Luís de Camões, continuado por outro enorme cultivador de paixões infelizes, Manuel Maria Barbosa du Bocage que em Macau, 1789, padecia igualmente de mal amar e de mal viver. Bocage que escrevia: “Camões, grande Camões, quão semelhante/ acho o teu fado ao meu.

E o meu fado também com parecenças com os maiores poetas, e eu, pobre vate coxo e inapto, com uma Dinamene lá longe, em Xangai. Eu, esquartejando-me pela China e por Macau, a viver pobremente da pena, do que escrevo e traduzo, e sempre tudo tão mal pago. Eu, rigorosamente como o Camões (ele em Moçambique) “a comer de amigos”, hoje o almoço pago pelo Joaquim Amaral, ontem o jantar pago pelo Rogério Beltrão Coelho. Eu, com setenta patacas no bolso.
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Nota do autor:

[1] Na tarde de 19 de Dezembro de 1999, no grande espectáculo comemorativo da transição de poderes, da devolução de Macau à China, que teve lugar no Centro Cultural de Macau, os alunos da Escola Portuguesa disseram poemas de Miguel Torga, Camilo Pessanha, António Manuel Couto Viana, Bai Juyi (por mim traduzido para português), António Gedeão, Eugénio de Andrade e, para meu completo espanto e surpresa, o primeiro poema declamado pelos jovens era este, da autoria de António Graça de Abreu, eu próprio.

[Fixação de texto e links; LG]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  20 de abril de  2019 > Guiné 61/74 - P19700: Os nossos seres, saberes e lazeres (318): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (1) (Mário Beja Santos)

Vd. poste de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19693: Os nossos seres, saberes e lazeres (316): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte I: janeiro de 1980



República Popular da China > Pequim > s/d > O António Graça de Abreu na praça Tianamen [ou Praça da Paz Celestial]

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O António Graça de Abreu,  ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), é membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 230 referências. 

Nasceu no Porto, em 1947; é escritor, tradutor, poeta, sinólogo, com mais de duas dezenas de livros publicados; é professor universitário; licenciou-se em Filologia Germânica e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

Da sua experiência militar, no CAOP1 (1972/74),  escreveu um pessoalíssimo e original Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, Editores, 2007), de que já publicámos inúmeros excertos no nosso blogue.

Dele publicamos também recentemente a série Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu).

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

Menos conhecida, dos amigos e camaradas da Guiné, ou sejam, dos nossos leitores, é a sua obra de tradução,  para português, dos grandes clássicos da poesia chinesa bem como  a sua estadia na China, entre 1977 e 1983, onde leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai, tendo trabalhado nas Edições Pequim.

Do seu "diário secreto, ainda inédito", escrito nos anos de 1977 a 1983, enviou alguns excertos para as pessoas da sua "mailing list", incluindo o nosso blogue. Dado tratar-se de um camarada nosso com um papel conhecido e ativo no desenvolvimento das relações culturais entre Portugal e a China (incluindo Macau), e, portanto, da lusofonia,  achamos oportuno e pertinente publlicar, com a sua autorização, alguns desses excertos.

Publicamos hoje a parte I (Pequim, janeiro de 1980) e oportunamente a Parte II (Pequim, outubro de 1982; Macau, novembro de 1982) (LG)



Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito", escrito na China, entre 1977 e 1983

por António Graça de Abreu


Pequim, 22 de Janeiro de 1980


A minha danwei 单位, a “entidade de trabalho”, é as Edições de Pequim, mas tenho igualmente ajudado um pouco a profª. Conceição Afonso na leccionação no Curso de Língua e Cultura Portuguesa numa outra danwei, a Faculdade de Línguas Estrangeiras de Pequim.

Sou professor, por formação, e tenho dado aulas aqui nas Edições aos chineses que comigo trabalham, e a muitos outros chineses que estudam ou estudaram português e vêm assistir e participar no nosso aprendizado com a língua portuguesa. Estou por isso, relativamente bem informado sobre o que se passa nestas paragens quanto ao ensino do português.

O nosso idioma começou a ser estudado na China no ano de 1961 e, singularmente, muitos dos primeiros alunos haviam estudado russo, passando depois para o português. Com o conflito ideológico entre soviéticos e chineses no final dos anos cinquenta, que levou à saída da China de milhares e milhares de técnicos russos, o conhecimento da língua de Tolstoi e de Lenin quase deixou de ter utilidade.

Para alguns, não muitos, jovens chineses, a língua de Camões e Eça passou então a ser uma alternativa de vida, e avançaram do russo para o português, e a mudança não terá sido tarefa fácil. Até 1975, os cursos ministrados em vários lugares de Pequim foram apenas de português do Brasil e funcionaram em condições precárias, inclusive os professores não eram propriamente mestres, mas refugiados políticos, cidadãos escapados à ditadura brasileira, com diversas profissões que nada tinham a ver com o ensino.

A Revolução Cultural, com o encerramento da Faculdade de Línguas Estrangeiras durante cinco anos, foi responsável pelo desmembramento dos cursos e pelo desinteresse criado nos alunos. O governo chinês teve, no entanto, o bom senso, em 1965, de enviar para Macau, quase em segredo, 60 jovens chineses que estudaram português durante quase três anos. Alguns deles trabalham hoje comigo nas Edições e tiveram um professor que nunca mais esqueceram, de nome Júlio Dinis.

Neste momento funcionam na Faculdade de Línguas Estrangeiras, Departamento de Estudos Ibero-Americanos, dois cursos de Língua e Cultura Portuguesa, com quarenta alunos, uma professora portuguesa e sete professores chineses. Os alunos têm uma média de 20 anos e foram escolhidos para frequentar os cursos através de um exame especial, após terem terminado o secundário. 

Os cursos, além da língua portuguesa, literatura portuguesa, História de Portugal, debruçam-se também sobre outros temas como literatura clássica chinesa, política, etc. Prolongam-se por quatro anos e funcionam em regime de internato. Equivalem ao nosso Ensino Superior, embora o nível geral seja inferior ao do das nossas universidades, quando acontece elas em Portugal funcionarem bem. Após terminarem o curso, os estudantes não têm opção de escolha e são distribuídos por diferentes lugares, departamentos ou serviços. Alguns irão trabalhar nas embaixadas da China nos países de língua portuguesa, outros no turismo, como guias-intérpretes, outros como tradutores, intelectuais ligados ao mundo cultural da língua portuguesa.

Os alunos são trabalhadores e ao fim de um ano de aprendizagem começa a ser possível conversar com eles em português. Temos falta de materiais de ensino. É uma pena que sendo a nossa língua a quinta mais falada do mundo, não exista um bom manual, feito em Portugal, destinado ao ensino do português no estrangeiro.

Também não temos ainda um verdadeiro leitorado de português em Pequim, dado que as relações diplomáticas são recentes e não foi assinado nenhum acordo cultural entre os nossos dois países, mas eu próprio, de férias em Lisboa, no Verão passado, fiz a ligação com o ICALP, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e com a Fundação Calouste Gulbenkian que já nos enviaram duas bibliotecas básicas de clássicos portugueses, uma para as Edições e outra para a Faculdade. 

Também temos recebido outros livros, jornais, revistas, diapositivos e discos. É pouco, mas estes materiais já estão a ser utilizados das mais variadas formas. A Fundação Calouste Gulbenkian, através do seu Serviço Internacional, prometeu bolsas de estudo em Portugal para cada um dos professores chineses que ensinam português na Faculdade de Linguas Estrangeiras de Pequim.

Em Xangai, cidade com 10 milhões de habitantes, na também Faculdade de Línguas Estrangeiras, funciona igualmente um curso de português, com 12 alunos e uma professora brasileira, a Drª. Yuko, por acaso de origem japonesa, mas nascida em São Paulo. Já me convidaram a ir a Xangai dar duas semanas de aulas, o que, creio, acontecerá ainda este ano.


Pequim, 25 de Janeiro de 1980

Original visita à Escola de Trabalho, Estudo e Reeducação no distrito de Lugoujiao,fundada em 1978, nos arredores de Pequim.

No nosso Portugal chamavam reformatórios ou casas de correção a estes estabelecimentos, tutorias destinadas a jovens transviados, problemáticos, de difícil inserção na sociedade.

Aqui, a Escola tem quase trezentos alunos, quarenta dos quais são raparigas, jovens oriundos de famílias desagregadas, não funcionais. Estavam habituados a provocar distúrbios nas escolas que frequentavam. Dizem-me que aqui se procura disciplinar os rapazes e raparigas, através do exemplo, do estudo e do trabalho físico que lhes ocupa 1/3 do tempo lectivo. Os temas ensinados são os mesmos do ensino secundário, mas com menor carga horária.

Os trezentos alunos estão distribuídos por dez classes, fazem trabalho manual, cultivam arroz e trabalham numa fábrica de plásticos integrada na escola. Quando têm família que os receba, vão a casa de quinze em quinze dias. Têm também duas semanass de férias por ano.

Muitos destes jovens cometeram delitos graves, mas não são criminosos. 10 a 20% deles reincidiram nos erros, mas a maioria aceita e gosta da Escola. Não existe uma vigilância apertada, não há muros altos, alguns alunos já fugiram, regressaram e voltaram a fugir. Não é fácil o labor dos professores e empregados.

A Escola é recente e o director que nos recebe, e vai dando as explicações, diz que tem pouca experiência de lidar com estes jovens problemáticos. Procura-se incutir um ideal na mente de cada um, explicando-lhes que eles não são os principais responsáveis pelos erros que cometem. Claro que eles também terão algumas culpas, no entanto não os devemos acusar directamente. É necessário fazer-lhes compreender porque cometeram erros, quais as causas, próprias e alheias, até que ponto são eles as vítimas.

Trata-se de salvar os adolescentes e de procurar formar jovens úteis à sociedade. Os professores têm obrigação de gostar dos alunos, de os compreender e orientar, os jovens necessitam de sentir que são amados, o seu comportamento não atraiu o amor, mas os afectos são importantíssimos na melhoria permanente de todos. Tenta-se ajudá-los a compreender melhor a sociedade, a dar-lhes interesse pela vida, a trabalhar pelo colectivo. Todos recebem um pequeno salário de 7 yuans por mês e já desfilaram orgulhosos na grande Avenida Chang’an no 1 de Outubro, o Dia Nacional da China.

Depois da extensa e didáctica conversa introdutória, fomos visitar a Escola. Instalações muito deficientes, salas de aula espartanas e nuas, à moda da China, camaratas para duas dezenas de jovens, cada uma, tudo muito feio, frio e pobre.

Os rapazes e raparigas não nos vieram saudar com a jovialidade de quem encontra amigos. Os rostos marcados pelo rasgar das vidas, ainda tão breves, sentindo-se observados, peixes fora do aquário, quase nenhum sorriso. Interessante, mas deprimente e triste esta passagem por uma casa de correção de jovens, em Pequim.

Como disse o director do reformatório “são flores em mau estado, estragadas pelos bichos.” E os “bichos” seremos todos nós.

Pequim, 31 de Janeiro de 1980

Sugeri às Edições [Pequim] uma viagem especial, duzentos e cinquenta quilómetros de bicicleta desde Shijiazhuang, capital da província de Hebei até Anyang, já na província de Henan e importante centro histórico. No século XIV a.C., Anyang foi capital da dinastia Shang-Yin e um dos grandes centros urbanos da China antiga. Há imensos vestígios arqueológicos, mal conhecidos, a visitar absolutamente. Pedi para ir comigo como intérprete, auxiliar de logística, a pedalar a meu lado pela China abaixo um dos jovens camaradas que trabalha comigo nas Edições onde não estamos muito ocupados e há tempo de sobra para outras actividades. 

O objectivo da viagem passa também por conhecer outras paragens da China, pedalando gloriosamente por dentro do mundo camponês, fotografar e escrever depois umas crónicas que poderão ser publicadas na revista onde agora trabalho, a China em Construção. A minha sugestão de publicação estende-se a outras revistas das Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras, não importa qual seja o idioma.

Aguardo desenvolvimentos.[1]
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[1] Esperei meses e meses por uma resposta que acabou por chegar, diplomaticamente negativa.

[Links da responsabilidade do editor LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19675: Os nossos seres, saberes e lazeres (315): Viagem à Holanda acima das águas (19) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18317: Bibliografia de uma guerra (86): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,

Não é de mais insistir, ao findar estas notas de recensão, que se trata de um estudo profundíssimo, rigoroso, porventura o melhor pano de fundo que possuímos na historiografia portuguesa contemporânea sobre a política externa portuguesa no pós-guerra face aos novos ventos da História - o surto independentista que se difundiu nos grandes e pequenos impérios coloniais.

Trata-se de uma organização admirável dos principais factos, respostas, hesitações, manobras de adiamento, quebra de alianças, informações alarmantes que chegavam ao Estado Novo por via de vozes autorizadas. Tudo em vão, a doutrina era inflexível, ou tudo ou nada, "a pátria não se discute". É neste ecrã de 15 anos de espera e turbilhão que em 1961 eclode a guerra colonial que levou o regime urdido por Salazar ao fundo. Demorará décadas a aparecer ensaio tão qualificado como este de Valentim Alexandre.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (4)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017.

O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira. Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande veja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colonatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

Este último apontamento passa em revista, no período compreendido entre 1955 e 1960, como se procuravam superar riscos, ameaças e tensões no Oriente (Goa, Macau e Timor) e ter em consideração a matérias das conclusões apresentadas pelo autor.

Quanto a Goa, a diplomacia portuguesa sentia que já pouco podia contar com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. No encontro entre Foster Dulles e Paulo Cunha, o Secretário de Estado norte-americano recordou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português a posição do país em relação ao colonialismo: direito à independência, evitando-se a todo o transe independência prematuras para quem ainda não estivesse preparado para assumir as inerentes responsabilidades.

Em 1956, Salazar prepara um documento para o Conselho de Estado, não ignora que no Conselho Legislativo goês, a maioria dos membros eleitos constituía uma verdadeira oposição ao governo. Silva Tavares, Secretário-Geral do governo da Índia enviará uma carta a Sarmento Rodrigues onde escrevera:

“Continuo a pensar que a ideia da integração é impopular. Porém, não se pode inferir que todos sejam pela unidade com Portugal. Desde os partidários de uma restrita autonomia até aos partidários da independência e aos que só sentimentalmente gostam de falar em autonomia sem no fundo a desejarem, há as mais variadas cambiantes”.

Salazar sublinhou esta frase. Orlando Ribeiro também elaborou um extenso relatório sobre a sociedade da Índia Portuguesa, documento bastante pessimista: Goa aparecera a seus olhos “como a terra menos portuguesa de todas as que vira até então, menos portuguesa do que a Guiné”.

E, mais adiante:

“Ao contrário da África portuguesa, onde há o maior cuidado em empregar expressões como Metrópole e metropolitano, em Goa opõe-se esta província a Portugal e o Goês cristão opõe-se a português. É corrente sermos assim designados por gente muito próxima de nós na fala e nos usos, mas alheia ao nosso sentido de pátria. Pátria para o Goês é Goa”.

Valentim Alexandre detalha a evolução das tensões, a euforia efémera da sentença do Tribunal Internacional de Haia no processo interposto por Portugal contra a União Indiana em 1956, por alegada violação do direito de passagem entre Damão e os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, dando razão a Portugal. A vitória durou pouco tempo, em Dezembro de 1960 as resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre a “outorga da independência aos países e aos povos coloniais” constituíram um momento de viragem, as posições coloniais tinham os dias contados.

O autor igualmente explica como a política da República Popular da China assegurou temporariamente a posição portuguesa em Macau, mesmo sujeita a restrições e todo o processo timorense é detalhado.

 Atenda-se ao valor das conclusões desta vastíssima obra. Tendo saído indemne da II Guerra Mundial, o regime sabia que a ordem internacional estava radicalmente alterada, o sopro anticolonial não só rapidamente se espalhara pela Ásia, era ínsito à Carta das Nações Unidas e constituía elemento de referência nas políticas norte americana e soviética.

Portugal começa por não estar isolado na conceção da independência às colónias, mas deu-se uma evolução nas políticas britânica e francesa, os seus impérios desagregaram-se. Numa tentativa de atualização, o Estado Novo substitui as colónias por províncias ultramarinas, procura ir abolindo o conceito de indígena e do trabalho forçado, como o autor observa:

“Fruto da Repressão e da ausência de liberdades, a pax lusitana era um dos temas prediletos da propaganda do regime, que nela via a comprovação da excelência da colonização portuguesa e da sua especificidade”.

Dá-nos conta da ameaça que impendia sobre Macau e quanto a Goa, Lisboa recusava a mínima cedência de soberania, quais que fossem as garantias de respeito pelas identidade de Goa e pela influência cultural nela exercida pela metrópole.

Chegados a 1955, ninguém na cúspide do Estado Novo ignorava as crescentes ameaças que se avolumavam sobre o império. Até 1958, prevalecia a noção de que sob os territórios de África era um perigo a longo prazo. Subitamente, esfumou-se a ilusão. O regime procurava remoçar a mística imperial, confortar a tese da especificidade de Portugal como nação pluricontinental, foi alimento para consumo interno.

Perante um perigo iminente de diferentes contestações dos movimentos independentistas, o regime monolítico procurou modificar as forças armadas e a PIDE passou a ter muito mais trabalho em África. No campo da política interna, Salazar nunca aceitou hipóteses de entendimento com grande parte da oposição que até poderia ter cooperado numa frente comum na defesa do Ultramar. O mais longe que Salazar quis ir constou na sua aceitação de um plano de reformas, mostrou-se aberto a modificações da estrutura administrativa do Império, como sempre tudo muito lento e aferrolhado.

E assim termina este valiosíssimo trabalho:  

“Só o abalo produzido pelo início da Guerra Colonial, em 1961, dará o impulso necessário a reformas de fundo, com a abolição legal do indigenato e do trabalho forçado. Ainda em 1959-1960, avultam, mais do que o reformismo, o acréscimo da repressão, com as vagas de prisões, nomeadamente em Angola, e os massacres, na maior parte já com intervenção das Forças Armadas, que então marcam a vida das colónias portuguesas do continente africano, bem como Timor. Longe de se contraporem, reforma e repressão não passavam de duas faces das mesma política, tendente a preservar a soberania nacional sobre o Império – como os tempos iniciais da guerra em Angola, em 1961, tornariam evidente”.

Esta notável investigação é de leitura obrigatória, como se depreende.
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Notas do editor:

Vd. postes anteriores de:

10 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18198: Bibliografia de uma guerra (82): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

17 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)
e
24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18246: Bibliografia de uma guerra (84): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 31 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18271: Bibliografia de uma guerra (85): “O céu não pode esperar”, por António Brito; Sextante Editora, 2009 (Mário Beja Santos)