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sexta-feira, 16 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)

1. Texto do António Graça de Abreu (ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto; esteve também em Mansoa e Cufar, 1972/74):

Excertos do livro Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (1), recente membro da nossa tertúlia (conhecemo-nos ontem pelo telefone, é professor de inglês na Escola Secundária José Saramago, em Mafra, e tradutor de chinês; além disso, ele vai ter a gentileza de me mandar um exemplar autografado do seu livro, o seu 12º livro publicado).



Canchungo, 18 de Agosto de 1972 > A história dos três majores, do alferes e dos dois intérpretes negros assassinados pelo PAIGC (2).


Neste CAOP 1, o alferes Marques ocupa o lugar que outrora foi do alferes Joaquim Mosca, adjunto de Informações, o capitão Borges mais os majores Barroco e P. estão aqui em substituição dos majores Magalhães Osório, oficial de Informações, Pereira da Silva, oficial de Operações e Passos Ramos, chefe do Estado Maior (*).

No dia 20 de Abril de 1970, estes três majores mais o alferes Mosca e dois negros, Aliu Sissé e Patrão, que serviam de intérpretes, foram brutalmente mortos à saída da estrada entre o Pelundo e o Jolmete.

Dando corpo à política do general Spínola da Guiné Melhor e pacificação do chão manjaco, há dois anos atrás a estratégia político-social do CAOP 1 tentou convencer alguns comandantes militares do PAIGC a depor as armas, trazendo-os para o nosso lado e criando condições para a inserção harmoniosa desta gente numa nova Guiné, moderna, de paz e progresso para todos.

Realizaram-se várias reuniões entre os três majores do CAOP 1 e os guerrilheiros, o diálogo parecia começar a dar frutos. O general Spínola participou também num dos encontros e estava disposto a negociar o fim da guerra com o próprio Amílcar Cabral. Ainda à sombra da bandeira portuguesa, avançar-se-ia para uma Guiné com autonomia, uma espécie de soberania partilhada entre negros e brancos. Não era essa - nem é hoje -, a linha política do governo de Lisboa, nem do PAIGC que lutava pela independência total e expulsão dos colonialistas brancos.

No dia 20 de Abril de 1970, os três majores, o alferes e os intérpretes saíram desta casa, sede do CAOP 1, em dois jipes para mais uma reunião secreta com os chefes dos guerrilheiros. Passaram o Pelundo e avançaram desarmados, sem escolta em direcção a uma pequena floresta, no caminho para o Jolmete. Era o lugar combinado, já utilizado em anteriores encontros. Os guerrilheiros estavam lá, à espera dos militares portugueses, desta vez não para negociar mas para os matar. Foram todos cobardemente assassinados com armas brancas e os corpos, esquartejados. Não foram mortos a tiro porque o barulho provocaria o alarme no quartel do Pelundo, tão próximo.

Eram homens de excepção, nossos antecessores neste CAOP 1, neste edifício, nestas salas. Permanecem na memória de todos (**).

_________________

Notas do autor:

(*) Um dos oficiais que, em 1970 após a morte destes majores, os substituiu no nosso CAOP 1, foi o então capitão António Ramalho Eanes. Citado por Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, pag. 72.

(**) O major de Infantaria Alberto Magalhães Osório repousa no cemitério do Baraçal, Celorico da Beira, o major de Artilharia Joaquim Pereira da Silva descansa no cemitério de Galegos, Penafiel, o major de Artilharia Fernando Passos Ramos jaz na terra fria do cemitério de Paranhos, Porto, o alferes miliciano Joaquim Palmeiro Mosca dorme para sempre no cemitério municipal do Redondo.

No site http://www.blogueforanada.blogspot/, com data de 20.11.2005, o ex-furriel João Varanda da companhia do Pelundo, conta também esta história e conclui:"Deixo-lhes um abraço fraterno e um apelo a todos os combatentes para que visitem estes cemitérios e coloquem nas suas campas um cravo vermelho de Abril" (3).

Sobre os três majores ver o depoimento do general Carlos Fabião, "Milícias Negras", em A Guerra de África I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pag. 371. Na mesma obra, idem, ibidem, II, pag. 716, no depoimento do general Almeida Bruno, "Libertar Guidaje", encontra-se uma fotografia dos três majores em frente das instalações do CAOP 1, em Teixeira Pinto, pouco tempo antes de serem mortos.

Ver também o texto "Desaparecidos em Combate" no jornal Expresso/Revista de 24.4.95 e a sentida resposta do general Ricardo Ferreira Durão, no mesmo jornal a 27.5.95.

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de:

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

(2) Vd. post de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

(3) Vd. pst de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I


Guiné > Cartaz de propaganda do exército português. No tempo de Spínola (1968/73), a máquina de propaganda - a APSIC - vai-se tornar mais sofisticada e poderosa, ao serviço de política da Guiné Melhor. O PAIGC ver-se-á obrigado a responder com uma escalada a nível político, militar, organizativo e diplomático (LG).


Foto: © A. Marques Lopes (2005) . Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, coronel DFA, na situção de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/68) e da CCAC 3 (Barro, 1968/69).




Guiné > Bissau > Brá > 1965 O General Schultz (à esquerda)

Foto: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.


VIII parte do dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).

1. E-mail enviado pelo Afonso Sousa em 28 de de Novembro de 2006 ao Leopoldo Amado , especialista em historiografia do PAIGC e da guerra de libertação contra o domínio português na Guiné, e membro da nossa tertúlia:

Caríssimo Doutor Leopoldo Amado.

Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos. Através do Luis Graça, foi-me dado a conhecer o seu magnífico trabalho, visando a dissecação daquele que se poderá chamar de massacre do chão manjaco.

Dele saem respostas precisas sobre as muitas interrogações que o assunto tem originado e ainda suscita. São respostas que ficam como um contributo precioso para a história deste conflito e deste acontecimento, em particular.

Estas perguntas são pertinentes para uma mais fácil compreensão da origem, evolução e contornos deste trágico acontecimento para as hostes portuguesas. Numa resenha, temos:

1) Qual o objectivo destes encontros, entre beligerantes ?
2) De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
3) Este encontro era o último. A que se destinava ?
4) O que falhou do lado do exército português ?
5) Qual o local exacto ou presumível do encontro ?
6) Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?
7) Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?
8) Onde se realizou o 1º desse encontros ?
9) Que outros encontros são conhecidos ?
10) Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?
11) Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?
12) Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do Encontro ?
13) O desenlace deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?
14) Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco ne apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo ?
15) A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?
16) Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê ?
17) O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?
18) A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?
19) Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?
20) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, no dia seguinte ? A família de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração.
21) Será que este dado é correcto, ou apresenta-se deturpado ?
22) Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
23) Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?

Como muito bem diz, uma ou outra resposta não serão a realidade cem por cento concreta mas abordagens muito próximas dela. São hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido e constituem-se como um relevante e precioso subsídio para a história. Estou a coligir todas as respostas. Subsistem dúvidas ou não há ainda resposta para as questões 2), 4), 5), 15), 16), 17), 20), 21).

Para além do seu magnífico contributo, realço também as utilíssimas informações de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos (*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. Deles destaco o João Tunes, o Luis Graça, o João Varanda, o Júlio Rocha e o João Godinho.

Ficamos na expectativa de mais algum esclarecimento seu, principalmente aquele que se prende com a questão Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê e que resulta das suas investigações em arquivos (de ambos os lados).

Um sincero agradecimento pelo seu inestimável contributo e pela sua apreciada gentileza.

Um abraço. Afonso Sousa.


2. Depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, que optou por responder de forma global às questões do Afonso. Vamos reproduzir esse depoimento em três partes, devido à sua extensão (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue):

I Parte - De Schultz a Spínola


O consulado de Arnaldo Schultz (1964-1968)

A guerra colonial na Guiné criou sempre imensos problemas ao exército português. Assim, nos 17 primeiros meses da guerra o comando militar foi substituído quatro vezes até a chegada do general Arnaldo Schultz, em Março de 1964. Mesmo com este, a situação era de tal forma difícil que, em Portugal, iniciou-se espontaneamente um debate em que já se discutia de forma clara a hipótese de simplesmente se abandonar a Guiné, dado o elevado custo material e humano que a guerra exigia, agravado ainda pela falta de recursos do território. Porém, o sector conservador do regime, incluindo Salazar, não anuiu a essas ideias e optou-se pela continuidade da guerra, no convencimento de que o abandono da Guiné retiraria a Portugal a justificação para continuar a guerra noutros territórios de África.

A acção de Arnaldo Schultz, como o próprio reconhece, era a de "(…) conquistar uma área de terreno, destruir o inimigo e tirar-lhe a vontade de combater, mas na guerra subversiva não existe nenhum destes objectivos, o que há que fazer é ganhar simpatias, mas a formação militar desse tempo era outra, ou seja, a de alcançar objectivos, em lugar de conquistar vontades. De forma que a nossa actuação não se ajustava ao que se pretendia. A estratégia que pus em prática consistia em ter e controlar áreas determinadas, para que era necessário que as nossas forças conquistassem um terreno e ficassem ali para que outras forças, na mesma área, se ocupassem a procurar o inimigo” (1).

Fundamentalmente, Arnaldo Schultz tentou controlar o Centro-Oeste do território, perdido desde o início da guerra com acções de grande envergadura em Como, Cantanhede, Quitafine, etc., mas que redundaram num tremendo fracasso (2).

Na realidade, a situação militar com Arnaldo Shultz piorou consideravelmente, apesar do aumento significativo de efectivos que passou de 1000 homens em 1960 para cerca de 25 000 homens em 1967, deteriorando-se ainda mais nos primeiros meses de 1968. Disso se faz eco Otelo Saraiva de Carvalho, que, sem rodeios, disse que “ (…) Schultz revelou tanta incompetência militar e governativa e fez tantos disparates que quase levava o PAIGC a vitória sem grandes esforço (…)” (3).


A chegada de António Spínola

Em consequência do agravamento da situação militar para o exército português, Schultz foi substituído por Spínola, que, não obstante as dificuldades de vária ordem, inaugura um estilo novo de abordagem da guerra. Porém, ao tempo da sua chegada a situação caracteriza-se assim: o PAIGC quase controlava todo o Sul do território desde o início das hostilidades. A zona oeste estava igualmente sob o controlo do PAIGC, à excepção do chão manjaco, onde a guerrilha ainda estava na fase pré-insurrecional e só o chão dos fulas, no Leste, se mantinha mais ou menos fiel as autoridades portuguesas, pelo que Spínola imediatamente deduziu que o futuro se jogaria ali.

A estratégia consistia em encetar nessa região uma forte acção psicológica acompanhada de obras socio-económicas, com o objectivo de subtrair o apoio dos manjacos ao PAIGC e, por esta via, contagiar positivamente os papéis, em cuja região se encontra Bissau, asfixiando assim o PAIGC. Acompanhariam ainda esta estratégia acções que, no geral, tinham como objectivo manter as operações militares a um nível secundário de molde a permitir um regular funcionamento da administração, mas com as populações sob controlo das autoridades coloniais, abalar a confiança das populações na propaganda independentista, incentivar o regresso dos refugiados, pondo-os sob a protecção das autoridades coloniais e explorar até ao limite todas as contradições existentes nas fileiras da guerrilha, essencialmente entre os cabo-verdianos e guineenses. Estas acções, no seu conjunto, passaram a constituir o maior desafio político-militar ao PAIGC depois da chegada do general Spínola, nomeado governador em 1968.

Na realidade, este tinha negociado antecipadamente poderes alargados e a sua estratégia político-militar afrontou seriamente o PAIGC, sobretudo pela hábil manipulação de ingredientes políticos e étnicos. A partir de 1969, o general começou por criar uma infra-estrutura de representação política, com poderes consultivos, atraindo para ela um sector importante das elites étnicas, ao mesmo tempo que desenvolvia infra-estruturas sociais e de saúde. Por outro lado, não descurou a vertente étnica no interior do PAIGC e na sociedade guineense, criando e apoian­do organizações nacionalistas anticaboverdianas, e utilizando algumas figu­ras históricas da fundação do partido, como Rafael Barbosa.

Na vertente étnica interna, Spínola e a sua elite jogaram com algum sucesso na promoção dos fulas e de outras etnias menos receptivas à guerrilha. Apesar da adopção a partir de 1969 desse novo conceito no contexto global da guerra, era conferida maior destaque às actividades socio-económicas e psicológicas junto as populações, a ponto de a mesma influir, de certo modo, na estrutura de comando e controle e no dispositivo militar do exército português no teatro de operações.

Porém, a menor extensão geográfica do território, a boa organização e crédito internacional de que gozava o PAIGC, a extensão da fronteira terrestre, a característica alagadiça de grande parte da superfície, com a consequente dificuldade de movimentação, e um inimigo composto por tropas bem armadas e eficientemente enquadradas foram factores determinantes para que, na Guiné, o exército português tenha enfrentado ameaças de vulto, entre outras razões, por que a densidade de ocupação militar era muito elevada e, mesmo assim, sempre se colocou o problema de economia de efectivos (4).


A política da Guiné Melhor e a APSIC


Do lado do PAIGC, o período que se estende de 1964 à 1968 correspondeu a fase de consolidação, aquela em que se dá o alastramento da guerra às outras regiões, atingindo toda a estrutura militar do partido a situação-limite de evolução e exigindo, consequentemente, a passagem a formas de intervenção militar mais elaboradas, mais intensas, ao estilo das guerras convencionais. Foi igualmente neste período de consolidação que largos sectores militares do PAIGC, mesmo as chefias militares, deram mostras de um certo desfalecimento perante a guerra, mercê da intensa e eficaz campanha psicológica (política da Guiné Melhor) desenvolvida pelo general Spínola.

Com a nomeação de António de Spínola, em 1968, para governador e comandante-chefe das Forças Ar­madas na Guiné conseguem as for­ças portuguesas alguns êxitos, principalmente no campo económico e social, retirando ao PAIGC a possibilidade de contro­lar certas populações, que passa­ram a estar reagrupadas em aldea­mentos protegidos por contingentes mistos. A par da política de reordenamento da população é tentado o desenvolvimento socioeconómico. Realizam-se importantes trabalhos públicos e a presença das tropas portuguesas injecta vigor numa eco­nomia enfraquecida Aliás, poucos meses após a chegada de Spínola à Guiné, as hostes do PAIGC ressentiram-se consideravelmente das suas primeiras acções, na medida em que, a partir de Outubro de 1968, muitos dos dirigentes desdobravam-se em acções de reanimação dos combatentes, essencialmente no Sul, onde até alguns comandantes, que estavam desmoralizados com os bombardeamentos, ameaçavam abandonar a guerra.

Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica. É nessa região que ocorreu, na sequência dos esforços centrados no chão manjaco, mais concretamente em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo) a morte dos três majores.

Nesta última localidade, após a instalação do principal elo de coordenação dos Serviços de Informação e Acção psicológica do exército Português na Guiné, a manobra de guerra passou a ser eficazmente apoiada por uma manobra psicológica que garantir a mentalização e a integração efectiva de todas as forças que lutavam contra o PAIGC na tarefa essencial de conquistar as populações.

Mais de 11 mil armas distribuídas pelo exército à população

Por outro lado, essa conquista assentava mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no controlo físico, privilegiando a manobra psicossocial os seguintes eixos principais: dar prioridade, no âmbito da APSIC, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e consolidação da sua adesão à causa portuguesa (entenda-se colonial) para a aceitação dos reordenamentos e autodefesa. Actuar psicologicamente sobre as populações em situação de duplo controlo, de forma a conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda do PAIGC junto dela, com vista à sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação. Nessa altura, havia pelo menos um total de 11 163 armas distribuídas pelo exército português à população (5).

Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.

Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes.

A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.


A arma da rádio, em crioulo e nas principais línguas nativas


Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forcas Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné. Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: Colóquio, África em Foco, Tua Terra é Notícia, Sete Dias em Foco.

Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.

Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através das revistas Panorama da Guiné e a Voz da Guiné.

Africanização do exército colonial

Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.

Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.

Libertação de presos políticos

Ainda do ponto de vista da acção psicológica, um despacho de Spínola, datado de Dezembro de 1968, mandou restituir à liberdade quase todos os presos políticos guineenses que se encontravam na colónia penas da ilha das Galinhas. Acto continuo, desencadeia um processo que viria a culminar na libertação, no dia 3 de Agosto de 69, de quase uma centena de outros tantos presos políticos guineenses encarcerados em Bissau e na colónia penal de Tarrafal em Cabo Verde, ao mesmo tempo que anunciava para breve à restituição a liberdade de 16 detidos que se encontravam em Angola. Entre os presos políticos libertados encontrava-se Rafael Barbosa, até então presidente do Comité Central do PAIGC. E essa gigantesca cerimónia é realizada publicamente em frente ao Palácio do Governador, e Spínola, faz um discurso emotivo transmitido em directo pela rádio, aludindo até ao massacre de Pindjiguiti (6), que considera um episódio “dum triste passado que não desejo nem quero recordar”. Mais à frente, acentua uma das suas tónicas preferidas, a do aliciamento psicológico: “Sinto as angústias do bom povo da Guiné, sinto os seus legítimos desejos de uma vida melhor, por isso compreendo os que julgaram bater-se pelo ideal do povo – o ideal do actual Governo da província” (7).

Dentre os presos que usaram da palavra figuram Pascoal D'Artagnan Aurigema, anteriormente libertado Raul Nunes Correia – em representação dos presos da colónia penas da ilha das Galinhas, António Ilídio Lima Silva Ferreira, de Cabo Verde, e Rafael Barbosa, até. Aliás, em Agosto, a Subdelegação da PIDE-DGS de Bissau envia ao director, em Lisboa, uma nota em que assegurava que “ (...) a esta Subdelegação afigura-se de grande relevo a restituição de Rafael Barbosa à liberdade, porquanto a detenção do mesmo servia à propaganda externa do PAIGC para o apresentar como mártir do partido e em liberdade não tem, no presente, qualquer utilidade para o “movimento (.)” (8).

Após municiosa elaboração pelos serviços do Gabinete do comando-chefe e da PIDE-DGS de um texto que Rafael Barbosa deveria ler em público, este acabou por fazê-lo (9), afirmando: “Excelência, aproveito esta oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, felicitando o primeiro magistrado da província pela sua nomeação como general do exército português e pela sua conduta como guia e chefe de todos os portugueses nestas paragens do continente africano, tão assediado pelo inimigo vindo do estrangeiro. Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guine Portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas dos “ventos da História”, se deixou conduzir e desviar do recto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e de amargura, de ilusão.

Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e de reconhecer o meu erro. Bem haja, pois, Vossa Excelência, pela bela atitude que, neste momento, carregou sobre os seus ombros, ao libertar estas dezenas de homens que, iludidos nas promessas vãs daqueles que, a soldo dos países estrangeiros, se lançaram na rebelião contra a Pátria portuguesa, do que estou certo, hoje em dia, se confessam arrependidos. Bem haja, pois, Senhor Governador, pela sua clemência, pela sua dignidade de chefe e, com a ajuda de Deus, eu lhe prometo que serei tão bom português como Vossa Excelência. O futuro confirmará.

Bissau, 3 de Agosto de 1969” (10).

(Continua)
__________

Notas de L.A.:

(1) Cervelló, Josep Sánchez, La Inviabilidade de Una Victoria portuguesa en la Guerra Colonial: el Caso de Guinea-Bissau, entrevista do general a Josep Sanchez Cervelló em 30 de Junho de 1986, Separata da Revista de História, Tomo XLIX/173, Madrid, 1989, p. 1025.

(2) Fabião, Carlos, Descolonização na Guiné-Bissau, Spínola a Figura Marcante da Guerra na Guiné, Seminário 25 de Abril, 10 Anos depois, s. 1., Lisboa, Associação 25 de Abril, 1984, pp. 305 e ss.

(3) Carvalho, Otelo Saraiva de, Alvorada em Abril, 2ª edição., Amadora, Bertrand, 1977, p. 51.

(4) Cf. Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 78.

(5) “Relatório do Comando”, comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, 1971.

(6) O massacre de Pindjiguiti ocorreu a 3 de Agosto de 1959. Para o PAIGC essa era uma data importante, razão pela qual Spínola escolheu justamente esse dia para procurar retirar ao PAIGC a primazia da celebração.

(7) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT.

(8) Ofício n.º 994/69 - R.R. de 3 de Agosto de 1969, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT, Proc. 4194 S-R, fls. 93 à 101.
(9) Em entrevista concedida por Rafael Barbosa a Leopoldo Amado, o mesmo considera ter sido coagido e possivelmente drogado para que fizesse tal discurso. Cf. Pereira, Aristides, op. Cit. p. 583.

(10) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS,/ANTT.

__________

Nota de L.G.:


(*) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

VII parte do dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1).

Extractos da primeira entrevista que António dos Santos Ramalho Eanes concedeu - ao jornalista José Pedro Castanheira, do Expresso - depois de se doutorar, em Novembro passado, pela Universidade de Navarra. Hoje, com 72 anos, o ex-presidente da República, general e agora doutor, fala da Guiné e dos trágicos acontecimentos do dia 20 de Abril de 1970... Tomamos a liberdade de divulgar alguns extractos dessa longa conversa (Ramalho Eanes: "Os políticos desprezam os militares"), para conhecimento dos Amigos & Camaradas da Guiné.

Fonte: Expresso, 27 de Janeiro de 2007 (com a devida vénia...)


(...) Em 1970 vai para a Guiné. É uma quarta experiência.

É realmente uma situação totalmente diferente, porque a colonização na Guiné não foi feita pelos portugueses - foi pelos cabo-verdianos. Era muito estranho que, sendo a colonização feita pelos cabo-verdianos, fossem estes os líderes políticos da guerrilha.

Esteve em combate?

Nunca estive propriamente numa unidade combatente. Estive em situações de combate várias vezes, acompanhando operações. Fui a convite de Spínola e fiquei na 5ª Repartição, no Departamento de Radiodifusão e Imprensa, que tinha a seu cargo, para simplificar, a propaganda e contra-propaganda. O que implicava, por vezes, a reportagem na própria acção militar, mas a minha missão não era combater. Depois, fui para Teixeira Pinto substituir o major Passos Ramos - um dos três majores assassinados pelo PAIGC. Spínola tinha tentado uma aproximação com o PAIGC militar. Os três majores envolvidos acabaram por ser mortos, naquela que seria a reunião decisiva.

Esse episódio podia ter mudado o rumo da guerra?

Acho que não. O que podia ter mudado era o entendimento de Spínola com o PAIGC, que chegou a esboçar-se através de Senghor - mas que Marcelo Caetano não sancionou.

Foi um assassínio a sangue frio?

Sim, sim. Na tradição da Guiné e daquela área dos manjacos. A unidade que assassinou os majores e os condutores das viaturas que os transportavam era comandada por André Pedro Gomes.

Alguma vez se cruzou com ele?

Não. Quando visitei a Guiné pela primeira vez, falaram-me dele, mas eu disse que não o queria ver. Se calhar sem razão, mas ainda hoje sinto uma certa repulsa pela sua atitude.

Foi um golpe à traição.

Uma traição. A guerra, hoje, não tem regras. A prova é a chamada justiça dos vencedores.

Mas sempre houve!

Nem sempre. Houve uma deriva que se manifesta, de maneira indiscutível, depois da II Guerra Mundial. Até aí, havia um certo respeito pelas regras e pela honra dos vencidos. Há aquele célebre quadro de Velázquez, "A Rendição de Breda", extremamente interessante: o vencedor, quando recebe a chave da cidade, faz uma vénia ao vencido.

Mas essa era uma guerra de cavalheiros.

Quando a guerra começa a ser total, deixa de ser de cavalheiros. Na II Guerra Mundial, o nazismo cometeu crimes hediondos, que não podem ter justificação nem atenuante. Mas os aliados também cometeram crimes: os bombardeamentos de Dresden e os bombardeamentos atómicos, por exemplo, não visaram objectivos militares. A guerra total visa a destruição do "inimigo", no qual se englobam o seu aparelho militar e a sua população.

Os portugueses também cometeram os seus vandalismos.

Não digo que não. A guerra é, por força da sua natureza, uma situação de excessos, em que o homem revela aquilo que tem de melhor e de pior. Isso muitas vezes nem depende propriamente de um comando incorrecto, mas de um medo incontrolável. O homem quando tem medo e quer sobreviver é capaz de tudo. Incluindo actos que são perfeitamente inaceitáveis. E nós, tal como o adversário - e não só na Guiné -, também tivemos actos reprováveis e condenáveis. (...)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)


Guiné > Bissau > 1970 > Uma fotografia dos três majores que foram assassinados, no chão manjaco, em 20 de Abril de 1970: da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial, um alferes (o 3º, na fotografia, assinalado com um círculo a vermelho), que o Paulo Raposo identifica como sendo um dos seus antigos camaradas de Mafra, do Curso de Oficiais Milicianos, de apelido Giesteira (o Paulo não tem a certeza). [, Fernando Giesteira].

Em contrapartida, não há nenhum apelido destes na lista dos nossos camaradas que tombaram na Guiné. O Alf Mil que morreu, juntamente com os três majores naquela data fatídica, foi o Joaquim João Palmeira Mosca, natural do Redondo (1)

Foto: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (Com a devida vénia...).



Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra (2). E muito provavelmente o futuro Alferes Giesteira (será que o apelido está correcto ?), que aparece na foto anterior, juntamente com os majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório.

Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Paulo Raposo, um dos baixinhos de Dulombi (CCAÇ 2405, 1968/70):

Caro Luís,

O Alferes que está na foto (3) era do meu pelotão de instrução em Mafra. Julgo que o nome dele era Giesteira, mas não estou certo. O baixinho do Beja Santos também é capaz de se lembar bem dele.

Quem deu ordem de os liquidar (4), sabia o que estava a fazer. Pois bloqueando a solução da Guiné, levava à revolta do pessoal que levou ao 25 de Abril.

Diga-se de passagem, eu não gostava do regime, nem um bocadinho. Isto que temos é que não é nada, e havia forçosamente alguma coisa de melhor entre os dois. Saímos da merda para entrar na caca.

Um abraço

Raposo

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Notas de L.G.:


(1) Vd. lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné

(2) Vd. post de 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra

(3) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

(4) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

Guiné > Bissau > 1970 > Uma fotografia dos três majores: da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial (o 3º, na fotografia) que presumimos ser o Alf Mil Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: Antunes (1995. 373) (1) (com a devida vénia...).

Mensagem do Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Caros amigos, depois de ler o último post em que SE referia não haver fotos dos três Majores abatidos na noite de 20 para 21 de Abril de 1970 (2), consultei os meus Doc e encontrei esta foto no livro Guerra de África 1961 – 1974 de José Freire Antunes, volume 1 (1).

Legenda: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório (1.º, 2.º e 4.º na foto) foram os majores escolhidos por Spínola para uma missão secreta, de alto risco, que ficou conhecida como a Operação Chão Manjaco. Fonte: Maria da Graça Passos Ramos (que se presume seja a viúva do major Passos Ramos).
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Notas de L.G.:

(1) ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. pág. 373.


A Guerra de África 1961 - 1974 (2 Volumes) > Uma notável edição do Círculo de Leitores (1995)

Uma abordagem isenta de maniqueísmos e perspectivas dogmáticas, aos três teatros da guerra de África: Angola, Guiné e Moçambique. (...) Desenvolvida em dois volumes, esta obra constitui uma aproximação histórica globalizante das diversas facetas e cenários da guerra em África. É o assumir, sem complexos, um tema polémico da nossa história imediata numa perspectiva nacional, solidamente documentada por mais de uma centena de testemunhos de intervenientes directos. Tudo com o apoio de fotos, gráficos e ilustrações. Os testemunhos de quem viu, viveu e sofreu 13 anos de guerra em solo africano. Uma obra grandiosa, tão emocionante quanto esclarecedora.

(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

Penafiel > Galegos > Novembro de 2006 > A urna, coberta com a bandeira nacional, contendo os restos mortais de Joaquim Pereira da Silva, um dos três majores que morreram em 20 de Abril de 1970, na sequência da Operação Chão Manjaco.

Penafiel > Galegos > Cemitério local > Jazigo da família Pereira da Silva

Penafiel > Galegos > Igreja paroquial da freguesia de Galegos, donde era natural o tenente-coronel Joaquim Pereira da Silva. Outro filho ilustre da terra é o Padre Américo (Américo Monteiro de Aguiar (Galegos, Penafiel,23.10.1887-Porto,16.7.1956), que fundou em 1940 a Casa do Gaiato.

Penafiel > Galegos > Vista área do cemitério local onde repousam os restos mortais do nosso camarada Joaquim Pereira da Silva. (Imagem de satélite obtida através do Google Earth)

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.

Dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1)

Em, Novembro de 2006, o nosso camarada Afonso M.F. Sousa foi pessoalmente à freguesia de Galegos, concelho de Penafiel, distrito do Porto, para prestar a sua homenagem a Joaquim Pereira da Silva, cujos restos mortais repousam no cemitério local. Na ocasião conheceu três membros da família, um irmão e dois sobrinhos. Foi a um destes familiares que o Afonso enviou a seguinte mensagem, a 16 de Novembro de 2006, e que achamos que deve fazer parte do dossiê O Massacre do Chão Manjaco. Na última parte o Afonso, confrontado com a versão da família sobre os trágicos acontecimentos ocorridos no já longínquo 20 de Abril de 1970, levanta algumas questões para esclarecimento.

Este é o post 1500: fizemos questão de o reservar ao Afonso M.F. Sousa e à 5ª parte do seu dossiê sobre a Operação Chão Manjaco, rendendo também com ele as nossas sentidas homenagens a três militares portugueses que, além de brilhantes oficiais, eram reconhecidos pelas suas qualidades humanas, também aqui evocadas pelo nosso camarada João Tunes que os conheceu pessoalmente, no chão manjaco. Infelizmente não temos (nem eu nem o Afonso) nenhuma fotografia de qualquer um deles: Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório. Esta homenagem é também extensiva às outras vítimas, incluindo o Alferes Mil Joaquim Palmeiro Mosca e os guarda-costas, africanos, dos oficiais portugueses.

Assunto - Tenente-Coronel Joaquim Pereira da Silva - Cemitério de Galegos (Penafiel)

Caro Senhor F. Guilherme:

Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos.

Quero, desde já, agradecer-lhe, bem como a seu pai e irmão, pela simpatia com que me atenderam no passado domingo, quando, de certa forma, anonimamente, me desloquei até ao cemitério paroquial de Galegos para um singelo preito a um bravo ex-militar que honrou de forma tão relevante a sua pátria e a sua família.

Eu acho que tinha esta obrigação, não só por isso mas também por uma espécie de dívida de memória.

No longínquo 6 de Maio de 1970, quando em Bissau, embarcávamos no Carvalho de Araújo rumo a Lisboa, depois do cumprimento da missão na Guiné, fomos colhidos de alguma surpresa quando, de cima, olhando para o porão vimos (paralelamente) 4 urnas. Alguém nos confidenciou em tom leve:
- São três majores e um alferes.

A vivência da guerra ensinou-nos, para estes casos, o respeito pela contenção, pelo silêncio. Nunca soube quem eram nem em que circunstâncias teria ocorrido esta fatalidade.

Graças este extraordinário repositório de testemunhos de guerra que é o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné foi possível clarificar esta interrogação que transportei comigo. Chegámos a Lisboa a 13 de Maio de 1970, nós e também aqueles que tão generosamente deram a sua vida por algo a que se comprometeram pelo juramento.

O seu tio (e padrinho) foi um exemplo de militar, segundo os vários escritos e testemunhos. Como o seu pai (irmão do Major Pereira da Silva) me transmitiu, esta era a 3ª e sua última comissão de serviço no ultramar (uma em Angola e duas na Guiné). Estava, inclusivamente, já combinado com ele que a sua (vossa) casa iria ser inaugurada quando ele chegasse. Esse acto não se consumou e foi, pura e simplesmente, suprimido para sempre.

Relativamente ao Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné, ele é já um dos trabalhos online mais exaustivos sobre a história da guerra colonial na Guiné (1963-1974), através de testemunhos e documentos apresentados por ex-combatentes (até mesmo de alguns que militavam no campo contrário) que se constituiram em Tertúlia da Memória da Guiné.

Em anexo envio-lhe uma listagem dos muitos documentos que têm vindo a ser editados no blogue, e que continuam a crescer todas as semanas. Ao atingir-se a capacidade do primeiro Blogue, foi necessário passar-se a um segundo, a partir de 2 de Junho de 2006.

Na listagem apresentada, existe uma data à direita, a qual serve de referência para encontrar o documento - identifica a data em que este foi colocado no blogue.

Chamava-lhe à atenção para os posts referidos na folha 2, do documento Guiné - Blog.xls, que intitulei de Área Chão Manjaco e que reportam os documentos inerentes à área de actuação do Major Joaquim Pereira da Silva, como o post CCCXIII, de 25 de Novembro 2005, da autoria de João Varanda, que faz uma abordagem ao triste acontecimento de 20 de Abril 1970, na picada Pelundo – Jolmete (2).

E não resisto também a transcrever-lhe outro texto magnífico, do então alferes João Tunes, em comissão no Pelundo e que teve o privilégio de conhecer e até conviver com os três desafortunados majores (3) :

(...) Meto-me no jipe e faço-me à estrada que liga Pelundo a Teixeira Pinto (hoje Canchungo).
...dá para encher os olhos com o verde vivo do arvoredo cerrado e as milhentas espécies de aves de muitas cores...

...a zona é segura mas aqueles sítios são magníficos para uma emboscada. Olá se são.
...Os oficiais convidam-me para almoçar, o que já contava. Aceito com gosto. Malta porreira e com pessoas que é um encanto conversar. Para mais, em Teixeira Pinto, a comida era óptima para os padrões da colónia. Spínola tinha levado, para Teixeira Pinto, a sua elite de oficiais, na aposta de transformar o 'chão manjaco' num caso de sucesso de adesão das populações à sua política e de contenção da guerrilha.

O comando era ocupado pelo Coronel Paraquedista Alcino, um bonacheirão e homem que muito sabia de guerra. Abaixo dele, havia o Major Passos Ramos, responsável pelas operações, o Major Pereira da Silva, responsável pelas informações militares e o Major Osório, condecorado com Torre e Espada e várias Cruzes de Guerra, que era o homem dos combates.





Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Outubro de 1969 > O Alf Mil de Transmissões João Tunes (CCS/ BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/7o). Nop Pelundo e em Teixeira Pinto, o João conheceu e fez amizade com os três majores. Em Abril de 1970, já tinha sido transferido para Catió, por motivos disciplinares, quando soube do seu brutal assassinato.

Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.

Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos.

Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados.

Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão.

Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado.

O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona.

Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo.

Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo. Toda a guerrilha do PAIGC, no 'chão manjaco' e noutras zonas do norte, 'nha decidido'render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida.

Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente.

Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie.

Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória.


Dos pormenores que gentilmente me relatou desta trágica ocorrência, constatam-se, por vezes, uma ou outra ligeira divergência ou omissão nas diversas crónicas sobre o assunto.

Referiu-me:

(i) Chegarem ao local, o jipe com os 4 oficiais foi "esburacado" com dezenas/centenas de tiros. Surpreendidos, os oficiais envolveram-se em luta desesperada e como que a quererem interrogá-los para esta conduta. Aí, o confronto desenrolou-se à catanada. A um dos majores foi, sanguinariamente, cortada a cara e o seu tio foi neutralizado com uma catanada no estômago. O outro major ainda conseguiu fugir mas foi apanhado 200/300 metros à frente. or fim deram, a cada um, um tiro na cabeça.

(ii) No dia seguinte, foi Ramalho Eanes que procedeu ao levantamento dos corpos. Li algures que esse levantamento teria sido feito for forças da CCAÇ 2586, sob o comando do Ten-Coronel Romão Loureiro. Como tem uma relação de amizade com o Gen Ramalho Eanes, se se proporcionasse, talvez pudesse averiguar isto, assim como tentar localizar (através do Google Earth) o sítio exacto (na picada Pelundo-Jolmete) onde terá ocorrido este acontecimento. Seria uma informação importantíssima para esta memória da guerra da Guiné. Seria nas proximidades do Pelundo ou de Jolmete ?

(iii) Também uma referência a Spínola que não compareceu a este fatídico encontro, não por prévia intuição ou aconselhamento, mas porque dois dias antes tinha sido chamado a Lisboa, por Marcelo Caetano.

(iv) Referiu-me o seu pai (Professor Primário Aposentado) que o irmão (leia-se Major Pereira da Silva) quando foi para este derradeiro encontro (o décimo, creio eu) teve um pressentimento que algo de mau ia a acontecer e deixou escrita uma carta à esposa com esse presságio. A carta viria depois a ser entregue à sua tia juntamente com o restante espólio. Seria também interessante saber se a viúva estaria concordante com a sua publicação ou apenas a parte onde refere esse sinal de mau prenúncio. É um documento relevante, pois pode ter um significado mais profundo relativamente ao desenvolvimento da Operação Chão Manjaco. Também o seu pai me referiu a possibilidade de me enviar, por seu intermédio (e-mail), a fotografia do Major Joaquim Pereira da Silva.

Para concluir, aproveito para lhe enviar as fotografias que tirei no cemitério bem como outra em que, através do Google Earth, procuro fazer a sua implantação dentro da Freguesia de Galegos.

Igualmente, anexo outros documentos relacionados com este trágico desfecho da Operação Chão Manjaco.

Mais uma vez, agradecendo a vossa gentileza, envio-vos um fraternal abraço.

Afonso M. Ferreira Sousa
Maceda – Ovar

NOTA - O Major Pereira da Silva, à data da sua morte, tinha 38 anos (nasceu a 5 de Outubro de 1931). Foi promovido a Tenente - Coronel, a título póstumo.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

(2) Vd. post de 25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)

(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco: Do Pelundo ao Canchungo... (João Tunes)

sábado, 27 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)


Portugal > Presidência da República > Antigos Presidentes > António de Spínola (1910-1996). Ocupou a Presidência da República de 15 de Maio a 30 de Setembro de 1974, data em que renunciou ao cargo, sendo substituído pelo general Costa Gomes. De 1968 a 1973, foi Governador-Geral e Comandante-Chefe da Guiné.

Fonte: Presidência da República Portuguesa (2007) (com a devida vénia...)

"Oficial oriundo da arma de cavalaria, começou a construir a imagem de chefe militar que vai onde os seus homens vão desde que, como tenente-coronel, se ofereceu para comandar um batalhão em Angola.

"Nomeado em 1968 por Salazar para governador e comandante-chefe da Guiné, no primeiro estudo da situação, apresentado por Marcelo Caetano, afirmava ter a guerra a finalidade de resistir para permanecer; ligava entre si a sorte de cada território, de modo a evitar as tentações do regime se libertar da ovelha negra que era a Guiné; e caracterizava o PAIGC como o movimento de libertação mais consequente de quantos se opunham ao colonialismo português, classificado por Amílcar Cabral como líder merecedor do maior respeito.

"A sua acção na Guiné cobre toda a panóplia de manobras politícas e militares, subordinando sempre esta àquelas e tendo por finalidade a conquista das populações. Promove coversações ao mais alto nìvel com Leopoldo Senghor; tentando chegar a Amílcar Cabral, procura cindir o PAIGC, num episódio de que resulta a morte de três majores da sua confiança; lança uma operação contra Conacri para derrubar Sekou Touré, mas realiza também congressos do povo, liberta presos políticos, cria uma força africana. Nunca um governador de provincía ultramarina, e muito menos um general, ousara ir tão longe.

"Em 1973, quando Marcelo Caetano proíbe a continuação dos contactos com o inimigo, Spínola compreende que deixou de ter lugar no regime e prepara a publicação de Portugal e o Futuro, bomba-relógio que iniciará a sua destruição".

Fonte: Extractos de: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra



Mensagens trocadas entre o Afonso M.F. Sousa e o João Tunes, durante a elaboração do dossiê O Massacre do Chão Manjaco (1):

1. Mensagem do Afonso M. F. Sousa > 21 de Novembro de 20006

Caro João Tunes:

Tudo muito claro. Obrigado pelo pormenor do testemunho. A famíla do Tenente-Coronel Joaquim Pereira da Silva [ um dos três majores assassinados,]parece estar mal informada quanto a:

(i) Não foi Ramalho Eanes que comandou a tropa que procedeu ao levantamento dos corpos, mas sim o Capitão Neves (comandante da CCAÇ 2586) (2)

(ii) Pereira da Silva não foi morto com uma catanada no estômago, quando muito foi com uma faca de mato. O Cap João Godinho (há altura, 1º Sargento da CCAÇ 2586) disse-me que um dos majores ainda tinha uma faca de mato espetada na zona do coração. Não se recorda em qual deles.

(iii) Spínola não estava na Metrópole (a pedido de Caetano), no dia do massacre (mas sim na Guiné).

De estranhar que, tendo a PIDE detectado a tempo que o desfecho da acção seria trágico, tenha permitido a sua execução sem sugerir uma segurança próxima e a necessidade dos oficiais levarem armas consigo.

Parece que ainda fica alguma obscuridade (mistério) sobre todo o envolvimento e o desfecho desta acção. Fica a dúvida se os majores tiverem todo o apoio necessário ou terão sido deixados entregues a si próprios nos últimos instantes. Mas para chorar os mortos, Spínola estava lá !...

Um abraço

Afonso M.F. Sousa

2. Resposta do João Tunes > 22 de Novembro de 2006


Caro Afonso Sousa,

(i) A versão que tenho como confirmada é que as mortes foram provocadas primeiro por rajadas de tiros e depois acabadas com facas. Mas não sei se as facas eram facas de mato, talvez fossem as facas-baioneta usadas com as kalash. Quem sabe mais pormenores sobre tudo isto é o Leopoldo Amado. Ele foi contactado?

(ii) Não sei se interessará muito, por uma questão de sensibilidade, escarafunchar junto da família do TC Pereira da Silva os pormenores. Por exemplo, esclarecê-los que ele foi morto com faca e não com catana. Tu saberás dar a volta ao eventual melindre.

(iii) Só sei que o Silva Cardoso, então responsável pelas Informações no QG, é dado como tendo convencido Spínola a não ir ao encontro (Spínola já tinha estado com os majores num 1º encontro com o PAIGC). A referência que fiz à PIDE é uma mera dedução, pelo papel que ela desempenhava no serviço de informações às FA. Aliás, como confirmei presencialmente, o Major Pereira da Silva trabalhava em íntima colaboração com o inspector da PIDE, em Teixeira Pinto, que tinha um papel primordial na obtenção de informações, na infiltração de informadores, etc. Entretanto, a direcção da PIDE em Bissau tinha as suas infiltrações junto e dentro da direcção do PAIGC. Pode ter ocorrido uma diferente avaliação da PIDE em Bissau e em Teixeira Pinto. E é natural que em Bissau (no QG e na PIDE) houvesse avaliações mais frias e mais realistas dos riscos que quem estava no terreno envolvido na probabilidade de um grande ronco e, nesse entusiasmo a quente, os riscos fossem menos medidos quanto a cenários pessimistas.

De qualquer modo, havendo contradições dentro do PAIGC, é natural que neste se desenvolvessem vários canais de acção - um mais virado para a traição (os mais receptivos à infiltração pela PIDE), outro (com ultra segurança e sob comando directo de Cabral) para fazer ronco contra o Spínola (tanto mais que eles deviam admitir como possível e provável que iam deitar a mão ao Caco e, quem sabe?, a selvajaria do comportamento deles não foi acicatado por terem visto que o Spínola não ia na delegação).

Entretanto, é natural que as precauções com a segurança de um general sejam superiores que para com majores e um alferes, como é superior de majores para furriéis e de furriéis para cabos. Assim, julgo que nada fundamenta dizer-se que os chacinados "não tiverem todo o apoio necessário ou terão sido deixados entregues a si próprios nos últimos instantes". Numa guerra, nada é 100% seguro. E eles tiveram, sem dúvida, foi um grande galo. Como tantos milhares de outros nossos camaradas que por lá cairam.

(iv) O Ramalho Eanes estava até os acontecimentos no QG em Bissau (conheci-o aí de vista ligeira quando fui lá colocado em serviço durante duas horas e por engano!). Foi para Teixeira Pinto depois da morte dos majores e para substituir um deles (Passos Ramos).

(v) Quanto à temeridade de os oficiais terem ido sem segurança e desarmados, há que ter em conta: aquele era o culminar de vários encontros e negociações anteriores em que tudo tinha corrido às mil maravilhas, havendo conquista total de confiança de parte a parte. E com escolta e armas não havia encontro (das vezes anteriores, também os do PAIGC apareciam desarmados).

Está fora de dúvidas que a traição do PAIGC no chão manjaco era um facto e ali, os dali, eles não faziam jogo duplo, trabalhando à revelia da direcção do PAIGC (provavelmente, já era um dos fios das rivalidades infra-PAIGC entre guineenses e caboverdianos). O que houve foi uma reacção enérgica da direcção máxima do PAIGC quando soube e ou faziam o que fizeram ou eram limpos sem apelo nem agravo pela justiça interna do PAIGC. Foi sob essa pressão que, no último momento, deram a volta. E o PAIGC também contava que, depois da chacina, as FA iam reagir com brutalidade e tornar irrecuperável a paz no chão manjaco e estragando todo o trabalho acumulado (como se confirmou posteriormente).

A direcção do PAIGC, in extremis, conseguiu vários roncos: recuperar a guerrilha local para a lealdade absoluta ao PAIGC (depois de matarem os majores, foi-se qualquer margem de futura traição); incrementar a combatividade desses guerrilheiros locais (para se limparem da nódoa do jogo de traição em que antes tinham estado metidos); perturbar a relação das FA com as populações pelo incremento da conflitualidade militar na zona; limparam 3 oficiais que eram a nata da oficialidade de Spínola (além do alferes). Só falharam no ronco maior de deitarem a mão ou matarem o próprio Spínola.

Num panorama destes, julgo que os majores foram corajosos e temerários, mas não inconscientes nem imprevidentes (o cenário era para aí de 95% de probabilidade de sucesso e grande ronco). Saíu-lhes a fava, acontecendo-lhes o que a qualquer um de nós podia ter acontecido em cada um dos dias que ali passámos - com um tiro, uma mina, uma emboscada, uma morteirada, um desastre de unimog. E obviamente que o que mais impressiona nisto é a forma bárbara como acabaram com eles mas os factores de efeito psicológico não são as traves mestras da guerrilha e da contra-guerrilha?

Abraços a todos.

João Tunes

3. Comentário do Afonso M.F. Sousa > 23 de Novembro de 2006


Obrigado João Tunes. Fala quem sabe !

Afinal as interrogações eram pertinentes.

A história da Guiné ainda é, aqui e ali, uma pequena manta de retalhos em que os diversos bocados por vezes não combinam. Um exemplo: a família do Major Joaquim Pereira da Silva encaixou que:

(i) foi Ramalho Eanes que esteve no local a proceder ao levantamento dos corpos;

(ii) Após serem surpreendidos pelas primeiras rajadas de metralhadora, envolveram-se em disputa física, tendo o Pereira da Silva Sido aniquilado com uma catanada no estômago;

(iii) Spínola estava na Metrópole, chamado para uma reunião com Marcelo Caetano.

Conclui-se, do cruzamento dos testemunhos (de quem esteve na zona), que isso não foi bem assim. Era aí que eu queria chegar. Não que esse apuramento dê à família algum estado de conforto, mas porque nos cabe, enquanto contemporâneos do acontecimento, ser agentes, tanto quanto possível, para a realidade histórica do nosso tempo..

A história leva o seu tempo a chegar à verdade. E quantas vezes, num primeiro momento, a realidade é adulterada. Quantas vezes alguma subjectividade impera, algum interesse obscuro se vislumbra, o que, forçosamente, tem de deixar alguma nebulosidade na realidade que se procura. A memória é base para a construção da interpretação histórica. Falar da memória é falar do testemunho, da pergunta e da resposta. Os depoimentos que envolvem esquecimentos, distorções, omissões e subjectividade, são lacunas que não ajudam à narração real e meticulosa da história.

Obrigado pela mestria da sua análise, praticamente incontestável.

Um abraço

Afonso Sousa

______

(1) Vd. posts anteriores:


17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho


(2) Vd. post de 20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1448: Os quatro comandantes da CCAÇ 2586 (A. Santos)

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

Continuação da publicação de peças do dossiê sobre o Massacre do Chão Manjaco, organizado pelo Afonso M. F. Sousa , que vive em Ovar e foi ex-fur mil transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70 (1).
E-mail de 17 de Novembro de 2006, enviado pelo Afonso M. F. Sousa ao Júlio Rocha, que lhe havia arranjado o contacto de João Godinho, o 1º. Sargendo da CCAÇ 2586 , agora já Capitão reformado, e que vive em Évora:
Amigo Júlio Rocha :


Acabo de falar com o Cap João Godinho. É muito terra-a-terra. Forneceu-me as seguintes informações:

(i) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, na manhã seguinte, [21 de Abrild e 1970,] foi a CCAÇ 2586, comandada por um capitão de que já não se recorda o nome (companhia teve 4 ou 5 comandantes). O Júlio recorda-se do nome dele ?

(ii) Confirma-se que não foi o Ten Coronel Romão Loureiro (comandante do Batlhão, o BCAÇ 2884). Eventualmente poderá ter aparecido por lá, mas não teve essa missão. Ramalho Eanes, de todo, não esteve presente.

(iii) O sítio exacto...Pensa ele que foi a meia distância entre o Pelundo e Jolmete.
(iv) Os oficiais portugueses almoçaram e partiram depois para o fatídico encontro, que
terá ocorrido às 16 / 17 horas.
(v) Nove (9) foi o total de pessoas que se deslocaram para o encontro, em 2 jipes.
(vi) Mal apareceram numa clareira, foram fortemente fustigados a tiro - depois terá eventualmente havido confronto corpo a corpo. O jipe dos oficiais vinha atrás e não terá sido o mais atingido.

(vii) Para ele não houve uso de catana. Pensa que terá sido usada faca de mato.

(viii) À pergunta se não terá havido excesso de confiança no bom desfecho do encontro, confessa que não, porque tinham ocorrido já cerca de 12 reuniões e a integração de elementos do PAIGC já se vinha sentindo. O problema é o assunto estava a atingir já uma elevada dimensão e terá criado fricção com outros elementos (de cúpula) do PAIGC. E se calhar André Gomes (o protagonista desta barbárie) ter-se-á querido limpar perante os seus superiores.

(ix) Confirma-se que Spínola esteve no local e que chorava como uma criança. Fica-se sem confirmar se, efectivamente, 2 diantes ele veio à Metrópole (chamado por Caetano), visto que esteve no local fatídico. Era interessante saber, porque segundo muitas versões, o PAIGC
tinha como propósito fazer a sua captura, neste encontro.

(x) Para concluir, posso adiantar que foi este 1º Sargento João Godinho que passou o relatório dos acontecimentos. Disse-me que, provavelmente, ainda terá uma cópia lá por casa. Ele vai confirmar. Caso o tenha, pedi-lhe para me facultar uma cópia, visto que é um documento de cariz histórico. Ele acedeu. Depois contacta-me para confirmar.

Foram muito bons esclarecimentos. Quero agradecer ao Júlio por esta excelente pista. Ele envia-lhe cumprimentos.

De minha parte,

Um grande abraço.

Afonso M. F. Sousa
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)


Guiné > Região de Tombali > Catió > Ilhéu Infanda > Maio de 1970 > Assinalado com um círculo a vermelho, o João Tunes: está junto ao rádio, do lado esquerdo, em trono nu e auscultadores nos ouvidos.

Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.

T/T Carvalho Araújo > Em Maio de 1970, regressou a Lisboa com 4 urnas (dos três majores e do alferes, chacinados em 20 de Abril de 19970) mais a CART 2412, a que pertencia o Fur Mil Sousa.


Foto: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.


Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (1),
por Afonso M.F. Sousa


Correspondência trocada entre o Afonso M.F. Sousa e algumas das suas fontes de informação

1. Resposta do Júlio Rocha, em 16 de Novembro de 2006:


Camarada

Foi com grande surpresa que recebi o seu e-mail sobre o trágico assassinato dos Majores e do Alferes [, em 20 de Abril de 1970].

Eu pertencia à CCAÇ 2586 e, por coincidência, na altura estava de férias na metrópole e só quando regressei, em Maio de 70, tomei conhecimento do sucedido.

Também tive o prazer de conhecer os Majores quando estive no CAOP em Teixeira Pinto.
Eram oficiais de primeira classe e homens admiráveis.

A minha companhia é que foi buscar os corpos e todos ficaram chocados e revoltados com este crime de guerra.

Até agora nunca se soube quem estava por detrás deste crime. Eu penso que pertenciam ao grupo do Nino, será?

Um grande abraço
Júlio Rocha
Ex-Furriel Miliciano
CCAÇ 2686 (Pelundo, 1969/71)


2. E-mail do Afonso M. F. Sousa , de resposta ao Júlio, na mesma data:


Olá, caro Júlio (na Cova da Piedade) !


Há dias li, algures, que pertenceu à CCAÇ 2586 (Batalhão 2884) e que esteve no Pelundo até 2/7/1970 (2).

Antes de redigir o e-mail, até cheguei a pensar em contactá-lo previamente, para tentar saber mais algum pormenor. Mas fiz seguir o mail, endereçado-o também a si, com o intuito de suscitar uma eventual reacção sua. E, efectivamente, essa sua reacção aí está! O meu obrigado por isso.

Esta questão intrigou-nos, sobretudo aos da minha Companhia [, CART 2412, Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70], que, pouco mais de uma semana depois desta nata de militares ter sido morta, passou a escassas centenas de metros deste local fatídico de Jolmete, quando descíamos o Rio Cacheu, de LDG, vindos de Barro, rumo a Bissau, no termo da nossa comissão na Guiné.

E intrigou-nos porque, quando entramos para o navio Carvalho Araújo, para regressar a Lisboa, fomos surpreendidos com aquelas 4 urnas no porão do navio e depois de nos terem confidenciado (em voz baixa, atenção à PIDE) que tinha sido um grave acidente e que três deles eram majores.

Mais nada soube até há pouco tempo. A história, de facto, só se revelou com os escritos ou crónicas que vêm passando pela Internet.

Associei logo que eram esses bravos que tinham sido sanguinariamente mortos em Jolmete (na estrada Pelundo-Jolmete), e isto porque eles foram mortos em 20 de Abril [de 1970] e o navio partiu para Lisboa em 6 ou 7 de Maio. Portanto, eram eles. E a minha percepção veio a confirmar-se.

Quanto ao autor deste crime, o João Varanda garante que foi o André Gomes que consumou a brutal neutralização e liquidação dos majores, à catanada.

Esta proximidade (de datas, do Rio Cacheu, da utilização do mesmo navio para Lisboa) e sobretudo a forma selvagem como foram liquidados, suscitaram-me esta ideia de ir até junto da família de um deles, pelo menos, visitar a sua campa ou jazigo, abordar estes factos e relatar-lhes mais alguns pormenores da tragédia e, simultaneamente, recolher os seus pontos de vista e as informações disponíveis.


Uma espécie de acto de saudade no percurso de uma memória.

Mas o tema tem continuar a ser abordado, porque foi uma fase importante de toda a guerra da Guiné. Toda a política de Spínola passava por aqui, nestas datas, nestes sítios (Teixeira Pinto) e na concepção e desenvolvimento da operação Chão Manjaco. Depois tudo terá evoluido noutro sentido - também sem a correspondência de Marcelo Caetano à trajectória concebida por Spínola. E tudo veio a desembocar, por exemplo, nos fortes assédios de Guidaje e Guileje, em Maio de 1973. (Em Guidaje estivemos 7 meses, entre 1968 e 1969)

Aliás soube que a viúva do Major Joaquim Pereira da Silva (que reside em Espinho) tem uma carta do seu marido (recebida com o espólio). E em que ele pressagia que o encontro com o PAIGC vai correr mal. Isso poderia ser um sintoma de que tudo não estaria completamente controlado. Mas parece-me que a questão tem outra profundidade e advêm de acções de descontrolo (e eventualmente rivalidades) no seio do PAIGC, na zona. Mas seria interessante ter cópia desse documento, pois pode ter alguma relevância histórica.

Há também uma pequena divergência que subsiste. O sobrinho do Major Pereira da Silva disse-me que foi Ramalho Eanes que, no dia seguinte (21 de Abril), procedeu ao levantamento dos corpos. Que foi ele próprio (ou o filho) que o informou. Poderá haver algum lapso de comunicação porque, segundo o João Varanda, ele, nessa altura, encontrava-se em Bafatá. E o que li, algures, é que quem efectuou essa diligência foi o Tenente-Coronel Romão Loureiro.

Se for necessário poder-se-á tentar saber se Romão Loureiro é vivo e, em caso afirmativo, qual o seu testemunho sobre este assunto.

Para já não me alongo mais. Com naturalidade poderemos voltar ao tema. Os meus agradecimentos pelo contacto e pelo seu testemunho.

Um grande abraço.


Afonso M. F. Sousa
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

(2) O Júlio Rocha já em tempos tinha contactado um dos nossos camaradas, o João Tunes:


Cópia de mensagem enviada por Júlio Rocha (19 de Dezembro de 2005)


Assunto: CCAÇ 2586/BCAÇ 2884 - Pelundo


Amigo Tunes:


Só há dias, através dum camarada que esteve comigo em Tavira, tomei conhecimento do site do Luis Graça e por muita satisfação encontrei-te no blogue.


Eu fiz parte da CCAÇ 2586 e estive no Pelundo até 02/07/70, dia em que tive o acidente quando me encontrava precisamente no teu quartel nessa noite, tendo de manhã sido evacuado para o hospital militar de Bissau e depois de ter estado internado e operado, vim evacuado para a metrópole em 21/07/70.


Era Furriel Miliciano do pelotão do Alferes Trindade. Costumo ir aos almoços do Batalhão [2884], se bem que ao último não pude ir. Devemos ser vizinhos, pois moro na Cova da Piedade. Bom natal para ti e vai dando notícias. Um abraço,

Júlio Rocha.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1440: Massacre do Chão Manjaco: o teimoso do Spínola, ameaçado de prisão pelos seus colaboradores mais próximos (A. Marques Lopes)


Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O coronel A. Marques Lopes, (à direita), jantando com o comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar (assinalado com um círculo a amarelo).

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). To
dos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)...

Caro Luís

O Afonso F. Sousa fez, de facto, um belo trabalho de pesquisa (1).

Só quero acrescentar que o que demoveu Spínola a ir àquele fatídico encontro, foi uma reunião antecipada que teve com alguns oficiais mais próximos que o tentaram demover e, face à sua teimosia, ameaçaram prendê-lo e não o deixar sair.

Quando estive em Bissau em Abril passado, estive com o comandante Lúcio Soares, como sabem, o qual esteve acompanhado pelo comandante Braima Dakar, que era comandante naquela zona na altura da morte dos três majores. Disse-me que tinha muito para contar, mas que não queria dizer nada (2).

Talvez, se o Leopoldo Amado se puser em campo, o consiga fazer falar.

Abraço
A. Marques Lopes

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)

(2) Vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas (I parte)

16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

(...) "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Camará, numa das fotografias, é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores em chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...)

15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1279: Encontro com o IN: artigo sobre a viagem Porto-Bissau, publicado no boletim da A25A (A. Marques Lopes)