Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Joaquim. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Manuel Joaquim. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18054: O nosso blogue em números (44): comentando os 10 milhões de visualizações / visitas e exercendo o nosso direito de recusar ir para a "vala comum do esquecimento" (Hélder Sousa, Valdemar Queiroz, Carlos Vinhal, Manuel Joaquim, Jorge Araújo, Miguel Pessoa)


Em 21 de novembro de 2017, o nosso blogue atingiu os 10 milhões de visualizações / visitas!... E no dia 23 de abril de 2018 iremos completar os 14 anos de existência! Alguns grã-tabanqueiros (Miguel Pessoa, Jorge Araújo, Hélder Sousa, Valdemar Queiroz, Carlos Vinhal, Manuel Joaquim...) não deixaram passar despercebida a efeméride...

Não é para História com H grande, não queremos o Panteão Nacional (nem cabíamos lá todos...),  é apenas uma nota para a nossa "pequena história"... Aqui ficam, em poste, 4 comentários, que nos sensibilizam, mas que são uma homenagem a todos os amigos e camaradas da Guiné que mantêm vivo este projeto de preservação e partilha da memória. Como o nosso editor gosta de dizer, não queremos nada: há quem reclame o "direito ao esquecimento" (figura jurídica criada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia); nós, pelo contrário, recusamo-nos apenas a ir para a "vala comum do esquecimento"...

Infogravura: Miguel Pessoa (2017)


Comentários (*):

(i) Hélder Sousa:

Este 'nosso' Blogue é, de facto, um caso sério.

De longevidade, de repositório de memórias, afectos e imagens.
De lançamento de escritores e poetas.
De cronistas e contadores de histórias.
De amizade, confraternização e novas relações.

A minha 'aproximação' foi por via do livro do António Graça de Abreu [, Diário da Guiné, 2007]
Comprei o livro, verifiquei que contemplava a parte final da minha estadia na Guiné, que o relato que lá estava confirmava a memória desbotada que tinha de determinado acontecimento e, a partir daí, voltei a interessar-me pelo tempo em que prestei serviço militar, em particular na Guiné.

Através de links que o livro indicava cheguei ao Blogue, ao "foranada" como alguns inqualificados procuram referir-se depreciativamente, quando as matérias (plurais) que são abordadas não estarão em consonância com o seu 'estreito entendimento'.

Por essa altura já havia vários Blogues sobre questões da nossa "guerra em África", a maior parte dele focados na Companhia XXX ou Batalhão YYY ou então de forma mais genérica sobre o conjunto das 'frentes'. Por esse tempo, final da primeira década dos anos 2000, ainda o Facebook  não tinha tanta preponderância. 

O Blogue iniciado pelo Luís tinha (e tem) grandes virtudes (pelo menos para mim) pois apresentava uma espécie de "estatutos" em que me revi, centrava-se apenas na Guiné (a vantagem de não se ter dispersão de vivências estranhas), era transversal no tempo e nos espaços e ainda por cima não pretendia ser classista, hoje por hoje, com todo o respeito que é devido, vamos tratando por "tu".

Se mais méritos não tivesse (e tem) relembro casos aqui relatados de ter tido efeitos de "blogueterapia", de (re)encontros de amigos dispersos, de relatos que nos deixam a conhecer melhor os tempos que vivemos e que deste modo deixamos como testemunho para os vindouros, façam disso o que quiserem.

Portanto, sem me alongar mais, já que isto tem "pano para mangas", reforça aqui a ideia de que este tema, o do nosso passado recente (já nem tento assim...) ainda tem muita coisa para dar e que este Blogue merece ter longa vida!

Parabéns ao Luís que tomou a iniciativa, ao Briote, ao Carlos V e ao Magalhães que na medida das suas possibilidades e capacidades têm dado o "corpo ao manifesto" e também a todos nós que de alguma forma contribuímos para manter a "chama viva".

Hélder Sousa


(ii) Valdemar Queiroz:


Já há material mais que suficiente para filmes ou programas de TV.

Será que os homens do cinema/televisão conhecem a riqueza  das nossas histórias, acontecimentos e vivências reais para grandes argumentos?

Seria interessante algum de nós dar a conhecer, para fora da nossa Tabanca, todo o historial do blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné.


(iii) Carlos Vinhal:


É com algum (muito,  mesmo) orgulho que digo, onde chego, e quando a conversa se proporciona, que sou amigo do Luís Graça, fundador deste Blogue, e que o ajudo a manter esta página actualizada. Por mim, não há-de haver um único dia em que não se publique uma notícia. 

Quando há 14 anos, o nosso sociólogo fundou este blogue, jamais imaginaria que estava a criar um fenómeno de convivência e catarse que nos ultrapassou a todos, tertúlia e editores. Quem de algum modo aqui colaborou, jamais ficará no anonimato porque ajudou a escrever a história recente de Portugal.

Luís, obrigado pela tua amizade. Podes contar comigo até... até quando calhar, sei lá, nos próximos 31 anos.


(iv) Manuel Joaquim (**):

Meu caro Luís:

Afirmei aqui, há quase oito anos:

"Este blogue é um fórum mas também uma câmara de gritos (de saudade, de alegria, de tristeza, de horror, de perdão, de expiação, de amor-próprio, de vaidade, de humildade, de dádiva, de amizade, de solidariedade, de revolta, às vezes de vazio) (Manuel Joaquim, CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá, 1965/67)".


Poderá haver exagero nesta minha convicção? Para alguns, talvez muitos, haverá. Eu continuo a pensar o mesmo de então, por estranho que isto me possa parecer. Hoje até me sinto mais seguro naquelas afirmações.

Faço força para que esta Tabanca Grande tenha uma vida longa alimentada pelos seus actuais e futuros membros e leitores. E peço desculpa de ter andado afastado do blogue nos últimos tempos, não enquanto leitor mas como "postador". Mas prometo voltar para chegar aos 100 posts, pelo menos!

Afectuoso abraço
________________

Notas do editor:


quinta-feira, 6 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)


"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à Coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332.Guardo-o religiosamente comigo..." (*)

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro  Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego.  Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho.


Carta


José Casimiro > Cacine, 22/5/73:

Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].

Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.

Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…

Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).



Aerograma


José Casimiro > Guileje, 22/4/1973

Meu querido pai: Hoje foi um dia de fartura cá no Guileje, recebi nada mais nada menos do que 10 cartas, uma das quais era uma que eu tinha mandado à avó, e que foi devolvida, pois não existe o nº que me disseram, no Largo das Fonsecas. Adiante...

Pai, recebi as "cacholas", até dá para gozar. Recebi o salpicão - estava uma delícia. Quando eu chegar aí, não deve haver peixes no rio nem nomar. Quanto a a fotos de pretas [, desenho de um corpo  feminino parcial.], eu já tinha arranjado, e mandei os rolos para Cufar, para o irmão da Ana levar aí a casa, mas ele não pôde ir de férias, e vai mandar aqui para Guileje, e eu mando para Bissau, pois aqui já não revelam

Quando puder mandar rolos, mande. A Olinda (Montijo) tem-me escrito. A mãezinha que gaste  do meu dinheiro para remédios, é um desejo meu que gostava que fosse cumprido, ok ? Retribua os cumprimentos à D. Elisa e família. Mando-os também para todos os vizinhos com que eu me dava bem. Para todos em casa um grande beijo (A BIG KISS) [, desenho de uns lábios]. Sempre vosso,  J. Casimiro.



Carta


José Casimiro > Gadamael, 26/6/73


NOW WE HAVE PEACE [, em inglês, finalmente temos paz]

Minha querida mãezinha:


É com imensa ternura que, mais uma vez, lhe dedico uns minutos do meu pensamento. Neste momento batem 8 horas numa emissora de London [sic] que ouvimos no rádio.

Então, como têm passado todos aí em casa, enquanto o vosso soldadinho finalmente tem sossego, pois os turras não nos têm chateado, nestes últimos dias ?!

Ontem chegou uma companhia nova aqui, veio substituir a companhia daqui, e há-de vir uma outra, daqui a uns dias, para nos substituir. Vai haver bebedeira, pela certa, e vamos para o Cumeré, para completar a Companhia, substituir mortos e feridos graves. O capitão também foi ferido gravemente, e foi evacuado para a Metrópole. O outro capitão, o daqui, também foi ferido.

Há já alguns dias que vivemos em paz de espírito, e agora, desde há alguns dias fui nomeado instrutor de um novo grupo de milícias (pretos, 40). Ensino-lhes desde armamento a táctica de combate a ginástica. É um passatempo e não saio para o mato, pela primeira vez em oito meses, feitos ontem, dia 25.

Já passou a nuvem negra que tapava o nosso amor, entre mim e a Ana, até ando mais feliz, pois embora não quisesse, ela não me saía do pensamento, pois gosto muito dela.

Parece que há um aumento de 500$00 a partir de Março e que recebemos tudo junto em Agosto. Mande dizer quanto marca o saldo B[anco] B[orges]. & Irmão.

 Um beijo para ser dividido igualmente entre todos, do militar J. Casimiro.


[Na vertical, na margem esquerda: Pax, Now we make love not war [Paz, agoramos fazemos amor e não guerra; na margem direita, PAZ]


1. O ex-fur mil op esp José Casimiro Carvalho [. foto à direita, c. 1973[, com residência na Maia, confiou-me, no I Encontro Nacional da Tabanca Grande (Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de outubro de 2006), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o abandono de Guileje pelas NT. A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre dezembro de 1972 e maio de 1973.

Depois do regresso à metrópole, em 1974, ele entrou para Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana (BT/GNR),  primeiro como soldado e depois como agente patrulheiro. Está aposentado. De qualquer modo, quem o conhece (e conheceu na Guiné), nunca dirá dele que era um daqueles milicianos "politizados", com posições críticas face à guerra colonial e ao regime político de então. Como, de resto, a grande maioria dos milicianos e demais militares, incluindo os do quadro permanente, que durante 13 anos fizeram a guerra do ultramar (ou guerra colonial), na esperança, em todo o caso,  que o poder político acabasse por encontrar uma solução (política) para aquela maldita guerra que prometia eternizar-se...

Apresentamos acima um exemplo de um carta, devidamente selada (correio aéreo), e de um aerograma, amarelo, sem franquia,  enviados pelo nosso camarada José Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350) à família. A carta tem data de 22/5/1973, e foi remetida de Cacine, onde ele estava retido. Nesse mesmo dia, Guileje fora abandonado pelas NT.  O aerograma tem data de 22/4/1973, e é expedida de Guileje. Uma segunda carta é já de Gadamael, e tem data de 26/6/1973. (**)

No aerograma, dirigido ao seu "querido pai",  o nosso camarada tem uma conversa trivial, diz que está feliz por ter recebido nada menos do que 10 cartas, além das encomendas postais... Há uma evidente cumplicidade entre dois homens, pai e filho, mas não há inconfidências relativamente à situação militar...

Já nas cartas, há matéria que poderia ser considerada muito "sensível" e "classificada", como por exemplo o abandono de Guileje por parte das NT...e, um mês depois de terríveis combates  em Gadamael, o J. Casimiro Carvalho informa a sua "querida mãezinha" de que finalmente há paz, e que está a haver rendição de tropas, que a sua companhia, a CCAV  8350,  vai para o Cumeré, e que vai haver bebedeira, pela certa, e que ao mesmo tempo houve mortos e feridos graves, incluindo dois capitões, um dos quais evacuado para a metrópole!...

Ora, se eu alguma vez escrevesse uma carta destas para casa, era um terramoto, deixava os meus pais e irmãs a sangrar de dor!...De qualquer modo, muitos de nós nunca escreveriam cartas deste teor, não só para poupar a família mas também por autocensura.

Em suma, o J. Casimiro Carvalho, que não esconde nada aos pais,  parece usar o aerograma para a "conversa da treta" e as cartas para as inconfidências, as informações sobre a situação militar, etc.  Era algo de intuitivo para os militares,  o aerograma, na sua perceção, prestava-se mais à devassa, à violação... Ou seria o contrário ?


2. As questões que se podem pôr hoje, em relação à satisfação e confiança no Serviço Postal Militar (SPMS)  (***), são as seguintes: 


(i) o nosso correio era seguro ?



(ii) o aerograma, sem franquia,  era mais seguro 

do que a carta selada ?



(iii) a malta fazia autocensura ou, pelo contrário, escrevia, 

nos aerogramas e cartas,  tudo o que lhe apetecia ?



(iv) o correio era rápido ? quanto dias demorava a chegar ? (dependendo de a distribuição ser feita por avioneta
 ou por coluna auto)



(v) as cartas, os aerogramas, os valores declarados e  as encomendas postais não se extraviavam ?



(vi) houve camaradas que escreveram mas não chegaram a pôr no corrreio aerogramas e/ou  cartas com medo de serem abertos e lidas pelas autoridades militares e/ou  pela PIDE / DGS ?



(vii) era frequente (ou, pelo contrário, era raro) dar-se informações detalhadas sobre a situação político-militar tanto na Guiné como na Metrópole ?

A resposta a estas questões dá pano para mangas,,,e para alimentar o nosso blogue neste verão...


3. Relendo as  cartas que o meu cunhado José Ferreira Carneiro escreveu  à irmã, Alice Carneiro (****), constato que o aerograma, em Angola, não seria tanto fiável quanto a carta; podia levar um mês a chegar, enquanto a carta (, por via área,) demorava três dias a chegar a casa dos pais...

O correio era muito importante, nos dois sentidos. O aerograma tranquilizava as nossas famílias. Mas também é verdade que podia veicular boatos de toda a espécie, a par de informações que, para as chefias militares, deviam ser classificadas ou reservadas...

Recordo-me de, em finais de maio de 1969, quando cheguei à Guiné, o terror do "periquitos" eram então as histórias que se contavam de Gadembel e de Madina do Boê. Tanto a retirada de uma e outra ainda estavam na memória de muita gente. O nosso grã-tabanqueiro, Henrique Cerqueira, por sua vez, tinha mais confiança no aerograma do que na carta. Mas as nossas namoradas e esposas não gostavam nada de receber o aerograma em vez da carta, que o diga o nosso Manuel Joaquim! (*****).


José Carneiro, 1º cabo trms, de rendição individual,
Camabatela,  norte de Angola, 1969/71
José Carneiro > Camabatela 16/06/70

Querida mana Chita: 

 Estou a escrever uma carta porque os aeros [aerogramas] chegam a demorar cerca de um mês até chegarem ao seu destino, isto quando não são devolvidos. Estou mesmo muito aborrecido com isto. Pensei agora só escrever cartas, mas de 15 em 15 dias. Assim as cartas só demoram 3 dias a chegar a vossa mão. Tens que escrever é para a caixa postal. Que achas? Assim não repetimos as notícias. Quando receberes carta minha, peço-te que telefones aos pais para ficarem descansados. Está bem assim? (*)



Henrique Cerqueira > Comentário de 6/12/2012 (**)

[ foto à esquerda: Henrique Cerqueira,  ex-fur mil, 3.ª CCAÇ/BCAÇ4610/72, e CCAÇ 13, Biambe
e Bissorã, 1972/74; vive no Porto]:



(...) Para mim o aerograma tinha uma grande vantagem em relação à carta envelope normal. É que no aerograma havia maior possibilidade de enviar informações que o Estado (PIDE/DGS) considerava de teor político e assim os censurava. 

Tinha que haver o cuidado de colar bem as margens. Assim os censores tinham uma maior dificuldade em violar o aerograma e, como eram aos milhares, havia que contar com a "burrice preguiçosa" dos tais indivíduos. Este foi um conselho dado por um agente da DGS que na altura estava em Bissorã.(Era um novato e ainda com as ideias pouco contaminadas). 

Aliás quando o tive de acompanhar a Bissau no pós-Abril e sob detenção, tive mais uma vez a possibilidade de verificar que o indivíduo politicamente era mesmo um pouco "inocente". Ou seja era mais um "recrutado" pelo objectivo monetário e não político. 

Eu próprio senti na pele essa pressão de recrutamento um pouco antes do 25 de Abril. Felizmente resisti conforme pude, pois que até ameaças de repatriamento da família para a metrópole eu recebi. Como já disse, eu tinha a mulher e filho comigo em Bissorã nos últimos nove meses da comissão.

Um abraço a todos e viva o "aerograma" que até era de borla. (****)

4. Haverá, por certo, outros camaradas com opinião qualificada sobre a organização e o funcionamento do Serviço Postal Militar (SPM) , a sua alegada independência face à PIDE / DGS, e à própria hierarquia militar, as demoras do correio, os eventuais extravios, e sobretudo o risco de violação da correspondência. 

Em suma, o SPM era mesmo o do nosso contentamento? Era o melhor serviço que a tropa nos prestava? Nunca nos fizeram um inquérito... de satisfação... Mas, meio século depois, ainda vamos a tempo de fazê-lo, mesmo que o SPM tenha sido extinto em 1981 e a guerra acabado em 1975, com o regresso dos últimos soldados do império...

Mas haverá por certo muitas cartas e aerogramas ainda por salvar... Vamos fazer um apelo aos filhos e netos dos nossos camaradas, esposas, madrinhas de guerra, antigas namoradas, amigos, amigas,  etc., para que salvam o "património epistelográfico" dos nossos "rapazes"...

O que é feito dessas 21 mil toneladas de correio que circularam durante a guerra colonial? As "cacholas", os salpicões, os queijos, o bacalhau, etc., isso comeu-se e fez-nos muito bom proveito... A "guita" gastou-se em "putas e vinho verde", como diria esse rapaz holandês de nome impronunciável por um "tuga" e que nunca foi à guerra, um tal Jeroen Dijsselbloem... Mas as cartas e aerogramas que escrevemos e recebemos, camaradas?!... O que é feito delas?... A maior parte foi parar ao caixote do lixo, mas outros apodrecem nos nossos baús...

Parabéns aos camaradas e às amigas que já aqui partilharam parte do seu espólio postal: o Mário Beja Santos, a Cristina Allen, o Manuel Joaquim, o Renato Monteiro, o José Ferreira Carneiro, a Alice Carneiro, o J. Casimiro Carvalho, o António Graça de Abreu, o José Teixeira, o Armor  Pires Mota, o Silvério Dias, o Albano  Mendes de Matos e outros (cito de cor!)...
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de  2010 >Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

(**) Vd. postes de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

Vd. também poste de

1 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9837: Cartas de Gadamael: maio e junho de 1973 (J. Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Guileje, 1972/73)

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

(...) O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos, difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. (...)


(*****)  Vd. poste de 19 de junho de  2013 > Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

(...) O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais. (...) 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16748: Convívios (773): 28º convívio da Magnífica Tabanca da Linha: 40 convivas no último encontro do ano, no restaurante "O Nosso Cantinho", Alvide, Cascais (Manuel Resende)


Foto nº 1 > Cascais > Cascais > Alvide  >  Restaurante "O Nosso Cantinho" > 17 de novembro  de 2016 > Aspeto geral da sala


Foto nº 2 > Aspeto parcial  dos comensais (1)


Foto nº 3 > Aspeto parcial  dos comensais (2)


Foto nº 4 > Da esquerda para a direita, João Sacôto, Manuel Resende,  José Jesus  e  Mário Fitas



Foto nº 5 > Aspeto parcial  dos comensais (3)



Foto nº 6 >  Em primeiro plano, Jorge Rosales, seguida do Mário Fitas e José Jesus


Foto nº 7 > Da esquerda para a direita: (i) sentados: João da Mata, Miguel Rocha, Jorge Rocha e Manuel Macias; (ii) de pé, Armando Pires, Jorge Costa e Luís Paulino... Todos de Algés, com exceção do João da Mata.


Foto nº 8 > O José Rosales (o mano do Jorge) (à direita),,, e o Francisco Tirano (conhecido por Xico Tirano)


Foto nº 9  > Juvenal Amado (agora a residir na Reboleira, Amadora), em primeiro plano, tendo a seu lado o António Alves Alves (de Lisboa)


Foto nº 10 > João Mata, de Palmela (CART 1746, Bissorã) (à esquerda) e Miguel  Rocha


Foto nº 11 > Irene, a companheira do sapador Luis R,  Moreira, aqui ao lado do Zé Rodrigues 


Foto nºn 12 > Manel Joaquim (ou Djaquin)


Foto nº 13 >  Jorge Nunes Costa


Foto nº 14 > Duas companheiras... Ilda Carioca e Manuela (esposa do Carlos Nuno Carronda Rodrigues)



Foto nº 15 >   Francisco Henriques da Silva (ex-embaixador de Portugal na Guiné-Bissau) e Joaquim Nunes Sequeira.


Foto nº 16 > Joaquim  Nunes  Sequeira e Francisco Palma


Foto nº 17 > A Gina e o seu inseparável  António Fernando Marques (ou vice-versa)


Foto nº 18 > José Diniz Souza e Faro


Foto nº 19 >  Mais um simpático casal: o José Leite e esposa Ana Leite


Foto nº 20 > Zé Carioca e Rogé Guerreiro


28.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Alvide  >  Restaurante "O Nosso Cantinho" > 17 de novembro  de 2016


Fotos  (e legendas): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Seleção, edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 18 do corrente, do Manuel Resende, secretário e fotógrafo da Tabanca da Linha, ex-alf milManuel Resende [, ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71]:

Caros amigos,

Ontem tivemos o nosso 28º Convívio. Se acharem querer fazer um poste com o acontecimento, agradeço para registo e consulta futura.

As fotos, sem novidades desta vez, isto é, sem "piras", seguem pela via normal, Google Drive. Como os intervenientes são todos mais ou menos conhecidos, não faço comentários.

Em anexo segue um pequeno texto.


Ontem, 17-11-2016 ocorreu, conforme previsto, o 28º convívio da Magnífica Tabanca da Linha em Alvide, Cascais, no Restaurante "O Nosso Cantinho". 

Tudo correu bem e sem reclamações.

Apesar desta fase do ano não ser muito propícia a estes eventos, entenda-se nossas idades e mês, tivémos 40 convivas, valor médio dos nossos convívios. Foi mais uma agradável reunião, movida pela amizade, e que esperamos que continue, ora com mais ora com menos convivas. 

Sei que hoje a Guiné está a passar mais um mau "bocado", esperemos todos que tudo se resolva da melhor forma, pois é essa palavra mágica "Guiné" que nos une e nos motiva.

Seguem-se algumas fotos para recordar o acontecimento.

Um abraço a todos

Manuel Resende

________________

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16457: Os nossos passatempos de verão (11): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte I: A terra natal de um génio, Amadeo Souza-Cardoso


Foto nº 1 > Centro histórico de Amarante, com destaque para a igreja e o convento de São Gonçalo (séc. XVI-XVII), vistos do meio da  ponte sobre o Rio Tâmega.


Foto nº 2 > O Rio Tâmega e as suas pontes, em Amarante... Em primeiro plano, a célebre ponte de São Gonçalo (reconstruída em finais do séc. XVIII), a tal  que foi palco, durante 14 dias,  de 18 de abril a 2 de maio de 1809, de encarniçada e heróica luta  de defesa das populações e tropas portuguesas contra as tropas napoleónicas em retirada para Trás-os-Montes, na sequência da Segunda Invasão Francesa a Portugal  (Guerra Peninsular, 1807-1814). O gen Silveira e as suas tropas (incluindo milícias e civis mal armados) entrincheiravam-se na margem esquerda, barrando a saída dos franceses em fuga...


Foto nº 3 > Museu Municipal Amadeo Souza-Cardoso... Em primeiro plano a estátua do nossos escritor e filósofo da saudade Teixeira de Pascoaes (1877-1952), filho de Amarante, tal como o grande artista plástico Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) (, vítima da pneumónica, quando estava em Espinho; se não tivesse morrido tão cedo, a sua obra hoje teria muito possivelmente a dimensão mundial de alguns dos grandes pintores modernos com quem expôs em vida: Braque, Picasso, Duchamp, Matisse, Kandinsky, Léger).... 

Esquecido depois da sua morte precoce, em 1918, Amadeo Souza-Cardoso está a ser redescoberto, nacional e internacionalmente: veja-se o sucesso da sua exposição retrospectiva, com 3 centenas de obras,, em Paris. no Grand Palais, acontecimento já considerado como um enorme contributo para revelar internacionalmente “um dos segredos mais bem guardados da arte moderna” (sic) (palavras do historiador de arte norte-americano Robert Loescher).


Foto nº 4 > Edifício dos Paços dop Concelçho de Amarante,  de1867


 Foto nº 5 > Rio Tâmego em Amarante: a Ilha dos Amores


Foto nº 6 > Rio Tâmego, um rio que as barragens "domaram" ou estão em vias de "domar", destruindo todo um ecosssitema valioso: a jusante, a barragem do Torrão (Alpendurada, Marco de Canaveses, construída em 1988 pela EDP); a montante,  a barragem de Fridão (EDP, projeto suspenso) e o complexo hidroelétrico do Alto Tâmega, que está nas mãos da Iberdrola Portugal...


Foto nº 7 > Rua Sold José António [Teixeira] Pinto, um dos primeiros camaradas de Amarante a morrer, na guerra colonial, em Angola, em 1962. Os seus restos mortais ficaram em Angola,  A lista dos mortos do concelho é extensa: mais de meia centena, 13 dos quais na Guiné.

Amarante > Cidade > Agosto de 2016 > 

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P16438 (*):

(i) Bispo1419 [, Manuel Joaquim]

Tardou a resposta, meu caro Luís, mas aqui vai ela:

A "Varanda dos Reis" (varanda dos quatro reis) fica na linda cidade de AMARANTE. Está situada na parte superior do pórtico do edifício do convento de S.Gonçalo de Amarante.

Esta varanda/balcão é assim chamada porque nas pilastras de suporte dos arcos estão as estátuas dos quatro reis de Portugal que apoiaram a construção do convento: D. João III, D. Sebastião, cardeal D. Henrique e D. Filipe I (Filipe II de Espanha).

Abraço
Manuel Joaquim
3 de setembro de 2016 às 03:00





(ii) Tabanca Grande [, Luís Graça]:

Bingo!, Manel Joaquim... Professor é professor... 
Concordas que os "mouros" do sul devem lá ir, a Amarante, pelo menos uma vez na vida... A não perder, além da cidade (património natural - Rio Tâmega - e edificado...)., a "rota do românico", incluindo o mosteiro de Travanca. São dez monumentos do românico só no concelho de Amarante, terra de artistas e escritores... 
Ab. Luis.

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16438: Os nossos passatempos de verão (10): A varanda dos quatro reis... Onde fica ? Quem são ?... É obrigatório visitar esta cidade (e o respetivo concelho), pelo menos uma vez na vida...

quarta-feira, 23 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15892: Inquérito 'on line' (49): Pifos não eram comigo, só por duas vezes! (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil da CCAÇ 1419)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 15 de Março de 2016:


Pifos não eram comigo, só por duas vezes!

Noite feliz com copos

Não devo estar muito errado se disser que o vinho, a cerveja, o whisky e o gin foram minhas companhias diárias nos meus tempos de guerra na Guiné. Boas companhias, diga-se, já que só por duas vezes as nossas relações descambaram para a bebedeira. Uma na noite de Natal de 1966 e outra, uma semana depois, na passagem para 1967.

Daquela passagem de ano não me lembro de nada, directamente. Sei do tamanho da piela por uma frase que encontrei numa carta para a namorada: “Entrei [em 1967] com uma grandessíssima bebedeira. Não, não te atemorizes, meu amor, que não é para continuar. Não sou alcoólico, longe vá o agoiro”.
Se desta bebedeira não me ficou memória, da que apanhei na já referida noite de Natal ainda guardo lembranças, não muitas.

Tudo se passou na messe de sargentos, num edifício exterior ao quartel de Mansabá (a uns 100m). A coisa começou a “encher” durante o jantar do dia 24 e só parou a altas horas da madrugada.


Fotos 1 e 2 - Após o jantar, todos juntos ao fundo da sala para tirar a desejada foto, memória do último Natal passado na Guiné. Entretanto decidi testar a qualidade do meu equilíbrio apesar da “noite” ainda só estar no princípio. ©Manuel Joaquim

Finalizado o jantar, o tempo foi passando em clima de festa serena. Os camaradas confraternizavam, não só entre si mas também com as bebidas, sendo a cerveja a rainha da festa. A certa altura começou a debandada de uma boa parte deles para o quartel mas ainda ficaram os suficientes para encher o espaço do bar.



Fotos 3-4-5 - Ficaram bastantes para continuar a festa. ©Manuel Joaquim

A certa altura da noite, alguém começou a cantar uma canção de natal e surgiu logo a ideia de se fazer uma fogueira para continuar o convívio à volta dela. Não havendo madeiro de natal para queimar, serviram para o efeito as embalagens de madeira. A fogueira durou enquanto se não esgotou o repertório de canções natalícias (muitas!) ou então enquanto houve caixotes para queimar!


Fotos 6-7 -  Canções de Natal à volta da fogueira ©Manuel Joaquim

Esta “cerimónia natalícia” foi um dos poucos momentos felizes que passei na Guiné. Talvez os “copos” tivessem culpa de me sentir tão bem mas aquela nostalgia do Natal dos tempos de infância, a muita saudade dos nossos entes queridos, a beleza do momento dada pelas nossas vozes entoando aquelas canções numa bela comunhão colectiva à volta da fogueira, tudo isto até me fez esquecer o local onde estávamos e o perigo que corríamos todos os dias.
Mas a “magia” durou pouco tempo. Ao dar por isso, em vez de me ir deitar voltei para o bar da messe e entrei na função de bebedor. O cerimonial começou com a queima ritual de capas de palha que envolviam um certo tipo de garrafas, já não me lembro qual.

Foto 8 - Cerimónia ritual da queima da palha. Apelo à participação dos presentes no sacrifício de bebidas alcoólicas. ©Manuel Joaquim

Como mestre celebrante só podia ter um tipo de comportamento, o de dar exemplo activo de participação no cerimonial. Apesar de no início do acto já estar de “meia pipa” creio que cumpri bem e não durou muito tempo até eu encher o vasilhame. Fui de “caixão à cova”!

Foto 9 - “De caixão à cova”. ©Manuel Joaquim

A memória não me ajuda na descrição e por isso, para continuar, tenho de me servir do relato feito em carta, datada do dia seguinte e escrita no local dos acontecimentos, relato este merecedor de alguma confiança na verdade do seu teor. Eis o que diz o documento:
“A noite de Natal cá se passou. Uma barulheira infernal, bebedeiras a torto e a direito, noite em branco, choros, convulsões, maluqueiras, gritos histéricos, socos, cabeças partidas e mesas, copos, cadeiras a que aconteceu o mesmo. Bem, isto não foi Natal. Foi carnaval e do bom. Alegria falsa, no entanto. Se na noite de 24 para 25 ainda “alinhei” na coisa, ontem já não o consegui fazer. Era demais. A alma estava tão triste!... E continua.”

Mas que grande forrobodó! Tão grande como a “piela” que apanhei.
Pouco me lembro do acontecido e creio que se não tivesse as fotos não o conseguiria reconstituir minimamente, nem com o apoio deste relato sobre o qual não sei bem o que dizer.
Não me lembro da maior parte dos factos referidos na carta mas uma coisa sei; sei que não foi mentira porque nunca menti nas cartas que dirigi à minha namorada. Se por vezes não lhe queria dizer a verdade sobre alguma coisa, então não lhe falava sobre o assunto.

Mas a leitura deste relato trouxe-me a imagem do 1º sarg. da CCaç.1419, bem zangado, a queixar-se dos estragos provocados na messe de sargentos por uma “panelada” nocturna mas não sei se foi no Natal ou no fim do ano. Além de alguns pratos partidos e talheres tortos, havia panelas amolgadas por terem servido de instrumentos de percussão, tendo uma ou outra ficado inutilizada para a função devido a amolgadelas profundas, uma delas (a grande da sopa) com umas perfurações que a inutilizaram para todo o serviço. Quando aconteceu isto, foi na noite natalícia ou na passagem de ano? Em certas localidades ainda hoje há o costume de bater panelas e tachos velhos para saudar um novo ano. Se também foi o que sucedeu em Mansabá, não sei. Estava com a tal “grandessíssima bebedeira” e se calhar também fui um dos que andaram a bater com as panelas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15887: Inquérito 'on line' (48): Bebedeira colectiva durante um assalto ao bar do Zé D'Amura (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546); O pifo monumental do "Jeová" no Domingo de Ramos de 1969 (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381)