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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25110: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (27): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Junho de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

27 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira


MÊS DE JUNHO 1971

O MEU COMENTÁRIO AO DIA 09 DE JUNHO DE 1971

Partida do resto da Companhia do Olossato para Nhacra (2.ª grupo de combate, 4.º grupo de combate e resto do comando e dos serviços).
Durante o trajecto entre Bissorã e Mansoa uma viatura da coluna "AVARIOU"? por 2 vezes.
Como eu era o graduado mais próximo desta viatura comuniquei ao capitão que mandou parar a coluna.
Pouco tempo depois a viatura voltou a "trabalhar" e a coluna prosseguiu.
Perto de Mansoa a mesma viatura voltou a "AVARIAR".
Após pedir ao capitão para parar a coluna, dirigi-me ao condutor e disse-lhe que estava quase a escurecer e não podíamos ficar ali parados. Desta forma só tinha 2 alternativas:
1) - Ou punha a viatura a trabalhar e seguia com a coluna OU
2) - Ficava lá sozinho, porque a coluna tinha de prosseguir.
Dei sinal ao capitão para a coluna avançar, e passados poucos minutos a tal viatura já seguia na coluna.

Chegados a Mansoa tomamos a estrada asfaltada que ligava Bissau a Mansabá.
Poucos minutos depois a "viatura avariada" por 2 vezes ultrapassou a coluna em grande velocidade e nunca mais ninguém a viu.
Deduzo que este condutor tinha "instruções" para retardar a nossa chegada a Nhacra, porque os nossos quarteis entre Mansoa e Nhacra foram todos ou quase todos atacados ao mesmo tempo que Bissau foi atacada com foguetões 122 m/m, lançados do Cumeré.

Chegados a Nhacra fomos instalar os soldados no edifício, que estava em construção, para instalar o posto emissor da Emissora Provincial, e ficava ao lado do quartel.
Depois fomos para o quartel para descarregar a nossa bagagem e instalarmo-nos nos quartos que reservaram para os furriéis.
Com a viatura parada junto aos nossos quartos e alguns furriéis em cima, a tirar a nossa bagagem, e os outros no chão a recebê-la e arrumá-la para depois nos instalarmos.
Nesta altura começaram a passar balas tracejantes, do lado do Cumeré para a estrada Bissau/Mansoa.
Pela trajectória das balas parecia que vinham dum edifício do quartel e nós, os furriéis da CCAV 2721 a pensar que era alguma brincadeira do pessoal que íamos render dizíamos:
- "Ide brincar com o caralho"...
- "dos tiros vimos nós"...
- "Estamos fartos da guerra"...
- Etc...

Passado pouco tempo rebentou uma rocketada.
Nessa altura percebemos que não era brincadeira.
ERA MESMO UM ATAQUE.
Perguntamos aos "velhinhos", que estavam connosco, onde eram as valas ou qualquer local onde nos pudéssemos proteger.
Como responderam que não havia valas nem locais protegidos, meti-me debaixo da viatura, do lado de dentro da roda de trás. Passados alguns segundos, estavam lá todos os furriéis - nossos e os da companhia que íamos render.

A companhia recebeu ordem para sair, mas eu fiquei no quartel porque tinha os pés cheios de bolhas porque vinha calçado com as botas de couro.
Grande recepção, com "fogo de artifício" e tudo...
E vinha a Companhia para uma zona onde não havia "guerra".
Felizmente, foi caso único.
No destacamento de DUGAL, morreu um soldado do 1º grupo de combate, vítima de ferimentos no ataque ao destacamento.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 18 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25084: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (26): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Maio de 1971

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25084: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (26): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Maio de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

26 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira


MÊS DE MAIO 1971

Furriel Moreira em frente ao bar de oficiais e sargentos, no Olossato
Furriel Moreira no Olossato
Furriel Moreira junto ao poilão que estava próximo do quarto dos furrieis do "meu" 4.º grupo de combate.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25058: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (25): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Abril de 1971

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25027: Notas de leitura (1654): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
Podemos pensar o que quisermos deste diário, é indiscutivelmente uma relação, o missionário franciscano estava na hora certa no tempo certo a viver o que registou, reuniões com promessas de profundo apreço pelo trabalho missionário, aquelas notícias desencontradas da muita vigilância à volta de Bissau para repelir não sabemos bem o quê e de quais intentos da FLING, que abertamente era contra a união Guiné-Cabo Verde. Os seus passeios naqueles dias em que partiam os últimos militares portugueses e em que se fixava uma placa de alumínio no que fora a residência do comandante militar e passava a ser a Embaixada de Portugal. Os conceitos de nacionalidade guineense, uma nota espúria de que havia casos de terror, já se praticava a justiça popular, tudo parecia que iria haver um bom entendimento entre o Partido único e os franciscanos, veremos seguidamente que já há nuvens no horizonte.

Um abraço do
Mário



Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para o número mais recente da revista Itinerarium, o n.º 227, referente ao semestre de janeiro a junho de 2020, a Itinerarium é a revista semestral de cultura publicada pelos franciscanos em Portugal. Ali aparece um artigo com páginas do diário de Frei Francisco de Macedo (1924-2006) que foi missionário na Guiné entre 1951 e 1997. O diário inclui os apontamentos do religioso sobre os primeiros anos da Independência, a matéria versada relaciona-se com a educação e as missões.

Dando-se continuidade a um diário que vem pela primeira vez à luz do dia, ainda na reunião havida em 20 de setembro com a equipa que o PAIGC nomeara para a Educação escreve Frei Francisco de Macedo: “Saímos com a certeza de que o trabalho dos missionários tinha sido muito válido e que muito contribuiu para que a Guiné-Bissau tivesse alcançado a independência. Essa verdade tem nos sido afirmada muitas vezes por alguns dos responsáveis do Partido, que nos vêm cumprimentar e manifestar a sua gratidão. Entre estes contam-se o camarada José Neto, que foi criado na missão de Cacheu e nutre uma amizade muito especial por Monsenhor Amândio Neto. Outro amigo que nos veio cumprimentar foi o camarada Julião Lopes, antigo aluno da Escola Dona Berta e agora nomeado comandante da Marinha. Estes e muitos outros são unânimes em dizer que quase todos os homens importantes do PAIGC e os seus principais militantes saíram das escolas das Missões, em especial de Bissau, Bula, Canchungo, Bafatá e Bolama”.

Em 24 de setembro anota no seu diário que se celebra o 1.º aniversário da República da Guiné-Bissau. O acontecimento foi festejado em Madina do Boé, onde construíram casas-palhotas para receber os convidados e onde querem lançar as bases da capital do do no Estado. “Disseram-me alguns militantes que querem lançar em Madina do Boé os alicerces da nova Nação, com programas diversos quanto ao Ensino, à Saúde e Agricultura. Há falta de apoio ao PAIGC por parte de muita população. Daí o controlo rigorosíssimo que implantaram em todas as saídas e entradas de Bissau.”

Tece seguidamente considerações sobre os primeiros tempos da independência: “Há uns anos que para a Guiné não vinha ninguém de Portugal, a não ser alguns administrativos e comerciantes. E, digamos a verdade: uns e outros imbuídos de ideias colonialistas, considerando o nativo como um escravo, sem acesso à cidadania; nada produzindo nem se interessando por iniciativas de desenvolvimento económico desta terra, limitando-se a importar panos e outros artigos para na venda tirarem lucros fabulosos. Alguns industriais e comerciantes até se mostraram hostis a que os missionários abrissem escolas e se empenhassem pelo ensino”. Frei Macedo duvida dos dados apresentados pelo PAIGC quanto ao analfabetismo, a propaganda falava em 99% de analfabetos, ele observa que numa população de 500 mil habitantes devia haver, pelo menos, 30 mil que sabiam ler e ter alguma instrução. E, mais adiante, escreve: “Desde meados de setembro que o PAIGC montou um sistema de controlo muito rigoroso nas estradas. Dizem que por causa do movimento da FLING. Ninguém nos informou devidamente sobre este caso. Temos conhecimento, por conversa com muitos estudantes guineenses residentes em Lisboa, que a FLING apoia o Partido que lutou pela independência, mas não apoia a sua união com Cabo Verde para formar uma só nação. Terão razão? O tempo dirá!...”

Anota no seu diário a 3 de outubro que andaram a retirar dos seus pedestais as estátuas associadas à presença portuguesa, caso de Teixeira Pinto, Nuno Tristão, Honório Barreto. E, inopinadamente diz que se continua a assistir a atos de terror, e conta uma história passada em Nhacra que meteu esfaqueamento, terão achado muito bem em ver o povo a fazer justiça sem que as autoridades se tivessem intrometido. A 13 de outubro regista que se fez a entrega do complexo do Quartel-General de Santa Luzia, passou a ser ocupado por dirigentes do PAIGC, os últimos militares portugueses abandonarão dentro de horas a Guiné-Bissau. No dia seguinte, deixa lavrado no seu diário que pela noitinha ele, o Prefeito Apostólico e o Padre Afonso deram a volta pela cidade, os militares portugueses tinham partido no Uíge e em Caió, o Niassa esperava os últimos soldados que vinham em lanchas. “Deve ter sido única esta retirada dos 25 mil militares portugueses, em ordem em sem confusão alguma.” E no dia seguintes escreve: “Dei uma volta a pé pela cidade. Passei em frente da antiga residência do comandante militar e li em placa de alumínio: Embaixada de Portugal. Fiquei satisfeito. É uma ótima residência e bem situada. Portugal continua. É a primeira embaixada a marcar presença, como é natural.”

E no dia seguinte regista que houve uma reunião na Associação Comercial e Industrial de Bissau presidida por Vasco Cabral, comissário da Economia e Finanças, há perguntas e respostas. Vasco Cabral informa quem o interpelou que a Guiné-Bissau faz parte do Terceiro Mundo. “O nosso sistema é de economia democrática. No mundo de hoje, em todas as nações, estamos perante esta realidade: sistema de vida capitalista e sistema socialista. Vamos aproveitar o melhor que houver dos dois.” Interpelado sobre a questão da dupla nacionalidade, respondeu Fidélis Cabral de Almada, comissário da Justiça: “Conscientes de uma larga convivência com o povo português, não deixamos de nos preocupar com aqueles portugueses de boa fé que continuam na nossa jovem República. Todos os cidadãos são classificados em 3 categorias: a) os indivíduos, filhos de estrangeiros, nascidos aqui, com permanência de 10 anos, serão considerados cidadãos e gozam de todos os direitos; b) os indivíduos não nascidos na Guiné, mas com permanência de 20 anos pelo menos, são cidadãos guineenses; c) aqueles que não nasceram na Guiné, mas filhos de gente da Guiné, são cidadãos e gozam de todos os direitos”. Interpelado sobre qual a Justiça para os que pertenceram à polícia política portuguesa, Fidélis respondeu: “Serão estudadas as diversas situações e aplicadas as penas. No que se referem aos cidadãos estrangeiros, podemos nacionalizar os seus bens, sendo atribuída uma justa indeminização. Tudo sem espírito de vingança.” Vasco Cabral observou que tinha estado na CICER: “Visitei a fábrica e fiquei realmente admirado. Não esperava tanto. Há necessidade desta fábrica. Produzir muito para exportar e adquirir divisas e cambiais.”

Frei Macedo também anota uma notícia que encontrou, do seguinte teor: “O Governo português decidiu que os soldados da Guiné, que prestaram serviço no Exército português, podem escolher ser cidadãos da Guiné ou de Portugal. Os que decidirem ser cidadãos da Guiné regressarão imediatamente à sua terra.”

(continua)

Leprosaria da Cumura
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Notas do editor

Poste anterior de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)

domingo, 31 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25021: Bombolom XXX (Paulo Salgado): Como a Guerra é (re)contada

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 29 de Dezembro de 2023:

Meus Caros Camaradas,
Desejo a todos os editores do nosso Blogue, e a todos os que nele participam, Bom Ano de 2024.
Uma saudação de camaradagem e o pedido de bombolarem o meu bombolom.
Paulo Salgado



O meu Bombolom

Como a Guerra é (re)contada

Olossato, 1970 - O Alf Mil Op Esp Paulo Salgado - Foto: © Paulo Salgado


N
um dos encontros que a Companhia de Cavalaria 2721 tem realizado, pela mão de um grande camarada, para lembrar a camaradagem e a solidariedade que se construíram em tempo de guerra, dizia-me um ex-militar, graduado, face às histórias que cada um ia narrando:
- Eh pá, pelo que ouço nestes nossos encontros, dá-me a impressão que não estivemos na mesma guerra, no mesmo local, que percorremos os mesmos caminhos, que sofremos as mesmas emboscadas, que estivemos sujeitos aos mesmo bombardeamentos, sofrendo as mesmas vicissitudes!

Perante o meu espanto, prosseguiu:
- Não te admires, camarada. Participei, como te lembras, numa grande operação, houve barafunda, tiroteio forte, confusão, no meio da mata, feridos, alguns graves, evacuações. Pois bem, chegados ao aquartelamento, ouvi diferentes versões, inclusive sobre o que decidi, sobre as ordens que dei, sobre a minha intervenção. E aqui, nestes encontros, dezenas de anos depois, ouço versões diferentes, por vezes contraditórias. Isto é do caraças…!

Calado fiquei por breves instantes. Porém adiantei:
- Claro que me aconteceu uma situação similar, alguns meses despois, ao episódio que focaste. Um camarada lembrava que teria havido uma manobra mal feita pelo grupo (a que eu pertencia) que fazia a segurança ao grupo que retirava do golpe de mão, e que teria deixado passar o IN. E falava com uma certeza impressionante. Foi contraditado na altura, mas ainda hoje, mantém a mesma versão… Até posso afirmar que os camaradas que habitualmente seguiam à frente comigo nos patrulhamentos contarão os factos diferentemente uns dos outros, e de mim, naturalmente... sempre que o perigo era pressentido ou quando havia contactos…

Ouvindo a conversa nesta amena cavaqueira, logo um outro veio afirmar:
- Não foi assim que se passaram as coisas. É preciso lembrar que o IN sabia muito bem contornar as situações… o grupo que fazia a segurança (os “aguentas”), procedeu da forma correcta. Obviamente, ambos não chegaram a acordo, e cada qual ficou com a sua.

Não liguei muito ao caso sobre o foco de cada um. Nem ligo, hoje. Por duas razões.

Primeira: vivi intensa e criticamente o tempo em que estive na guerra, esforcei-me por dar o meu melhor em contribuir para todos regressarmos, o que infelizmente não sucedeu: dois mortos e alguns feridos. Escrevi notas, escrevi cartas, poetei alguma coisa, li alguns livros, comandei a companhia durante alguns meses, bem ou mal, construímos um jornal, jogámos futebol, passámos fome e sede, até fizemos operações helitransportados, fiz exames da quarta classe aos jovens, contactei e respeitei a população dentro da filosofia que o capitão imprimiu... Colaborei na feitura da História da Companhia. Fui louvado.

Segunda: por convite e convicção, fui cooperante na República da Guiné-Bissau vinte anos depois do 25 de Abril. Ao revisitar o “local” (por diversas vezes, uma delas com o cabo Moura Marques (grande soldado, meu convidado no Bairro da Cooperação, cerca de 35 anos depois), fui reconhecido pelos soldados feitos milícias. Calcorreei grande parte daquele País, acompanhado pela minha mulher, namorada na altura da guerra. Vi homens e mulheres, alguns eram crianças…! – agora libertos do jugo colonial e da força das armas. Pelo serviço prestado, foi-me concedido um diploma de honra ao mérito pelo poder instituído no País. Poucos haverá que tenham sido louvados pelos dois lados – já agora.

Para trás, os detalhes, as histórias narradas que me deram lastro para escrever (narrativa histórica ficcional) sobre alguns momentos e episódios. Sem falar da guerra, propriamente. As cartas, as abundantes cartas, que a minha mulher guardou, raramente falavam de episódios de guerra… Estão conservadas para a memória dos meus descendentes, se tal lhes aprouver.

A História é assim: cada um rememora-a como a sentiu e viu e viveu. Desta guisa, fizeram Cadamosto, Tristão da Cunha, Nola, Diogo Cão, Bartolomeu Dias… E, em especial, os cronistas, que vale a pena ler: Zurara, Rui de Pina, o grande Damião de Góis... Também Albuquerque, Duarte Menezes, entre outros, no Oriente. Em pleno século XIX, Livingstone, Serpa Pinto, Silva Porto (que foi espezinhado pelo inglês…) e outros exploradores narraram as suas andanças pelo continente africano. De forma diversa. Basta compulsar os livros. Até hoje. Repare-se: se perguntarmos aos soldados que estiveram em cima das chaimites, comandados por Salgueiro Maia, cada um conta à sua maneira o que viu no Largo do Carmo… Cada um conta a história à sua maneira, ou, se quisermos, como a viveu, e de acordo com a sua perspectiva. É a força da emoção e da percepção havida no momento, camaradas.

Nos meus livros, as crónicas são ditadas de acordo com o que e como eu vivenciei ou me contaram… mas sempre baseado em factos e personagens verídicos.

Ora, envolvermo-nos em histórias orais da natureza que introduz este desabafo é sinal de pouca clarividência, de pouca lucidez: não foi assim, dirão uns; não, estás enganado, responderão outros… Em História, podemos afirmar o seguinte: os historiadores baseiam-se em fontes, que podem ser de natureza diversa: escritas, orais, materiais… O narrador é a voz que narra os acontecimentos, faça ou não parte, como personagem, da trama.

Nós, que participámos no “teatro” (designação tão interessante esta!) da Guerra Colonial, somos narradores personagens, em primeira pessoa, portanto, relatamos os factos como participantes dos acontecimentos. E descrevemo-los segundo perspectivas que são diferentes, muitas vezes enviesadas, distorcidas, não adrede, claro.

Mas é bom que fiquem as memórias – a chamada Literatura Memorialista.

Saudações, camaradas. Bom ano. Com calor humano. Calor humano, tal como o recebi do povo nas minhas andanças em tempo de liberdade. E, também, em tempo de guerra, quando, sabem Deus e Alá a razão, as mulheres e as crianças sofriam tanto, quando o grande Suleiman me livrou de ter pisado duas minas antipessoal e me protegeu tantas vezes! A minha paga foram as vezes que o visitei no Olossato e quando o procurei ajudar no Hospital Nacional Simão Mendes, onde assisti à sua morte, serena morte, a morte de um soldado que lutou por uma Pátria (?!) que não o soube tratar como devia, a ele e a tantos…

Paulo Salgado
28.12. 23

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21591: Bombolom XXIX (Paulo Salgado): "Dezasseis anos depois", um poema meu, que li em Santarém, no encontro anual da CCAV 2721, em Abril de 1986, onde esteve presente no final do almoço o Salgueiro Maia (1944-1992)

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24700: Facebook...ando (36): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - Parte I: da Ribeira Grande a Mafra e Tavira, e de Lamego a Bissau


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > Foto tirada na varanda da nossa casa com o meu saudoso pai e minhas duas queridas irmãs, Maria Fernanda e Candida Julieta | 2 de Dezembro de 2013
 


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo >   Já lá vão 54 anos que esta foto foi tirada à frente do Liceu Gil Eanes, 1959. Refere-se à turma do quinto ano B. Infelizmente alguns desses colegas já não pertencem a este mundo pelo que aqui mesmo presto a minha sincera homenagem e uma eterna saudade da boa camaradagem vivida. | 4 de Dezembro de 2013.


Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > Ribeira Grande  > Um grupo de amigos. Nesta foto se vê dois irmãos meus, o Fausto e o CésarAlberto | 3 de Dezembro de 2012 .


Portugal > Lamego > 1963 (na altura em passou pelo Centro de Operações Especiais de Lamego) | 3 de Dezembro de 2012 


Guiné > Bissau > c. 1967/74 > Colegas do BNU, a Esplanada do Restaurante Solmar | 3 de Dezembro de 2012 


Guiné > Bissau > c< 1967/74 >  Com um velho amigo em Bissau | 3 de Dezembro de 2012


Guiné Bissau > Nhacra | 3 de Dezembro de 2012 

Fotos  (e legendas): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Grça & Camaradas da Guiné.]


1. Seleção de fotos do nosso camarada Antonio Càndido da Silva. Medina, para a série "Facebook... ando" (*):

(i) ex-fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65);

(ii)  natural de Santo Antão, Cabo Verde;

(iii)  estudou no Licei Gil Eanes, no Mondelo, São Vicente; 

(iv)  foi funcionário do Banco Nacional Ultramarino (BNU), Bissau, de 1967 a 1974; 

(v) emigrou para os EUA onde trabalhar, de 1989 a 2005, no East Cambridge Savings Banl  (como  Assist Vice President);


(vii) tem página no Facebook (António Medina)

(viii) faz anos hoje, 26 de setembro,
 

 2. O António Medina tem mais de 3 dezenas de referências no nosso blogue, tendo-se apresentado a à Tabanca Grande, em 15/2/2014,  nestes termos: 

(...) Sou de Infantaria com a especialidade de Atirador, tendo frequentado em 1961 a Escola Prática de Infantaria em Mafra e o Centro de Instrução de Sargentos Milicianos em Tavira.

Dei instrução no Regimento de Infantaria 10 em Aveiro, seguindo em 1962 para Cabo Verde, donde sou natural, para mais tarde (1963) ser mobilizado.

Regressei a Portugal para o Centro de Operações Especiais em Lamego.  para depois seguir para a Guiné, fazendo parte da Companhia de Intervenção - Artilharia,  CART 527.

O meu batismo de fogo foi em Fajonquito quando estávamos estacionados no Olossato.

Convém mencionar que depois de terminada a comissão,  regressei à Guine onde fui admitido como empregado bancário em Bissau. Dez anos depois, e com a Independência, segui para Lisboa como bancário.

Hoje sou imigrante nos USA desde 1980, residindo no Estado de Massachusetts.(...)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de setembro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24655: Facebook...ando (35): A "morança" do pessoal do 19º Pel Art (obus 14), em Buba, onde se comia o melhor petisco da região, búzios de cebolada (António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45613/72, Bula, 1973/74)
 
(**) Vd. poste de  26 de setembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24699: Parabéns a você (2210): Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38.ª CComandos (Guiné, 1972/74) e António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Teixeira Pinto, 1963/65)