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domingo, 3 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António

Militares em progressão nas matas da Guiné
Foto: © José Câmara. Todos os direitos reservados



1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 30 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (7)

13 DE JUNHO DE 1966, INVENTÁMOS O SANTO ANTÓNIO

Adivinhava-se que esta madrugada iria ser em grande e com muito fogo de artifício. A 1.ª marcha a desfilar seria a d'um Grupo de Comandos do QG, dado que na altura ainda os não havia, formados na Metrópole.

A minha Secção de Morteiros havia sido convidada especial a participar (o que muito nos alegrou) e tendo como principal tarefa, encerrar os festejos, fazendo a segurança de retaguarda após o desenrolar do golpe de mão. Nesse sentido, saíramos do K3 com 36 granadas, enroladas que foram 4 a cada um dos nove elementos, myself incluído, bem como com os três morteiros com a boca tapada com rolhas de cortiça, dada a copiosa chuva, e devidamente poisados no dorso, a tiracolo, tais como se vulgares carabinas fossem. Nada de pratos base, nem aparelhos para medir distâncias ou altitudes, que ali para nada serviam, usando-se antes capacetes como preventivos para qualquer recuo ou coice no chão e o alcance ficava dependente da forma como se empinava mais ou menos o tubozinho 60.

Obviamente que dos nove, só seis levavam G3 e os restantes (os apontadores, eu e mais os dois 1ºs Cabos, Nascimento e Ismael) em coldre próprio, levávamos ainda pistolas Walter 9mm.

Partíramos às duas da manhã e até ao objectivo (Biribão?) por estranho que pareça não fomos detectados. A madrugada ia-se entretanto fazendo dia cada vez mais claro e deu para reparar na bela floresta virgem, enquanto atravessávamos a bolanha em maré vazia e o bucolismo do lugar, bem como a macacada que nos ia acompanhando e os belos trinados das formosas aves que despertavam, nada... mas nada mesmo... fazia prever que por ali havia um refúgio nocturno de IN's.

Colocado o dispositivo no terreno, a rodear a tabanca surgida no meio do nada, mas onde se festejava já, pois que bem ouvi, no rádio a pilhas, a coladera "chapéu de palha" e que também, bem vi uns jovenzitos quase acabados de nascer a bambolear-se ao som daquela bonita melodia que hoje ainda oiço, comovidamente acrescento, deram-se início às comemorações, após a ordem vinda de quem mandava e foi manga de ronco.

Do interior das casotas e dando razão a quem afirmara que havia ali dorminhocos marchantes doutras músicas, estes começaram a sair devidamente armados, mas não de arquinho e balão, disparando com malévolas intenções tentando escalupir-se e uns poucos conseguiram, mas à maioria não foi permitida tal possibilidade. É então que começam a surgir as costumadas fogueiras tão típicas desta época, feitas de alecrim aos molhos só que neste caso, e decerto devido à ventania, a coisa pegou-se aos colmos que faziam de telhado e dentro em pouco todas as sete ou oito moranças ardiam e nem deu para lhes saltar por cima e nem os bombeiros apareciam.

Todas as mulheres e crianças que lá estavam contra vontade (digo eu) vieram connosco no regresso a casa, mas tal foi feito em passo rápido, já que estávamos a ser flagelados e cada vez os rebentamentos estavam mais perto, vindos "sabe-se lá d'onde" e nós trinta o que pretendíamos agora era um bom pequeno almoço... dois ou três Vat's 69... uma ou duas bajudas... um banho no Spa... uma massagem... e dormir.

E foi assim, copiando-nos, que nasceram os festejos da cidade de Lisboa.
(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11012: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (24): 25.º episódio: Memórias avulsas (6): Cabeça cá tem juízo

domingo, 27 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11012: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (24): 25.º episódio: Memórias avulsas (6): Cabeça cá tem juízo

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (6)

CABEÇA CÁ TEM JUÍZO

23 de Julho de 1966 e o campeonato mundial de futebol a disputar-se lá para as englandes.

Pára tudo, que é dia de Portugal jogar.

Chegámos a estar a perder por 3 a Ó mas depois lá demos a volta à coisa e acabámos por ganhar a uns tipos que antes tinham dado tareia, na guerra, aos américas e só por isso se atreveram a pensar que faziam o mesmo cá c'os Eusébios... Torres... Zés Augustos... Hilários e outros muita bons.

Uma das duas grandes penalidades convertidas por Eusébio, que marcou 4 golos nesta vitória de Portugal sobre a Coreia do Norte por 5 a 3. O quinto golo foi marcado pelo saudoso, bom gigante, Torres. (Legenda de CV)
Foto: Com a devida vénia a citizengrave.blospot.com

Já uns CIAosos, que tinham vindo recentemente a Bissau, sabiam de tal impossibilidade e só cá estiveram com o intuito de aprender e perceber, como é que, sendo nós aqui, pr'ái uns 20 mil, conseguíamos estar a vencer, quando eles lá nos Vietnames e com um milhão de profissionais bem armados, estavam em quase completo colapso.

Depois dum lauto almoço comemorativo duma boa notícia recebida há pouco e para quem não saiba elucido desde já que todos os almoços sempre foram e serão para mim, de comemoração, só que estes ainda mais saborosos me pareceram e ai nanas... que a dieta Kapatrêziana do feijão com dobrada, era já passado... e dizia eu... fui assistir ouvindo o relato talqualmente.

Enquanto isso ia emborcando uns whyskais digestivos, tantos quantos os golos da partida, conforme a mim mesmo prometera e promessas para mim, ou se cumprem ou não se fazem, nem mesmo que com isso prejudiquemos a saúde.

Por culpa dessa futebolada aconteceu a loucura total.

Conto-vos, pois então: Acabada a partida começaram a ver-se garrafas pelo ar e até aí tudo normal, só que depois caíram no chão e... sabe-se lá do porquê.

Resultado: aquela Praça do Império, ficou uma verdadeira fábrica de vidro estilhaçado e disperso pelo chão.

"Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

E então... era uma vez... uma cidade a entrar no pandemónio... vieram os pára-quedistas cuja luta exclusiva era a de fazerem de Polícia Militar (nessa altura, porque mais tarde foram também combatentes)... a balbúrdia piorou já que ninguém os "amava" dada a sua estapafúrdica e autoritária poses... aparecem os fuzos a tentar pôr mais desordem na ordem... e assim SIM, finalmente dá-se o caos.

Foi o bom e o bonito, também colaborei assim como todos os do Exército que por ali estavam em merecido descanso, e festejámos agora aliados à Marinha, descascando no inimigo comum, (os páras) que tão mal nos maltratavam com a prepotência costumada. Para mim escolhi os mais altos, aplicando-lhes o conceito aprendido no Judo que diz, que quanto maiores são, maior é a queda.

Gozei à brava, creiam, com tanta castanha que distribuí e com algumas que recebi não nego, mas "djubi", quem vai à guerra dá e leva.

Assanhada esteve a peleja durante horas, quando alguém, merdosamente decidiu interromper e deu ordens aos seus homens para que regressassem de imediato a Brá, o que fizeram bastante sovados e estropiados, uns sem cassetetes e outros sem os capacetes e pobres de nós que como de costume fomos os prejudicados, quando assim nos retiraram aquele pequeno prazer porradal que estávamos usufruindo caceteando de borla.

E eu? ...pois acabei a noite no Hospital Militar onde graças à minha nunca desmentida valentia, levei seis pontos na tola e de tal forma que ainda hoje lá está o sinal e nesse sítio nunca mais nasceu cabelo.

(continua)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10970: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (23): 24.º episódio: Memórias avulsas (5): "Salazar é qui na manda"

domingo, 20 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10970: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (23): 24.º episódio: Memórias avulsas (5): "Salazar é qui na manda"

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (24)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (5)

"SALAZAR É QUI NA MANDA!"


Guiné > Bissau > s/d > Desfile na Praça do Império 
Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 104". 
Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal.

Foi este o grito que ouvi naquele primeiro Domingo após a minha chegada e durante o desfile, com que cada etnia guineense e nos seus folclóricos fatos tradicionais mostrava a sua fidelidade, dançando e cantando, entre a Praça do Império, lá em cima e o cais do Pidjiguiti, cá em baixo, obviamente.

Tal festarola semanal, apanhou-me de surpresa e em princípio pensei que tivesse sido preparada em minha honra e até agradeci de braços no ar e dedos colados, como se a continência fizesse.

Aterrado fiquei porém, pois que como é que "Salazar é qui na manda?" se ele é o chefe do País Portugal... dos Ultramares... dos Alentejos e tudo?

Perguntei a uma Senhora Professora do Liceu de lá, que me explicou o porquê, e afinal até eu compreendi.

Então é assim:
Em tempos idos, a colónia recebia de quando em vez, uns pretensos inspectores cuja função era a de verificarem como eram tratados os autóctones, pelos mandantes brancos.

As perguntas eram previamente seleccionadas, não fosse a coisa falhar e as respostas dos inquiridos também, só que, tadinhos, nem percebiam como eram enganados sendo sinceros.

1ª questão:
- Que tal a comida?
A resposta honesta era:
- Manga de bianda

A troca do nome do arroz, levava a que fosse interpretado como se enchessem a barriga com carne, dado que nos países ali à volta, franceses como sabemos, era mais ou menos essa a forma de se lhe chamar, "viande" mais concretamente.

2ª questão:
- Como é que vos tratam?
- Ca trata bem, mesmo

E perante isto, a coisa soava bem e sem querer este pobre povo ia, ingenuamente ao que encontro do que se pretendia, daí que para o SIM, lhes ensinaram a dizer "NA" e para o NÃO, "CA".

Por isso aquele desabafo que dá título a esta excelente crónica dum não menos excelente escrevinhador, Senhor de Veríssimo, queria mesmo dizer o contrário do que eu pensei estupidamente.

Grandes e engenhosas mánicas estes Portugueses, sim senhor.

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Cá o nôsso Furié viera em missão militar altamente confidencial, passar uns dias a Bissau e houvera convidado um amigo de infância, fuzileiro especial agora e já antes e como tal, combatente em Angola e medalhado com a mais alta distinção possível.

Estávamos em Julho de 1966 e serenamente, (mas sem ter nada que ver com esse facto de ser Julho de 66) íamos saboreando o almoço e já três dúzias de ostras haviam sido devoradas, ao mesmo tempo que tomávamos umas bebidas consentâneas com o pitéu, para além das que antes deglutíramos para criar lastro.

Na precisa altura em que ele foi lá dentro ao WC escorrer o caldo às couves, aparecem-me à frente dois garotos bem parecidos, matulões, melhor fardados, engravatados apesar do insuportável calor, com capacete pintado de branco e com as letras maiúsculas PM, lá escarrapachadas.

Tentaram-me sarrazinar o juízo; pedem-me a identificação; implicam com os meus chinelos macaístas de enfiar entre os dedos grande e o do lado; que o bivaque em cima da mesa não estava conforme o regulamento; que os botões da camisa são para estar abotoados; enfim toda uma série de tonterias que lhes mandavam fazer ao pobre soldado que vinha do mato, mato esse que passara ao lado a estes filhos da mãe, e que portanto não conheciam, mas de que já tinham ouvido falar.

Um, o que nada dizia, (se calhar era mudo) tirara o bastão e acariciava-o gulosamente ao mesmo tempo que me olhava com um ar de cão assassino.

Eu veterano, do Vietname viera, não gostei da cena e já me preparava para lhes mostrar a Parabellum 9mm que levava no sovaquinho ensopado de suor, quando eis que surge regressado da mijinha, despenteadíssimo como sempre, com a barba por fazer desde há três anos, camisa para fora do calção e com falta dos dois botões cimeiros, eis que aparece dizia eu, o meu amigo "Cruz de Guerra de 1ª classe" e... ah putos do caraças, empalideceram, ruboresceram e só porque ele lhes disse:
- Paneleiros.... dispersem e já.

Ao que soube mais tarde, que nada lhe perguntei, estes PM's tinham ordens no sentido de não se meterem com a Marinha e particularmente com os fuzos, mas que e se o fizessem teriam de conseguir bater-lhes, ou um castigo severo os esperava.

Partiram em continência e com o jeep a mais de cento e oitenta e três à hora, não sem que antes o meu amigalhaço os tenha mandado para qualquer sítio que não percebi bem mas que estava relacionado com a tia dum deles e não me perguntem se com o gajo do cassetete se com o que me fazia perguntas, pois que foi tudo tão rápido, que nem deu para o identificar.

(continua)

OBS: - A devida vénia ao site dos Especialistas da Base Aérea 12 de onde foi retirada a foto das ostras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10933: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (22): 23.º episódio: Memórias avulsas (4): "O nosso Furié"

domingo, 13 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10933: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (22): 23.º episódio: Memórias avulsas (4): "O nosso Furié"

K3 (Saliquinhedim) > Chegada de uma operação. Em primeiro plano, Veríssimo Ferreira
Foto: Veríssimo Ferreira


1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 8 de Janeiro de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (23)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (4)

O NÔSSO FURIÉ

Chegara o correio e recebi uma desagradável notícia e, mesmo sem querer, deixei transparecer o estado d'alma com que ficara.
Repararam os 3 elementos felupes que agora faziam parte da minha Secção, em substituição de igual número de metropolitanos hospitalizados.

Um deles, o 44, nome pelo qual insistia ser chamado, vivia em Farim, numa morança colada à cidade, mas passava a maior parte do tempo no aquartelamento.
Guia e militar dos bons, tinha seis mulheres e pela última dera duas vacas leiteiras e 1.500 pesos.

Cinco trabalhavam nas hortazinhas improvisadas, ali junto ao aeroporto com quem confinavam, e a mais nova tomava conta da criançada.
A exígua produção, quer de hortaliças quer de tomates bem como de laranjas verdes, estava previamente vendida aos comerciantes libaneses da terra e com os magros pesos conseguidos adquiriam panos e alguns pequenos roncos para as crianças, 10 até então.

Eu, fora apresentado à família toda e com o tempo senti o que era ser estimado o que retribui como sabia.

Fátima se chamava a mais nova esposa e era moçoila bem formosa. Lavava a roupa do "nôsso furié" (assim me tratavam) e também a da prole, mas a confecção era do pai, estilista, que tinha uma "Singer" com a qual cosinhava lá no K3, nos momentos vagos, chegando até a fazer-me uma camisa por medida e bivaques, no que era especialista.

Ofereceu-me também um fato d'Homem Grande que uso ainda duas ou três vezes por ano para mostrar que quem manda cá na minha Tabanca sou eu, o que não seria necessário pois que sou "macho" e nem seria preciso "marcar" o terreno, digo eu mas ninguém me liga.

Visitava-os mais ou menos de 15 em 15 dias, embora com um olho no burro e outro no cigano, não fosse o diabo tecê-las, levava-lhes algumas medicinas, doces e guloseimas e em troca mimavam-me obrigando a que aceitasse laranjas, galinhas, ovos e nozes da cola.

Como descrito portanto, a relação entre aquela família e cá o rapaz era psico-socialmente do melhor e tal modo de vida foi mais tarde implementado por todas as tropas em presença.

Ainda sobre o facto das 6 mulheres, deixem que vos diga que chegado à Metrópole, tentei seguir por esse caminho mas a religião única nessa altura, não o permitia, apesar de eu ter o dinheiro e as vacas para a troca. Todavia e porque as não queria a trabalhar para mim e chulice já era uma profissão muito na moda e hoje mais ainda, acabei por ter 5 e não 6, para não faltar à verdade, e até o meu confessor não achou mal porque as não explorava e dizia-me sempre:
-Vai em paz, ajuda-as e fá-las felizes.

E eu "fízeas".

Como ia a dizer... ao verem-me arruvecido diz o 44:
- Furriel está triste... Furriel vai lá à Maria... vai qu'ela hoje espera pelo "minino".

Convém acrescentar que a Maria era uma sua cunhada, boa com'ó milho daquele com que fazem as pipocas, criada de servir numa casa importante e de quem se sabia ser uma daquelas mulheres, como se diz? - não se m'alembra nem interessa.... menos sérias pronto.

O nôsso furrié conhecia o caso, já a tentara mas ela havia respondido:
- "Só si foras tinente".

Como vêm eu distraído não andava, antes pelo contrario, (o mesmo não se pode dizer agora, que nestas questões estou meio zarolho) mas levara c'os "feet".

O meu agradecimento foi:
- O quê pá? Ah ganda malandro qu'até me fizeste esquecer, porque estava melancólico...

E lá fui com passaporte assinado e tudo, apanhar o cacilheiro.

Travesssia do Rio Cacheu em frente a Farim
Foto ©: Carlos Silva (2008). Direitos Reservados

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10903: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (21): 22.º episódio: Memórias avulsas (3): The Python Sebae

domingo, 6 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10903: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (21): 22.º episódio: Memórias avulsas (3): The Python Sebae

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) em mensagem do dia 2 de Janeiro de 2013 relata-nos um encontro imediato com uma pithon sebae, num dos dias de um dos melhores 40 meses da sua vida. E não é que nós continuamos a acreditar?!


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (22)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (3)

THE PYTHON SEBAE

Como todos sabemos, aquando da chegada das colunas que nos traziam os mantimentos e até o material de guerra, cabia às Companhias de destino, fazer a segurança das suas áreas e nos percursos de passagem das viaturas. Para tal emboscava-se e patrulhava-se a fim de que o terreno não estivesse minado e preparava-se tudo nos locais mais perversos e onde já antes tinham havido problemas, para que desta vez não se materializassem.

Naquele dia coube ao meu pelotão a preparação duma emboscada, nos "carreiros", sítio chato com'ó caraças e de passagem dos maganões, ali mais ou menos a três quilómetros do K3, na estrada que ligava a Bironque.

Estrada Mansabá-Farim. O K3 fica um pouco acima do cruzamento de Nema. Vd. carta de Farim

Incumbido fui para preparar a coisa, o que fiz naturalmente, considerando os conhecimentos antes adquiridos e treinados ao vivo e presencialmente com os "velhinhos" de Mansabá e de Bissorã.

Minucioso saiu na escrita, só que no terreno, nada seria igual pois que a rapaziada borrifava-se, não descurando contudo, as seguranças próprias e do grupo mas lá, onde era importante, as ordens emanadas pelos superiores sempre foram cumpridas com coragem e lealdade absolutas.

E foi assim, que a excursão nocturna lá partiu, organizadamente desorganizada, uns fumando para que o IN se por aí estivesse, pensasse que eram gambozinos ou pirilampos a faiscar, outros praguejando com a maldita sorte da escolha logo neste dia com tanta chuva, outros ainda maldizendo a empecilhosa lama escorregadia e as botas rotas por baixo e tudo em alta voz como convinha.

Só que esta destemida juventude já veterana e ao primeiro sinal de alerta, tornava-se num exército disciplinado, aguerrido e cumpridor e se antes pareciam putos reguilas, agora eram uns valentes combatentes, antes incapazes de fazer mal, mas depois era o "cá se fazem cá se pagam".

Chegados, indiquei-lhes os "bedroom's" a ocupar o que não seria necessário que já conheciam bem o esquema, mas pronto... gostavam de ouvir a minha palavra amiga... e aquele toque positivo da palmada no ombro.

Para mim escolhera o primeiro lugar donde esperaria que surgissem os problemas, se tudo acontecesse como anteriormente.

A noite ainda se não fizera dia, a chuva continuava mais qu'a muita, a trovoada ribombava assustadoramente, mas o solo molhado e fofo, recebeu-nos carinhosamente. Silêncio absoluto agora, olhos mais que bem abertos, dedos engatilhados e assim se passaram quase duas horas.

Já lusco-fusco, começo a ouvir e ali bem perto de mim, o ruído sereno, como o de alguém que viesse a rastejar ao meu encontro. Em alerta máximo fiquei e dei conta da situação aos camaradas do lado.

Dois ou três minutos de hiper-tensão depois, aparece-me ali a três metros, uma cabecinha a espreitar e quase disparei.

Ela olhou-me, eu olhei-a e creio que foi amor à primeira vista, pelo menos da minha parte nunca mais esqueci aquela que me enfeitiçou pra sempre.

Nisto e num saracotear e manso rastejo, ela mirou-me longamente, despediu-se tristonha e com uma lágrima ao canto do olho, que bem na vi saída daqueles formosos olhos azuis, mostrou-se-me tal como viera ao Mundo e lá foi suavemente atravessando para o outro lado.


The Python Sebae
Com a devida vénia a www.wildlife-pictures-online.com

Garanto-vos que eram pr'ái 5 ou 6 metros de belíssima cobra. E assim a "sebae" se foi.

Relembrei-a-a noutro dia em que e sem querer pisei, indo no jeep, uma qu'até me fez saltar para o chão com o dito em movimento, julgando eu estar a ser submetido a qualquer vil tiroteio ou ter atropelado alguma minazita mal intencionada, pois que o rebentamento fora idêntico.

Entretanto lá longe, começava-se a ouvir o roncar das viaturas o que significava que desta vez conseguíramos o objectivo. Então o Cmdt do pelotão que levava o rádio, mas nem usá-lo sabia, tentou o contacto:
- "Alô, alô... aqui eu... diga se me escuta... ôvo"

Trocou os verbos, pronunciou mal os tempos, mas foi útil para uma saudável risota de descontracção e a ordem veio para abandonarmos o local e recolher a penates. Como na ida, regressámos "todos ao molho e fé em Deus" e em alegre cavaqueira com a patrulha pedonal, que andara a fiscalizar no vai-vem costumado e constante.

Missão cumprida portanto, tomámos o petit-dejeuner que para quem não sabe quer dizer "o café da manhã" (PS: de vez em quando sinto esta necessidade de vos mostrar que também sou culto e daí aquelas duas palavritas em inglês).

Foi-nos dado o resto do dia para descansarmos, o que calhou mesmo bem para pôr a escrita em dia:
Saudades PAI, Saudades MÃE. Beijinhos e abraços para todos os restantes familiares e bom ano 1966.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10878: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (20): 21.º episódio: Memórias avulsas (2): Uma banhoca em Bissorã

domingo, 30 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10878: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (20): 21.º episódio: Memórias avulsas (2): Uma banhoca em Bissorã

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 29 de Dezembro de 2012:

Caros amigos editores
Aí vai mais um pedaço de lembranças. Se acharem que não se encaixa, rasguem.

Abraços para vocês amigos e Bom 2013, cheio de felicidades e saúde para nós todos e também para os nossos familiares.
Veríssimo Ferreira


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (21)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (2)

UMA BANHOCA EM BISSORÃ

Não passam sem mim? Bora lá...
Acompanhámos um pelotão dos ali residentes, ainda e também com fatiota amarela, e quase no fim da comissão.

A operação foi tremenda e ainda não percebi como findou sem que ninguém se aleijasse, pois que até no paintball acontecem acidentes. Isto do "pintarcombólinhas" é um jogo com que e também alguns matulões brincam à guerras, morrem e matam de mentira, atiram bolinhas de várias cores como o próprio nome dá a entender, assim do género: agora borro-te de verde e depois borras-me tu de vermelho. (cruzes canhoto... t'arrenego... digo eu).

"pintarcombólinhas", ou brincar às guerras

 Fiquei pensando quantos destes aperaltados com camuflado passado a ferro, não se tornariam objectores de consciência se lhes pusesse uma verdadeira canhota na mão, em vez daquela bem imitada e em plástico espingardinha de "sniper" ou quantos não desertariam se colocados perante a dolorosa realidade duma mobilização.

A dois, expus este meu pensamento e no fim fingi-me de convencido, (pois que se me acabou a pachorra para os aturar), que afinal eles é que sabem. Explicaram-me que fazem guerras no playstation e ganham e que o tempo aqui passado, nestes terrenos que deveriam ser apenas para a reprodução das lebres, lhes desenvolve o raciocínio, a coragem, a tenacidade... a resistência.

Na Guiné - A guerra a doer
Foto de © Amílcar Ventura (2006)

E lá me pus eu de novo a pensar e disse-lhes: Pois é, no meu tempo íamos para a tropa terminar a nossa formação como HOMENS. Último olhar para ver se já tinham barba, mas mirando aquelas cútis bem tratadas apenas vi que estavam cheias de cremes embelezantes, esparralhadas de cores, mas nem pelos, nem acne se topava por ali.

E mais pensei e percebi porque é que cada vez se passam menos certidões de nascimento.

Lá que senti saudades dos tempos de escola onde até as pedras e as fisgas eram a sério... lá isso senti.

******

Já me perdi... onde é qu'eu ia? "Ainda não percebi como findou, sem que ninguém se aleijasse"...era aqui.

Estivemos debaixo de intenso fogo, pr'ái mais d'uma hora e sem sabermos bem como dar a volta à critiquérrima situação. Dum lado o IN e do outro o rio que atravessáramos quase seco mas que aliado à maré, subira... subira... e a raivosa corrente parecia até querer morder.

Não havendo melhor hipótese, porque os emboscadores eram bem mais do que deviam ser, decidiu o Senhor Oficial, distinto comandante da força em presença, cavar dali em passo de corrida e tacticamente em retirada estratégica, forçando a que investíssemos contra o impetuoso aguaçal.

Um amigo Fur Mil do meu pelotão, indigitado e treinado para chefiar a Secção de metralhadoras Dreyse, que não tínhamos, pede-me ajuda para atravessar, porque não sabia nadar.

Peguei na coronha da sua G3 e aconselhei-o a que pegasse no cano e lá fomos. Quase a salvo, escorregou e foi uma carga de trabalhos para lhe deitar a mão, mas lá o coloquei em lugar seguro.

Fosse dos nervos... ou...  do que fosse, sussurrou-me:
- Já sei nadar... aprendi hoje pá..."

Fora o seu primeiro baptismo debaixo de fogo e d'água, tal como acontecera com alguns de nós, mas para ele não houve repetições devido a ter sido requisitado para a locução da Rádio em Bissau.

Prenunciando desgraças, andavam por ali na margem, dezenas de abutres, que como sabem se trata duma espécie de pardal de telhado mas muito maior e a quem chamam jagudis, passarões proibidos de apanhar (o que só soube depois de já ter aparafusado o pescoço a um), dada a profiláctica actividade que desenvolvem na limpeza de tudo o que é carne e não mexe.

Um Jagudi
Foto de © João Santiago com a devida vénia


No solo deslocam-se aos saltinhos e foi muito triste para mim não os poder caçar, dada que esta gulodice alimentar (passarinhos fritos) era e continua a ser, uma das minhas dietas preferidas.

Lá no K3 e com a pressão d'ar, muitos me passaram pelo estreito, caídos dos cajueiros que frequentavam e onde faziam os ninhos. Da cor do respectivo fruto, cabecinha verde e peitaça assaz gorda com'á dos piscos, que lá no meu burgo metropolitano apanhava com as costelas, debaixo das figueiras em Outubro, com os figuitos já meio-passados e usando o tradicional isco, as agúdias.

No quartel para que esquecêssemos o mau bocado passado, ofertaram-nos uma especial mistela, que eu já conhecia dos filmes de cow-boys mas que nunca houvera provado e tomei um trago, depois outro e outro.

Aquilo provoca habituação... ninguém me avisou e o resultado foi, que nunca mais e desde então até hoje e ainda porque foi também o xarope que me foi receitado pelo meu veterinário de família, "nunca mais e desde então até hoje..." consegui deixar o desbragado vício, sendo a dose diária feita em três tomas, ao almoço, ao jantar e... ao jantar.

Recentes pesquisas médicas, concluíram ser um produto natural, biológico e com propriedades vaso-dilatadoras e deve ser ministrado diariamente sem águas nem gelos. Responde pelo nome de Whisky, se o chamarem.

Claro que também nos homenagearam com um opíparo jantar: bifinhos de cebolada com batatinhas fritinhas e cortadinhas às rodelinhas, molhança à parte e feita de mostarda e cola e estando tão apetitoso... até repeti.

É que quando me enervo e mesmo quando não, fico com uma fomeca de todo o tamanho.

As bebidas estiveram consentâneas com a ocasião, a quantidade qb (qb significa: quanto mais melhor) e os digestivos também não estiveram mal, não senhor.

Veio depois o toque de silêncio e três horas depois fui-me à deita. Havia que descansar pois já tinha ordem de marcha para o regresso a Mansabá, pela matina, onde me aguardaria o TGV para Manhau.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10870: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (19): 20.º episódio: Memórias avulsas (1): Eu, turista em Mansabá

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10870: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (19): 20.º episódio: Memórias avulsas (1): Eu, turista em Mansabá

Guiné > Região do Oio > Mansabá > Setembro de 1965 > O fur mil Veríssimo Ferreira, CCAÇ 1442, 1965/67.

Foto: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 22 de Dezembro de 2012, com a sua primeira memória avulsa, a segunda sub-série que assim começa, integrada nos melhores 40 meses da sua vida, que nós continuamos a acreditar que foram:

Primeiro que tudo, votos de Boas Festas e desejos que sejam passadas com alegria e famílias presentes.

Aí vai uma brincadeira mais, pois que apesar de tentar, ainda não chegou a altura para enveredar por coisas sérias, embora todos os locais e ocorrências sejam verdadeiros. Contados assim vou conseguindo recordar, todavia e porque na realidade, se afastam, tais escritos daquilo que o Blogue deseja para memória futura, caberá aos amigos editores, decidirem sobre a publicação ou não.
Publicando, penso conseguir mais seis ou sete episódios mas sem prazos definidos, porque também o tempo vai rareando e o intelecto reduzido, mais não permite.

Abraços
Veríssimo Ferreira


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA (20)

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (1)

EU, TURISTA EM MANSABÁ - SETEMBRO DE 1965

Chegado da Metrópole há 10 dias e poisado que estava, confortavelmente convenhamos, no Forte da Amura em Bissau, correram comigo dali p'ra fora e a fim de não me sentir só, acompanhou-me também a Companhia 1422.

Parámos para almoçar numa adega típica em Mansoa e o repasto ...o recheio das latas da ração de combate.

Lá seguimos depois lenta e vagarosamente, admirando a paisagem circundante à estrada enlameada e esburacada, e também porque ali deveria ser, ao que pensei então, a carreira de tiro da auto-metralhadora Daimler, que seguindo à frente da coluna, se ia exercitando fazendo intermitentes disparos para a floresta.

Até que... e quando já perto daquela que reconheci mais tarde, ser uma bela terra para o turismo rural, conhecida por Mansabá City, deparámos com uma ponte, ou melhor, com o que dela restava, já que agora tinha apenas o rio e um pilar em cada margem. A destruição do restante havia sido há pouco e nós, assarapantados e inexperientes tivemos que puxar pela moleirinha para resolver o caso.

Fumegando ao lado, estava uma serração parcialmente a arder, onde requisitámos umas grossas tábuas, e lá se desenrascou a coisa, pese embora a pressão duma emboscada com que entretanto nos começaram a brindar.

Repelida foi, com o apoio dos aquartelados donos do local, que e ao ouvirem o tiroteio e sabendo que estávamos para chegar, apareceram e lá nos safaram do aperto.

Não gostei, lá isso não, da maneira como nos olhavam. É que nós íamos e eram os primeiros aprumados militares, que viam com a última moda das passerelles de então, ou seja de camuflado (blusão, camisa, calça e capacete na cabeça evidentemente) e eles de caqui amarelo e sujo, calções rotos e camisa com buracos, uns com bivaque enfiado no local onde se deviam usar as divisas, outros sem camisa nem bivaque, enfim uma autêntica rebeldaria do caraças.

A razão do seu espanto, olhando-nos, era pois por via dos nossos paramentos coloridos, onde sobressaía o verde asseportingado, resultando saí que me chamaram "periquito" o que me enervou bastante e só não dei, logo ali, início a uma sinfónica luta urbana e com muita pancadaria à mistura, porque entretanto me apareceu um velho amigo lá do meu povo (por acaso eu até lhe tinha namorado uma prima, à data ela com 13 e eu 14 anos) o Manel de Mora, com quem ainda hoje convivo na almoçaral reunião anual dos Combatentes na Guiné, nascidos e criados na Ponte de Sôr.

Depois já no hotel, bebemos uns púcaros, mostrou-me as instalações e o SPA, os canhões e o WC e até o campo de futebol no meio do aeroporto e riu-se quando lhe perguntei se aqueles buracos com escadas para baixo eram as entradas do "Metro", mas não..., respondeu: "são os abrigos pá".

Recordámos a santa terrinha... as miúdas que nos esperavam ansiosamente... deu-me uma das suas fardas velhas que usei vaidosamente logo no jantar e o menu dessa noite ali no rancho geral, foi a delícia duma massa de cotovelo com uma espécie de carne rija que nem cornos e só possível d'esmoer se bem regada com tinto... mais tinto e ainda tinto.

A esta heróica Companhia "OS ÁGUIAS NEGRAS", faltava apenas um mês para que regressassem a casa e o contentamento pela nossa presença, para que os substituíssemos, era bem visível, ao mesmo tempo que nalgumas, duras e repletas de sofrimento, faces se notasse contudo o sentimento de não saber ainda se "quero ou não partir".

O seu combate era agora: mostrar-nos as zonas limítrofes das quezílias; apresentarem-nos aos antagonistas e indicarem-nos como lhes tratar da saúde e sobreviver.

Tudo indicava pois, que seria a minha CCAÇ a assentar arraiais por ali e pacificar as hostes e eu até já sabia manobrar e bojardar com aquela espécie de canhangulo mas muito maior e que tinha duas rodas de pneu, enormes com'ás dos tractores e a que chamavam "O Obus". Só que não...

Quando já tínhamos como nossos, os bens doados incluindo o bar e seus bojudos garrafões cheios com 14 litros, os Whisky's, coca-colas, águas tónicas e gin's, cervejolas e afins... eis que chegam novas ordens e foi a 1421* a ficar na posse de tudo isso (tudo não... que metade mandei eclipsar) e mais das freguesias suburbanas.

E para não destoar da vestimenta que eles também usavam, voltei a vestir o camuflado "made in Legião Estrangeira", comprado na Feira da Ladra, em vez de no Casão Militar, onde custava o dobro dos escudos. Era bestial... bolsos por todo o lado... éclair's que fechavam mesmo e à prova daquela desalmada chuva.

Três ou 4 dias depois, convidam o meu pelotão a visitar Bissorã, terra de boas castas como comprovei nos dois dias em que me deixaram por ali estar, após o que me requisitam, pedindo atenciosamente, que vá provar a colheita do ano em Manhau.

Tanta mudança de código postal, começava a chatear-me e disso fiz menção a quem de direito.

Surgida que foi, a absoluta necessidade da existência em permanência, dum experimentado atirador enólogo de Infantaria com G3, sou então destacado e apenas com a minha Secção, para a Cooperativa do Pelundo.

Instalados ficámos na Tabanca, em casa do Ti Vicente, o Homem Grande, que muito bem nos tratou, obsequiando-nos com tudo o que de melhor tinha... "ele" foram galinhas... fracas... mé-més... porcos e vacas e nem sequer nos faltaram os... líquidos com ou sem álcool... com ou sem gás.

Ali conheci as famosas lavadeiras, que tudo lavavam e engomavam por apenas 30 pesos e se lhes dispensássemos o quinino das 5ªs feiras, elas até nos deixavam assistir... o que era porreiro mesmo pá... já que ver aquela "mama firme" a ir... a vir... a ir... a vir, era lindo... estimulante e fazia-me cá umas cuscusrrilhas que nem vos digo nem vos conto.

Eram jovens bonitas, que respeitei feito parvo e que me respeitaram infelizmente.

Mas eu seria lá capaz de trair a minha Caderneta Militar? qu'a páginas 14 e 15 diz isto: (quando leio até me comovo, pois embora não pareça, sou muito sensível) Diz isto, repito: "Nos termos do artigo 187 do R.D.M." PRIMEIRA CLASSE DE COMPORTAMENTO


Neste recorte da Carta da Província da Guiné (1961) vemos a RTO (Região de Turismo do Oio) com o seu principal empreendimento, o Morés SPA. Podemos ver ainda os diversos percursos turísticos tão do agrado da juventude dos anos sessenta e setenta.

(continua)
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Notas de CV:

- Legenda do recorte da carta publicada da responsabilidade do editor

- A CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 substituiu em 15AGO65, em Mansabá, a CART 644/BART 645 - "Águias Negras"

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10776: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (18): 19.º episódio: Viva a peluda

domingo, 9 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10776: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (18): 19.º episódio: Viva a peluda

1. Em mensagem do dia 5 de Dezembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos o último episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

19º e último episódio:
A morte do meu Comandante,  
A minha, quase, ida para os Comandos e
Viva a peluda!!!

Aquartelamento do K3 e Rio Cacheu. Vd. Carta de Farim
Foto © de Carlos Silva (2008). Direitos reservados


12 de Junho de 1966
Aconteceu o impensável, embora a morte nos tivesse já levado em 17 de Maio último um camarada FURRIEL MILICIANO e também com a traição duma mina.
Digo impensável, por ter sido ali naquele sítio. A vítima desta vez foi o nosso CAPITÃO, Comandante da Companhia.

E eu estava lá... e eu vi como foi.

O seu jeep e o meu unimog cruzar-se-iam dentro de segundos.

A mina fora preparada, disso continuo convencido, para ser detonada à distância e só mesmo quando da sua passagem, o que até nem era habitual.
Deslocava-se portanto, nesse dia e àquela hora, a título excepcional.

Já passáramos por ali mais de vinte vezes, a estrada fora picada aquando da primeira passagem e depois, de cinco em cinco minutos, voltávamos a fazer o mesmo trajecto com ida e volta, ora levando a água trazida de Farim, ora regressando para nova recolha e a área circundante tinha vasta visibilidade e estava capinada e para além disso tínhamos patrulhas a pé e em constante movimento de vai-vem, vigiando os três quilómetros que separavam o aquartelamento do rio.

Não faltou ou faltava portanto a segurança e para mim tratou-se dum atentado traiçoeiro, bem preparado e conseguido pelo IN. Perdi ali uma grande amizade e um amigo inesquecível.

Decidi então, oferecer-me para a 3ª de Comandos, a ser constituída em Brá e apenas para militares já com alguma experiência de mato.
Colaborei assim com o pedido feito para que fossem dispensados até dois elementos voluntários de cada Unidade Operacional.

Feitas as provas de admissão, aguardei a respectiva integração que já me tinha sido confirmada.

Chega entretanto a Bissau, uma verdadeira 3ª CComandos, treinada e preparada na Metrópole e sou dispensado com ordem de marcha para regressar ao meu velhinho K3. Colocado fui na CCS/QG a aguardar transporte. Pedem-me para ajudar administrativamente a Secção de Funerais e Registo de Sepulturas e logo após, dado ter terminado a comissão de serviço da chefia, é-me "oferecida" essa mesma chefia. "Aceitei"... cumpri... modifiquei e melhorei algumas coisas, apresentei propostas para alterar procedimentos, e as aceites, postas de imediato em prática resultaram em pleno.

Até que um dia... um tal de Uíge convida-me a vir com ele. Lisboa engalanou-se para me receber e ali debaixo da ponte e com o cais de desembarque à vista, juntei-me ao enorme coro que ali já deixara a sua voz e também cantei num grito:  
- VIVA A PELUDA.

E hoje quem por ali passa porque o eco ainda se houve desde a foz à nascente do Tejo, tem que saber que esta canção foi entoada por centenas de milhares de COMBATENTES, e que o fizeram em grande momento de felicidade.

E se repararem bem, ouvir-me-ão ali também.

Veríssimo Ferreira
ex-Fur Mil
CCAÇ 1422

 Veríssimo Ferreira, Mansabá, 1965
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Nota de CV:

Vd. últimos postes da série de:

11 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10652: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (10): 11.º episódio: Momentos de puro e são divertimento

14 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10668: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (11): 12.º episódio: Uma experiência como Vagomestre

18 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

22 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10705: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (13): 14.º episódio: A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3

25 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10724: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (14): 15.º episódio: Hora de voltar ao palco da guerra

28 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10736: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (15): 16.º episódio: Alô K3

2 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10750: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (16): 17.º episódio: O mistério das luzinhas do K3
e
5 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10762: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (17): 18.º episódio: Emboscando a morte

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10762: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (17): 18.º episódio: Emboscando a morte

O triunfo da morte, de Pieter Brueghel o Velho, (1562)


1. Em mensagem do dia 1 de Dezembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos o décimo oitavo episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

18º episódio: Emboscando a morte

Certo dia preparei-me para aprisionar uma presença indesejável que todos sabíamos por ali andar. Pretensamente fantasmagórica mas que não nos assustava, a sua missão era a de arrebanhar gananciosamente, algum menos cauteloso e desprotegido.

Muitos de nós já com ela tinham convivido, bem como eu próprio, até que um dia e por via da tão ansiosa e sôfrega procura, "mostrou-se".
Ao fazê-lo, caiu na emboscada que lhe preparei, após um pensado e melhor elaborado plano de captura, abaixo descrito.

Algemada aí estava pi-ursa, ameaçando, gesticulando, implorando.

De estatura mediana, pr'aí um metro e setenta de altura, viseira verde, fato anti-bala, esgrimia com a mão direita um tridente, que é uma espécie de forquilha, mas só com três dentes.

Vinha do lado de lá atacante, decidida a despachar-se rápido, e pensando decerto que seria canja o cumprir do objectivo a que se propunha, mas eu, esperto e atento e de fato branco de anjinho e Judas, (cá está o plano) finquei os pés no chão vermelho, deixei-a aprochegar, empunhei a canhota ao mesmo tempo que inocentemente, mas com ares teatrais, lhe gritei:
- Rende-te morte... ou desfaço-te". ( E fá-lo-ia... se a não partisse em quatro, pelo menos abri-la-ia d'alto a baixo)

Solicitada que estava a ser a minha presença, ateia-a a um cajueiro, vesti de novo o camuflado e ainda cheguei a tempo de ajudar o 44, felupe de nascimento e que na altura se esforçava para introduzir duas granadas na bazooca, pois que ao que me disse acabaríamos mais depressa com a peleja, dada ser hora para o jantar.

Repelida que foi mais esta flagelação, fui interrogá-la. Havia mudado de visual e agora estava bem mais atraente, fazendo-me crer ter-se transformado na BB. Confessou-me que não fugira porque não quisera, e que estava apaixonada por mim. Aguardara-me pois pretendia que fosse com ela. Disse-me que se poderia mudar para a forma que eu quisesse e aí tremeliquei e estive quase a pedir-lhe para ser aquela professora que quase tudo me ensinou na faculdade da vida e cujas aulas frequentei desde os 14 anos, uma vez por semana, ao sábado.

E não foram mais os leccionamentos, pois que dez escudos... eram uma pipa de massa. Ainda hoje considero uma lástima terem acabado com essas Universidades (em 1964? 1965?) dado que aprendíamos mesmo e as "meninas" não eram tão despidas de pêlo como as d'hoje, que se depilam... depilam e ficam tão sem jeito.

Voltando à prisioneira: sendo inimiga e estando sob o meu jugo, não lhe dei quaisquer abébias embora estivesse mesmo sedento de vingança e com um rancor inimaginável.

A novidade foi-se divulgando, provavelmente devido a fugas de informação, ou não, porque a operação fora considerada secreta e logo se foram vindo alguns outros camarigos que mesmo explicando-lhes antes, quem era a terrífica personagem não deixaram de a vir espiolhar.

E saíam insinuando que cá o JE, estaria de "cabeça grande" mas que, e como de costume, mantinha o proveito de sempre bem acompanhado.

Lá por altas horas da noite, deixei que fugisse, não sem que antes me garantisse que só me voltaria a contactar lá para 2049 e eu, em contrapartida e por exigência dela, terei , se o conseguir à época, e em conjunto, "partir qualquer coisa".

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10750: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (16): 17.º episódio: O mistério das luzinhas do K3

domingo, 2 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10750: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (16): 17.º episódio: O mistério das luzinhas do K3

1. Em mensagem do dia 29 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida, que segundo o nosso camarada se aproxima do fim. Infelizmente, dizemos nós.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

17º episódio - O mistério das luzinhas do K3

O nosso falhado historiador, referiu-se no 8º episódio, aos adversários como recrutas e no 16.º descreveu o facto de que já sabem destruir os holofotes do K3, o que demonstra que passaram para a especialidade de atiradores contra luzinhas. Perante essa evidência, decidiu apresentar a solução para que se acabasse de vez com esta guerra e assim sendo, não seriam precisos mais soldados, (a maioria retirados às terras que amanhavam para o seu sustento e dos seus familiares) soldados estes que se tornaram mártires ou heróis no cumprimento dum dever que lhes era imposto e que ainda hoje continuam tão desprezados como se "tinha" tivessem ou tenham.

A ideia genial surgira analisados alguns pequenos pormenores mas considerando que com tiros ninguém da sua CCAÇ 1422 sofrera, embora todos tivessem estado expostos em diversos "embrulhanços", mas tais tiros afinal acertavam apenas em holofotes, como se provava.

Daí que a solução proposta fosse a de que se instalassem velas, almentolias, faróis, farolins, lâmpadas de 60W, lamparinas e enfim... toda a panóplia qu'anuncia o Natal e que as colocassem nos matos, considerando que as iluminações perturbavam o IN e só a elas atiravam, como estava provado.

Tão simples quanto isso e eu diria mesmo revolucionário prá época, mas na verdade, passados que estão 47 anos, nem ele nem ninguém, recebeu qualquer resposta, constando ter apenas chegado uma mensagem confidencial, codificada e encriptada, mas que não foi possível descortinar porque o cabo cripto estava hospitalizado devido a um feroz ataque de matacanhas nos pézinhos.

Sabe-se, que indecifrável, dizia apenas: "INTERNE-SE ESTE GAJO NO JÚLIO DE MATOS".
Mas que existiam estranhices em vários procedimentos, lá isso era uma realidade. Deixem que lhes mostre três exemplos:
- Nenhum graduado podia sair para operações no mato, usando divisas ou galões;
- Óculos igualmente proibidos;
- Não usar o próprio nome.

Para o prestigiado e não menos culto escrevinhador, Senhor du Veryssimo, as coisas não ficariam sem serem questionadas e perguntou do porquê de tão insólitas situações, canhestras contra a liberdade de acção de cada qual.

Foi-lhe dito:
1º (divisas e galões). Eles os "mau-maus", têm ordens para atirar primeiro aos mandantes, pois que tropa sem chefia, desorganiza-se e torna-se presa fácil;
2º (óculos) Quem os usa, tem a vista cansada, o que significa que leram e estudaram... portanto ou são furriéis ou oficiais, logo alvos a abater;
3º (nome) Não sendo possível identificar pelo que atrás foi dito, talvez se consiga fazê-lo chamando pelo próprio nome, como por ex: "Oh Fulano!" e conhecedores que este é o Cmdt da Secção de metralhadoras, lixam-no se responder.

Tinha lógica... e considerando que a ordem era para cumprir aconselhei-o a rebaptizar-se e propus-me apadrinhá-lo, o que veio a acontecer. Em vez d'agua benta na tola, vertemos uma garrafa de Johnnie Walker pela goela e foi assim que às 2ªs e 3ªs, passou a ser Gaspar; às 4ªs e 5ªs, Melchior; às 6ªs e Sáb, Baltasar e no dia seguinte por ser dia do solilóquio científico préviamente contratado e já descrito no final do episódio anterior ele pede para ser CHAMEMMEOQUEQUISEREM, mas pelo menos ao Domingo, deixem-me ser o menos infeliz possível.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10736: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (15): 16.º episódio: Alô K3

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10736: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (15): 16.º episódio: Alô K3

1. Em mensagem do dia 25 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

16.º episódio - Alô K3

Oficiais, Sargentos, Praças e tudo: Apresenta-se o Senhor Furriel Miliciano, que "desertou" daqui há 35 dias, para ir a Bissau tirar a carta de condução de veículos ligeiros, pesados e motos, e que acabou por andar a engonhar no bem-bom da Metrópole, devido a causas e artes mágicas. - Trago, para paparmos juntos, uns chóriços lá do porco dum meu parente, bem como uns paínhos do lombo do mesmo animal.

Nisto ouve-se uma voz vinda lá do fundo:
- Calha bem qu'o lume está aceso.

Era dum dos homens da minha Secção, experimentado nos temperos com que besuntava as distraídas cabras do mato que últimamente, e por vezes, se deixavam apanhar por ali e que melhor ainda, untava os pombos verdes que derribava com a pressão d'ar. Outros foram chegando para me dar as boas-vindas, atraídos que foram, pelo agradável cheirinho do grelhado e assim se consumiram os vinte quilos do bom enchido de fumeiro e dois garrafões de catorze litros do tinto ali estacionado para consumo interno, para além das bastas cervejolas das grandes. O Vat 69, veio logo após.

Pela matina, ergui-me ainda lusco-fusco e fui prestar vassalagem ao aquartelamento e mirar as novidades:

A cozinha estava já com as paredes, embora não muito alinhadas, e na parte virada para o exterior, havia sido construída um muro, um metro para fora, que seria cheio com terra, a fim de resistir às investidas do espingardum inimigo. Faltava só o tecto e fui para tal convidado a contribuir com cibes, para que se tapasse, o que farei já a partir de amanhã.

Também tínhamos agora, um gerador para fornecer luz a quatro potentes holofotes, colocados um a cada canto do recinto, luz essa que só seria ligada quando das visitas habituais nocturnas. A ideia era proporcionar aos manganões, uma melhor visão aquando da fuga rápida que costumavam iniciar logo que os cumprimentávamos de acordo com as mais elementares regras da boa educação. Dentro ainda daquele espírito religioso que nos animava, queríamos que não tropeçassem no escuro e, que se não aleijassem ou partissem alguma perna, coitados...

O agradecimento pela bondeza do acto (fazer bem sem olhar a quem) foi que, e sempre que acendíamos os tais, eles, quais bestas quadradas, destruíam-nos o que nos levava a pensar: "ingratos do caraças".

Além, junto à via rápida para Mansabá, perto da porta d'armas, fora criado um mini-zoo e construído um tanque onde boiava um metro de crocodilo, que fazia a alegria da rapaziada e também eu colaborei com alguns restos do leite condensado matinal, que comia às colheres, em vez do misturar com água, coisa que ainda hoje pouco consumo porque líquido sensaborão e com cheiro a lixívia. Uso apenas para lavagens.

Ao lado, fizera-se uma horta onde despontavam alfaces, couves e cenouras. Os resultados finais foram negativos, porque e a meu ver, especialista que fui em nabos e na produção de tomates, o terreno era ensopado pelas águas do Cacheu e estas traziam resquícios de sal marinho.

À volta do hotel e para lá das redes do arame farpado, a área capinada fora aumentada e as vistas estavam soberbas. Pena que os passeios a rodear as suites, continuavam feitos lamaçal e mais ainda agora, graças à bendita chuva de quentes águas, própria da época iniciada e que durará até lá para Oitembro, mas que me permitirá tomar grandes banhos ao ar livre, comungando com a natureza e utilizando o Lifebuoy que ainda uso, salvo um dia antes de ir ao barbeiro, pois que ele costumava dizer-me:
- A sua cabeça cheira a cão.

E pronto, despeço-me até "ao meu regresso".

Vou apanhar o trem das onze para Farim, onde e antes d'almoço, me espera um solilóquio científico, já contratado e cujo tema é: "CONVERSA GIRO"

 
K3 (Saliquinhedim), Junho de 1966 > Veríssimo Ferreira e o Cripto Rui
Foto: © Veríssimo Ferreira. (Direitos reservados)

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10724: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (14): 15.º episódio: Hora de voltar ao palco da guerra

domingo, 25 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10724: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (14): 15.º episódio: Hora de voltar ao palco da guerra

1. Em mensagem do dia 22 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

15.º episódio - Hora de voltar ao palco da guerra

E quando já me estava a adaptar àquela indolência pacífica civil, tive que partir e fi-lo cheio de "caguincha", pois que um homem "adormecer" numa luta, vá que não vá, é sadia a forma de o fazer, se honrosa, mas "ficar-se" sem mais nem ontem, só porque a jigajoga, resolve cair... é chato.

Parti pois num Caravelle que apesar de tudo era bem mais confortável que o Skymaster, cujas poltronas eram uma lona estendida ao comprido. Essa coisa do terror que me invadia quando andava nestas invenções que andam lá pelos ares, permanece e sem ser nos helicópteros lá da tropa, nunca mais me apeteceu voar. Aliás mesmo em qualquer veículo, seja ele o já citado passarão, seja até num veículo de tracção às duas rodas e puxado quer seja por um mular, asinino ou cavalar, seja enfim em qualquer outro, salvo se for eu a pilotar, não me sinto descansado.

Recordo até que quando ia com o meu sogro, taberneiro lá nos Fóros do Mocho-Montargil, quando íamos repito, buscar uns barris de 50 litros, na carroça e a Cabeção, terra onde continua a haver o melhor tinto do Mundo, tinha que ser eu a conduzir senão não ía. O trajecto era porreiro, por ali pelos meios do mato sem estradas, caminhos esburacados, mas a questão é que não havia outra forma. Curiosamente no regresso não se dava por nada e sempre pensei se não seria a mula que bebera o que não devia.

Mais tarde e com o primeiro bólide que comprei em 1970, um Mini-Morris, a coisa melhorou qu'até alcatrão já se via aqui e ali e trazíamos dois barris em cada viagem. Uma vez, conseguimos meter um lá atrás, mas para o tirar foi uma carga dos trabalhos e só foi possível desaparafusando o banco da frente pois que o teimoso, entrar entrou, sair não queria. Para encher um, demoravam-se cinco horas. O néctar saía por uma palhinha colocada no fundo da talha de barro, escorripichava lentamente após ser purificado ao passar pela "mãe" depositada no fundo e era tão lindo... tão puro... tão divinal... que mais apetecia a gente afogar-se mesmo ali.

O processo era realmente moroso, só que como já o sabíamos, levávamos umas farinheiras para assar, umas cacholeiras idem aspas, uns pastelitos de bacalhau, uns coelhitos, um ou dois ouriços e azeitonas... enfim todas as velhacas habilidades para uma consentânea noite bem passada, observada que era a obrigação de ir provando aquela maravilha tinta, feita, por quem sabe, com carinho. E dava cá uma pedalada !!!  Os bons apreciadores sabem do que estou a falar.

Ora bem... pus-me pr'áqui a divagar e até me olvidei ao que vinha. Recapitulo: Portanto, horas de voltar... voltei. O avião cheio de gentes ansiosas quanto eu. Umas para visitar os familiares militares, outros como eu, regressávamos ao paraíso, após as merecidas férias, decerto.

Chegado a Bissau, tive a sorte de ter uma vaga para daí a duas horas, destino Farim. Tratava-se duma avioneta que fazia carreira e que levava seis a oito pessoas, mais as cabras e galinhas que houvesse, bem como qualquer e toda a carga que se quisesse.

Pelo aspecto não via motivo para recear viajar naquilo, pois bem se via que era bem tratado e oleado. Uma das asas tinha sido recentemente consertada que bem se notava estar atada com arames, por baixo do motor pingava o Castrol e o interior estava impecávelmente sujo e com restos dos galináceos e de caprinos e dejectos de porcos, ao que me pareceu.

Também... por trezentos e cinquentas querias o quê ?

Ala que se faz tarde, alevantou...

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10705: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (13): 14.º episódio: A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10705: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (13): 14.º episódio: A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3


 Guiné > Bissau > Passeio junto ao cais > s/d



Ponte Sor, 1960> Veríssimo Ferreira (à esquerda, de pé) com Zé Luis Veigas, Anibal (?) e Luís Bonito em Ponte de Sor, Portalegre.


Fotos do álbum da página do Facebook do Veríssimo Ferreira, Loures (Com a devida vénia...)



1. Em mensagem do dia 19 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio dos melhores 40 meses da sua vida.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

14º episódio - A estranha ausência da guerra e dos camaradas do K3

Se houve festa lá em casa? Claro... porque primeiro foi a surpresa... depois a alegria... depois todas as emoções e algumas lágrimas não contidas fizeram-na ainda melhor e da rija.

Assaram-se uns barbos apanhados no rio Sôr ali ao lado, com rede e à socapa, que a época era no defeso... prepararam-se,  da capoeira, umas galinhas de fricassé... outras suaram ao lume de brasas de azinheira, mais uns coelhitos à verdadeira caçadora... e com a presença de alguns convidados, aqueles que iam perguntando por mim, lá deitámos abaixo aquela fartura toda e nem o Senhor Prior faltou, qu'até me ofereceu uma medalha, afiançando-me a pés juntos, ter rezado por mim. Convenceu-me e de tal forma que esqueci o caso dos cinco tostões que me obrigou a pagar, aquando da disputa duma ping-pongada que lhe ganhei lá na JOC. Lembro-me, que na época fiquei tão ou mais danado do que um raivoso canino. Porém e dada a circunstância do acto e porque sou (ou era?) bom, não quis ficar atrás de quem até perdoou à Madalena e pois claro... perdoei.

Mas sim... estiveram comigo grandes e verdadeiras amizades, que não me fizeram esquecer, contudo, aqueles amigalhaços que lá no KAPA 3, estariam decerto a sofrer, quando mereciam acamaradar neste convívio e com este manjar digno DELES.

No dia seguinte, passeando, dei por mim a gritar em surdina:

Ena tanta bajuda branca! E até falam com'a mim! E será que são lavadeiras? E será qu'até lavam roupa? Pôssaras... apenas um ano passado e já nem m'alembrava qu'aqui as mágoas da alma são lavadas no rio e já me esquecera também, que haviam mulheres brancas, manga delas mesmo... e tão boas... e tantas... ai eu, ai eu, AI EU, ponto final parágrafo, modera-te... acalma-te... domina-te que já não és nenhum cachopo, mas sim um homem com 23 anos.

Fiquei com os olhos em bico... estrábico qb... gago senão mudo... mas também o que fazer, sendo tão abraçado, tão apaparicado por tanta gente que m'amava? Numa noite ou outra acordaram-me e diziam-me:
- Esquece a Guiné... agora estás em casa... descansa... gritaste - aí vêm eles!.

E foi assim o dia a dia até que começou a ficar próximo o ansiado regresso ao local onde eu queria estar, ali mesmo onde conheci a alegria de acordar vivo, ali onde aprendi a arte de receber ou dar sem nada ter que dar ou receber, bastava estar, ali onde éramos cento e cinquenta irmãos, partilhando o bom ou sofrendo com milhares de primos a quererem saber de nós e nós deles.

Antevi a minha volta aqui à vida civil e de novo daqui a dez meses e perguntei-me:

Como e de que forma vou conseguir integrar-me nesta pasmaceira tão boa? Neste doce nada acontecer? Amarrado a horários, com o mesmo café e bagaço à mesma hora? Os mesmos encontros nos mesmos sítios? O mesmo cinema nos mesmos dias? Os bailes com os mesmos pares? Sim como serei capaz, se aqui as maiores dificuldades que tenho são o nó da gravata e o engraxar os sapatos?
Como viver sem os amigos da minha 1422? E o dia sem planos, mas com as amizades destes meus de agora? Como viver sem aquela desbragada linguagem da caserna? Sem as memórias dos ausentes, presentes? Como viver sem ter que decidir quando o perigo surge? Sem o ruído das hélices dos helicópteros que já deviam ter chegado antes? Como viver sem ouvir os T6 lá no alto? Sem as avionetas do correio?

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

domingo, 18 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10691: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (12): 13.º episódio: Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida. E nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

13º episódio - Como 5 dias de licença em Bissau se transformaram em 30 na Metrópole

Entrementes em inícios de Maio, é-me concedida uma licença de 5 dias a fim de "tirar a carta de condução" em Bissau.

Consegui uma boleia numa coluna que nos havia reabastecido e mesmo sentado cá fora na Daimler, uma auto-metralhadora, também conhecida por "Piolho", que seguia sempre à frente disparando tiros de reconhecimento para os locais de habituais barafundas, cheguei inteiro, pois nada se passou, nem minas nem emboscadas aconteceram.

Chegado que fui às duas da tarde, almocei na Pensão onde me hospedei ali perto do Liceu e fui dormir qual sono dos justos fosse.

Jantado um bruto bife com molhança picante e bem acompanhado por um tinto de garrafa rotulada (vejam bem o luxo...) mais sobremesa, whisky 3 socos 12 anos, e ainda outro a seguir... enfim tudo o que os "pesos" podiam pagar, fui dar um passeio pela cidade para esmoer.

Ali no largo onde se situava o Palácio do Governador e numa esquina da rua que vai para o Hospital e segue para Brá e por aí fora, parei no Café Portugal para novo mata-bicho e dou de caras com um amigo do meu "povo", piloto das FAP. Abraços para cá e para lá, conversámos sobre isto e mais aquilo, e dispôs-se a levar notícias e saudades minhas, à família, o que agradeci. Só que às tantas diz:
- Oh pá porque não vens connosco que t'arranjo um lugar no Skymaster? Partimos depois de amanhã.
- Ai qu'este gajo está tonto... pensei, mas a ideia começou a toldar-me o espírito... a fervilhar-me no bestunto... cada vez mais e mais... eu já ria alarvamente... eu sei lá... eu estava a ficar meio possesso... e disse:
-Porque não? Que terei de fazer? Como resolver isto? Será que? OU SERÁ QUE?

Por sorte e por pesquisas encetadas por nós dois, soubémos que o meu Comandante de Batalhão, chegara de Catió e estava por acaso e felicidade minha no QG, que nem longe dali era. E fomos lá e consegui contactá-lo e prometeu assinar tudo a autorizar se "o teu Comandante de Companhia nada tiver contra". Contacta-o ele que me ligue e amanhã à tarde, passa por cá.

Aqui meto outro amigo ao barulho, fuzileiro medalhado já d'Angola e o que sei é que através dele a ligação através dos rádios militares foi conseguida e na tarde seguinte, lá estava eu de novo, cheio de continências e esperanças... e lá recebi os papéis... passaportes... vacinas e mais ainda, com os votos de Boa Viagem e "goza rapaz" mas volta daqui a 30 dias e fica sabendo "estás bem visto pelo teu Capitão".

INCRÍVEL mas verdadeiro e no outro dia, ao nascer daquele bonito sol, levantámos voo e em boa verdade só me convenci que não sonhava quando parámos nas Canárias, devido a avaria num dos motores do avião o que e como soube só 30 anos depois, era hábito acontecer.

Foram 4 dias magníficos que ali passei, comprei uma Canom, um gravador e um rádio portátil da Sonny e hospedado estive como convidado e à borla nas instalações militares espanholas do aeroporto, até que e reparada a coisa, nos fizemos rumo a Portugal e era já noite quando chegámos, tendo apenas como único transporte para sair dali, rumo à santa terrinha um tal de combóio correio que demorou 8 horas a chegar em vez das duas e meia habituais.

Entontecido ainda pelas aventuras estranhas que me estavam a acontecer, deu para pensar e ainda hoje o faço, nesta frase maravilhosa que alguém escreveu quando me conheceu: "TODOS OS MALANDROS TÊM SORTE"

 (continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10668: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (11): 12.º episódio: Uma experiência como Vagomestre

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10668: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (11): 12.º episódio: Uma experiência como Vagomestre

1. Em mensagem do dia 11 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida. E nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

12.º episódio - Uma experiência como Vagomestre

Em Abril de 66, julgo eu, e porque o vagomestre iria a Bissau, para consultas médicas, foi-me ordenada colaboração, (conhecida que era a minha fama por muito comer e melhor beber), no sentido de criar outras e melhores alimentações a fornecer aos 150 elementos que constituíam a Companhia, o que não se me afigurava fácil, dada a dificuldade de aquisição da matéria-prima e da diversidade de gostos, quer dos elementos brancos, quer dos colaboradores futas, futa-fulas e felupes.

Aceitei o desafio e com a tesouraria disponível fez-se.

Para já o menu habitual (a tal dobrada) passaria só a ser disponibilizada 5 dias por semana, porque ao Sábado propus-me apresentar um prato novo e fiz o que ficou conhecido por "varrasco à K3". E ao Domingo, "restos à Brás", aliás, prato baseado no bacalhau à dito, só que não havendo este, aproveitava os sobejos do dia anterior, desossavam-se, misturava umas batatitas finas, mais uns ovos e enfim... comia-se e que me lembre nunca sobrou.

A questão principal, punha-se mais, em como e onde arranjar porcos para tanta gente, o que entretanto se resolveu com a preciosa ajuda do condutor do jeep que me acompanhou às compras em Farim. Ele tinha uma lábia fora de série, até falava (inventava) quaisquer dos dialectos, ele até era palhaço de circo na vida civil e facilmente convencia o povo das tabancas dali dos arredores.

Nem sempre, foi assim tão elementar mas lá dava a volta. Na primeira semana tudo correu bem e com 50 pesos comprava um bísaro, mas logo na segunda pôs-se a questão dos inflaccionados preços que nos exigiam. É que aumentaram o produto para o dobro o que significava que, ou passaríamos a comer metade ou voltaríamos à feijoca.

Por proposta que aceitei, foi-me dito claramente:
- Meu furriel, deixe o assunto comigo, hoje faço as compras sozinho, vá cumprimentar os amigos que eu resolvo a dificuldade e vai ver que não nos faltarão provisões porcinas, durante mais uns tempos. Tenho influências aqui na população e resolverei isto a nosso contento, não gastando mais e recebendo a mesma quantidade.

Lá foi... e lá voltou e trouxe a mercadoria em causa e durante mais duas semanas nada faltou, mas o entretanto regressado chefe de cozinha, teve que ir e para manter tão saborosos pitéus teve que ir, dizia eu, até Jumbembem se quis manter o nível acepipalhado de fim de semana, estudado e posto em prática, cá pelo rapaz. Claro que, mais tarde procurei saber como fora possível que o camarada condutor tenha dado a volta aos vendedores e questionei-o. Recusou-se ao princípio mas lá acabou por me revelar a arte posta na negociação e que ele bem sabia que aquisições, como e da forma que as fez, não teriam a minha concordância e daí ter-me procurado manter afastado.

- Então foi assim, confessou: - O que aconteceu é que antes das mercas efectuadas, dei umas voltas, fiz umas manobras de risco, como se em rally andasse, dei umas trancadas, passei por cima dum e ficou-se logo, parti as pernas aos outros dois, de forma que e quando me pediram 100, eu lhes tenha dito: - É pá 100, se estivesse vivo pagava, mas assim já morto e aleijado só dou 50.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10652: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (10): 11.º episódio: Momentos de puro e são divertimento

domingo, 11 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10652: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (10): 11.º episódio: Momentos de puro e são divertimento

1. Em mensagem do dia 8 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida. E nós continuamos a acreditar.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

11.º episódio - Momentos de puro e são divertimento

Mas... também tínhamos momentos de puro e são divertimento, pois então. Construíramos para tal, um antro de prazer, num dos paióis anexos ao condomínio e para onde nos deslocávamos andando de gatas. Eram dois, a 10 metros cada do bedroom e o acesso só a partir daí, se podia fazer. Um estava do lado esquerdo (o das bazoocas) e o outro do lado direito (o dos morteiros). Anexo a um dos espaldões, ficava então o nosso casino.

Permanecer lá, só sentados e os bancos, seis ao todo, eram os cunhetes com granadas prontas a entrar ao serviço e até a própria mesa da jogatina eram outros também caixotes cheios daqueles supositórios em forma de míssil terra-ar e que tantas vezes fizeram a diferença. O tecto houvera sido feito com cibes e coberto depois com grossa camada de cimento, porque o tesouro lá depositado, por demais precioso, merecia a obrigatoriedade de estar devidamente acondicionado e protegido. Por esse facto, não tínhamos hipótese de abrir qualquer buraco para que nós, os viciados na lerpa, pudéssemos ter algum ar, vindo do exterior.

Colmatávamos essa falta, fumando desalmadamente... bebendo mesmo sem ter sede... e a luz, fornecida por candeeiros a petróleo.

Pertantus... observadas todas as regras de não segurança, mas qu'é qu'isso importava a quem vivia em permanente corda bamba?

Distraíamo-nos assim e sempre se recuperavam os dez mil réis ontem perdidos. Comigo não... pois que perdia sempre o dobro do amealhado, facto que aceitava, na certeza de que "azar no jogo, sorte com as mulheres". Afinal e comprovei depois nos bailes da minha terra, tratava-se de grande mentira, já que me continuaram a calhar as mais feias.

Quando a água proveniente da maré a encher, começava a subir e habitualmente prái uns 10 cm, eram certos, ou quando os filhos duma quelque chose avec nos vinham incomodar, saíamos então ordeiramente e em magote de seis, pelo buraco onde só um de cada vez, conseguira entrar.

 Outubro de 1965 > Veríssimo Ferreira no K3 (Saliquinhedim)

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A minha Secção e como sabem, era chamada de "Armas Pesadas" e distribuídos nos foram, por isso, também três morteiros 60, que pesavam mesmo e bem o sentíamos quando os levávamos a tiracolo e nos deslocávamos durante os passeios pedestres através da agreste selva rural, assim estilo rally paper pedonal. E nem sequer levávamos, quer o prato base quer o regulador de distâncias destinado a observar para que a coisa acertasse, por considerarmos que eram apetrechos incomodativos assim mais... mariquices desnecessárias, pois que e disparados a olho nu, não falhavam e nem daquela vez em que um resolveu fugir e desaparecer, mas antes disparou, expeliu e acertou. Foi encontrado, ao que consta, do outro lado do globo, não sem que antes visitasse o centro da terra.

E deu-se porque ao sermos recebidos por intenso fogo d'artifício, ali junto à bolanha do Biribão, nós... pumba lá vai disto... mas mesmo utilizando o costumado capacete por baixo, o gajo quando lhe tocaram no percutor, afundou-se e pronto. Guardo religiosamente a chave de fendas com que substituía tal peça ao fim de quatro bojardas enviadas.

Desertou? está desertado... mas também fomos culpados, dado que já acontecera com outros... na lama não se disparam tais armas... mas aquela ânsia de corresponder foi fatal.

(continua)

OBS: - Imagem do morteiro 60, retirada do site HISTÓRIAS DA GUINÉ 71-74 - A C.CAC 3491-DULOMBI, com a devida vénia ao nosso camarada Luís Dias
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Nota de CV:

Vd. os primeiros dez postes da série de:

12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM (Veríssimo Ferreira, ex-fur mil, CCAÇ 1422, 1965/67)

16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

 18 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

 23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

 27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

29 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10590: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (6): 7.º episódio: O quotidiano no K3

1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10602: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (7): 8.º episódio: Uma emboscada perigosa

4 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10618: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (8): 9.º episódio: As confissões de um prisioneiro
e
7 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10631: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (9): 10.º episódio: Um bunker inimigo ao pé da porta