Guiné > Região do Oio > Mansabá > Setembro de 1965 > O fur mil Veríssimo Ferreira, CCAÇ 1442, 1965/67.
Foto: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados
1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 22 de Dezembro de 2012, com a sua primeira memória avulsa, a segunda sub-série que assim começa, integrada nos melhores 40 meses da sua vida, que nós continuamos a acreditar que foram:
Primeiro que tudo, votos de Boas Festas e desejos que sejam passadas com alegria e famílias presentes.
Aí vai uma brincadeira mais, pois que apesar de tentar, ainda não chegou a altura para enveredar por coisas sérias, embora todos os locais e ocorrências sejam verdadeiros. Contados assim vou conseguindo recordar, todavia e porque na realidade, se afastam, tais escritos daquilo que o Blogue deseja para memória futura, caberá aos amigos editores, decidirem sobre a publicação ou não.
Publicando, penso conseguir mais seis ou sete episódios mas sem prazos definidos, porque também o tempo vai rareando e o intelecto reduzido, mais não permite.
Abraços
Veríssimo Ferreira
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA (20)
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (1)
EU, TURISTA EM MANSABÁ - SETEMBRO DE 1965
Chegado da Metrópole há 10 dias e poisado que estava, confortavelmente convenhamos, no Forte da Amura em Bissau, correram comigo dali p'ra fora e a fim de não me sentir só, acompanhou-me também a Companhia 1422.
Parámos para almoçar numa adega típica em Mansoa e o repasto ...o recheio das latas da ração de combate.
Lá seguimos depois lenta e vagarosamente, admirando a paisagem circundante à estrada enlameada e esburacada, e também porque ali deveria ser, ao que pensei então, a carreira de tiro da auto-metralhadora Daimler, que seguindo à frente da coluna, se ia exercitando fazendo intermitentes disparos para a floresta.
Até que...
e quando já perto daquela que reconheci mais tarde, ser uma bela terra para o turismo rural, conhecida por
Mansabá City, deparámos com uma ponte, ou melhor, com o que dela restava, já que agora tinha apenas o rio e um pilar em cada margem. A destruição do restante havia sido há pouco e nós, assarapantados e inexperientes tivemos que puxar pela moleirinha para resolver o caso.
Fumegando ao lado, estava uma serração parcialmente a arder, onde requisitámos umas grossas tábuas, e lá se desenrascou a coisa, pese embora a pressão duma emboscada com que entretanto nos começaram a brindar.
Repelida foi, com o apoio dos aquartelados donos do local, que e ao ouvirem o tiroteio e sabendo que estávamos para chegar, apareceram e lá nos safaram do aperto.
Não gostei, lá isso não, da maneira como nos olhavam. É que nós íamos e eram os primeiros aprumados militares, que viam com a última moda das
passerelles de então, ou seja de camuflado (blusão, camisa, calça e capacete na cabeça evidentemente) e eles de caqui amarelo e sujo, calções rotos e camisa com buracos, uns com bivaque enfiado no local onde se deviam usar as divisas, outros sem camisa nem bivaque, enfim uma autêntica rebeldaria do caraças.
A razão do seu espanto, olhando-nos, era pois por via dos nossos paramentos coloridos, onde sobressaía o verde
asseportingado, resultando saí que me chamaram "periquito" o que me enervou bastante e só não dei, logo ali, início a uma sinfónica luta urbana e com muita pancadaria à mistura, porque entretanto me apareceu um velho amigo lá do meu povo (por acaso eu até lhe tinha namorado uma prima, à data ela com 13 e eu 14 anos) o Manel de Mora, com quem ainda hoje convivo na almoçaral reunião anual dos Combatentes na Guiné, nascidos e criados na Ponte de Sôr.
Depois já no hotel, bebemos uns púcaros, mostrou-me as instalações e o SPA, os canhões e o WC e até o campo de futebol no meio do aeroporto e riu-se quando lhe perguntei se aqueles buracos com escadas para baixo eram as entradas do "Metro", mas não..., respondeu:
"são os abrigos pá".
Recordámos a santa terrinha... as miúdas que nos esperavam ansiosamente... deu-me uma das suas fardas velhas que usei vaidosamente logo no jantar e o menu dessa noite ali no rancho geral, foi a delícia duma massa de cotovelo com uma espécie de carne rija que nem cornos e só possível
d'esmoer se bem regada com tinto... mais tinto e ainda tinto.
A esta heróica Companhia
"OS ÁGUIAS NEGRAS", faltava apenas um mês para que regressassem a casa e o contentamento pela nossa presença, para que os substituíssemos, era bem visível, ao mesmo tempo que nalgumas, duras e repletas de sofrimento, faces se notasse contudo o sentimento de não saber ainda se "quero ou não partir".
O seu combate era agora: mostrar-nos as zonas limítrofes das quezílias; apresentarem-nos aos antagonistas e indicarem-nos como lhes tratar da saúde e sobreviver.
Tudo indicava pois, que seria a minha CCAÇ a assentar arraiais por ali e pacificar as hostes e eu até já sabia manobrar e bojardar com aquela espécie de canhangulo mas muito maior e que tinha duas rodas de pneu, enormes
com'ás dos tractores e a que chamavam "O Obus". Só que não...
Quando já tínhamos como nossos, os bens doados incluindo o bar e seus bojudos garrafões cheios com 14 litros, os Whisky's, coca-colas, águas tónicas e gin's, cervejolas e afins... eis que chegam novas ordens e foi a 1421
* a ficar na posse de tudo isso (tudo não... que metade mandei eclipsar) e mais das freguesias suburbanas.
E para não destoar da vestimenta que eles também usavam, voltei a vestir o camuflado "made in Legião Estrangeira", comprado na Feira da Ladra, em vez de no Casão Militar, onde custava o dobro dos escudos. Era bestial... bolsos por todo o lado... éclair's que fechavam mesmo e à prova daquela desalmada chuva.
Três ou 4 dias depois, convidam o meu pelotão a visitar
Bissorã, terra de boas castas como comprovei nos dois dias em que me deixaram por ali estar, após o que me requisitam, pedindo atenciosamente, que vá provar a colheita do ano em Manhau.
Tanta mudança de código postal, começava a chatear-me e disso fiz menção a quem de direito.
Surgida que foi, a absoluta necessidade da existência em permanência, dum experimentado atirador enólogo de Infantaria com G3, sou então destacado e apenas com a minha Secção, para a Cooperativa do
Pelundo.
Instalados ficámos na Tabanca, em casa do Ti Vicente, o Homem Grande, que muito bem nos tratou, obsequiando-nos com tudo o que de melhor tinha... "ele" foram galinhas... fracas... mé-més... porcos e vacas e nem sequer nos faltaram os... líquidos com ou sem álcool... com ou sem gás.
Ali conheci as famosas lavadeiras, que tudo lavavam e engomavam por apenas 30 pesos e se lhes dispensássemos o quinino das 5ªs feiras, elas até nos deixavam assistir... o que era porreiro mesmo pá... já que ver aquela "mama firme" a ir... a vir... a ir... a vir, era lindo... estimulante e fazia-me cá umas cuscusrrilhas que nem vos digo nem vos conto.
Eram jovens bonitas, que respeitei feito parvo e que me respeitaram infelizmente.
Mas eu seria lá capaz de trair a minha Caderneta Militar?
qu'a páginas 14 e 15 diz isto: (quando leio até me comovo, pois embora não pareça, sou muito sensível) Diz isto, repito:
"Nos termos do artigo 187 do R.D.M." PRIMEIRA CLASSE DE COMPORTAMENTO
Neste recorte da Carta da Província da Guiné (1961) vemos a RTO (Região de Turismo do Oio) com o seu principal empreendimento, o Morés SPA. Podemos ver ainda os diversos percursos turísticos tão do agrado da juventude dos anos sessenta e setenta.
(continua)
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Notas de CV:
- Legenda do recorte da carta publicada da responsabilidade do editor
- A CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 substituiu em 15AGO65, em Mansabá, a CART 644/BART 645 - "Águias Negras"
Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2012 >
Guiné 63/74 - P10776: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (18): 19.º episódio: Viva a peluda