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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (152): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o  Mário [Rodrigues]  Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo", segundo era voz corrente; (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  Setor L6 > Pirada > c. 1973/74 > 14 de Fevereiro de 1974, ten cor cav, cmdt do batalhão e o célebre comerciante  Mário Soares (este em primeiro plano: dizia-se que tinham contactos privilegiados com os "dois lados da guerra", as NT e o PAIGC, ou pelo menos, as autoridades senegalesas).

O ten cor cav Jorge [Eduardo Rodrigues y Tenório Correia] Matias, cmdt do BCAV 8323/73, que estava sediado em Pirada (, o comando, a CCS e a 3ª C/BCAV 8323/73) faz aqui uma homenagem, emocionada aos bravos de Copá, o 4º pelotão, da 1ª C/BCAV 8323/73, comandado pelo alf mil at cav Manuel Joaquim Brás, e a que pertencia o António Rodrigues, e reforçada por mais uma secção, do 1º pelotão, comandada pelo fur mil Carlos Eugénio A. P. Silva.

Foto (e legenda): © António Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O célebre comerciante de Pirada, Mário [Rodrigues]  Soares era uma figura "intrigante"... Conviveu com vários camaradas nossos, ao longo da guerra, como o António Pinto (*) ou o Carlos Geraldes(**)... Dizia-se que tinha relações privilegiadas com os dois lados do conflito, as NT e o PAIGC. Dizia-se inclusive quer era um "agente duplo", trabalhando para a PIDE/DGS e para o PAIGC. Ora, não temos provas disso. Está em causa a sua honra. 

Temos que ser cautelosos, não fazer juízos apressados sobre o comportamento dos comerciantes portugueses e outros (libaneses, cabo-verdianos...) que ficaram no mato, apesar da guerra. Em boa verdade, a tropa tinha tendência para pôr em causa a "lealdade" dos comerciantes, colocados num posição difícil no interior da Guiné.

Do Mário Soares sabe-se que tinha bons contactos no Senegal. E que  desempenhou o seu papel na história da indepência da Guiné-Bissau.  Foi através dele que o gabinete do Governador António Spínola consegiu chegar ao Leopoldo Senghor (como se depreende de um histórico depoimento do embaixador Nunes Barata, ex-alf mil, na altura, colaborador íntimo de Spínola,  de que a seguir reproduzimos um excerto; por lapso, chama-lhe António Mário Soares)...

Não sei o que é feito  dele, é provável que já não esteja entre o número dos vivos. Em 1974 já teria cerca de 40 e tal  anos, a avaliar pelas fotos acima reproduzidas,  Li algures (, já não posso precisar onde...) que ficou na Guiné, depois da independência, mas terá saído do país ainda no tempo do Luís Cabral, em novembro de 1975.  Sabemos, pelo Carlos Geraldes, que em 1964/65, era casado, tinha duas filhas e um filho e era natural de Lisboa. Luísa era o nome da esposa. A filha mais chamava-se Rosa, o filho do meio era José (e estudava em Lisboa) e mais nova, Eva Lúcia, tinha nascido em 11/9/1957.

Alguém dos nossos leitores ainda se lembra dele, do  Mário Soares ? Tem fotos e histórias dele ?

O seu nome era referido com muita frequência nas cartas que o Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66) mandava para casa, e de que foi publicada uma seleção no nosso  blogue, em 2009 (**).

O Carlos Geraldes conheceu o Mário Rodrigues Soares quando a sua companhia, a CART 676, chegou a Pirada, em 15 de outubro de 1964, vinda de Bissau (via Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego). Vão tornar-se amigos. O Carlos passa a ser visita frequente da sua casa. E descreve-o logo nestes termos: "É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta." (Pirada, 15/10/1964). E defendo-o das suspeitas de colaborar com o IN.

Estamos a reler as suas cartas, que nos ajudam a perceber melhor a personalidade e o comportamento deste comerciante português, "bon vivant", hospitaleiro, insinuante, amável, prestável, com um vasto capital de  relações sociais, a nível interno e até externo (com as autoridades e os comerciantes do outro lado da fronteira, no Senegal). Nesta I parte, selecionámos excertos das cartas para a família, do período de Outubro de 1964 a março de 1965, e em que o Carlos faz referências ao seu "amigo M. Santos", pseudónimo de Mário Soares.

Segundo a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017), o comervciamte  António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal, seria  um "agente duplo":  informador da PIDE/DGS,  e ao mesmo tempo informador do PAIGC.

Contrariamente ao Rodrigo Rendeiro,  comerciante de Bambadinca,  que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares terá ficado na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975. (***)

A CART 676 foi mobilizada pelo RAP 2, partiu para o CTIG em 8/5/1964 e regressou a 27/4/1966. Esteve em Bissau, Pirada e Bissau. Comandante: cap art Álvaro Santos Carvalho Seco.


1. Depoimento do embaixador João Diogo  Munes Barata:

[Alferes miliciano na Guiné (1970); secretário e, posteriormente, chefe de gabinete do Governador da Guiné, general António de Spínola (a partir de Maio de 1971); adjunto diplomático da Casa Civil do Presidente da República, António de Spínola (Maio a Setembro de 1974),  tendo no desempenho deste cargo, colaborado no processo de descolonização; delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional]

(...) Com essa ideia, portanto, com a ideia de avançar no processo de descolonização, o general tentou estabelecer contactos com o Governo senegalês e, através dele, com o PAIGC. Os primeiros contactos foram feitos através do chefe da delegação da PIDE/DGS [em Bissau], o inspector Fragoso Allas e por Mário Soares. Mário Soares, não o Dr. Mário Soares, mas [António] Mário Soares um comerciante de Pirada, um homem que se chamava Mário Soares, mas que era comerciante em Pirada, uma povoação fronteiriça da Guiné com o Senegal. Esse comerciante ….

Eu lembro-me de um dia estar no meu gabinete no Palácio e de o senhor Mário Soares ir lá comunicar que já tinha estabelecido o contacto com o lado de lá e que, portanto, se podiam iniciar as negociações para uma ida, para um encontro do Governador com o presidente Senghor. Houve previamente um encontro. O general Spínola foi duas vezes ao Senegal (acompanhei-o em ambas as visitas).

A primeira, para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares, porque evidentemente o presidente Senghor, na altura, ainda não sabia bem quais eram as ideias do general Spínola e não quis, evidentemente, romper as exigências protocolares e, como chefe de Estado encontrar-se com o governador de uma província, de uma colónia. E mandou um ministro. (...) (****)


2. Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), que se tornou amigo do Mário Soares e visita frequente da sua casa... Reprodução de excertos das suas cartas com referência explícitas ao Mário Soares:


Parte I (outubro de 1964 - março de 1965) (*****)

Pirada, 15 de outubro de 1964


(...) Segunda-feira de manhã partimos para Pirada. (...)

Começámos logo por ser apresentados ao comerciante mais importante cá da terra, o Sr. Mário Soares, um grande amigalhaço de toda a tropa que por aqui tem permanecido. Acompanhado de um empregado que segurava um enorme cesto cheio de pão fresco acabado de sair do forno. Ali mesmo no meio da estrada, começou a distribui-lo pelos soldados que o recebiam boquiabertos de espanto. Não poderia haver melhor recepção de boas vindas. Um verdadeiro luxo.

(Daqui em diante, sempre que mencionar esta personagem, designá-lo-ei pelo pseudónimo, M. Santos, para não suscitar quaisquer parecenças, com a figura pública actual que todos conhecem) (...)

(...) Quanto à nossa casa é esplêndida. Tem um grande quintal, com um poço no meio e uma larga extensão cimentada debaixo de um enorme alpendre, encostado à casa, sob o qual tomaremos as nossas refeições, quando tivermos aqui a nossa Messe. A casa é fresquíssima e dorme-se aqui muito bem, pois não tem mosquitos! Faltam apenas os móveis, mas temos cá um carpinteiro indígena muito habilidoso que já nos está a fornecer mesas e cadeiras. Camas temos duas de casal, uma em madeira, outra em ferro, emprestadas pelo M. Santos. Os sargentos estão a dormir em camas de ferro militares, que trouxemos. (...)

(...) Quanto à luz eléctrica, por enquanto não está montada, embora tenhamos um gerador trifásico de 220 Volts, movido por um motor a diesel. Só estamos à espera de arranjar fio para fazer a instalação por toda a aldeia. Contamos que lá para Janeiro se possam pôr de lado os Petromax e se pense até na possibilidade de sessões de cinema com uma máquina de projectar do Sr. M. Santos.

É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta.


É o nosso Anjo da Guarda. Todos os dias manda cá o criado dele, o Demba, com uma garrafa de água filtrada e um termos com cubos de gelo, para que nunca nos falte água fresca no quarto. É um indivíduo que, mesmo aqui, longe da nossa civilização, não descura todos os pormenores de conforto para criar à sua volta um ambiente requintado e de um bom gosto que se julgaria inacreditável encontrar por estas paragens. 

Vive como um nababo indiano rodeado por uma família tranquila (a esposa e duas filhas) e que, pelo menos, aparenta a mais completa felicidade. Um verdadeiro achado que vim encontrar aqui neste fim do mundo mas, estou bem em crer, quase princípio do Paraíso.

Já começou a afluir gente vinda de todo o lado, até do Senegal, para se tratar no nosso posto clínico, pois a novidade de termos um médico na Companhia, depressa se espalhou. Aliás, a dois passos daqui, estão os nossos principais informadores, nas pessoas do chefe da polícia e outros funcionários administrativos da aldeia senegalesa nossa vizinha, com quem o nosso amigo M. Santos mantém fortes relações de interesses mútuos. São eles os primeiros a comunicar a presença de grupos armados que habitualmente passam por esta zona a caminho da região centro da Guiné, o Oio. Está até combinada uma jantarada em que eles serão nossos convidados. (...)

Pirada, 1 de dezembro de 1964


(...) Bafatá é uma vilória bastante razoável. Tem um clube que até dá cinema todos os dias. A energia eléctrica é fornecida por um gerador a diesel, um bocado velho e a luz está constantemente a ir abaixo. Mas é melhor que nada. Fui lá este fim-de-semana com o M. Santos e a família, e não deixei escapar a oportunidade de farejar um pouco de civilização.

Hoje também posso dizer:

- Olhem, sabem? No sábado fui ao cinema! Agora não são só vocês que me dizem isso em todas as cartas que me escrevem.

Por acaso até era um filme do Jerry Lewis, que já tinha visto, “Jerry, Primeiro Turista do Espaço”.

Jantámos em casa de um comerciante amigo do M. Santos e, no domingo, almoçámos em casa do Secretário da Administração, outro amigo dele e que, conforme vim a descobrir, depois, é de Viana! Falámos sobre a nossa terra, recordando os tempos em que andou no Liceu, que nessa altura seria ainda, evidentemente, o Liceu Velho.

Bajocunda, 8 de fevereiro de 1965

(...) Ontem, domingo, fui até Pirada, resolver alguns assuntos pendentes e aproveitei para rever os amigos que lá deixei, o M. Santos e a família, (...)

(...) O M. Santos, como sempre, faz questão em receber-me para jantar, o que eu nem me atrevo a recusar, tão maravilhosos são os jantares em casa dele.

Quando finalmente regressei a Bajocunda já passavam das 23h00, hora propícia para eles andarem por aí a preparar alguma emboscada… mas felizmente, por enquanto ainda não se resolveram.
Na noite anterior tinha também visitado, de jeep, algumas tabancas por aqui perto, para dar uma impressão de que estamos sempre vigilantes a qualquer hora do dia e que podem confiar na tropa para os proteger, caso venham a ser atacados por algum grupo armado que, vindo do Senegal, resolva fazer política de terra queimada para assustar as populações e levá-las a abandonar este território, que é o que esta gente mais teme.

Quem me sugeriu a ideia para esse passeio nocturno, e até me serviu de guia, foi um comerciante de Bajocunda, o Sr. António Costa. Muito alto e muito gordo, este indivíduo de raça negra é também um grande bonacheirão que gosta imenso de beber e de receber visitas mas que no entanto não chega aos calcanhares do M. Santos, lisboeta de gema, recém incluído nestas guerras por ter tido dificuldades financeiras na Metrópole, segundo se consta.  (...)

Bajocunda, 22 de fevereiro de  1965


(...) O M. Santos, por várias vezes já me mandou recado para ir lá [, a Pirada,]  comer uns camarões ou umas sardinhas assadas mas, obviamente, nem tenho podido. (...)


Bajocunda  1 de março de 1965


(...) Ontem à noite, antes de jantar, estivemos em Pirada, eu o Gabriel e o Inácio (outro alferes da mesmo Companhia de Cavalaria, que gradualmente se está a juntar a nós em Bajocunda). 

O M. Santos recebeu-nos com a habitual cortesia mas não conseguimos ficar lá muito tempo, pois o capitão começou a resmungar pelo facto de terem vindo todos os oficiais de Bajocunda, de maneira que, a contragosto, tivemos de vir embora. Aliás, desde que apanhou aquele susto na estrada Bajocunda-Canquelifá, o capitão nunca mais foi o mesmo. (...)


Pirada, 15 de março de 1965


Estou de novo em Pirada, onde me sinto como em casa. Foi um verdadeiro alívio deixar Bajocunda pois não consegui afeiçoar-me aquilo de maneira nenhuma. 

Isto aqui, em Pirada, é muito mais airoso, há muito mais população, a Messe é fora do quartel e tenho o meu amigo M. Santos que continua a ser uma excelente pessoa.

Bajocunda ficou entregue a uma Companhia de Cavalaria e nós ficámos apenas com Pirada e Paúnca. É muito menos trabalhoso. (...)


Pirada, 21 de março de 1965



Mais uma vez aqui estou a colocar, à pressa, a escrita em dia, à luz do Petromax, pois desta vez adiantaram o dia do Correio. Tenho de fazer serão para poder chegar a tempo. Mas não faz mal, amanhã só me levantarei lá para as dez da manhã.

Aqui dorme-se muito. Depois do almoço, dorme-se a sesta, quase sempre até às 4 da tarde. Depois quando há serviço para fazer, vamos até ao quartel. Quando não há, toma-se banho, jogamos o Ôri ou vamos a casa do M. Santos beber uns whiskies.

Autêntica vida de malandro! Quero dizer… de guerreiro! Porque de vez em quando também se vai para o mato a qualquer hora do dia ou da noite e fica-se por lá não importa quanto tempo, a dormir em que cama houver, ou mesmo até sem dormir!

E quando o Manel Jaquim [, o homem do cinema ambulante,]por cá aparece, lá tenho de pagar os bilhetes a uma data de gente muito simpática que me enche de mimos, interesseiros, claro!
-“Alfero Gérardis, bonito, boniiito… dimais!!!” – são os elogios que estou sempre a ouvir, por esta acção psico-social, actividade a que agora me dedico no intervalo das guerras. (...)

[Seleção, fixação, revisão de texto, e realces a negrito e a amarelo: LG]

(Continua)

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28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19415: In Memoriam (333): Auá Seidi (c.1935-2018), viúva do comerciante de Bambinca (c. 1925-2011), Rodrigo Rendeiro, natural da Murtosa, já falecido em 2011 (Leopoldo Correia, amigo da família, ex-fur mil, CART 564, Nhacra,Quinhamel, Binar, Teixeira Pinto, Encheia e Mansoa, 1963/65).


Audá Seidi (c. 1935-2018), viúva de Rodrigo Rendeiro (c. 1925-2011), comerciante de Bambadinca, natural da Murtosa, foto que nos foi remetida pelo nosso camarada Leopoldo Correia, amigo da família, e que vive em Águas Santas, Maia (, foi fur mil, mil da CART 564, Nhacra,Quinhamel, Binar, Teixeira PintoEncheia e Mansoa, 1963/65).

O nome completo do marido era Rodrigo José Fernandes Rendeiro, e terá ido para a Guiné em plena II Guerra Mundial, com 17 anos, pelo que terá nascido por volta de 1925/26. A Auá Seidi era mais nova do que ele cerca de 10 anos. E era muito bonita,  dizia-se. O casal teve 9 filhos.

Já aqui contámos a "odisseia" do Rendeiro, às mãos do PAIGC, quando era comerciante no Enxalé, em 1963 (**). Levado para o  Senegal, conseguiu chegar à Gâmbia e, com apoio do consulado da Suiça, teve a sorte de regressar a Bissau.

A seguir, talvez no fim desse ano ou princípios de 1964,  deve ter ido para Moçambique, onde tinha parentes,m  para fugir à guerra e às represálias do PAIGC. Presumimos que tenha voltado e regressado à Guiné, fixando-se então em Bambadinca  por volta de1965(66. Terá regressado à sua terra natal,  em 1974, amargurado. Receio bem que tinha tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua colaboração com as NT e, eventualmete, com a PIDE/DGS.

1. Mensagem de hoje do nosso editor Carlos Vinhal, às 10h59:

Luís,

O Leopoldo Correia acaba de me comunicar o falecimento da esposa do senhor Rendeiro, Auá Seidi,  pessoas que parece teres conhecido em Bambadinca, onde ela era conerciante. Faleceu ontem e é sepultada hoje na Murtosa. Queres publicar a notícia no blogue ? Junto foto da senhora.

Abraço,
Carlos Vinhal




Notícia necrológica (Cortesia da funerária ToniFuner, da Murtosa)

2. Nota do editor Luís Graça:

Obrigado ao Leopoldo Correia e ao Carlos Vinhal.  Sim, conheci e estive, algumas vezes,  na casa da família Rendeiro, em Bambadinca, entre julho de 1969 e março de 1971.  E provei, nessas ocasiões,  o famoso chabéu da nhá Auá Seidi (ou Seide). Mas nunca tive o prazer de a conhecer pessoalmente. Nem sequer alguma vez a vi. E ao Rendeiro também nunca mais o vi, depois do nosso regresso a casa.

No meu tempo, ele convivia não só com a malta da CCAÇ 12 bem como com alguns camaradas nossos das CCS (BCAÇ 2852, 1968/70; e depois BART 2917, 1970/72)... Era nosso "vizinho", a sua casa e a sua loja situavam-se períssimo do quartel, na tabanca de Bambadinca. Além disso, fazíamos colunas logísticas juntos, ele tinha uma ou mais camionetas que alugava à tropa...Fica esta nota de saudade (*). E o apreço da Tabanca Grande a esta grande família. Infelizmente, o Rodrigo Rendeiro  (**) já nos tinha deixado há cerca de oito anos, conforme notícia dada também pelo Leopoldo Correia:

(...) Infelizmente já não está entre nós, [, o Rendeiro,] pois foi sepultado na sua terra natal [, Murtosa,] em 10/09/2011, tendo eu assistido ao funeral e tido contacto com toda a "ínclita geração", os filhos de Fernandes Rendeiro / Auá Seide, da qual só tenho a dizer bem. A que estudava em Coimbra, era licenciada em direito e era magistrada: faleceu também há cerca de 5 anos. Era juíza do Ministério Público em Lisboa. (...). 

Diz-nos o Paulo Santiago, em comentário do dia 19, às 00h17: "Não sabia que a filha do Rendeiro, Ana Maria, julgo ser este o nome,tinha morrido. Entrou para Direito juntamente com a minha irmã, infelizmente também falecida há quinze anos,aos 53 anos de idade."

O nosso editor comentou: "Nome completo: Ana Maria Fernandes Rendeiro Bernard (, este último apelido deve ser do casamento).  Nasceu em 1953 e terá morrido em 2006 ou 2007, com 53 anos. (Em 1 de setembro de 2006 ainda era viva, constando da listagem dos Magistrados do Ministério Público no Distrito Judicial de Lisboa.) 

A fotografia que se vê ao fundo, na mesa de cabeceira da cama da Auá Seidi, deve ser dessa filha, prematuramente desaparecida. E que era a 'menina dos olhos' do nosso amigo Rendeiro, por andar a estudar na Metrópole. De facto, cursou direito e entrou para o ministério público. A Auá, por sua vez, deve-se ter convertido ao cristianismo ao casar-se com o Rodrigo Rendeiro.
_________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de:


2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...

3 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)

sábado, 4 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17935: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): Os "comerciantes" e os "outros"... Lá, em Angola, Guiné e Moçambique, muitas vezes mais valia um ano de tarimba do que dez de Coimbra...



Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Álbum fotográfico do Victor Condeço > Quartel > Foto 32 A > Pormenor; quatro funcionários dos correios (à esquerda), seguidos de quatro comerciantes, o libanês José Saad (e filha), o Mota, o Dantas (e filha) e o Barros.


 Foto (e legenda) do nosso saudoso Victor Condeço (1943/2010) / Edição e legendagem complementar:  © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados.



I. Três comentários do nosso amigo e camarada António Rosinha, ao poste P17920 (*):


1. No início da Guerra do Ultramar houve sempre uma enorme falta de diálogo entre quem chegava ("tropa") e quem residia ("brancos").

Nunca houve diálogo entre os "brancos" e "tropa", antes pelo contrário. A mentalidade de quem chegava para combater os "turras", diziam os oficiais milicianos, e não só, que estavam ali por culpa dos "brancos" que trataram mal os "pretos" e estes revoltaram-se.

Testemunhei isto em Angola, ao vivo e a cores.

E insistia-se,  e ainda hoje se ilude muita gente, que os comerciantes ("brancos") roubavam os "pretos", quando na realidade, para quem viu por dentro,os comerciantes eram os únicos brancos que se entendiam em várias línguas com o povo.

O comerciante que não tivesse uma afinidade e confiança total com o povo, (várias etnias) podia fazer as malas e mudar de vida,  pois falia muito rapidamente

Nem os missionários nem chefes de posto, (metropolitanos, indianos ou cabo-verdianos) tinham o conhecimento e o relacionamento com os povos, igual ao dos comerciantes.

Foi esta gente o grosso dos "brancos", colonialistas, exploradores e futuros retornados,  que nem Spínola, nem Lobo Antunes, nem os alferes-de-coimbra, chegaram a compreender.

E gente como os estudantes do império, Pedro Pires, Amílcar Cabral, Lúcio Lara,  etc. souberam explorar maravilhosamente esse desentendimento, "tropa"  versus "brancos".

Se em Angola, não na Guiné, a "vitória era certa" contra os "turras", u ma das razões que ninguém menciona, era um entendimento mútuo dos comerciantes,  e mesmo capatazes de fazendas, poliglotas, e sua prole, com os povos, que formavam uma barreira onde o adversário era naturalmente repelido.

Claro que muitos comerciantes ficaram reféns, como este Rendeiro, pois tinham família para cuidar.
Só falo do que vi.

2. A maioria dos comerciantes oriundos de Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e gradualmente por aí abaixo, com dezenas de anos de trópicos, com famílias constituidas lá, brancas ou mestiças, tinham opinião bem mais formada do que qualquer Governador, com comissões de 4 anos, ou Generais e Intendentes de passagem como cão por vinha vindimada ?

E que «antiguidade" devia ser um posto?

É que aquela gente sabia bem mais que qualquer PIDE, que mais que evidente, tiveram pouco sucesso, deviam ser aproveitados inteligentemente, como em muitos casos aconteceu em Angola, para na língua materna dos povos se fazer em directo, a tal luta da psico-social.

Falar os idiomas nativos era sucesso garantido para aquela guerra, comprovadíssimo em Angola.

Só eles mesmo é que tinham esse trunfo nas colónias africanas, a tropa nunca entendeu completamente esse pormenor, e em Angola, só a partir de certa altura (1966 mais ou menos)é que aproveitou os imensos poliglotas que eram esses comerciantes e sua prole.

Atenção que, se olharmos para o PAIGC, MPLA e FRELIMO, tinham na sua direcção, filhos ou netos dessa estirpe de gente, (brancos ou mestiços)e vejam quem ficou no "poleiro" em todas as colónias.

No entanto, havia muitos movimentos que ficaram todos a ver navios, eram os tribais.

O  "pau de dois bicos" dos comerciantes não era propriamente dar informações militares aos "turras", até porque a maioria pouco saberiam do que se passava nos quarteis mais do que qualquer garoto que vivia à volta dos quarteis.

O pau de dois bicos constava em simplesmente em fazer aviados de mantimentos aos "turras" sem os denunciar, caso não pudessem evitar. Eram casos conhecidos publicamente, caso de madeireiros em Angola.

E pelo que se deduzia na Guiné em conversas entre velhos comerciantes, após a luta, com Luís Cabral a mandar, aconteceria esse "fenómeno", era o desenrascanço.

Os únicos que já não eram periquitos, eram esses velhos comerciantes do mato, porque até os da cidade nunca chegaram a saber bem o que se passava no cabeça dos indígenas e dos brancos.

Ao fim de 30 anos nos trópicos, sou um periquito, porque nunca falei com um indígena na sua língua.

3. É natural que da maioria dos militares que passaram pelas colónias, mesmo aqueles que tinham papéis de comando, a nível quer de pelotão ou companhia  ou quer a nível de  batalhão, só poucos se teriam debruçado sobre o que era o "comércio de permuta", que se praticava no interior, não nas cidades, no caso da Guiné, Bissau apenas.

Mesmo em Gabu e Bafatá, quer comerciantes fulas ou caboverdeanos que ficaram com as lojas dos europeus, retornados, alugadas ou usurpadas a estes, ainda praticavam em alguns casos , o comércio de permuta.

Isto em 1987, residi um ano em Gabu onde fui inquilino numa casa de um desses antigos portugueses.

Por exemplo uma simples bola de cera de mel de Canjadude, para ser negociada entre a família vendedora e o comerciante, requeria um diálogo em que se discutia o que podia valer de coisas das prateleiras que podiam interessar aos elementos da família.

Desde óleo, sal, panos, chinelos chineses, arroz...e isto tudo usando argumentos em que na colheita anterior bola de cera idêntica ainda estava na memória de todos, o que tinha rendido.

Quem diz uma bola de cera, diz um carneiro, uma vaca, ou o  mesmo saco ou bacia ou balaio de arroz ou mancarra após cada safra.

Quando se diz que o comerciante "roubava na balança", ou no rol, isso era conversa de merceeiro das nossas velhas aldeias, ali essa da balança podia contar para o controle do próprio comerciante, mas não contava nada para o cliente, aliás, na permuta, eram clientes quem estava do lado de dentro ou de fora do balcão.

Quero com isto dizer que para ganhar dinheiro naquele tipo de negócio, era preciso uma especialização para quem saía das nossas terrinhas, algumas destas que arderam agora, nem com coimbra-e-tarimba se chegava lá.

Nem com comissões de dois ou quatro anos de função pública, e canudo universitário se chegava a entender o que era aquele trabalho.

Quando se fala em «periquitos», esta gente seriam aqueles que na realidade não eram periquitos.

E alguns desses comerciantes tinham uma particularidade. é  que chegavam a dominar dois e mais idiomas tribais, porque era-lhes necessário, o que lhe granjeava o respeito muito particular entre os populares.

No caso da Guiné, todos os comerciantes que quiseram ficar, continuavam, após o 25 de Abril, e até com protecção mais ou menos garantida, embora fossem sapos que alguns dirigentes tiveram que engolir.

Só que com o regime comunista/cabralista instalado, já nada compensava insistir em tanta incongruência e desordem económica e a maioria foi saindo de vez.

Além de Spínola, eram os comerciantes aquilo que os guinenses tinham mais lembranças nos primórdios da libertação.

A independência tinha que ser, e o que tem que ser...!

Mas tenhamos mais respeito pela inteligência daqueles povos, já que os vencedores, alguns "Estudantes do Império", se esqueceram tanto desse mesmo povo.  (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de outubro de 017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17929: (D)o outro lado do combate (16): O Rodrigo Rendeiro, depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP , permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dandum, segundo Maria José Tístar, autora de "A PIDE no Xadrez Africano: conversas com o inspetor Fragoso Allas", Lisboa, Colibri, 2017 (pp. 191/192)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o Mário Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo";  (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017, pp. 191/192), o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro deu à FAP ou à "aviação militar" indicações muito precisas (e preciosas...) sobre a localização das bases do PAIGC em Morés e de Dandum. 

Recorde-se que ele passou lá, na base do Morés, duas semanas, em setembro de 1963, entre depois de ter sido "capturado" pela guerrilha em Porto Gole, e levado para o Senegal.  Pelo caminho conheceu comandantes da guerrilha como o Caetano Semedo (, (Baroudulo), Osvaldo Vieira (Morés), Mamadu Indjai (Fajonquito / Olossato), Lourenço Gomes (Samine / Senegal), Pedro Pires (Dacar, Senegal).

O documento que ele assinou em Dacar, declarando a sua adesão ao PAIGC, só podia ter sido feito para lisonjear os seus captores. (*)

Em Dacar, com liberdade de movimentos, acabou para fugir para a Gâmbia e depois regressar a Bissau, com a ajuda de informadores da PIDE bem como das embaixadas da Suíça e da Inglaterra. Na altura a Suiça representava os interesses de Portugal no Senegal.

O inspector Fragoso Allas nunca contactou pessoalmente o Rendeiro. Tanto quanto se lembra ele, enquanto informador, acha que devia estar ligado ao posto de Farim. Mas era mais lógico que fosse o posto de Bafatá, já que o Rendeiro vivia em Bambadinca.

O supracitado livro, que só folhei na FNAC, utilizou o nosso blogue como fonte, por mais de uma vez (vi referências à batalha de Guidaje e ao nosso saudoso Daniel Matos (1949-2011), um dos "marados de Gadamael", ex-fur mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74.

No índice onomástico do livro, deparei-me logo com um erro: o comerciante Rodrigo José Fernandes Rendeiro vem referido como citado na pág. 216, quando devia ser nas pp. 191/192, donde retirei a informação supra.

Acrescente-se que outro informador da PIDE/DGS, melhor conhecido da opinião pública, e ao mesmo tempo informador do PAIGC, era o António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal. Contrariamente ao Rendeiro, que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS,  o António Mário Soares ficou na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975, segundo a fonte que estamos a citar, a investigadora Maria José Tístar. (***)

2. Sobre o Fragoso Allas, encontrei algumas valiosas notas biográficas, anexas à notícia do do lançamento do livro da doutora Maria José Tístar, no portal Dos Veteranos da Guerra do  Ultramar - Angola, Guiné, Moçambique, 1959-1975. (Curiosamente,  no livro não há um  CV tão detalhado como o do portal Ultramar Terraweb.)

Com a devida vénia aos camaradas que editam o Ultramar Terraweb, faço aqui um pequeno resumo do CV do homem que foi um dos braços direitos do general Spínola, em 1971/73, no CTIG:

(i) António Fragoso Alas nasceu em 1934, em Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora;

(ii) em 1956/57 faz o COM (Curso de Oficial Miliciano), em Mafra,  na Escola Prática de Infantaria;

(iii) aspirante a oficial milicano, é colocado no RI 2, em Abrantes;

(iv) em meados de 1957 oferece-se como voluntário, em regime de rendição individual, para uma comissão especial de quatro anos integrado na guarnição normal do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG);

(v) integra, a partir de 1957, a 4.ª Companhia de Caçadores Indígena, aquartelada em Bolama;

(vi) já como alferes miliciano, vai formar e comandar, em Bedanda, em setembro de 1959, o 1.º Pelotão da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena;

 (vii) em final de 1960, é promovido a tenente miliciano; e em outubro de 1961 regressa à Metrópole;

(viii)  em abril de 1962 ingressa nos quadros da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), sendo  colocado nos serviços centrais,  em Lisboa;

(ix) em abril de 1963 é chefe-de-brigada da delegação da PIDE em Angola;

(x) no final de 1968, já inspector-adjunto, é colocado em Kinshasa como "adido comercial" na missão portuguesa junto da embaixada espanhola;

(xi) em 13 de julho de 1971 é transferido para Bissau, tomando possse como chefe da subdelegação da Guiné da Direcção-Geral de Segurança (DGS);

(xii) em 10 de setembro de 1973 é transferido para a delegação  da DGS, em Lourenço Marques, Moçambique; menos de três meses, em finais de novembro de 1973, é  transferido para os serviços centrais da  DGS, em Lisboa;

(xiii) em 24 de abril de 1974 está de volta a Moçambique e, em 10 de junho de 1974, está em Luanda, para logo regressar a Lisboa, em 6 de julho desse ano;

(xiv) a seguir aos acontecimentos do 28 de setembro de 1974,  emigra para a Rodésia;  em 1978 instala-se na África do Sul, em Joanesburgo, como empresário.
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Notas do editor:

(*) Vd. 30 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17917: Notas de leitura (1009): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. 2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...

(***) Vd. 31 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17926: (D)o outro lado do combate (15): continuação da odisseia do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia...


Papel timbrado do PAIGC, com sede em Bissau, Guiné "Portuguesa", secretariado geral, delegação no Senegal, B.P. 2319 - Dakar.


I. Afinal havia ou há, no Arquivo Amílcar Cabral, mais duas referências ao Rendeiro, de  seu nome completo, Rodrigo José Fernandes Rendeiro,  o comerciante que alguns de nós conhecemos em Bambadinca (e com quem incluive convivemos, algumas vezes, entre 1969 e 1971). 

Eis o comentário que o Jorge Araújo, [, vd. fóto à direita], nosso colaborador permanente, ex-fur mil op esp, CART 3494 (Xime, Enxalé e Mansambo, 1972/74), colocou no poste P17920 (*),


Certamente que me cruzei com o Rendeiro, em Bambadinca, entre 1972 e 1974, mas nunca privei com ele.


Quanto ao solicitado pelo Luís, aqui vai o que consegui apurar nos «Arquivos», citando o seu conteúdo e referindo as respectivas fontes.

1. Em texto assinado por Pedro Pires, dactilografado em impresso timbrado do PAIGC, datado de Outubro de 1963, refere-se o seguinte: 

“Timóteo e Rendeiro – De facto foram à Gambia. O Rendeiro deve ter seguido para Bissau. O Timóteo voltou a Dakar. Tentou entrar, às escondidas, no lar por duas vezes. Penso que ele continua em Dakar. Estou à procura de uma pequena informação que falta para ir à “Sureté” [Segurança].

Eles devem ter tido contactos com os elementos da URGP [Union des Ressortissants de la Guinée Portugaise ou UNGP – União dos Nativos da Guiné Portuguesa]. Penso isso pelos panfletos que têm saído ultimamente.

Soube que o Timóteo disse à prima que não saiu de livre vontade. Que foi obrigado a sair”.

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36579


2. No relatório manuscrito e 
 assinado por Pedro Pires, datado de 26 de outubro de 1963, é referido o seguinte:  

“Timóteo e Rendeiro – tudo o que aconteceu foi devido a informações incompletas vindas do interior.

Depois de algumas averiguações soube que tiveram contacto com 4 cabo-verdianos que trabalham pela [para a] PIDE e que estes foram ao Consulado da Suíça e conseguiram salvo-condutos para os dois e pagaram-lhes as passagens para a Gâmbia. Tenho o nome dos cabo-verdianos e do local onde se reuniam”. 

Fonte: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41413

 II. Comentário de LG:

No mesmo relatório, do Pedro Pires, de 26 de outubro de 1963, há um  ponto interessante que merece também ser reproduzido, porque vem esclarecer qual o verdadeiro estatuto que o PAIGC queria dar a pessoas como o Rodrigo Rendeiro: o de "refugiados políticos", civis, distinto da figura do "desertor", militar (!)... Diga-se, "en passant", que a expetativa do Pedro Pires, de ter muitos desertores portugueses, saiu gorada,,,































Transcrição, revisão e fixação de texto (LG):

"2. Refugiados portugueses - O problema dos refugiados portugueses deve ser estudado com as autoridades senegalesas. Se continuar como está, será muito maçador para o Lourenço [Gomes], além do tempo que tem de estar fora do seu posto, [o] que é muito prejudicial para nós.

Parece-me que há grandes possibilidades de deserção de soldados portugueses para o Senegal,  mas teremos possibilidades materiais de os manter no Senegal ? Não seria bom ver o que pensa[m], nesse sentido, as autoridades senegalesas ? 

Não seria possível manter os desertores no mato, criando uma base só para esse fim ?

Quanto aos desertores, espero que me digam o que devo fazer com eles.  Será necessário façam uma declaração para ser distribuída no interior ? Ou uma declaração para ser distribuída à presse [imprensa] ? Enfim, mandem-me  instruções.

Quanto aos desertores, tratam-se do alferes miliciano Fernando Vaz e do sargento miliciano  Fernando Fontes.

Disseram-me  que só na 4ª feira, poderão continuar a ouvir os desertores e o Lourenço" (...)


Quanto ao nosso Rendeiro, ele parece não ter voltado para Porto Gole... Pelo menos em 1966, já não estava lá, a avaliar pelo comentário do nosso camarada José  António Viegas (ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):

"Em Porto Gole nos anos em que lá estive, entre 1966/68,  havia a Casa Gouveia em que estava à frente um cabo.verdiano que se chamava Albertino que vivia com a mãe. Em frente havia outra casa comercial de um tal João, que me parece que era de Braga, esse sim jogava com o pau de dois bicos. Ainda cheguei a ter discussões com ele na altura da compra do arroz, que ele pagava o preço do arroz limpo pelo mesmo preço do arroz com casca, além da pesagem que era sempre a enganar.

"Se bem que raramente via pagamento em dinheiro,  era a troca por folha de tabaco e outros géneros que os Balantas necessitavam . Depois de sair de lá,  acho que a tropa o prendeu,  não voltei a ter mais informação. " (*)


Ainda estou por descobrir quando é que ele se fixou em Bambadinca... (Em 1963, não me parece que tivesse casa ou loja em Bambadinca, a avaliar pelas memórias do nosso camarada Alberto Nascimento) (**). De qualquer modo, o Rendeiro foi à luta e teve que reconstruir a sua vida. Como muitos outros comerciantes e colonos (metropolitanos, cabo-verdianos, sírio-libaneses...) de quem pouco ou nada a História fala... Temos a obrigação também de lhes dar "voz"...

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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o  Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, lado nordese do quartel e um dos abrigos, sobranceiros à tabanca, e a morança do comerciante português Rodrigo Rendeiro, do outro lado do arame farpado... Ficava do lado direito, quando se subia, vundo de Bafaté e do rio Geba,  a famosa rampa de acesso ao quartel e posto administrativo de Bambadinca.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Portal Casa Comum > Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 07075.147.042 [Clicar aqui para ampliar]

Título: Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC

Assunto: Relatório assinado por Rodrigo Rendeiro, remetido ao Secretário Geral do PAIGC, sobre a sua saída de Porto Gole até ao ingresso no PAIGC.

Data: Quinta, 26 de Setembro de 1963

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral > 04. PAI/PAIGC > Relatórios/Directivas


Citação:
(1963), "Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41411 (2017-10-30)


Transcrição:

Dacar, 26 de setembro de 1963

Relatório ao Exmo. Sr. Secretário do PAIGC sobre a minha saída de Porto Gole, até ao ingresso nas fileiras nacionalistas (PAIGC)

No dia 3 de setembro de 1963, cerca das 7 horas da tarde, chegou a Porto Gole para libertação desta pequena vila da Guiné, dita Portuguesa, uma força nacionalista comandada pelo camarada Caetano Semedo,  e que não encontrou resistência por parte da população civil, visto esta comungar da mesma ânsia de liberdade do jugo colonialista português comandado por Salazar.

Quando o camarada Semedo chegou à minha casa comercial, convidou-me para abrir a porta da residência, com palavras e gestos corteses, o que logo me cativou e mais ainda fez luz no meu espírito[:] que os nacionalistas combatem por, e com, um ideal elevado, ou seja, a independência da sua terra do jugo capitalista e opressão salazarista, e não são indivíduos de baixos instintos, como diz a propaganda imperialista.

O camarada Semedo sabia perfeitamente que eu tinha conhecimento da sua base em [Baradoulo e não Barradul, vd. mapa de Mamboncó], povoação biafada, a 10 km de Porto Gole, e que da minha loja partia[m] os abastecimentos para os seus camaradas de luta. O meu empregado José Duarte Pinto era o responsável dos civis militantes em Porto Gole, [e] a quem eu dizia sempre que estivesse tranquilo, que da minha parte jamais haveria traição alguma, não só por viver na Guiné, dita Portuguesa, onde labutava [h]á vinte anos, mas também por encontrar nessa Guiné a mulher, de raça mandinga, e os nossos  cinco filhos, que são a minha principal família.

O camarada entendeu, como eu estava colaborando com eles, e para não sofrer [represálias](*) da parte das autoridades portuguesas, levar-me para a base de[ Baradoulo, e não Barradul] e depois para lugar seguro. Assim começou a minha viagem até à fronteira do  Senegal, passando pelas bases de Mansodé [, a sudoeste de Mansabá] e Morés, onde estive 14 dias, sendo tratado com todos os pergaminhos (sic) de delicadesa por parte do camarada Osvaldo Máximo Vieira e de seus camaradas de luta.

Parti do Morés no dia 17 do corrente, pelas 4 horas da tarde, para a fronteira do Senegal, jantando na povoção de [Fajonquito, a sul do Olossato] (**), comandada pelo camarada Mamadu Indjai, pessoa de trato afável que me dispensou todas as atenções. Depois de jantar nesta base, partimos para a povoação de Lete [, ou melhor, Leto, a sudoeste do Tancroal], onde cheguei aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18. Descansámos nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde. Donde partimos para a travessia [do rio Cacheu e não do rio Farim...] que já se fez de noite, devido à vigilância duma vedeta colonialista. 

Cerca das duas horas da manhã [, do dia 19,] chegámos à povoação fronteiriça de Jiribã [e não Giribam], já [no] Senegal, onde descansámos até  às 7 horas da manhã. De seguida partimos para [Ierã, em português, e não Eran], onde o guia nos antecedeu, partindo para Samine [, a leste de Ziguinchor, capital de Casamansa, e não Zinguichor]. Devido a má interpretação deste guia, as autoridades senegalesas tomaram-nos {por] prisioneiros de guerra, pelo que fomos detidos e algemados. 

À nossa chegada, o camarada Lourenço [Gomes], responsável do Partido em Samine, protestou junto das autoridades senegalesas, fazendo-as ver que não éramos prisioneiros mas sim refugiados que vínhamos pedir asilo no seio do PAIGC. Então fomos desalgemados e conduzidos ao lar dos camaradas,  onde almoçámos. Após o almoço seguimos para Ziguinchor, ainda detidos,  onde o camarada Lourenço [Gomes] nos antecedeu para tratar da nossa [libertação](***). 

Mas em Ziguinchor,  ainda durante [os] 4 dias [em]  que lá estivemos, continuámos detidos,  devido a [má] comunicação, com a gendarmaria, de Samine [e de] Ziguinchor, como prisioneiros. Após estes 4 dias, saímos de Ziguinchor para Dacar no dia 23, onde chegámos somente por volta das 8 horas da noite do [dia] 25, devido a uma avaria na viatura que nos transportava.

Como os nossos camaradas de Dacar, que têm como responsável o camarada [Pedro] Pires, não soubessem da nossa chegada, tivemos que dormir na prisão até  ao dia seguinte.  Depois de termos contacto como o camarada [Pedro] Pires, este dirigiu-se ao ministério do Interior, tratou dos nossos interesses e fomos postos em liberdade. Dirigi-me para o lar dos camaradas, onde me encontro desde o dia 25 do corrente.

Com o vivo protesto de saudações para o nosso partido, e que a nossa luta contra os colonialistas portugueses alcance em breve o seu fim.

[Assinatura, legível] Rodrigo Rendeiro,


 Revisão, fixação de texto e notas: Luís Graça

*No original, repressões; **  No original, Feijão Quito; *** No original, liberdade.


Parte final do relatório, datilografado, de 2 páginas, com a assinatura do comerciante português Rodrigo Rendeiro, datado de Dacar, 26 de setembro de 1963... 


1. Das vezes (duas ou três, pouco mais) que estive na sua casa, em Bambadinca, convidado para os seus famosos almoços de frango de chabéu, em geral aos domingos ou feriados, entre julho de 1969 e março de 1971, ele nunca me falou desta "odisseia" nem muito menos do seu passado de eventual militante ou simpatizante do PAIGC. 

Nem poderia falar, obviamente,  estando na presença de militares portugueses, alferes e furriéis milicianos aquartelados em Bambadinca (CCAÇ 12, CCS/BCAÇ 2852, CCS/BART 2917...), com quem gostava de conversar, aproveitando para matar saudades de Portugual e da sua terra, Murtosa,  e, eventualmente, saber coisas da tropa e da guerra...

Só muito mais tarde, depois do 25 de Abril, é que alguns de nós viemos a saber que o Rendeiro tinha sido  "informador" da PIDE/DGS (*), e que inclusive teria tido problemas na terra da sua amada esposa, Auá Seidi, mandinga, de linhagem nobre, e dos seus queridos filhos. (Sou testemunha do amor que ele tinha aos filhos, embora ele nunca os tenha apresentado  a n+os, tal como nunca nos mostrou a esposa).

Dando como certo o relato destes acontecimentos, mas pondo em causa a "sinceridade" do Rendeiro que, de um dia para o outro, se vê "apanhado" pela teia do PAIGC, os dados biográficos a seu respeito batem certo com o que  dele conhecíamos:

(i) o seu nome completo era Rodrigo [José[ Fernandes Rendeiro, natural da Murtosa, onde de resto iria falecer, tendo o seu funeral ocorrido em 10/9/2011, conforme relato do nosso camarada Leopoldo Correia, de quem era amigo desde os tempos da Guiné (##);

(ii) em Bambadinca, tratávamo-lo simplesmente pelo apelido, Rendeiro; era um homem discreto, polido, magro de cara, moreno, que pouco falava de si; e eu da sua terra, só conhecia a ria de Aveiro e o ensopada de enguias, tinha lá ido de comboio em 1963, com 16 anos numas férias grandes;

(iii) em Banmbadinca era nosso vizinho e, de certo modo, nosso "protegido"; além disso, tinha negócios com a tropa (aluguer de viaturas para transporte de material);

(iv) em 1963, o Rendeiro já estava na Guiné há 20 anos, ou seja desde os seus 17 anos; deve ter emigrado, portanto, em plena II Guerra Mundial (c. 1942/1943), e pelas nossas contas deve ter nascido por volta de 1925/1926, e não em 1920, como eu supunha, teria portanto 44 anos quando eu conheci em Bambadinca;

(v) tal como consta do seu "depoimento" acima transcrito, casou com uma senhora, de etnia mandinga /(, de seu nome Auá Seidi), de que tinham 5 filhos (à data dos acontecimentos);

(vi) nesse ano de 1963 deve ter nascido o seu filho Rodrigo Fernandes que viria a morrer, aos 53 anos de idade,  em 24 de abril de 2016 (, conforme notícia necrológica que encontrámos na Net); residia em Pardelhas, Murtosa, e era "irmão de Maria Libânia, Joaquim Carlos, Joana Maria, Álvaro Henrique, João Herculano, Maria Paula e Hilário, todos com os apelidos Fernandes Rendeiro,  e de Ana Maria Fernandes Rendeiro Bernard, já falecida" [, licenciada em direito, procuradora da República, em Lisboa];

(vii) o comandante Caetano Semedo, aqui citado, devia ser da família de  Inácio Semedo (,conhecido agricultor de Bambadinca, velho nacionalista, de quem Amílcar Cabral foi padrinho de casamento,  e foi um dos históricos do PAIGC); é uma história a aprofundar, com mais tempo e vagar...

2. Tenho dúvidas sobre a "vontade sincera e espontânea" do Rendeiro em pedir a adesão ao PAIGC e ficar em Dakar. Ele terá sido "obrigado" pelas circunstâncias a "colaborar" com o o PAIGC... Era comerciante em Porto Gole, em 1963, e vivia das boas relações com a população indígena, mas também não podia dar-se ao luxo de entrar em rota de colisão com as autoridades portuguesas. Afinal, a Guiné era a sua segunda terra e era lá que ele queria criar os seus filhos e dar-lhes um futuro.  

Lendo com atenção o documento que  acima se transcreve, parece-nos que o comteúdo e a forma não poderiam ser da lavra do Rendeiro... Alguém quis (talvez o "camarada Caetano Semedo" pou talvez o Lourenço Gomes, que estava no Senegal) mostrar bom serviço ao secretário-geral do PAIGC. A "conquista" de Porto Gole  e a "adesão" de um comerciante branco à "luta de libertação" eram dois "grandes roncos", em meados de 1963, com seis meses de guerra...

O documento está escrito em bom português, com um erro ou outro de ortografia, que corrigimos, mas é seguramente muito melhor do que o português da maior parte dos comandantes operacionais do PAIGC.

O Rendeiro, casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, devia ser pessoa considerada pelos militantes e simpatizantes do PAIGC, e pela população indígena em geral. No relatório é citado o famigerado Mamadu Indjai, mandinga, que irá pôr o setor L1 (Bambadinca) a ferro e fogo em meados de 1969... Acredito que, por razões de sobrevivência, o Rendeiro tenha sido obrigado a colaborar no abastecimento da guerrilha da base de Barradul, a 10 km a norte  de Porto Gole.

Só o seu amigo (e nosso camarada) Leopoldo Correia (##), a par dos seus filhos (que devem viver em Portugal, na Murtosa), pode esclarecer este período obscuro e dramático da vida do Rendeiro. Ele regressou a casa, mas não sabemos quando. E provavelmente nessa altura deve-se ter estabelecido em Bambadinca onde eu e outros camaradas o conhecemos em meados de 1969.

Enfim, mais um episódio para a série "(D)o outro lado do combate" (###). Pode ser que o Jorge Araújo, nosso colaborador permanente e conhecedor do Arquivo Amílcar Cabral,  queira e possa acrescentar ainda  novos dados sobre este caso. O Jorge teve ter tido oportunidade de conhecer o Rendeiro, em Bambadinca, nos anos em que esteve no Xime, Enxalé e depois Mansambo (entre 1972 e 1974).

Também a nossa amiga Maria Helena de Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, é capaz de saber algo mais sobre esta história. O Rendeiro, em Porto Gole, e o Pereira,no Enxalé, eram amigos e talvez amigos... O Pereira fixou-se em Bissau, com a família, em 1962. O Reneiro ficou. Não haveria muitos mais brancos em redor, no início da década de 1960.


3. Tentando reconstituir (e estimar o tempo de) o percurso feito pelo  Rendeiro (e a sua escolta), calculamos que ele terá feito cerca de mil km, de Porto Gole (partida a 4/9/1963) a Dacar (chegada a 25/9/1963). É uma estimativa grosseira, com base nas estradas de hoje.

O Rendeiro fez pelo menos 160 km a pé, de Porto Gole até à fronteira senegalesa, entre Bigene e Guidaje:

(i) partiu de Porto Gole no dia 4 de setembro, possivelmente logo de manhã, passando pela base de Mansodé e chegando ao Morés possivelmente no dia seguinte;

(ii) aqui ficou 14 dias, partiu no dia 17, pelas 4 horas da tarde, a caminho da fronteira;

(iii) jantou na povoção de Fajonquito, a sul do Olossato;

(iv) depois do jantar, partiu para a povoação de Leto, a sudoeste do Tancroal, aonde chegou aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18;

(v) descansa nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde do dia 18,  partindo de seguido para a travessia do rio  Cacheu, o  que já se fez de noite, para ilkudir vigilância da marinha portuguesa;

(vi) cerca das duas horas da manhã  do dia 19, chegou à povoação fronteiriça de Giribam, já no Senegal; aqui descansou até  às 7 horas da manhã;

(vii) partiu depois, em viatura, para Ierã e Samine onde foi detido pela gendarmaria;

(viii) depois do almoço, seguiu para Ziguinchor, onde ficou mais 4 dias detido;ix)

(ix) esclarecida a sua situação e o seu novo estatuto, seguiu de Ziguinchor para Dacar no dia 23, aonde chegou somente por volta das 8 horas da noite do dia 25, devido a uma avaria na viatura que o transportava (, a ele e à sua escolta).

Em resumo, as forças do PAIGC levariam normalmente entre  4 a 5 dias, do centro da Guiné (Porto Gole, na margem direita do rio Geba) até à fronteira (,corredor de Sambuiá), fazendo uma média de 30/40 km por dia. Um ferido grave, levado para o hospital de Ziguinchor, morreria fatalmente pelo caminho,,,
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(...) Infelizmente já não está entre nós, pois foi sepultado na sua terra natal [, Murtosa,] em 10/09/2011, tendo eu assistido ao funeral e tido contacto com toda a " ínclita geração", os filhos de Fernandes Rendeiro / Auá Seide, da qual só tenho a dizer bem. A que estudava em Coimbra, era licenciada em direito e era magistrada: faleceu também há cerca de 5 anos. Era juíza do Ministério Público em Lisboa. (...)

/###) Último poste da série > 25 de outubro de  2017 > Guiné 61/74 - P17905: (D)o outro lado do combate (13): Jovens recrutas do PAIGC... (Jorge Araújo)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9272: Memória dos lugares (168): Bambadinca, de 1969/71... Evocando a figura do antigo comerciante Fernandes Rendeiro, natural da Murtosa, recentemente falecido... (Leopoldo Correia)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72)> Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o O Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, a morança do comerciante português Rodrigo Fernandes Rendeiro, casado com uma mulher mandinga, Auá Seide, que tinha uma prole numerosa. Faleceu recentemente, no passado mês de setembro. Paz à sua alma. Fui visita da sua casa e beneficiei da sua hospitalidade. A Auá Seide, que o Rendeiro nunca mostrava aos seus convidados, militares, era uma excelente cozinheira, a avaliar pelo seu chabéu de frango de cuja e sabor ainda me lembro... Também nunca me lembro de ter vistos os seus filhos, embora ele nos falasse, com orgulho,  de uma filha mais velha, já a estudar no Continente...

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ainda o ano passado, no convívio do pessoal do BART 2917, soube através do Dr. António Vilar, médico, que é de Aveiro, que o antigo comerciante de Bambadinca ainda estava vivo. Teria então cerca de 90 anos ou por aí perto. 

Terá nascido, portanto, por volta de 1920. Recordo-me de ele dizer que tinha vindo para a Guiné com 17 anos. Na altura em que com ele privámos, em Bambadinca, era homem de meia idade, perto de 45 anos. (Pelas mimnhas contas, teria nascido em 1925/26). Sempre magro de cara e de corpo (contrariamente ao outro comerciante de Bambadinca, o Zé Maria), tinha uma loja e armazéns junto ao nosso aquartelamento. Fico grato ao nosso leitor (e camarada) Leopoldo Correia por nos dar notícias, embora más, desta família, que era nossa vizinha e de cuja hospitalidade beneficiámos, alguns de nós...

Também o Beja Santos já evocou aqui, há tempos, o Rendeiro e a sua loja, nestes termos:

"Luís, li os teus comentários sobre as guloseimas de Bambadinca. Seria bem interessante que se desencadeasse aí uma tempestade de recordações à volta da mesa, não os acepipes de Bissau mas os desenrascanços das gazelas de mato e peixe da bolanha, bem como os cantineiros que ainda conhecemos e que nos ajudaram a levantar a moral da muita comida sorumbática a que éramos obrigados.

"Quase me sinto a entrar na loja do Rendeiro (o concorrente do José Maria de Bambadinca) onde eu encomendava o caldo de mancarra à subida da rampa, para todo o contingente que me acompanhava, naquele dia". (...)




2. Do nosso leitor e camarada Leopoldo Correia:


De: Leopoldo Correia [mailto:correia.leopoldo@gmail.com]
Enviada: domingo, 25 de Dezembro de 2011 10:29
Assunto: Feliz Natal e um Próspero Ano de 2012, Felicidades!!

Bom dia de Natal. Este contacto é de um camarada conterrâneo do tuga de Bambadinca, Fernandes Rendeiro, que pelo que eu tenho lido era um bom amigo das [Nossas] Tropas.

O Joaquim Mexia [Alves] também o evoca várias vezes. Infelizmente já não está entre nós, pois foi sepultado na sua terra natal [, Murtosa,] em 10/09/2011, tendo eu assistido ao funeral e tido contacto com toda a " ínclita geração", os filhos de Fernandes Rendeiro / Auá Seide, da qual só tenho a dizer bem. A que estudava em Coimbra, era licenciada em direito e era magistrada: faleceu também há cerca de 5 anos. Era juíza do Ministério Público em Lisboa.

Por hoje já basta de más notícias, não acham ?

Continuação de Boas Festas para toda a Família e cumprimentos do
ex-Fur Mil Leopoldo Correia

"Eduque os meninos e não será preciso castigar os Homens" (Pitágoras)
Feliz Natal e um Próspero Ano de 2012, Felicidades!!

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9226: Memória dos lugares (167): As nossas lavadeiras da Guiné, a nossa Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea)