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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)





1. O nosso Camarada Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa,Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, enviou-nos a seguinte mensagem:





Com data de 11 de Agosto de 2009,
Subject: Livros
To: Luís Graça

Aos meus Estimados Camaradas e Amigos Editores,

Não sei quem está de serviço de dia, por isso não endereço a nenhum em especial.

Se entenderem que tem interesse divulguem.

Confesso não me encontrar motivado para escrever no ou para o blogue, embora considere este de leitura diária, obrigatória e uma força viva necessária e extremamente importante para nós e para o próximo.

Entendi, por isso, não dever ficar só para mim e decidi-me a alinhar estas palavras com a informação recolhida recentemente, dois títulos que encontrei publicados pela Âncora Editora, na sua colecção Guerra Colonial e na colecção Holograma, histórias relatadas na primeira pessoa, ou seja, por quem viveu os acontecimentos. É como uma continuação do blogue ou Tabanca Grande mas já em livro.

“Memórias de um guerreiro colonial” de José Talhadas, Sargento-Mor Fuzileiro Especial reformado, começa por nos dizer qual era a sua vida enquanto miúdo, os seus problemas sociais e a sua vivência no mundo do trabalho, a razão da sua ida voluntária para a marinha passando depois a descrever-nos as comissões de serviço que fez na Guiné e Angola.

Não me compete nem pretendo fazer aqui qualquer apreciação literária ou estabelecer comparação entre o autor e outros com igual fortuna, apenas e só dar-vos a conhecer a obra e deixar ao vosso critério a sua leitura. Trata-se de um camarada que partilhou o mesmo espaço, a Guiné, num corpo de elite cujas intervenções no blogue são escassas e por isso pouco conhecida a actuação desta tropa de elite na guerra.

Quem sabe se este e outros camaradas não se apresentam um dia destes na porta d’armas da Tabanca Grande. Já estaremos melhor documentados sobre eles para os recebermos.

Quanto ao livro intitulado "Trauma" de H. Bastos Machado, médico reformado, inserido na colecção Holograma, conta-nos, de forma romanceada, uma experiência, embora sem o referir, não deixe de ser na primeira pessoa.

Este livro trata de um problema comum nas três frentes da Guerra, o trauma ou stress, embora a experiência deste militar médico se tenha desenrolado em Moçambique com uma curta passagem por Angola.

Para aqueles que procuram conhecer melhor como se desenrolava o teatro de operações nas três frentes da Guerra, ou como foi/era a vida de outras forças armadas e as suas actividades militares, aqui fica este modesto contributo.

Com um abraço para todos,
BSardinha
____________
Nota de M.R.:


sexta-feira, 24 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4733: Em busca de... (81): Jantar, retribui-se (José Carlos Neves)


1. Mensagem de José Carlos Neves, (*), ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, com data de 2 de Julho de 2009:

Caro Carlos Vinhal

Faço-te aqui um apelo. Porém não há pressa até porque vou de férias (Algarve) e só lá para 20 de Julho é que estarei por cá.


Jantar, retribui-se

No último dia em que Catió era nosso, no dia a seguir foi entregue ao PAIGC, fui convidado para ir lá jantar pelo pessoal do PINT. Estava teso que nem um carapau ou seja sem dinheiro e é claro que nessa condição rejeitei o convite com muita pena minha. Porém a solidariedade fez-se logo sentir e um camarada (do qual não me lembro o nome) e que julgo ser da Póvoa de Varzim se prontificou logo a pagar-me o jantar com a condição de que lhe pagaria outro quando nos encontrássemos na vida civil.

Nunca mais o vi e agora com a leitura do Blogue é que as memórias vão aparecendo.
Se por acaso esse nosso camarada pertencer à Tabanca Grande ou alguém o conhecer por favor digam-me para poder, com todo o gosto, saldar a minha dívida.

José Carlos Neves
Ex-Soldado Radiotelegrafista do STM
Cufar 1974
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4598: Estórias avulsas (35): O porco que andava à solta (José Carlos Neves)

Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4716: Em busca de... (80): CCP 121 - Apelo vindo do Brasil (Cassiano Rocha da Costa, natural de Castro Daire)

domingo, 28 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4598: Estórias avulsas (35): O porco que andava à solta (José Carlos Neves)

1. O porco que andava à solta é uma estória que o José Carlos Neves, (*), ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, nos enviou em mensagem do dia 26 de Junho de 2009:

O porco que andava à solta

Um belo dia resolvemos (eu e alguns Camarada da Intendência) ir tomar banho à piscina que era nem mais nem menos do que uma pedreira onde a água da chuva se concentrava e formava uma bela piscina. E por estranho que pareça até estava limpa.

Estávamos a refrescarmo-nos quando demos pela presença de um porquinho muito jeitoso na borda da água. Como a fominha apertava, não se pensou duas vezes. Um saiu da água pegou na G3 e zás, lá estava o porco morto. O pior é que um tiro de G3 faz barulho e logo quase de imediato a Senhora que andava a pastar os porcos apareceu.

Procurou o porco por todos os lados, só se esqueceu de o procurar debaixo de água, onde ele foi parar antes que viesse alguém. Até aqui tudo bem, só que a dita Senhora que não era parva nenhuma e já sabia com quem lidava, não saía dali. O porco tinha que estar em algum lado. E estava! Debaixo dos meus pés porque teimosamente queria vir à superfície.

O tempo foi passando até que passou uma viatura do Exército. Fizemos sinal e lá pararam. Explicámos a situação e eles fizeram-nos companhia até que a Senhora resolveu afastar-se por uns momentos. Foi o suficiente para o porquinho, num salto acrobático, saltar da água para cima da carripana.

O problema todo é que tivemos que repartir o bicho por mais gente o que ficou menos para cada um. Mas mesmo assim deu para matar a fominha.

Escusado é dizer que a tal Senhora no dia seguinte foi perguntar pelo porco ao Comandante, mas nós, que também não éramos completamente parvos, tratámos logo de enterrar as tripas e apagar todos os vestígios do crime.

Esta foi uma das estórias que vou tendo para contar.
Qualquer dia conto outra se virem interesse nisso.

Um Alfa Bravo para toda a Tabanca Grande
José Carlos Neves
Soldado Radiotelegrafista do STM
Cufar, 1974
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4546: (Ex)citações (31): Tenho pena daquele povo afável que vive hoje na miséria absoluta! (J. Carlos Neves)

Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4519: Estórias avulsas (34): Desertei depois de ter vindo da Guiné (Manuel Maia)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4546: (Ex)citações (31): Tenho pena daquele povo afável que vive hoje na miséria absoluta! (J. Carlos Neves)

1. Mensagem de José Carlos Neves (*), ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974, com data de 15 de Junho de 2009:

Assunto: Filme de George Freire 62/63

Olá a toda a tabanca!

Gostaria de felicitar o nosso camarada George Freire pelo belíssimo filme que fez da sua Comissão na Guiné. Atendendo às condições que havia na altura julgo poder dizer, como profissional da imagem, que está uma bela obra.

Além da recordação que terá para o George também para nós nos faz refelectir. Como era a Guiné antes da Guerra e como ficou depois!

Deixaria umas perguntas no ar. E faço-o com toda a modéstia pois posso estar errado pela falta de conhecimento. Não estaria o povo guineense agora bem melhor se tivessemos continuado lá e sem haver guerra? Será que éramos tão maus como colonizadores?

Julgo que quem ia para o Ultramar, ia para fazer vida lá e não para sacar, como outros povos o fizeram em Africa. Julgo que embora todo o povo tenha direito à sua independência, aquele não estava preparado para o ser. E vê-se por aquilo que ainda hoje se passa na nossa querida Guiné

Não pensem que sou a favor do outro regime, até porque foi o 25 de Abril que me safou as costas, mas tenho pena daquele povo afável que vive hoje na absoluta miséria!

Um Alba Bravo para toda a Tabanca e até Sábado

José Carlos Neves
Soldado Radiotelegrafista do STM
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4424: (Ex)citações (30): O meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou (José da Câmara)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3377: O meu baptismo de fogo (19): Como, porquê e não só (Belarmino Sardinha)


1. Mensagem do camarada Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, com data de 28 de Outubro de 2008:

Caros Editores,
Estimados Camaradas,
Aqui envio descrito aqueles que foram o meu Baptismo e Crisma.
Vejam o interesse que eventualmente possa ter e, não lhe chamarei censura, deixo ao vosso critério a sua divulgação ou não.

Um Abraço
BSardinha

2. O Meu Baptismo de Fogo - Como, Porquê e Não Só

Tornou-se leitura diária este Blog/Local, como preferirem.

Nunca falei muito sobre este tempo e quando o fazia era apenas e só com camaradas, tivessem eles estado na Guiné, Angola ou Moçambique. Sempre achei não ser capaz de transmitir cabalmente o que vivemos ou obter de quem me ouvia a sensibilidade para um resumo de acontecimentos com que éramos brindados, não de uma queixa. Se havia a necessidade de libertar fantasmas que eventualmente existissem, quer pelos acontecimentos vividos ou simplesmente conhecidos, nunca me apercebi haver por parte da sociedade em geral esse interesse em ajudar. Não me refiro aos familiares, refiro-me àqueles que nos ouviam quase como obrigação num acto de consolo para com o desgraçadinho ou o apanhado, como muitas vezes disfarçadamente diziam. Talvez por isso nunca o tenha feito tão abertamente como agora neste espaço, se calhar nem com os meus filhos o fiz alguma vez, outros são hoje os tempos e os interesses, felizmente, embora devamos estar atentos aos políticos, especialistas a arranjarem-nos destas situações, mesmo em regimes como a dita democracia.

Talvez também nunca tenha dado grande importância a esta parte da minha vida na Guiné. Foi um assunto em que me vi envolvido, que era pessoal e intransmissível e altamente individual, só partilhado com todos os outros em igualdade de circunstâncias. Porém este Blog/Local tem-me levado a falar convosco e a poder contribuir para quem queira fazer um trabalho verdadeiro e sério sobre o que foi e como foram vividos pelos diferentes protagonistas esses 13 (treze) anos. Por tudo isso, só agora, falando ou escrevendo vou recordando situações e nomes, mas estou certo que coisas há que estão profundas ou mesmo apagadas na memória. Escrevi um dia: as coisas boas recordam-se, as más nunca se esquecem. Hoje não estou tão certo assim.

Nunca achei e continuo a achar pouco importante o que eu passei tendo em atenção as experiências vividas por muitos outros camaradas com quem privei. Mas não me escuso a deixar aqui o meu depoimento sobre como aconteceu o meu baptismo de fogo.

Mansoa, 1972, num dia de Setembro ou Outubro, tanto faz

Os dias eram iguais e as datas não eram coisa que me interessasse, tinham passado pouco mais de 15 (quinze) dias, de um período de 24 meses quando fui para Mansoa, não havia razão para pressas ou preocupações de tempo e muito menos para um registo. Estávamos no ano de 1972 e isso era quanto bastava, sabia que tinha passado já o meio do ano, pois tinha sido nessa altura que havia desembarcado na Guiné e passava já mais algum tempo que estava em Mansoa, seria talvez Setembro ou mesmo Outubro quando pelas, aproximadamente, 20h00 ou 20h30 se ouviu o primeiro rebentamento.

Inexperiente nestas matérias e por isso também mais inconsciente, procurei ver o que faziam os outros para lhes seguir o exemplo, foi assim que dei comigo debaixo de uma placa onde se encontrava o telex dentro do edifício de STM em Mansoa. Foram apenas uns quinze a vinte minutos, se calhar menos, tempo apenas suficiente para nos enviarem a mensagem, seis canhoadas, palavrão ouvido aos operacionais. Caíram todas fora do quartel, mas o pior para aqueles que lá se encontravam havia quase uma comissão, era que no mês de Julho, uma semana antes de eu lá ter chegado, haviam sofrido um forte ataque que deu cabo de parte de várias casas da vila e da bomba de gasolina. Tive oportunidade de ver os estragos.


Mansoa > Ponte sobre o Rio Mansoa.
Foto de J. Mexia Alves, editada por CV


Mansoa > Vista aérea do Quartel.
Foto de César Dias, editada por CV


Em Aldeia Formosa, sempre à hora do jantar

Como já referi em nota anterior, por dificuldades de entendimento com um furriel miliciano, fui transferido para Aldeia Formosa.

Não sei se estarei a falar da mesma zona que o nosso mestre Luís Graça refere não ser atacada, ou se isso reporta apenas à data que ele refere no comentário que faz no final da tradução do documento do PAIGC, mas os camaradas já lá colocados, quando cheguei diziam ser prato habitual e sofriam de alguma ansiedade se estavam muitos dias sem que houvesse um ataque ou flagelação, diziam poder estar o IN a estudar um plano para um ataque pior ao que que estavam já habituados.

Que me lembre, existiam neste quartel, Aldeia Formosa, além de duas anti-aéreas de 4cm mais duas ou três quádruplas, um Obus 14 e outro mais pequeno, salvo erro 11, não sou especialista de armas e posso estar a dar-lhes o nome errado tecnicamente, mas isso poderá ser confirmado por outros camaradas que por lá passaram ou pelos registos militares que certamente existirão .

Voltando à questão dos ataques, como a festa anterior tinha sido de pouco efeito e digamos sem interesse e tinha apenas o baptismo, foi-me possibilitado fazer o crisma e assim ver melhor como funcionavam estas coisas dos ataques aos quartéis. Nos três meses que passei em Aldeia Formosa averbei 9 (nove) ataques ao quartel, sendo um deles ao arame, por volta das 21h00 ou 22h00.

Como era habitual estava a entrar no bar do pelotão das chaimites, com quem fazia, por vezes, a ronda fora do quartel, quando ouvi um barulho que me fez olhar para trás e ver o céu cheio de luzes, balas tracejantes.

Tinham começado um ataque do lado de lá da pista de aterragem, sem que tivesse sido detectada qualquer movimentação ou rebentamento que provocasse o alarme.

Pouco depois começou a nossa resposta a esse ataque, mas as anti-aéreas quádruplas encravaram com excepção de uma manuseada por um experiente velhinho. Houve depois quem dissesse que tinham ido lá testar os periquitos que tinham chegado para substituírem os atiradores daquelas armas e que estas encravaram por terem feito fogo abaixo dos 0 graus.

Mas para mim, o pior, com excepção deste ataque nocturno ao arame, foi que todos os outros foram sempre próximo da hora do jantar ou quando este decorria. Embora não fossemos trajados com fatos de gala nem houvesse baile depois, fez que numa das vezes, ao despejar o prato para o caldeiro e correr para a vala, feita com bidões cheios de terra, tivesse despejado também as ferramentas da refeição, ou sejam, o garfo e a colher.

Considerado já um especialista que averbava no curriculum 10 ataques aos quartéis por onde tinha passado, regressei a Bissau e aí fiquei, até ir render a Bolama um camarada que ia de férias.

E porquê?

Tinha já passado mais de metade da comissão e tinha estado de férias da Metrópole.

O então 1.º Sargento Vasco, Chefe do Posto Director do STM em Bissau, havia-me pedido, ou mandado, levar-lhe um capacete para se passear de mota, dizendo-me qual o modelo e inclusive onde o deveria comprar, na altura, na esquina da Rua das Pretas com a Avenida da Liberdade. Como não se tinha chegado à frente com o dinheiro, na altura entre 1.500$00 a 1.800$00, nem via nele grande interesse em o querer pagar, quando regressei disse-lhe que estavam esgotados. Não gostou. Daí a ter-me oferecido para ir substituir a Bolama o camarada que ia de férias foi um passo.

Por outro lado pensei que se Bolama servia para gozarem as férias muitos dos que não iam à Metrópole, nada melhor do que eu ir até lá, era como sair de Lisboa ou Porto e ir passar um mesinho em Cascais ou Foz do Douro.

Chegado e instalado, num quartel de instrução militar destinado ou pelo menos na altura a recrutas, dos quais grande parte ou todos muçulmanos, onde a carne de porco não fazia parte da ementa e onde acompanhavam as refeições com leite, procurei o entendimento com o cozinheiro e levantava os géneros e confeccionava eu o tacho no espaço do STM.

Mas não tenho razão para me queixar do trabalho, talvez mais da falta dele, dormia todas as noites sem a preocupação dos turnos 00h00/04h00 - 04h00/08h00 - 08h00/12h00 - 12h00/16h00 - 16h00/20h00 - 20h00/24h00 obrigatórios em Bissau, estava mesmo de férias não fosse lembraram-se de fazer um ataque ao quartel, imaginem dois ou três rebentamentos e acabou, felizmente e sem consequências.

Depois deste nunca mais passei por outro, passados os 30 (trinta) ou 40 (quarenta) dias que estive em Bolama regressei a Bissau e ao Posto Director do STM até final da comissão.

Como poderão ver, tenho razões para me considerar um privilegiado em relação a muitos dos camaradas que dão o seu contributo a este Blog/Local e não vejo grande interesse nas minhas situações pessoais. Contudo, não deixarei de contribuir, modestamente, para o Blog/Local que, sendo do Luís do Vinhal e do Briote, nos reúne e permitam-me a ousadia, já é de todos nós.

Um abraço para todos.
BSardinha
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3365: O meu baptismo de fogo (18): Cufar Nalu, 15 Maio de 1965 (Mário Fitas, CCaç 763, Cufar)

Vd. postes de Belarmino Sardinha de

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2942: O Nosso Livro de Visitas (16): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2956: Tabanca Grande (75): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

6 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3026: Convívios (69): Pessoal do BCAÇ 3832, no dia 31 de Maio de 2008 na Covilhã (Germano Santos/Belarmino Sardinha)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

20 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3075: Estórias avulsas (19): Os cães da guerra (Belarmino Sardinha)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3047: Os nossos regressos (9): Uma viagem tranquila...(Belarmino Sardinha).

1. Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, 1972/74, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau


Bilhete? Ida e Volta

A ida

Sem fugir aos factos concretos, vou procurar dar um pouco de cor ao texto para não se tornar uma coisa chata e enfadonha. Pode servir para intercalar com relatos mais dolorosos que chocam e colocam no local aqueles que os viveram.
As guerras não são feitas por homens sábios, são feitas por bestas, apoiadas por interesses de pessoas sem escrúpulos e alimentadas com juventude.

Não posso começar a dizer, fui para o aeroporto …
Decorridos 14 meses de serviço militar e quando, pensava eu, estavam já habituados à minha presença, eu por mim estava habituado a estar por cá, ofereceram-me como prenda de aniversário, presumo, tinha completado 22 anos havia uma semana, uma ida para a Guiné. Propuseram-me que estivesse no aeroporto, no terminal militar, eu e mais 14 ou 15, não me recordo com exactidão se éramos 15 ou 16 no total, mas adiante, pelas 22H00 do dia 15 de Junho de 1972, para embarcarmos num voo às 00H00.
Como nunca tinha andado de avião aceitei.

Não foi lá ninguém levar-nos, nem apareceram a ver se tínhamos comparecido, tal era a confiança que tinham em nós, só fazíamos parte da lista de passageiros. Ainda hoje continuo sem saber o que teria acontecido se não aparecêssemos. Mas não, fomos todos exemplares, o nosso exército sabia-o, embora sem presidentes na despedida, nem o do meu clube, ou ministros de estado ou mesmo só de nome, lá estivemos acompanhados pelas famílias.

Passada a hora das lágrimas e depois de acomodados dentro do DC6 (?), para quem queria ter sido piloto, uma prenda de aniversário destas era o máximo, ir de avião passar dois anos numa terra que ainda não conhecia, que diziam ser ecológica devido à muita vegetação, portanto boa para o ambiente, com cama mesa e roupa lavada (desde que alguém a lavasse), quem é que recusava?

Mas, o avião que levado do terminal militar para a pista da TAP decidiu não levantar

Volta tudo para trás e há que esperar, ninguém sai do avião, são só 15 minutos para ver uma coisa e vamos já seguir. Passada meia hora começámos a ver desmantelar o avião, a impaciência dos 65 ou 75 ocupantes, oficiais, sargentos e praças todos em rendições individuais, a crescer e a vontade de fumar etc., veio a ordem de podermos descer à pista para desentorpecermos as pernas, fumar e aguardarmos, que estava quase.

Passada mais meia hora na pista, era só vir a peça que tinham ido buscar a Alverca e embarcávamos. Claro que já começávamos a ver que indo naquele objecto tínhamos certo o embarque, só não sabíamos era quando e onde íamos desembarcar e de que maneira.

Pelas 02H00 horas da manhã, ou a peça não chegou ou o mecânico já não sabia de onde eram as peças e como o avião tivesse a carcaça cada vez mais à vista, foram levar-nos ao terminal civil do aeroporto com a indicação para estarmos de volta nesse dia à noite, pelas 00H00.

Às 02H00 da manhã só de táxi podíamos ir para o centro de Lisboa. Além de gastarmos o pouco que tínhamos voltávamos para casa e dizíamos o quê à família, que já tinham passado dois anos? No dia seguinte dizíamos ir fazer nova comissão? Ficávamos um dia inteiro em Lisboa a andar de um lado para o outro até às 00H00?

O certo é que assim aconteceu e cada um desenrascou-se como quis e no dia seguinte lá estávamos todos de novo para ver se era mesmo verdade. E não é que foi mesmo?

Que maravilha, ver despontar o dia pelas janelas do avião.

Eram aproximadamente 08H00 quando aterrámos e se abriu a porta. Perante a baforada de ar quente, ficámos todos molhados, parecia termos aterrado no Alentejo em pleno sol de Agosto, não fosse alguém ter gritado "eh pá, é só grilos", o que como alentejano habituado a anedotas não estranhei. E os cheiros? Incómodos mas só até os interiorizarmos. Não serão eles que inconscientemente recordamos hoje e nos ligam e aproximam daquela terra?

Desembarcado e a caminho do quartel, Regimento de Transmissões, situado dentro da parte que englobava também o QG, julgava eu ter uma suite à minha espera, mesmo que o não fosse ou não fosse só para mim, já calculava, pelo menos devia ter ar condicionado e outras mordomias para estarmos sempre prontos e em forma.

Surpresa das surpresas, pelo calor que estava devia ser período de férias, como no Algarve, estava tudo superlotado e tivemos que fazer campismo. Deram-nos três tendas cónicas e mandaram-nos para um sítio ainda por construir e nem nos avisaram que se não tivéssemos cuidado, durante a noite, éramos comidos pelos mosquitos. Como bons militares, sempre prontos e preparados para tudo descobrimos depressa.

Passámos 5 ou 6 dias naqueles aposentos até sermos despachados cada um para seu sítio.
Eu fui para Mansoa, outros para Bafatá, Nova Lamego e os outros não me recordo para onde.

A estada ou estadia, já que também andei de barco e estive a bordo de patrulhas como o "Orion" ou do Navio Hidrográfico "Pedro Nunes", onde tinha colegas de secundário, e os comes e bebes eram diferentes e melhores que na unidade. O meu abraço e agradecimento para o Francisco Correia dos Santos e para o Etelvino Ribeiro Alves.


O regresso

O regresso, esse foi mais simples e sem complicações, tranquilo diria mesmo, passavam 20 dias de ter completado os 24 meses quando embarquei, num 707 ou 727 da Força Aérea. Como não trazia bagagem, apenas aquele saco tipo chouriço que a TAP utilizava para os seus passageiros que tinha guardado das últimas férias à Metrópole, haviam passado apenas três meses, foi sair do aeroporto com destino a Odivelas e aparecer em casa a dizer agora já vim definitivamente, não volto mais, acabou-se. Mas confesso ter sonhado várias vezes, durante algum tempo, que tinha voltado a ser chamado e estava a fazer uma outra comissão.

Depois do regresso tem sido a conversa de ocasião, até que este Blog veio reavivar tudo de novo, mas ainda bem, está vivo e tem sido a forma de os relembrar a todos, sem excepção, embora com muita emoção. Afinal tínhamos apenas vinte e poucos anos e a esperança de toda uma vida pela frente. O que dói e corrói não é o exterior.

Um abraço para todos,
Belarmino Sardinha
__________

Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

1 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos. Luís Dias.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > Um olhar de esperança no futuro... É, pelo menos, o que gostaríamos de adivinhar neste olhar inocente de uma criança às costas de sua mãe... O que mudou na Guiné-Bissau, desde que o Hélder Sousa desembarcou, em Bissau, do Ambrizete, em rendição individual, em 9 de Novembro de 1970...

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Bissau > 1996 > Rua onde ficava a célebre cervejaria Solmar, aqui evocada pelo Hélder Sousa.... "Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano" (HS).

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Um velho Toca-Toca (transporte colectivo) que morreu no asfalto, numa das ruas da capital guineense... Em 1970, apesar de militarizada, Bissau ainda era uma pequena cidade, com ar pacato, limpa, bonitinha, colonial... Como comentou o Hélder nouro poste, afinal Bissau sempre era maior do que a nossa aldeia: (...) "Bissau era o que mais se aproximava à realidade da maioria daqueles jovens que estavam espalhados no TO do CTIG (era também assim que se dizia) e que, naqueles idos dos finais de 60, inícios de 70 - excepção feita aos habitantes da grande Lisboa, Porto, Coimbra e limítrofes - não tinham a vivência de grandes metrópoles e para eles aquilo já era um grande movimento"....

Foto: © Hugo Costa (2006). Direitos reservados.

Navio de carga Ambrizete > Construído em 1948 na Inglaterra, tinha cerca de 138 metros de comprimento e 5500 toneladas de arqueação bruta. Deslocava-se a uma velocidade de 13 nós, tinha 37 tripulantes e pertencia à SG, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, com sede em Lisboa (Grupo CUF). Recorde-se que a CUF - Companhia União Fabril estava representado na Guiné pela Casa Gouveia, adquirida na década de 1920 (1)... Eram cargueiros da SG como o Ambrizete que traziam para a Metrópole a mancarra com que a CUF fazia o seu famoso Óleo Fula (em 1929 conseguiu a autorização para produzir óleo alimentar, em regime de monopólio, e em clara concorrência, desleal, com os produtores de azeite)...

Fonte: © Navios Mercantes Portugueses, página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...). O autor foi oficial da marinha mercante. A página, alojada do Sapo, deixou entretanto de estar disponível.


1. Texto do Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72), em que ele descreve a sua chegada a Bissau, no navio da marinha mercante Ambrizete, em rendição individual, e as suas primeiras impressões da cidade, dos seus lugares mais afamados e da sua fauna humana (2).

Luís Graça e Caros Co-Editores:

Há algum tempo atrás enviei-vos a história da minha partida para a Guiné (3), a qual foi precedida pela ida ao Tivoli assistir ao filme O Último Adeus.

Pois bem, agora pretendo relatar a minha chegada à Guiné, mais propriamente a Bissau.

A partida ocorreu então cerca das 22 horas do dia 3 de Novembro de 1970, quando o velho Ambrizete rumou à foz do Tejo com destino a Bissau, navegando com uma inclinação de 7º para estibordo motivada por uma qualquer má distribução da carga que consistia, para além de géneros alimentícios, em material de guerra diverso e sobressalentes para manutenção.

A viagem correu bem, com mar sem causar problemas (vaga larga, como nos explicaram), gozando aqui e ali da companhia dos peixes voadores que faziam questão de acompanhar e, aparentemente, rivalizar com o navio.

A aproximação à costa da Guiné deu-se pela madrugada do dia 9 de Novembro, com todas as sensações que aqui no Blogue já foram descritas por outros camaradas, como a visualização da linha do que parecia ser uma mata cerrada, o bafo quente e húmido de que lá emanava, os sons e os silêncios, tudo isto ainda mais ampliado pelo facto de estar a nascer o sol em contra-luz em relação à nossa posição.

Durante a madrugada tínhamos ultrapassado o Carvalho Araújo que seguia carregado de militares mas que nos disseram ter tido um conjunto de problemas (fogo a bordo?) que o fazia navegar muito lentamente. Deste modo, todos aqueles que seguiam no Ambrizete (como tinha dito, 6 militares, todos Furriéis de Transmissões, 3 TPF (transmissões por fios) e 3 TSF (eu, o Nélson Batalha e o Manuel Martinho)) desembarcámos a meio da manhã desse dia 9, enquanto que o desembarque do pessoal do Carvalho Araújo só ocorreu no dia seguinte, dia 10 de Novembro, dia de S. Martinho, o que nos fez ficar com velhice acrescida em relação a todos os que viajaram naquele barco, nomeadamente os nossos camaradas de curso e especialidade, Furriéis Milicianos Eduardo Pinto, Luís Dutra Figueiredo, António Calmeiro e José Manuel Fanha, sendo que, como era sabido, "a velhice era um posto"!

O episódio do desembarque teve algo que me marcou e que me deixou de pé atrás, como se costuma dizer...

Devido à tal situação do posicionamento relativo dos dois barcos que estavam a chegar ao cais de Bissau, o Ambrizete ficou um tanto ancorado ao largo para dar a primazia ao Carvalho Araújo, razão pela qual a passagem dos passageiros do barco para terra foi feita por intermédio de pequenas embarcações do tipo que lá se usavam para fazer as cambanças mas que no nosso imaginário eram pirogas dirigidas por nativos, sendo aí o primeiro contacto (desconfiado) com os naturais.

Quando o barquito manobrava na aproximação à rampa, estando nós naturalmente a um nível mais baixo do que aqueles que se encontravam no cais, um militar que lá se encontrava procurou saber se "algum de vós é o Furriel Hélder Sousa ?". Após a confirmação de que eu "era eu", o militar em causa, de que eu era o substituto, desesperado pela demora da minha chegada (não esquecer que oficialmente parti a 23 de Outubro, embora só o tenha feito realmente em 3 de Novembro e, sendo das Transmissões, sabia que eu já tinha embarcado) começa aos saltos e aos gritos de É ele!, é ele!, é ele!", o que fez aumentar a minha preocupação sobre onde me vinha meter para suscitar tanta alegria pela partida...

Hoje já não me lembro do seu nome, ele que fez tanta questão em me acompanhar em todas as voltas que foi necessário dar para me apresentar no Quartel, de me levar a uns amigos de Vila Franca que me tinham guardado um lugar para ficar, de me levar a almoçar à messe de sargentos, etc., mas a imagem que tenho é de um macaquinho aos saltos (era o que me parecia, já que o via de baixo para cima e ele estava acocorado), feliz da vida por ter encontrado o seu pira e safar-se dali o mais depressa possível, provavelmente na viagem de regresso do Carvalho Araújo.

Depois das apresentações fiquei a saber que os Comandantes da Companhia de Transmissões e do STM (Serviço de Telecomunicações Militares) eram respectivamente os Capitães Cordeiro e Oliveira Pinto (excelentes pessoas), que eram cunhados e contemporâneos da minha (nossa) passagem pelo B.T., no Quartel da Graça, quando fazíamos a especialidade, o 2º Ciclo do C.S.M., e eles eram Tenentes a fazer o tirocínio para capitães, período de alguma agitação pois ocorreu no último trimestre de 1969, quando tiveram lugar as chamadas Eleições de 69.

Igualmente o 1º Sargento que supervisionava o STM em Bissau e que nos iria instruir preparando-nos para as tarefas que teríamos que desempenhar quando fossemos destacados para os postos no interior era meu velho conhecido, já que tinha sido ele a orientar o meu estágio da especialidade em Tancos, na EPE (meu e do Manuel Martinho que também foi para a Guiné, bem como do Miguel Rodrigues que foi para Angola, salvo erro, e do Fernando Marques que ficou cá em Portugal, na CHERET).

O camarada que fui substituir deixou-me depois aos cuidados dos meus conterrâneos vilafranquenses, Furriéis Milicianos José Augusto Gonçalves e Vitor Ferreira, o primeiro deles meu colega da Escola Industrial e o outro das tertúlias do Café A Brasileira, mais parceiro que adversário das partidas de bilhar, os quais estavam integrados nas Transmissões (nessa ocasião ainda estava em criação o futuro Agrupamento de Transmissões) os quais arranjaram um espaço para me acomodar no quarto que compartilhavam nas instalações para sargentos em Santa Luzia, juntamente com outro Furriel, de apelido Pechincha, que tinha estado numa Companhia de Caçadores Nativos e que estava agora destacado numa repartição qualquer do Q.G..

Levaram-me a jantar à Meta (já li algumas referências no Blogue mas não me parece que lhe tenham dado o relevo que de facto tinha naqueles finais de 1970), lugar muito frequentado, com uma zona de Bar, zona de restauração e uma enorme pista de minicarros, muito maior que as que conhecia cá na Metrópole e que era palco de acesas e renhidas disputas de competição dos vários miniaceleras que por lá iam gastando o seu tempo e dinheiro.

Após o jantar, uma voltinha para desmoer e reconhecer os vários locais de interesse, Solmar, Solar do 10, Ronda, o inevitável Café do Bento (5ª Rep.), a casa das ostras na rua paralela à marginal, o Pelicano.

Aqui no Pelicano, quando para me integrar saboreava a minha Coca Cola com uísque (era um privilegiado, já tinha tido a oportunidade de beber aquela coisa quando em 1968 estivera em França, Bélgica e Inglaterra), tive contacto directo com mais algumas das realidades do mundo onde estava a entrar...

O primeiro foi a sensação estranha de estar ali na esplanada a ouvir embrulhar lá longe, do outro lado do grande e largo Geba, diziam que era em Tite, ou Fulacunda ou qualquer outro nome que para mim naquela ocasião não assumia personalidade, coisa que mais tarde já não era assim, os nomes tinham depois uma identidade própria, acho mesmo que havia até uma como que espécie de hierarquia, no que respeita à forma como eram identificados pelas dificuladdes de vida que lhes eram inerentes. Estar ali a ouvir os rebentamentos abafados pela distância e a ver alguns clarões deu logo um arrepiozinho na espinha, com aquele misto de temor e de ansiedade que nessas ocasiões nos assaltam, mas também com um pensamento de solidaridade e angústia pela impotência de quem só pode assistir e não intervir.

O segundo contacto foi mais do género de constactar a degradação moral que a permanência em situações daquelas podia produzir em espíritos mais fracos. Já se falava do que acontecia no Vietnam com os soldados americanos consumindo droga para resolver os seus problemas mas ali no Pelicano não foi esse o caso. Tratou-se apenas do facto de que em determinado momento um desgraçado qualquer acercou-se da mesa onde estávamos e procurou vender uma fotos "de gaijas nuas". É claro que recusámos mas fui depois esclarecido de que não se tratavam de "gaijas" mas sim de "uma gaija", a própria mulher dele, a quem ele (diziam que era um fulano já bastante apanhado do clima) enviava fotos que tirava a si mesmo sem roupa e pedindo que ela lhe enviasse fotos do mesmo jeito, que ele depois reproduzia e tentava vender.

Fiquei bastante impressionado com aquela demonstração prática da alienação a que o clima de guerra e o consequente improviso da vivência podiam produzir em seres humanos e jurei a mim mesmo que haveria de sair da Guiné são de cabeça e mais determinado em contribuir para as mudanças inevitáveis que haveriam de ocorrer na nossa sociedade.

Cumprimentos
Hélder Sousa
Ex-Furriel Mil
Transmissões TSF
__________________

Notas dos editores:

(1) Vd. o interessante blogue do jovem Ricardo Ferreira, 26 anos, estudante de história, O Grupo CUF - Elementos para a sua História e o primeiro poste que é dedicado à memória do seu fundador Alfredo da Silva (1871-1942):

(...) Em 1918 sobe ao poder Sidónio Pais, é conhecido o seu apoio pelo industrial, que durante este período será eleito senador, e também designado para o Conselho Superior Económico. Com a guerra terminada, lança-se na criação de uma nova empresa, que será crucial para o futuro da C.U.F., de seu nome Sociedade Geral de Indústria Comércio e Transportes. Esta empresa fundada em 1919, iria ainda antes de se lançar no ramo dos transportes marítimos (1922), estava apta a adquirir ou fazer parte do capital de outras empresas que interessassem ao projecto de expansão da C.U.F., foi esse o caso da Casa Gouveia na Guiné. Assentava na exploração agrícola, centrada na palma, no mendobi (amendoim) e gergelim, que passariam a ser carregados em barcos da S.G. e passariam a ser transformadas em óleos comestíveis no Barreiro (...)

(2) Vd. postes desta série Estórias de Bissau:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

Vd. também:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

(3) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (10): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P964: O Nosso Livro de Visitas: Obrigado, camaradas (José Bastos, 1º Cabo Trms, Bafatá e Bula, 1973/74)

Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1970 > Vista aérea da sede de concelho de Bafatá, elevada a cidade em Março de 1970. Vista da bela mesquita local.
Foto, tirada de héli, do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).

Caro Luis Graça,

Chamo-me José Bastos, estive na Guiné em serviço militar desde Janeiro de 1973 a Agosto 1974, fui 1º cabo de transmissões (STM), estive todo o ano de 1973 em Bafatá, tendo vindo a Portugal de férias no início de 1974 e voltado à Guiné, desta vez para Bula, onde estava quando se deu o 25 de Abril.

Quando vejo qualquer notícia ou outro tipo de escrita que fala em Guiné-Bissau, sinto como que alguma coisa de mim esteja nessa pequena palavra e não resisto a ler, reler e voltar a ler... Daí que tudo o que se encontra neste e noutros sítios , como o da Guiné-Bissau > Contributo [o sítio do Didinho], eu consulto, leio, releio e muitas vezes me comovo com aquilo que os camaradas contam e que muito me toca.

Voltei à Guiné em 1976 e daí para cá tem sido uma corrida quase constante: este ano ainda só lá estive em Março, mas no ano de 2005 fui lá 5 vezes, 2004 igual, 2003 idem, etc.

A minha vinda a este blogue é simplesmente para agradecer aos camaradas que vão deixando aqui as suas histórias, agradecer-lhes, agradecer ao Luís Graça e a todos quantos fazem com que, um dia, quando a nossa geração desaparecer, os nossos filhos, os nossos netos, quer brancos, quer pretos, saibam tirar a lição que já todos nós tirámos, concerteza, sobre a guerra colonial: tanto nós como o PAIGC lutámos por objectivos que, no meu ponto de vista, só o do PAIGC era um objectivo válido, consistente, assente na determinação nobre de serem independentes.

Nós fomos defender um património que não nos pertencia, mas ficou uma grande lição de humanismo e respeito entre dois povos que falam a mesma língua e que choram ambos os seus mortos. Tenho que respeitar e respeito as decisões de um Estado soberano como a Guiné-Bissau, mas não deixo de lamentar e sentir uma grande tristeza pelos fuzilamentos do pós-guerra, exercidos sobre os comandos africanos que estiveram do nosso lado. Está será sempre uma grande mágoa que me acompanhará até à morte.

Da última vez que fui à Guiné estive na Residencial Coimbra e encontrei 2 militares da Liga dos Combatentes, o vice presidente e outro da marinha. Andavam a fazer o levantamento dos militares que ficaram sepultados na Guiné, achei um trabalho muito interessante.

Bom, já vai chegando por hoje, voltarei ao contacto e estou também inteiraqmente disponível para ser contactado para:

E-mail > j.s.bastos@netvisao.pt e j.s.bastos@vodafone.pt
Telemóvel > 965 392 507
Telefone > 256 422 006
Fax > 256 188 801

Um abraço
José Bastos
__________________

Comentário de L.G.:

Meu caro Zé Bastos:

(i) Pelo indicativo do teu número de telefone e fax és capaz de ser de Ovar ou de São João da Madeira, terras de gente laboriosa e boa, não desfazendo nas restantes...

(ii) De Ovar já temos dois camaradas, curiosamente ambos de transmissões: o Afonso Sousa e o Hernâni Acácio Figueiredo, como poderás ver na nossa tertúlia;

(iii) As transmissões são, de resto, umas das armas que mais membros, voluntariosos e activos, tem dado à nossa tertúlia, a qual, como sabes, vive sobretudo das estórias que vamos contando uns aos outros;

(iv) Presumo que queiras ficar connosco, na nossa tertúlia, na nossa caserna virtual onde cabe sempre mais um (ainda não formamos uma companhia mas para lá caminhamos);

(v) Que sejas, pois, bem-vindo ao nosso convívio e que este seja mutuamente enriquecedor;

(vi) Vejo que és um fã da Guiné, um profundo conhecedor do país, pelo que deduzo que tenhas contigo muita documentação, incluindo fotográfica; o que puderes e quiseres partilhar connosco, será apreciado e acarinhado... Tens negócios na Guiné, para lá ires assim, praticamente de dois em dois meses ? (Não precisas de responder, já que a pergunta é demasiado pessoal);

(vii) Muito em particular, gostaria de saber duas coisas: como viveste aí, em Bula (que já pertence à região do Cacheu), o 25 de Abril; e como foi feita a passagem de testemunho entre as NT e o PAIGC... Tens fotos dessa época ?

(viii) Fala-nos, já agora, dos meses de 1973/74, que passaste em Bafatá... Como estava a situação político-militar na 2ª maior cidade da Guiné, até à data da tua ida de férias ?

(ix) Vê o post de 2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade , com várias fotos de Bafatá, da época em que foi elevada a cidade (!) (Março de 1970)