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quinta-feira, 13 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22197: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (10): Dia da espiga... para que não nos falte o pão (espiga de trigo), a alegria (videira), a paz (oliveira), a saúde (alecrim), o amor (papoila) e a sorte (malmequer)...






Lourinhã > Tabanca do Atira-te Ao Mar > 13 de maio de 2021 > Dia da Espiga


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já foi, nos anos 30 e 40 do séc. XX, um mar de searas e de vinhas, o concelho da Lourinhã... E havia meia dúzia de moinhos de vento em cada aldeia. Hoje é difícil encontrar uma seara  de trigo (por muito pequena que seja) ou até uma vinha (, mesmo que seja aqui que se produz a famosa aguardente DOC Lourinhã). 

Mas hoje é Dia da Espiga, 5ª Feira da Ascensão. a ascensão de Jesus Cristo ao Céu, segundo a liturgia cristã, 40 dias depois da Ressurreição...Curiosamente, hoje é também, para os muçulmanos, o fim do Ramadão. Saúdo o Cherno Baldé e nossos amigos da Guiné que são crentes e praticantes.

A 5ª Feira da Ascensão deixou de ser feriado (religioso) há quase 70 anos, em 1952, se não erro. Mas ainda sou do tempo de se ir colher a espiga neste dia... Logo pela manhã, ia-se em alegre passeio pelos campos colher espigas, de modo a formar um ramo que devia  incluir  cereais (, com destaque para o trigo), flores campestres (papoila, malmequer, alecrim...) mas também   um pedacinho de  oliveira e de videira,,, 

Os nossos pais e avós ensinavam-nos que cada elemento do ramo do Dia da Espiga tinha um significado ou simbologia próprios: (i) espiga=pão; (ii) videira=alegria; (iii) alecrim = saúde; (iv) oliveira=paz; (v) papoila=amor; (vi) malmequer= sorte, fortuna...

Os povos, e nomeadamente em meio rural, marcados pelo ciclo do solstício do inverno e o solstício do verão,   precisavam destas "festividades cíclicas"... Hoje, citadinos (e globalizados), o nosso "imaginário" é outro... se é que ainda temos "imaginário".  

Recordo-me ainda, na casa dos meus tios da aldeia do Nadrupe e da Quinta do Bolardo,  de o ramo da espiga ser colocado por detrás da porta de entrada, para dar sorte, devendo ser substituído por um novo no ano seguinte. No campo respeitava-se este feriado, não trabalhando. Nalguns concelhos do País, e nomeadamente na Estrmadura e no Ribatejo, ainda hoje é feriado municipal.

Hoje a Alice Carneiro e a Maria do Céu Pinteus, mulheres grandes da Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo!),  no seu passeio matinal, foram colher a espiga da tradição. Para que não falte,  a todos os tabanqueiros das tabancas da Tabanca Grande,  sorte, saúde, amor, alegria, paz e pão neste ano de 2021...e se realize o nosso desejo de voltar à normalidade das nossas vidas depois de um ano e tal de pandemia de Covid-19, que fez estragos na nossa saúde, nas nossas vidas e nas nossas fileiras!... (LG).

_______________
 
Nota do editor:

domingo, 25 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22137: Tabancas da Tabanca Grande (2): Tabanca do Atira-te ao Mar - Parte II: Quem canta (e toca) seu mal espanta (ou troca...)

 


Vídeo (1' 56'') > Alojado em Luís Graça / You Tube

Lourinhã, Porto das Barcas, Tabanca do Atira-te ao Mar  > Abril de 2021

Interpretação: Jaime Silva (voz e cavaquinho) e Joaquim Pinto Carvalho (voz e viola)  (Ensaio)


Oh rama, oh que linda rama 

(Música tradicional portuguesa) 
Letra:

Oh rama, oh que linda rama,
Oh rama da oliveira!
O meu par é o mais lindo
Que anda aqui na roda inteira.

Que anda aqui na roda inteira,
Aqui e em qualquer lugar.
Oh rama, oh que linda rama,
Oh rama do olival! 

Eu gosto muito de ouvir
Cantar a quem aprendeu.
Se houvera quem m'ensinara,
Quem aprendia era eu!

Não m'invejo de quem tem
Parelhas, éguas e montes;
Só m'invejo de quem bebe
A água em todas as fontes.

Fui à fonte beber água,
Encontrei um ramo verde;
Quem o perdeu tinha amores,
Quem o achou tinha sede.

Debaixo da oliveira
Não se pode namorar;
A folha é miudinha,
Deixa passar o luar.



Vídeo  (2' 47'') > Alojado em Luís Graça / You Tube


Lourinhã, Porto das Barcas, Tabanca do Atira-te Ao Mar > Abril de 2021

Interpretação: Jaime Silva (voz e cavaquinho) e Joaquim Pinto Carvalho (voz e bandolim) (Ensaio) 

Maria, teu lindo nome 
(Canção tradicional de Coimbra)


Letra: 

Maria, teu lindo nome, 
Ai, para as bocas sequiosas! 
Maria, teu lindo nome, 
Ai, para as bocas sequiosas! 

Maria, disse e ficou-me 
A boca a saber a rosas, 
Maria, disse e ficou-me 
A boca a saber a rosas. 

Maria, quero-te tanto, 
Ai, que só te peço que um dia, 
Maria, quero-te tanto, 
Ai, que só te peço que um dia 

Quando tu souberes o quanto 
Me queiras tanto, Maria. 
Quando tu souberes o quanto 
Me queiras tanto, Maria.


1. Na "jovem" Tabanca do Atira-te Ao Mar (...e Não Tenhas Medo!) (*), também se canta e toca... E quem canta e toca, seu mal espanta e troca... 

Os artistas, numa sessão de ensaio, deixaram-me gravar estas duas musiquinhas... que divulgamos só para partilhar a sua (deles) e nossa alegria por estarmos vivos (... e já vacinados contra a Covid-19, 1º dose...) e a esperança de que em breve todas as tabancas da Tabanca Grande possam abrir as portas, de par em par, para recebecer todos os amigos e camaradas da Guiné (e não só)...

Para já o grupo de músicos da Tabanca do Atira-te ao Mar é restrito (é apenas um duo... ), devido às circunstâncias atuais. Mas, recorde-se, que os dois fazem parte também da Tabanca Grande e da Tabanca da Linha...E o Joaquim Pinto Carvalho também já tem ido ao convívio da Tabanca do Centro... Portanto, senhores régulos, é convidá-los para uma próxima... quando a gente sair desta "anormalidade" (e já vamos no segundo ano da comissão de serviço na guerra contra a Covid-19). (LG)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22136: Tabancas da Tabanca Grande (1): Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã - Parte I: Nascida em plena pandemia de Covid-19...

 





 Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te ao Mar > 17 de abril de 2021 >  Peças de cerâmica da Maria do Céu Pinteus, a mulher grande da Tabanca, que faz anos a 12 de dezembro, e que ainda é do clube dos Sexas.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Foi, a partir de março de 2020, com a eclosão da pandemia de Covid-19 e o primeiro confinamento, que a Tabanca do Atira-te ao Mar se tornou numa espécie de "porto de abrigo" para alguns amigos e camaradas da Guiné, da região da Estremadura, Oeste, Lourinhã... Dentro das regras sanitárias impostas pela Direcção Geral de Saúde, obviamente.

A Tabanca do Atira-te Ao Mar fica em Porto das Barcas, Lourinhã... Tem o Mar do Cerro em frente. A logística é fornecida pelos "Duques do Cadaval, Maria do Céu Pinteus e Joaquim Pinto Carvalho (, advogado, músico e poeta, natural do Cadaval, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73).  (A casa, de férias, agora residência permanente do casal,  tem 3 pisos com 3 frentes de mar,  os de baixo é para os "tabanqueiros".)

Tem sido um bom sítio para, em pleno confinamento imposto pela pandemia de Covid-19, revermos, ao ralenti, os fotogramas dos filmes que de vez em quando passam (e repassam) na tela da nossa memória, ajudando porventura a exorcizar os nossos fantasmas da guerra... 

Convirá dizer que é, por enquanto, uma minitabanca, com lotação máxima de seis lugares  (de acordo com as normas da DGS),  sentados à mesa comprimida, perpendicular ao oceano Atlântico. Está assente na falésia jurássica, a menos de 100 metros da linha de água...

A Tabanca do Atira-te Ao Mar já tinha, até esta data, 7 referências no nosso blogue. Como já  explicámos em postes anteriores (*), esta nova Tabanca  tem desempenhado um papel importante na quarentena e no confinamento, resultantes da pandemia de Covid-19, passando a ser um digno sucedâneo da Tabanca de Porto Dinheiro, e  mantendo a "chama viva" das nossas melhores memórias e vivências e da esperança e melhores dias. 

Recorde-se que, com a morte do Eduardo Jorge Ferreira ( 1952-2019). a Tabanca de Porto Dinheiro ficou órfã do seu insubstituível e carismático régulo. 

Dos membros da Tabanca Grande, tem aparecido por lá, com maior ou menor regularidade,  o Jaime Bonifácio Marques da Silva (, ou simplesmente Jaime Silva, também conhecido  como "marquês do Seixal"), natural de (e agora residente em) Seixal, Lourinhã, ex-alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72, e ex-autarca em Fafe, bem como o nosso editor, Luis Graça e a Alice Carneiro (, residentes na Lourinhã).  

Estávamos à espera do João Crisóstomo e da Vilma, vindos de Nova Iorque, mas a festa da família Crisóstomo & Crispim, marcada para o Varatojo (a par da homenagem ao Eduardo Jorge Ferreira, em Ribamar, em outubro de 2020) teve de ser cancelada pelas razões imperiosas que todos nós conhecemos.

Tanto o Jaime Silva como o Pinto Carvalho têm queda para a música, e tocam alguns instrumentos (cavaquinho, o Jaime,  bandolim, viola e cavaquinho, o Joaquim), além de fazerem (ou terem feito) parte de coros ou grupos musicais, Os convívios na Tabanca do Atira-te Ao Mar metem sempre umas musiquinhas e às vezes poesia. (Em próximos postes, divulgaremos algumas dessas atuações que, no fundo, não passam de "ensaios"...)

À volta de um comprimida mesa, que pode meter à vontade mais de uma dúzia de convivas, no 1º piso (, agora com lotação máxima de  seis), temos usufruído também de magníficas refeições (, em geral a cargo das "chefs" Alice Carneiro e Maria do Céu Pintéus, mas também do régulo Pinto de Carvalho, mestre do grelhador) e dos mais belos espectáculos de pôr-do-sol (*).



Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te ao Mar > 8 de maio de 2020 >  2º piso:  vista privilegiada sobre o mar do Cerro.

Foto: © Alice Carneiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te Ao Mar > 2 de junho de 2020 > 1º piso: a magia do pôr-do-sol sobre o mar do Cerro.



Lourinhã > Porto das Barcas >  Atira-te ao Mar e... Não Tenhas Medo > 1º piso > 4 de outubro de 2020 > Os donos,  Maria do Céu Pinteus e Joaquim Pinto de Carvalho (que  antes da pandemia viviam habitualmente em Carnaxide, Oeiras).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. No princípio de outubro do "annus horribilis" de  2020, despedimo-nos do verão do nosso descontentamento, com um poema do Luís Graça que dizia:

(...) À volta de um prato de sardinhas
e de um pedaço de pão de trigo barbela,
com o azeite puro da nossa oliveira,
despedimo-nos do verão,
mas não da vida, ou do que resta dela,
do puro prazer de estar vivo, e de pé,
de dedilhar uma viola,
de beber um copo em grupo,
ou de lembrar os tempos de Guiné, (...)

E em dezembro cantámos  os parabéns à dona da casa e mulher grande da Tabanca, que é também ela uma artista plástica e sobretudo ceramista talentosa como se pode ver das fotos que acima publicamos. Na ocasião ela recebeu o seguinte soneto de parabéns:

Para a Maria do Céu Pinteus,
A nossa Duquesa do Cadaval,
No dia dos anos que ela nunca mais esquecerá!

No seu palácio do Atira-te ao Mar,
Ela é hoje, e por um dia, Rainha,
Mimos deem-lhe, mas não a tratem por Céusinha,
Nem como Santa, muda e quieta, no altar.

Faz aninhos, a Duquesa do Cadaval,
Mulher d’armas que “en su situ” tem Pinteus,
Capaz de, daqui da terra, bradar aos céus
P’ra que Deus ponha à Covid ponto final.

Nove meses, confinada, tantos castigos,
Tem à frente o mar e atrás o Montejunto,
O que lhe vale é o Duque e os seus amigos.

Bem queria dar uma festa d’ aniversário,
Mesa farta, lagosta, champanhe, presunto!...
Mas, olhem, tem de ficar para o… centenário!



Lourinhã, 12 de dezembro de 2020,
2* vaga da pandemia de Covid-19…

Muita saúde e longa vida,
Que tu mereces tudo!...
Dos bons amigos, também confinados,
Companheiros de mesa do teu Atira-te ao Mar
E espetadores dos mais belos pôr do sol de 2020,

Os Viscondes da Lourinhã,
Alice & Luís

PS - Hoje, dia 25 de Abril de 2021, os tabanqueiros Joaquim, Luís e Jaime homenageiam também as suas companheiras de uma vida, e mães dos seus filhos, a Céu, a Alice e a Dina (, esta, infelizmente, já internada num lar, com incapacidade permanente; pertencia também à Tabanca de Porto Dinheiro)... 

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Nota do editor:

(*) Vd. entre outros os postes:

5 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21418: Tabanca do Atira-te ao Mar, Porto das Barcas, Lourinhã (2): A despedida do verão ou a vida que segue dentro de momentos (texto e fotos: Luís Graça)

3 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21037: Manuscrito(s) (Luís Graça) (184): a magia do pôr do sol no Mar do Cerro, Porto das Barcas, Lourinhã, na casa "Atira-te ao Mar!", dos "Duques do Cadaval"

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

Foto nº 1 > Sável frito, crocante...


Foto nº 2 >  A açorda de ovas (de sável)...


Foto nº 3 > Lourinhã, Praia do Porto das Barcas... Ao fundo, a Praia do Porto Dinheiro...


Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te ao Mar > 11 de abril de 2021 > Fechou a época do sável...Este (Foto nº 1)  ainda foi pescado em março... Mas só agora comido... A receita foi à moda da"chef" Alice Carneiro, inspirando-se na cozinha  de Vila Franca de Xira, onde o sável vai à mesa do rei... Já os "colonialistas" dos romanos gostavam do sável lusitano...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não vou discutir se o melhor sável é o do rio Minho, ou do rio Douro ou do rio Mondego ou do Rio Tejo...Estupidamente as barragens mataram o sável do Douro... Tal como a lampreia e outras espécies. Mas isso é outra história. Triste. As barragens, a poluição, a sobrepesca... A verdade é que a população de savel (nome científico, Alosa alosa) está a diminuir drasticamente em Portugal.

Também não vou discutir onde se come o melhor sável do mundo e qual a melhor receita... Este ano tive o privilégio de comer sável por três vezes, e sempre na melhor companhia de alguns amigos e camaradas, e salvaguardando sempre as regras de saúde e segurança em vigor na pandemia de Covid-19.

Com 2 kg de sável, fêmea, que custaram cerca de 15 euros, a"chef" Alice deu de comer a cinco tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar... Num sítio paradisíaco, secreto, longe das vistas dos mirones (e onde a ASAE não mete o bedelho...).

Desta vez a "chef" Alice não o fez à moda duriense, o sável frito com arroz, mas sim o sável frito com açorda de ovas... Porque o peixe que arranjou era fêmea e tinha ovas. (Fazer com ovas de pescada é batota.). E fez *a moda das gentes ribeirinhas do Tejo, dos vilafranquenses. 
Há aqui um vídeo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, com a receita do "chef" José Maria Lino. 

Os convivas adoraram, as postas fininhas do sável estavam bem fritas e crocantes. E a açorda, se lhe chorar por mais!... 

Para o ano haverá mais, se o sável vier desovar aos nossos rios...Espantoso, é um peixe que pode viver 8 anos, atingindo a maturidade sexual aos 4/6 anos...É nesta altura que inicia a migração para o rio onde nasceu!... E para morrer, em geral, após a desova. Há espécies altruistas...

Sabe-se que os "colonialistas" dos romanos adoravam o "sável" lusitano... E se calhar foram eles que nos passaram o gosto... Se sim, o "colonialismo" não tem  só coisas más... Mas a palavra "sável" não parece vir do latim. Se calhar até é bom que seja de etimologia duvidosa. (**)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22091: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (26): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte III: cozido à portuguesa, para despedida do inverno; frutos do mar, como saudação à primavera

(**) Vd. poste de 5 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14434: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): A sagração da primavera, em louvor do sável

A sagração da primavera

por Luís Graça

Come-se o sável da tradição
que transborda as margens dos rios da nossa memória,
na semana santa em que o pecado era a carne
ou a tentação da carne ou a falta dela.

Frita-se o sável no azeite dos pobres,
supremo luxo, na sexta feira santa
em que Cristo morreu por todos nós,
os inocentes, os pecadores
e todos os que nunca tomam partido
entre a veemência do mal e a urgência do bem.
E quem não tem sável, come savelha,
que de sáveis por São Marcos enchiam-se os barcos.

Vem o sável apanhado nas redes
das pesqueiras do Douro quando o sável e a lampreia
chegavam a Porto Antigo e daqui à tua aldeia,
e os barcos rabelos eram endiabrados brinquedos
que caíam no buraco negro dos cachões,
carregados do vinho fino
que não matava a fome á pobreza.

Boa era a truta, bom o salmão,
e melhor o sável quando sazão,
diziam o fidalgo e o abade
que eram mais carneiros do que peixeiros.
E quem tem bula, que coma carne.

Comia-se o sável um vez por ano,
na cozinha gourmet dos camponeses
de entre Douro e Minho.
Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!,
traz a boa nova o compasso
que bate a todas as portas dos cristãos.

E estalam foguetes no ar,
e rebentam em flor as cerejeiras
(aqui chamam-se cerdeiras),
e as videiras dão gamões,
e o verde é mais verde
sob o azul do céu das serras
que estrangulam os vales e os lameiros
e o rio Douro quando era selvagem e livre.

É a primavera que chega,
e há de ser o solstício do verão,
regulando a vida circadiana dos adoradores do sol
e dos comedores de sável.

É vida que triunfa sobre a morte.
é a Páscoa aqui no Norte,
é a festa da brava gente
que sempre teve engenho e arte,
quer na paz quer na guerra.

Pois que seja boa e santa e feliz a Páscoa,
para todos,
em toda a terra,
por toda a parte.

Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses,
4 de abril de 2015
v2

quinta-feira, 11 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21994: Manuscrito(s) (Luis Graça) (200): "A minha esperança mora / No vento e nas sereias / É o azul fantástico da aurora / E o lírio das areias" (Sophia)


Foto nº 1 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar > 6 de março de 2021 > O lírio-das-areias

 
Foto nº 2 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar >  6 de março de 2021 > 
 
Foto nº 3 > Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-Te Ao Mar >  O lírio-das-areias em flor
 

Foto nº 4 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 > 


 Foto nº 5 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 >
 

Foto nº 6 > Lourinhã > Praia da Areia Branca  > Dunas >  11 de março de 2021 > O lírio-das-
areias cercado pelo chorão-das-praias (Carpobrotus edulis), 

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Que planta é esta, que cresce à beira-mar ?  Tem muitos nomes populares: lírio-das-areias, narciso-das-areias, lírio-das-praias, lírio-das-dunas, pancrácio marítimo... Nome científico Pancratium Maritimum...

É uma planta autóctone de Portugal continental ( , não existe por exemplo na Madeira), vive nas dunas e areais costeiros, geralmente na duna primária e nos vales entredunares, ao longo de toda a nossa costa, do Minho ao Algarve...

Cantada por poetas como Sophia de Mello Breyner Andresen: "A minha esperança mora / No vento e nas sereias / É o azul fantástico da aurora / E o lírio das areias." (in: Dia do Mar). 

2. Diz a Wikipedia

(i) Descrição:

(...) É uma espécie herbácea, as folhas erguidas sobressaem do solo formando um denso ramalhete; têm entre 5 e 20 mm de largura e são de cor verde azuladas. Têm um bolbo largo, esbranquiçado, com várias capas membranosas. A ingestão provoca uma grade toxicidade, visto conter heterósidos cardiotónicos. As raízes estão situadas a uma profundidade de até 0,8 m abaixo da superfície.

As flores são pediceladas, grandes, de cor branca, com semelhança aos narcisos, muito aromáticas e com um tamanho de até 15 cm de comprimento. A for apresenta 6 tépalas lanceaoladas abertas na periferia e com uma nervura esverdeada dorsal que nasce na base da umbela. A corola com forma de trompete, também branca, contém 12 dentes de forma triangular. Os 6 estames são de cor esbranquiçada, com anteras de cor amarela em forma de rim.

O ovário é trilocular e sobressai sobre o cálice. O fruto é uma cápsula grande e ovóide, em cujo interior se encontram as sementes, negras e de forma triangular, com picos. (...)

(ii) Etimologia:

Pancrácio provem do grego παν (pan, "tudo") e κρατυς (cratys, "potente") em alusão a supostas virtudes medicinais da planta. Maritimum vem do latim "mar", devido ao seu habitat costeiro.

3. Floração:

Já quanto à floração, há divergências nos registos: estas  imagens (Fotos nºs 1, 2 e 3) que fizemos, no Porto das Barcas, na "saída de emergência" da nossa "secreta" Tabanca do Atíra-Te ao Mar (, de que é régulo o nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho),  têm a data de 6 de março de 2021... Estes lírios-das-areias aparecem no alto na arriba do Porto das Barcas e já estão a florir... 

Nas dunas da Praia da Areia Branca / Praia do Areal, costumamos vê-las florir mais tarde, a partir de fins de maio e princípios de junho... 

As dunas são ecossistemas muito sensíveis e correm o risco de desaparecer...  Infelizmente este passeio pedonal, ligando a foz do rio Grande à praia do Areal,  está muito degradado... É uma pena!... Mas quando for recuperado,  por favor, senhores autarcas, mandem arrancar os chorões que esmagam as nossas lindas plantas autóctones dunares!... Ofereço um dia ou meio-dia de trabalho voluntário, conforme o estado de saúde das minhas pernas,  para ajudar a arrancar os malditos chorões!

O chorão-das-praias é espécie invasora, proveniente da África do Sul, e como tal está listada no Decreto-Lei nº 92/2019, de 10 julho.(Assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) n.º 1143/2014, estabelecendo o regime jurídico aplicável ao controlo, à detenção, à introdução na natureza e ao repovoamento de espécies exóticas da flora e da fauna.)
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21918: Manuscrito(s) (Luís Graça) (199): Elegia para Isabel Mateus (Soure, 1950 - Lourinhã, 2021)

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21922: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (20): O pão nosso de cada diz nos dai hoje, diz a "chef" Alice... E se for de farinha de trigo de Barbela, do Moinho de Avis (Cadaval, Montejunto,1810), ainda melhor!

Foto nº 1


 Foto nº 2


 Foto nº 3


Foto nº 4




Foto nº 5

Cadaval > Vilar > Vila Nova > Serra de Montejunto > 20 de agosto de 2015 > O nosso camarada e amigo Joaquim Pinto Carvalho levou-me, a mim, à Alice e mais uns amigos do Norte (o Gusto, a Nita e a Laura) até ao moínho do Miguel Nobre, no alto da serra... 

É conhecido como o moinho de Avis, tem mais de dois séculos de existência,,, Daqui vê-se, do lado do poente,  o oceano Atlântico, e do lado nascente, o rio Tejo e o estuário e, a sul, as serras da Arrábida e de Sintra, a norte as serras de Aire e Candeeiros... Dizem que é o mais alto da península ibérica, dos moinhos ainda a funcionar. O Miguel Nobre também é engenheiro de moinhos, uma arte e um ofício em risco de extinção, tal como a arte e o ofício de moleiro...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Foi com a farinha de trigo de Barbela, obtida neste moinho, que a "chef"Alice cozeu os absolutamente deliciosos pãezinhos que vemos nas fotos acima: uns com chouriço de porco preto e fatias de "bacon" (foto nº 1) e outros sem qualquer recheio... 

Tudo simples, cozido no forno a gás... Segredos ? Saber amassar um quilo e pouco de farinha (que tem um pequena percentagem de centeio), e usar o fermento q.b, deixar a levedar e...pôr ao forno (, que nem sequer é a lenha, como na Tabanca de Candoz).

Obrigado ao Miguel Duarte e aos "duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira-te ao Mar (Porto das Barcas, Lourinhã), pela gentil oferta de um saco de cinco quilos de farinha (Fotos nºs 3 e 4).

O Moinho de Avis tem página no Facebook. E já teve direito a dois postes no nosso blogue, na época pré-covid, no já longínquo ano de 2015 (*).

Com a pandemia de Covid-19 a fazer um ano no próximo mês de março (!),  e com dois duros confinamentos gerais, continuamos aqui a  deixar algumas sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais, apropriadas  às circunstâncias... Esperemos que elas contribuam também para o revigoramento  da nossa saúde física e mental...

Sabemos, de experiência própria, com 3 anos de tropa e de guerra, ao serviço da Pàtria, da Mátria e da Fátria, que não há um "bom moral na tropa" sem um bom rancho... E no rancho o pãozinho nosso de cada dia, esse,  não podia faltar... 

O famoso "casqueiro!... Faziam-se perigosas colunas para se ir buscar às sedes de batalhão os sacos de farinha que faltavam nas padarias improvisadas  dos nossos destacamentos e aquartelamentos no mato... Quantas belas (e algumas trágicas) histórias ainda haverá por escrever e publicar, aqui, no nosso blogue, sobre o Pão Nosso de Cada Dia Nos Dai Hoje!...

Como já temos dito, esperemos que os tempos que correm, com longos períodos trancados em casa, e muitas incertezas para o futuro, continuem  a ser  propícios à descoberta de talentos culinários dos camaradas e amigos da Guiné...

Vejam, caros/as leitores/as,  esta série como uma forma, bem humorada também, de diversificar a experiência de leitura do blogue e sobretudo nos ajudar  a combater a tão falada "fadiga pandémica"...  

Mandem-nos  fotos (com legenda...) das vossas habilidades como "chefs", para publicação nesta série, "No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"...  É preciso voltar a indicar o email, que consta na coluna do lado esquerdo  ? Então aqui fica, mais uma vez, os endereços dos nossos editores: 




joalvesaraujo@gmail.com

luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

2. Na página do Facebook de Adolfo Henriques pode ler-se o seguinte artigo sobre o trigo Barbela... que  reproduzimos na íntegra, com a devida vénia (e os nossos parabéns ao autor por manter viva a tradição da cultura do trigo Barbela):

Trigo Barbela, um trigo escravo

Variedade de trigo mole cultivada desde tempos imemoriais em todo o Portugal, a sua cultura só tem perdurado, essencialmente, no distrito de Bragança e, a partir de agora, na Maçussa [, concelho de Azambuja]. Vamos proceder ao seu cultivo e aqui acompanharemos todas as fases, desde o semear até á prova do pão. Será moído da maneira tradicional, bafejado pelos ventos que sopram na Serra de Montejunto, no moínho de Aviz, obra do amigo Miguel Nobre que domina a difícil arte de usar o vento com maestria. 

Com este trigo se faz o delicioso Cusco de Trás-os Montes, em tempos usado como substítuto do arroz ou da batata por exemplo, ou ainda os célebres doces do mesmo nome. Com efeito, a variedade tradicional Barbela reúne um conjunto de características que lhe proporcionam grande rusticidade e capacidade de adaptação a difíceis condições climáticas. 

A sua capacidade de produzir palha em quantidade e qualidade também contribuiu para a preferência dos produtores da região pelo Barbela, apesar das entidades responsáveis pela cerealicultura nacional não lhe terem reconhecido ainda o devido valor agronómico e comercial. 

Para além disso tem um teor muito baixo de glúten. A conservação da variedade tradicional Barbela pressupõe a preservação de um conjunto de conhecimentos e práticas agrícolas transmitidas ao longo de gerações de agricultores. 

Obrigado ao meu amigo João Vieira pelas sementes e a Ana Maria Pinto Carvalho e Associação Tarabelo, de Vinhais,  pelas informações que disponibilizam na internet sobre o Barbela. Mais notícias em breve !

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21887: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (19): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte I: ainda não é verão (, mas um dia destes há de ser!), e já me está a apetecer uma saladinha de queixo fresco e uma paelha, com um bom branquinho...

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21583: A galeria dos meus heróis (39): o meu amigo Doc - Parte I (Luís Graça)


Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te ao Mar > 8 de maio de 2020 > Uma "foto feliz", um bom sítio para, em pleno confinamento imposto pela pandemia de Covid-19,  revermos, ao ralenti, os fotogramas dos filmes que de vez em quando passam (e repassam) na tela da nossa memória, ajudando porventura a exorcizar os nossos fantasmas da guerra...


Foto: © Alice Carneiro (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A galeria dos meus heróis: o meu amigo Doc - Parte I

por Luís Graça


1. Estive no seu leito de morte. Um fatal cancro dos pulmões, porventura curável nos nossos dias, roubara-lhe a vida, há uns trinta anos atrás. Teria hoje 78 anos,  se fosse vivo. Morreu jovem, demasiado jovem.


Era um dos meus heróis da adolescência, o Doc. Tinha lentamente recuperado a alegria de viver, depois de uma grave crise que ele próprio qualificara de “existencial”.

A origem dessa crise remontaria, pelo menos, a setembro de 1967,  altura em que ele regressara da Guiné, onde havia conhecido a “guerra, pura e dura”.

Era um dos meus amigos, na época  da adolescência. Dele  guardarei para sempre uma grande saudade, não obstante as nossas vidas, cruzadas como tantas outras, se terem separado no final da década de 1960.

Nessa altura eu fui para a tropa e ele estava a retomar, a custo, os seus estudos de medicina que a vida militar viera interromper abruptamente.

A imagem mais dolorosa que guardo dele, é a da cama do hospital, num quarto, minúsculo, ao fundo de um corredor sombrio. Sem janelas. Sozinho como um cão, anichado em posição fetal, a escassas… 48 horas de exalar o seu último suspiro, como virei a saber mais tarde, pela… telefonista do hospital. 

Reconheceu-me só pela voz, não se moveu nem um centímetro, estava lúcido, mas já em grande sofrimento. Só lhe sussurrei, quase em cima do ouvido,  um tímido “Olá, Doc”. E acrescentei, estupidamemente: "Coragem!".

As suas únicas (e últimas) palavras, roucas, cavernosas,  inumanas, soaram-me a despedida, irremediável, sem retorno. Senti-as como um punhal cravado no meu peito. Guardei-as para o resto da minha vida:

Luisinho (tratava-me sempre por Luisinho), vai-te embora, vai-te embora! implorou. (Nunca saberei se era uma súplica, uma ordem ou uma expressão de raiva e impotência.)

Trinta anos depois, não me envergonho de o dizer,   essas palavras, as últimas, as únicas, que ele proferiu, no seu leito de morte, na minha presença, ainda hoje me martelam a cabeça.

Senti uma enorme impotência por ver a morte triunfar, impante, sobre a vida, e ao mesmo tempo vergonha  por ter sido incapaz de lhe tocar!... Como se ele já fosse cadáver!... Por pudor ou medo atávico da morte, não consegui sequer tocar-lhe. Muito menos dizer-lhe uma palavra de consolo. Só um tímido e cobarde... "Coragem!". 

Mais tarde,  talvez para tranquilizar a minha consciência e não sentir o peso da minha fraqueza e sentimento de culpa, iria interrogar-me sobre o significado que ainda poderia ter o meu gesto de compaixão, no momento mais pungente e solitário da vida de um homem… Que é quando um gajo agoniza, lúcido mas a sofrer, longe do mundo, já muito longe daqueles que nos amaram e que nós amámos!…

Em boa verdade, ele não tinha ninguém à sua cabeceira, morreria dois dias depois, “sozinho como um cão” (uma expressão que ele próprio usava, nos seus aerogramas, para falar da sua condição de combatente na guerra da Guiné, em 1965/67).  Morreria sozinho como um cão, aos 48 anos, longe da família, de que, aliás, só restava a irmã, e os sobrinhos que mal o conheciam. Não tinha filhos, pelo menos que se soubesse.

Tive um ataque de choro, convulsivo, enquanto saí dali, confuso, quase aos trambolhões, daquele corredor estreito e sombrio do hospital, sufocado, em busca do ar fresco do pequeno bosque que circundava o pavilhão, conhecido como o “terminal da morte”.

 

2. Recuando 30 anos atrás, lembro-me do seu regresso da Guiné. Eu era o único amigo de que ele se lembrava. Ou melhor, eu era talvez o único amigo de que ele se queria lembrar.

Tinha regressado da guerra em 1967, no verão que iria marcar, ironicamente, o fim, político, do homem que o mandara defender a Pátria, a milhares de quilómetros de casa.

Tinha regressado da Guiné e não avisara ninguém da família. Nem sequer a namorada. Muito menos os amigos, poucos, que vinham do tempo do colégio e do grupo de teatro amador, como era o meu caso. E eu,  seguramente, o mais novo.

De facto, nem sequer se dignara escrever-me, a mim, que era o seu correspondente e confidente (trocávamos correio  enquanto ele esteve na Guiné, entre 1965 e 1967) e, no grupo de teatro, secretário, moço de recados, ponto, datilógrafo, discípulo, figurante, aprendiz de ator… Além de sermos amigos e vizinhos de bairro, se bem que eu fosse mais novo uns bons anos.

Sentia-me lisonjeado com a sua amizade, mas também sabia que ele era um pessoa “difícil”, frequentemente “imprevisível e desconcertante”, "irascível e âs vezes duro e até cruel, se não mesmo desumano”, como escreveu um dos seus "amigos críticos", no jornal da cidade, na notícia necrológica. 

Sim, o Doc era bipolar.  Era uma pessoa de extremos, daí o facto de nunca  ter tido muitos amigos. Mesmo assim, houve gente decente da nossa terra, que compareceu ao seu funeral, que seria organizado pela sua irmã, professora universitária.

Não tinha, por isso, ninguém à sua espera, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, nessa manhã de setembro de 1967. De resto, vinha sozinho, como me explicará mais tarde. Eu ainda não percebia nada de tropa, mas fiquei a saber, pelos aerogramas que trocávamos, que ele era de “rendição individual”. E, como tal, não havia regressado no navio com os seus camaradas da última companhia onde estivera, os quais, sendo mais novos, ainda ficaram a cumprir calendário. Ou, como ele dizia, com sarcasmo, “a cumprir o resto da pena de desterro”. 

Tanto quanto me apercebi, o Doc tinha receio que a família e alguns amigos lhe quisessem fazer uma surpresa, indo esperá-lo  no cais de desembarque. Seria a última coisa que ele iria aceitar, “a última cena, grotesca,  da tragicomédia da guerra”.

Curioso, sendo um “homem do teatro”, tinha um enorme pudor em manifestar em público as suas emoções e sentimentos. Aliás, ele não era propriamente ator mas encenador. Em boa verdade, eu nunca o vira representar, nem no palco nem na rua.

Ficaria trancado em casa nos primeiros dias, sem querer ver ninguém. Eu e a namorada teremos sido as primeiras pessoas, fora do círculo familiar, que ele condescendeu em receber depois do regresso. 

Para a namorada, seria aliás o fim de um relacionamento que já antes tinha tudo para não dar certo.  Julgo até que ela foi a primeira vítima da sua rutura com o passado. Segundo me contou depois a irmã do Doc, terão tido  uma discussão violenta, acabando tudo entre eles nessa tarde. Para grande desgosto da mãe, que via na Bela, a alma gémea do seu filho. Os inimigos do Doc respiraram fundo, com a notícia do rompimento do impossível namoro entre "a Bela e o Monstro".

Comigo desabafou, explicando-me que estava a fazer um “cura de sono”… Na altura, em 1967, não havia psiquiatras e psicólogos como há hoje, e eu, na ingenuidade dos meus dezoito anos, nem sequer pus a hipótese de ele estar a passar  por uma “crise de depressão”. 

Na época, não se falava de "saúde mental"  e muito menos ainda de “stress pós-traumático de guerra”, nem eu imaginava sequer o que fosse essa entidade clínica…

− Só as mulheres é que têm depressão pós-parto – dizia o pai dele, que nestas coisas tinha sempre um certo ar de sobranceria e fazia questão de emitir a opinião arrogante e definitiva do catedrático.

As relações pai-filho também não eram as melhores. Aliás, nunca foram lá muito boas. Contrariamente à mãe, o pai só lhe terá dito, à chegada, curto e seco:

Olá, filho, sê bem vindo… Finalmente, em casa!

Eram os dois parecidos, pai e filho, em  muita coisa, mas chocavam-se quando, por exemplo, discutiam a “guerra do ultramar” (como dizia o pai) ou a “guerra colonial” (como preferia chamar-lhe o filho).  Uma questão terminológica que lhe punha os cabelos em pé. 

Mesmo se tivesse “cunhas” (o que não era o caso), o pai nunca  se humilharia perante ninguém para interceder pelo filho, livrando-o do ultramar ou, pelo menos, da Guiné… E depois a tropa e a guerra iriam "fazer dele um homem", como fora o seu caso, que  combatera os alemães em Moçambique na I Grande Guerra.

− Lusinho (tratar-me-ia sempre por Luisinho, até ao fim da vida), não me leves a mal, nem ouças o tonto do meu “Velho”… Mas, quando eu desembarquei, a única coisa que eu queria,  era chegar a casa, não ver ninguém, não estar com ninguém, fechar as cortinas, enfiar-me na cama…

E acrescentou algo que me chocou e perturbou:

− Sabes que mais ? … Tenho asco a tudo o que é humano!

Não alcancei o que ele queria dizer com aquela estranha expressão. Mas ele insistia que precisava de dormir um “sono reparador”:

− … Dormir um dia inteiro, uma semana, um mês… Porventura, um ano ou até o resto da vida… Queria poder hibernar o resto da vida. Esquecer. Esquecer a tropa, a guerra, a Guiné…

Ainda ensaiei uma tímida tentativa de diálogo mas ele correu comigo, pondo-me fora do quarto… Aí assustei-me, ao ver e rever o seu ar acabrunhado, as olheiras fundas, a cor da pele amarelada,  a barba de vários dias, por fazer…

Afinal, era um “ataque de paludismo”, tranquilizou-me a pobre mãe que, à força de muitas súplicas e lágrimas, lá o convencera a ser visto pelo médico, amigo da família, e que, sendo de saúde pública, sempre devia perceber alguma coisa de doenças tropicais…

Nas costas da mãe e do médico, nesse fim de semana, despejou uma garrafa de uísque.

Na altura, confesso, eu até pensei que ele poderia estar com ideias parassuicidárias, como se diz hoje. Fiquei assustado com o estado de saúde, física e mental, do meu amigo. 

E ainda estava fresca, na memória de toda a gente da terra, a morte por enforcamento do pai de um antigo colega meu de escola. Estava eu de piquete na redação do jornal, fazia os "faits divers", os nascimentos, batizados, casamentos e óbitos,  e ainda vi, enquanto se aguardava a chegada da autoridade de saúde, o corpo a baloiçar numa barrote da caldeira onde  trabalhava. Era o adegueiro.

 

3. Reconstituindo o que se passara nessa manhã de neblina,  em que desembarcara,  no Tejo, de um velho navio, misto, de mercadorias e passageiros, da carreira colonial, o Doc contou-me que durante a viagem e à chegada tinha tido “pensamentos confusos e impulsos contraditórios”.

Chamara um táxi e estendera ao condutor um cartão com a morada de casa. Pediu para o acordar quando chegasse ao destino. Nem sequer fez questão de perguntar em quanto ficaria o serviço de táxi, sendo para fora de Lisboa. Tinha os bolsos cheios de notas, o “patacão sujo da guerra” (sic), em Bissau trocara um maço de “pesos” por escudos metropolitanos.

Ao fim de três horas e tal de viagem, estava na cama, na casa dos seus pais, na região Centro, na sua cama de solteiro, no seu quarto, com as estantes dos seus livros e discos de vinil, estava tudo como ele tinha deixado há dois anos atrás. 

Justamente ia fazer dois anos que não se viam, ele e os pais e a irmã. Ele não viera de férias, por “razões disciplinares”: tinha apanhado uma “porrada” (sic) e, em consequência do castigo, tinha sido transferido para outra companhia, como mandava o RDM, o regulamento de disciplina militar.

Senti que esse episódio o marcara muito, mas nunca me deu grandes pormenores. E eu respeitei a sua revolta e sobretudo o seu silêncio. Era evidente que o assunto o incomodava, não gostando de falar dele. 

Em aerograma que mandara aos pais, terá arranjado uma desculpa esfarrapada para justificar a impossibilidade de comparecer à festa, comemorativa  dos  25 anos de casados, marcada para o verão de 1966. (E se a mãe tanto insistira com ele para marcar as férias para o mês de julho de 1966!)

A releitura dos seus aerogramas não me permitiu esclarecer cabalmente esta história que lhe sujou a “caderneta militar” (documento, aliás,  a que eu nunca pus a vista em cima,  se é que ele não o destruiu em vida).

Há dois episódios que poderão estar na origem  da tal “porrada” ou castigo… Vejamos cada um, sem  entrar em grandes pormenores.

O primeiro  tem  a ver com uma exaltada discussão  com a Polícia Militar, em Bissau, quando ele tirou uns dias para ir ao estomatologista. Traduziu-se numa participação contra ele, tudo por causa de um cena de pugilato com outro militar (de que desconheço a patente, mas o mais provável era ser um 1º cabo).

O meu amigo Doc, que estava numa conhecida esplanada, perto da Amura, quis fazer justiça  pelas suas próprias mãos, contra  um grupo de “velhinhos”, ruidosamente festejando o fim de comissão, que deram para se meter com os “djubis”, os miúdos que vendiam “mancarra”, nas ruas de Bissau… Aliás, miúdos e miúdas. 

Fizeram-lhes uma série de tropelias, o que começava a incomodar quem estava na esplanada, seguramente todos militares, uns fardados, outros à civil. O Doc interpretou isso como um ato de violência gratuita, se não mesmo racista, para mais sendo as vítimas crianças, indefesas, que tentavam ganhar a vida…Porém, de nada lhe valeu, a ele,  puxar dos galões. O grupo estava alcoolizado e ninguém mediu as consequências. Às tantas generalizou-se a pancadaria, até que chegou a Polícia Militar e restabeleceu a ordem. 

Abreviando a história, houve várias detenções. O Doc foi levado para o quartel da PM, que era ali mesmo ao lado, na Amura. Ficou lá cerca de duas horas. Mas houve testemunhas que abonaram a seu favor. Nomeadamente, outros alferes que estavam sentados na esplanada, e que, por coberdia ou cautela,  não se quiseram meter ao barulho. "Afinal, um militar fardado está ou não está 24 horas por dia de serviço ?", interrogava-se o Doc, a limpar o sangue do sobrolho e ainda a espumar de raiva contra o grupo de arruaceiros.

O segundo episódio prende-se com uma situação algo semelhante, em que vem ao de cima o lado “justiceiro” do Doc, mas desta vez envolvendo um oficial superior (julgo que seria um major) que terá tratado a pontapé alguns militares de um pelotão de caçadores nativos, adido à  companhia de comando e serviços do batalhão a que pertencia o Doc. 

Resumo o essencial da versão do Doc, num dos  aerogramas que me escreveu: os militares, todos guineenses, estavam a abrir valas, à volta do perímetro do aquartelamento…  Calaceiros, mandriões  e outros epítetos ainda mais injuriosos terão acompanhado os pontapés do major (2º comandante, ao que percebi), impaciente  com a fraca produtividade dos "nharros", dos "barrotes queimados"...

À hora do bridge, e depois dos uísques do costume, a seguir ao jantar na messe de oficiais, o Doc, que assistira à cena da tarde, “impotente mas indignado”,  caiu na asneira de comentar, em tom subtil mas jocoso, em voz alta,  a versão do major sobre o "incidente", ao mesmo tempo que  incriminava o alferes, comandante do pelotão em causa,  por deixar os seus homens ao deus-dará... Este, cobardolas, estava enfiado na cadeira com o rabo entre as pernas...

O Doc terá citado um provérbio popular, muito usado na sua região: "Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão"....Caiu o  Carmo e a Trindade, na messe de oficiais… O major ficou lívido, "à beira de um ataque de nervos", era de resto um homem "histérico e irascível". O comandante veio de imediato em defesa dele, dando ordens ao alferes, ao Doc,  para se recolher de imediato ao seus aposentos.

O médico do batalhão, que era conhecido do Doc, do tempo de Coimbra, terá interferido a seu favor, junto do tenente-coronel.  Em vão, ao que parece. Não sei o desfecho da história. A verdade é que, passado pouco tempo, em maio de 1966, o Doc é transferido de unidade…

O castigo disciplinar, desproporcionado,  teve consequências graves na sua vida militar na Guiné: perdeu, de imediato, o direito ao gozo da licença de férias, e passou, de uma região  relativamente calma, o Leste, para outra, o Sul onde a atividade operacional era mais intensa… 

Tal como chegou, sozinho, assim partiu: nenhum dos seus camaradas , alferes milicianos,  se dignou ir ao bar de sargentos beber um copo de despedida com ele. Teve apenas, à mesa, dois ou três furriéis que o estimavam...E julgo que o médico.

E, pior ainda, ele que tinha uma especialidade relativamente burocrática (era oficial de operações e informações), passou a andar no mato, de camuflado e de G3 em punho, como comandante de um grupo de combate numa companhia de caçadores…

Nunca soube ao certo por onde ele andou o resto da comissão… Porque nos aerogramas só vinha o SPM, o código do Serviço Postal Militar. E tinha sempre o cuidado de nunca se identificar. Assinava, na correspondência para mim,  como  “o amigo Doc”…

Num dos últimos aerogramas que me escreveu, já perto do final da comissão, confidenciara-me:

“Tenho a mania que vou endireitar o mundo. A liberdade de expressão na tropa paga-se caro, com língua de palmo. Nestes quase quinze  meses cá em baixo, na região a que chamam de Tombali, já conheci os múltiplos tormentos do inferno desta guerra: a sede, a fome, os ataques de abelhas, a exaustão física e emocional, as intempéries tropicais, a merda que te cobre o corpo, a solidão, a alienação, a desumanidade … Para não te falar do medo das minas e armadilhas, e das emboscadas, mais do que dos ataques e flagelações aos nossos quartéis, onde, apesar de tudo, tens um buraco para enfiar os cornos”…

(Continua)

© Luís Graça (202o). Revisto, 21mai2023
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Nota do editor:

Último poste da série >  13 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21447: A galeria dos meus heróis (38): Don't worry, be happy! / Não te chateies, sê feliz (Luís Graça)